Como era o cotidiano da entrevista nesta época

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Jornalismo

PorBruna Nicolielo

01/02/2012

Memória afetiva Utensílios domésticos e de trabalho antigos que permanecem guardados na casa dos alunos foram o ponto de partida para entender a história local.

Articular o cotidiano e a história de vida dos alunos à história local e à nacional é uma das diretrizes do ensino da disciplina. Mas como fazer isso sem ser especialista? A experiência da professora Elaine de Paula, formada em Pedagogia, ajuda a responder a essa pergunta. Desenvolvido com turmas de 3° ano na EM Agnes Pereira Machado, em Catas Altas, a 142 quilômetros de Belo Horizonte, o projeto envolveu um estudo sobre antigos utensílios domésticos e de trabalho, que permaneciam guardados na casa dos habitantes da cidade e que ainda fazem parte do modo de vida deles. "A turma analisou a utilização de cada objeto no contexto em que viviam seus antepassados e na atualidade", diz Elaine. Essa estratégia revela uma concepção de ensino de História, abordada com base na história de todas as pessoas, e não de uma entidade abstrata (a cidade, o Estado ou a nação, por exemplo). "Todo vestígio deixado pela humanidade, inclusive o das pessoas consideradas comuns, pode se tornar uma fonte importante de estudo", explica José Evangelista Fagundes, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Essa prática permite à meninada construir sua identidade e resgatar a herança cultural de sua cidade. "Também estimula o aluno a interferir nos rumos da sociedade em que vive", diz Leila Medeiros de Menezes, docente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Essas orientações metodológicas, presentes no projeto de Elaine, valem para educadores de todo o Brasil. Para fazer um bom trabalho em história local, o importante é ter em mente que há muitos recortes possíveis. "Eles devem ser pensados em função das necessidades e perguntas dos próprios estudantes", explica Fagundes. Isso significa que é possível estudar determinado conteúdo com base na ótica de um dos grupos envolvidos. Outra questão diz respeito à seleção dos temas clássicos. Em todos os casos, é preciso relacionar o que ocorria no país no período estudado aos reflexos na região em que vive a turma. É por meio da localidade que os aprendizados ganham sentido no dia a dia do aluno e ele passa a fazer relações e entender conceitos. Vale lembrar que alguns assuntos são mais adequados para determinadas regiões, como as migrações no Sul e no Sudeste e a cana-de-açúcar no Nordeste. A interiorização do país no século 18 e a agropecuária podem ser estudadas no Centro-Oeste. Já o ciclo da borracha é uma boa opção de pesquisa no Norte do país.

O passo a passo do projeto

Conheça as etapas do trabalho da professora Elaine Rodrigues de Paula

- Investigação Ela citou objetos do passado que ainda eram usados e pediu que a turma os levasse para a classe.

- Produção de textos Os alunos estudaram a história dos instrumentos com base em artigos selecionados e produziram textos e desenhos.

- Entrevistas A professora propôs que fizessem entrevistas para saber mais sobre os objetos estudados e seu contexto histórico.

- Trabalho de campo A criançada conheceu o acervo do Museu do Caraça e aprofundou seus conhecimentos sobre os objetos analisados.

- Produto final As produções foram reunidas em um livro e houve uma apresentação oral.

Conteúdos coerentes com os objetivos

História oral Procedimentos como a montagem da pauta de entrevistas, a coleta de depoimentos e sua análise crítica ajudaram na coleta de informações.

Antes de pôr em prática sua ideia, Elaine estudou as melhores estratégias de trabalho. Nesse ponto, esbarrou no primeiro obstáculo. Não tinha acesso a referências bibliográficas da área. Para sanar a questão, ela pediu indicações de leitura a colegas. Depois disso, entendeu que o ponto de partida deveria ser uma conversa em classe sobre a época em que teve início a exploração mineradora na região, no século 18. Assim, ela pretendia abordar a história do cotidiano da cidade com base em uma perspectiva (a de seus moradores) e enfatizar o papel de seus alunos como sujeitos dela. "Ela queria que a turma percebesse o sentido de estudar a História e se reconhecesse como parte do passado, bem como responsável pela preservação daquele patrimônio", afirma Juliano Custódio Sobrinho, selecionador do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.

Depois de determinar os conteúdos a serem abordados, Elaine separou os materiais mais adequados ao trabalho. No planejamento, ela recorreu a textos fornecidos pela Secretaria Municipal de Cultura e outros escritos de memorialistas e historiadores que falavam de Catas Altas. Uma conversa em classe sobre objetos antigos foi parte da primeira etapa (leia as cinco etapas na página anterior). A professora sugeriu que a turma contasse o que sabia sobre o passado de sua família. Ela mencionou os instrumentos cotidianos que ainda estavam presentes na vida da comunidade e que poderiam explicar muito sobre o passado. Depois, leu trechos dos textos selecionados.

