O que acontece se eu não comer por 5 dias

As redes sociais são, por excelência, a fonte dos modismos e novos comportamentos sociais. É inexorável. Com o gritante detalhe de que nem todos eles são benignos e dignos de aprovação. Um belo exemplo de tal constatação é a coach fitness Mayra Cardi, que nesta sexta-feira, 30, concluiu um bizarro jejum de 7 dias, que foi divulgado aos seus mais de 6,2 milhões de seguidores no Instagram.

Durante a saga, transmitida e acompanhada por meio de centenas de stories da influenciadora, apenas água foi ingerida. No final, ainda que ela tenha dito que era "uma jornada sobre autoconhecimento" e que nada estava relacionado com a forma física, ao anunciar o fim do "projeto" destacou os ganhos, ou melhor, a perda de gordura na barriga. "Olha, gente. Olha a pele, olha a cinturinha. Não tem nada", disse ela mostrando a silhueta em frente ao espelho.

O malefício psicológico para quem é exposto e influenciado por um comportamento do tipo segue na mesma linha do que muito conteúdo do Instagram promove: a não aceitação do próprio corpo e aparência, somada da adoção de hábitos de alimentação e vida muito pouco saudáveis.

Para se ter uma ideia, um estudo realizado pela Academia Americana de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Facial revelou que 55% dos cirurgiões atenderam pacientes que pedem por ajustes em suas feições inspirados em fotos do Instagram. Um detalhe ainda mais preocupante: em 2018, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins descobriram que as pessoas estavam levando as próprias selfies com efeitos e filtros como referência para possíveis procedimentos plásticos, a fim de transformar o virtual em real.

Mas no caso de quem se lança em uma jactante busca por um corpo escultural, como fez a influenciadora Mayara Cardi, há ainda outros riscos. Estes relacionados ao funcionamento do corpo humano, que, como é possível deduzir, não deveria passar por períodos tão intensos sem ingerir nutrientes.

Jejuar é bom?

Quando se trata de animais, a ciência indica que um corte de 15% a 40% das calorias previne a hipertensão, as doenças cardiovasculares e até alguns tipos de câncer. Também consegue prolongar a vida dos ratos em até 50%. Mas os efeitos dessa redução ainda não foram totalmente comprovados em pessoas. Em uma prática mais leve de jejum, chamada de intermitente, no qual o objetivo é limitar as calorias e focar as refeições em somente um período do dia, os estudos em ratos sugerem que essa exigente dieta protege o corpo da obesidade, da diabetes e até da neurodegeneração.

Então sim, para o caso de uma pausa curta e controlada há um certo beneficio. Em estudos também feitos com ratos, pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) mostraram que 24 horas de jejum já são o suficiente para estimular a capacidade das células de se regenerar. Mas ainda existem certos efeitos secundários, como a perda de massa muscular, que pode se estender para uma deterioração física durante o envelhecimento. Assim, mesmo nesse formato, não é recomendado jejuar.

Agora, no passo mais fundo, parar de comer causa uma bagunça nas taxas metabólicas, justamente porque o corpo entende que deve conservar energia. Portanto, se o objetivo é queimar calorias, fazer jejum não faz sentido. Além disso, ao retornar com o alimento, é possível que o indivíduo tenha ainda mais vontade de comer, e acabe por ingerir as calorias que queria perder. E se torna problemático em períodos acima de 3 dias, quando se entra na fase de desnutrição. Nesse ponto não é preciso nem mesmo detalhar a presepada metabólica que ocorre.

A defesa da influenciadora

"Fiz jejum de sete dias. Com supervisão e com a finalidade de saúde, alma, oração e estudos", se defendeu Mayra no Instagram. Além disso, divulgou artigos supostamente "científicos" que comprovariam os benefícios de se fazer jejum. No entanto, os 6 textos usados por ela eram panfletos de divulgação de uma clínica de estética que promoviam o método e auxiliavam pessoas com o jejuar. Os textos não eram boa influência. E não só eles.

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O café da manhã é a refeição mais importante do dia. Pelo menos é isso o que todo mundo diz. Mas um número cada vez maior de pesquisas está minando essa ideia. Jejuar, de uma forma ou de outra, é uma tendência bombada, como prova o monte de caras sarados no YouTube doidos para compartilhar segredos que fizeram eles superarem algum trauma no colegial.

Para muita gente, jejuar significa perder o café da manhã. Outras pessoas escolhem pular o jantar em vez disso. Qualquer uma dessas táticas vai resultar num jejum 16/8. Isso significa que, num período de 24 horas, você jejuou por 16 horas e comeu todas as suas refeições numa janela de oito horas. Outra variante popular é o jejum de dias alternados, onde a pessoa tipicamente não consome as calorias de um dia e come o que quer no seguinte.

Alguns dos supostos benefícios de regimes de jejum incluem redução de inflamação, queda no nível de açúcar no sangue e até prolongamento da vida – apesar desse último só ter sido provado em ratos. Não demorou muito para as pessoas começarem a imaginar se jejuns mais longos teriam resultados mais claros. Devo te lembrar que, se você está considerando fazer jejum, examine suas motivações, já que períodos de qualquer extensão sem comer podem ser sinal de transtorno alimentar.

Tentei conciliar todos os testemunhos sobre jejum com conversas que tive com médicos e nutricionistas para entender o que pode acontecer com meu corpo se eu tentar a modinha dentro da modinha e não comer por 72 horas direto.

Você vai ficar esfomeado. Depois, nem tanto.

Para a maioria, pular o café da manhã não é grandes coisas, particularmente quando você está muito distraído e tomando um monte de bebida cafeinada. Mas, se você pula a almoço, no meio da tarde seu cérebro vai estar gritando para você se reabastecer. Não literalmente gritando, claro. Ele vai te fazer se comportar como uma criança irritada e chata até alguém reconhecer os sinais claros de fome e enfiar um donut na sua boca.

Um estudo recente analisando o porquê da fome concluiu que uma interrupção na homeostase do cérebro pode provocar uma resposta emocional complicada envolvendo uma mistura de biologia, personalidade e ambiente. Essa tempestade perfeita, além de níveis baixos de energia e uma barriga falante, podem e fazem passar pela primeira parte de um jejum de 72 horas bastante desafiador.

Mas se você conseguir passar por esse período, as coisas começam a melhorar muito no dia dois ou três. “A diminuição gradual da fome é bem documentada em estudos mostrando a diminuição gradual do hormônio grelina com vários dias de jejum”, diz Jason Fung, nefrologista de Toronto, no Canadá, e coautor de The Complete Guide to Fasting. A grelina, ele explica, é um hormônio que te faz sentir fome. Ele é secretado em grandes quantidades quando seu estômago está num estado não esticado. Fung explica que um abatimento da fome acontece com mais frequência que não durante uma dieta estendida.

Devo mencionar aqui que 72 horas é uma duração muito menor do que levaria para uma pessoa saudável morrer de fome. Num editorial publicado pelo British Medical Journal, uma revisão da literatura sobre o tema descobriu que humanos podem sobreviver sem comida por 30 a 40 dias, desde que continuem adequadamente hidratados.

Como Alan D. Lieberson disse a Scientific American, quanto tempo uma pessoa consegue sobreviver sem comida realmente depende “de fatores como peso corporal, variações genéticas, outras considerações de saúde e, mais importante, a presença ou ausência de hidratação”. Morrer de sede, no entanto, pode acontecer em algumas horas. Em outro artigo da Scientific American, o professor de biologia da Universidade George Washington Randall K. Packer disse que um adulto numa situação confortável pode durar uma semana sem líquido.

Você vai ficar com bafo.