Em seguida, propôs que os alunos contassem o que tinham aprendido em aula para seus familiares e que estes anotassem os comentários feitos pelas crianças. Eles escreveram no caderno dos alunos sobre o que conheciam da utilização de alguns objetos na vida de seus antepassados. Em classe, todos compartilharam as informações coletadas. Depois, Elaine pediu que trouxessem para a sala os materiais antigos, como uma balança e um ferro de passar a brasa. Todos contaram o que sabiam sobre esses instrumentos, mas o trabalho não se esgotou na observação desses materiais. Por meio deles, os alunos aprenderam a tirar conclusões e relacionar os dados fornecidos. "De que época ele é?" e "Quem o produziu?" foram algumas das perguntas lançadas à turma. Elas ajudaram a meninada a confrontar o passado e o presente, e não apenas vê-los em ordem cronológica. O trabalho com fontes históricas permite encontrar aspectos da história global na local (leia o quadro abaixo). "Isso leva os estudantes a entender que questões específicas da história abarcam aspectos amplos da vida humana e não podem ser vistas de forma fragmentada", diz Maria Auxiliadora Schmidt, docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) (leia a entrevista com a especialista na última página).

A cada aula, as crianças estudavam os objetos com base em textos previamente selecionados pela professora e entendiam a presença deles no cotidiano e na história da cidade. Em seguida, a garotada discutia e produzia textos e desenhos de observação sobre eles. A professora intervinha em todas as produções, apontando problemas e soluções. Nesse momento, Elaine enfrentou um novo desafio. Era muito difícil envolver todos na produção dos materiais e alguns demonstravam ter mais dificuldade. Para vencê-lo, ela remanejava constantemente os grupos e fazia intervenções diretas. Um dos estudantes se confundia ao escrever os textos, misturando informações sobre diferentes instrumentos. Para ajudá-lo, Elaine pediu que contasse a ela o que gostaria de incluir no trabalho. Com a ajuda de um cartaz que ficava exposto na sala e continha informações sobre os temas de estudo, ambos buscaram as que faltavam e o menino pôde finalizar o texto. Outra questão a obrigou a rever o planejamento inicial: os erros de ortografia cometidos pelas crianças. Para atacar o problema, a educadora interrompeu o trabalho e desenvolveu uma sequência didática sobre o tema. O passo seguinte foi entrevistar pais, avós e moradores antigos em busca de mais informações. A professora ajudou na elaboração das perguntas que seriam feitas, adotando procedimentos próprios da História Oral. Nas entrevistas iniciais, ela atuou como escriba, já que os estudantes não estavam habituados a escrever rápido. De volta à sala de aula, os depoimentos foram analisados e confrontados com os dados obtidos anteriormente. Assim, eles descobriram mais sobre o contexto histórico de cada objeto. Em classe, a professora apresentou a história do Museu do Caraça, que seria visitado na sequência. Lá, a criançada conheceu o acervo de instrumentos antigos e pôde esclarecer dúvidas que ainda não tinham sido solucionadas com base nas leituras e nas entrevistas. Os desenhos de observação e os textos informativos produzidos e revisados ao longo do projeto foram compilados em um livro. Também houve uma apresentação oral para a comunidade escolar.

Ao fim do trabalho, a garotada percebeu os reflexos de acontecimentos ocorridos no passado na sociedade em que vive. Mais do que isso, entendeu que a História está muito perto de todos nós e que cada indivíduo é protagonista dos processos dela.

Fontes do passado
Entenda que materiais são documentos históricos e podem ser usados em sala

Nas palavras do historiador francês Marc Bloch (1886-1944), registro histórico é: "Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca". Assim, textos escritos digitalizados ou em papel -- jornais, livros, revistas, cartas, panfletos, cartazes, diários pessoais, documentos oficiais etc. -, o acervo de um museu local, fotografias, testemunhos orais, filmes, pinturas, esculturas, instrumentos de trabalho, construções e outros vestígios do passado são exemplos desse tipo de fonte. Por meio ainda de mapas antigos e fotos de diferentes épocas, por exemplo, os alunos podem comparar as alterações ocorridas em determinada cidade ao longo do tempo.

"Buscar a presença da história universal na local"

Maria Auxiliadora Schmidt, professora de Metodologia e Prática do Ensino de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Por que muitos professores têm dificuldade de vincular a história local à nacional?
MARIA AUXILIADORA SCHMIDT
Isso tem a ver com uma perspectiva que foi utilizada por muito tempo, que limitava o local à dimensão espacial, sem estabelecer relações com outros espaços. Isso trazia dificuldades porque, muitas vezes, os alunos não eram da região estudada. Assim, os conteúdos perdiam seu significado para eles e os processos históricos mais amplos ficavam desvinculados do local.

Como superar esse problema?
MARIA AUXILIADORA
O desafio passa por adotar uma nova concepção metodológica. A generalidade está presente na particularidade. Por isso, deve-se buscar a presença da história universal na local. Essa concepção independe do conteúdo a ser trabalhado. Se a proposta curricular contempla, por exemplo, a história do trabalho em determinado estado ou a da religiosidade em um município específico, o ponto de partida sempre é encontrar as particularidades locais.

Você poderia citar um exemplo prático?
MARIA AUXILIADORA
Estudos realizados nos Estados Unidos, como o trabalho Connecting Children with Children: Past and Present (Conectando Crianças com Crianças: Passado e Presente, ainda sem tradução no Brasil), da pesquisadora Eula T. Fresch, mostram que relacionar experiências de crianças do presente e do passado, dos mesmos lugares ou de espaços diferentes, é uma boa motivação para a aprendizagem histórica. Isso também contribui para a construção da cidadania, já que estimula o debate sobre os interesses dos pequenos e sua atuação no presente e no passado.

Quais são as possiblidades de abordagem?
MARIA AUXILIADORA
É possível propor estudos sobre a história das crianças afro-descendentes ou indígenas ontem e hoje e sobre o trabalho infantil no decorrer dos séculos.

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