Quando Fung fala sobre seu corpo usando a gordura como combustível, ele está falando de cetose. Para entrar em cetose, você não dá ao seu corpo o tipo de combustível preferido dele – glucose – e o obriga a procurar alternativas. Quando não tem nada entrando na sua boca, seu corpo vai começar a sacudir as células de gordura para conseguir energia. Por isso o pessoal sarado curte tanto jejuar e o estado de cetose em que isso te coloca. Eles vão dizer que jejuar e cetose são o que fez cair sua porcentagem de gordura corporal para um único dígito, e estudos mostram que eles podem estar certos. O que eles não dizem é que seus tanquinhos têm um preço alto.

Um subproduto de converter os pneuzinhos em energia disponível são corpos cetônicos. “Um jeito como o corpo libera corpos cetônicos é por meio da exalação, tornando o hálito doce e frutado”, diz a nutricionista de Nova York Amy Shapiro, colocando esse odor de maneira mais positiva. Pesquisas mostram que bafo de acetona é um indicador confiável que você entrou no modo de queima de gordura. Você libera corpos cetônicos por meio da respiração – e o cheiro às vezes é desagradável o suficiente para assustar a pessoa que está roubando seus iogurtes por medo de ter a cara derretida pela sua boquinha de cemitério.

Tenha em mente que Shapiro não considera um jejum de 72 horas um jeito de conseguir uma perda de peso significativa. “Você provavelmente vai perder mais peso em água do que em gordura, enquanto seu corpo usa seus estoques de glicogênio antes de passar para a gordura de verdade”, ela diz. “Enquanto libera glicogênio, você perde água e essa geralmente é a causa da perda de peso rápida. Perder gordura leva mais tempo.” Defensor do jejum, Fung discorda e diz que você pode perder quase 700 gramas num período de 72 horas. Por essa razão, ele recomenda que pessoas com um Índice de Massa Corporal (IMC) menor que 20 podem se colocar em risco de desnutrição. “A maioria das pessoas têm muito mais gordura que isso”, ele diz.

Tradicionalmente, não comer por três dias seria visto como uma decisão não muito inteligente. Na verdade, em temos de escassez de alimento, seria visto como uma baita idiotice. Mas considerando que você vai com certeza conseguir algo para comer na quinta-feira, trancar seu armário da cozinha na segunda pode realmente melhorar suas funções cerebrais – segundo estudos com roedores, pelo menos.

Pesquisadores de Yale começaram a injetar grelina em ratos e descobriram que sua performance em testes de memória e aprendizado aumentava em 30%. Outro estudo da Universidade Swansea no País de Gales acrescentou o hormônio a células cerebrais de rato. A infusão ligou um gene conhecido por desencadear neurogênese, um processo onde as células cerebrais se dividem e multiplicam.

Como mencionado, a produção de grelina é parada depois de alguns dias sem comer. Nesse meio tempo, o estômago secreta muito do hormônio. Shapiro diz que isso pode ser uma adaptação de um tempo quando a comida muitas vezes era escassa e conseguir alimentos tinha tanto a ver com nossa habilidade cognitiva quanto com quão bem conseguíamos jogar uma lança. “Durante tempos de fome, o corpo preserva dois órgãos e encolhe o resto”, ela explica – os órgãos preservados são o cérebro e, nos homens, os testículos. “Biologicamente, isso provavelmente se liga a necessidade de clareza mental para sair dos tempos de fome e sobreviver a longos períodos sem comida para continuar a espécie.”

“Jejum deve ser um reset mental, físico e espiritual”, diz o nutricionista de Virginia Beach Jim White. Ele explica que pessoas que jejuaram por três dias muitas vezes relatam que a experiência as fez encarar emoções engarrafadas e que elas se sentiram mais mentalmente estáveis depois de completar o jejum. “Além disso, essas pessoas aprenderam a apreciar as pequenas coisas que consideravam garantidas na vida, como tomar um copo de água gelada ou ter uma cama para dormir à noite. Focando em conexões espirituais e mentais durante o jejum, em vez de em comida e inconveniências da vida, uma clareza mental pode ser atingida.”

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