Como era o mercado internacional de comercialização de café no período em que o Brasil dominava?

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Origens e desenvolvimento

O termo inglês commodity provém da língua francesa (commodité), cuja tradução consiste basicamente nas expressões portuguesas mercadoria, produto (De Lucca, 2001, p. 100). Mais do que a própria etimologia da palavra, é o seu léxico que realmente importa para a análise, uma vez que o uso do termo remete a um sentido formulado ao longo de séculos. Quer dizer que a definição apropriada para commodity se estabelece da seguinte forma: produto primário-exportador, com pequeno grau de industrialização e produzido em grandes quantidades, conhecido também por sua dinâmica de comercialização, uma vez que se situa dentre as principais trocas comerciais dos países (Topik; Marichal; Zephyr, 2006). Destacam-se as commodities agrícolas como café, tabaco, açúcar, cacau, além das minerais, como a prata e o ouro. O que se fará adiante é um breve histórico da conjuntura em que a própria palavra fora conformada sob esse significado. A saber, trata-se do surgimento do mercado de commodities durante o século XIX.

O café tem papel de destaque nesse cenário. Antes de se conformar como uma commodity, a rubiácea se estabeleceu como produto de significativa circulação entre algumas regiões desde o século XV, cerca de cem anos após a domesticação da planta no continente africano. No entanto, esses circuitos mercantis envolvendo a rubiácea ficaram ainda pouco acessíveis às regiões europeias. No período de apogeu do Império Otomano, que se estendia pela Península Arábica e partes circundantes do Mediterrâneo no Norte da África e o sudeste europeu, o café circulou principalmente sob a influência de mercadores estabelecidos na cidade do Cairo rumo a outras regiões urbanas importantes, como Meca, Túnis, Damasco e Istambul. Dessa forma, os negociantes do café, intimamente ligados à casta militar que dominava o Egito, erigiram enormes fortunas com suas atividades no Mar Vermelho (Tuchscherer, 2003, p. 51-53).

Desde muito cedo o café foi um produto cuja vocação mercantil se estabelecera rapidamente, ao passo que era produzido para a troca ao invés do consumo por parte daqueles que o cultivavam desde o século XV, o que revela sua natureza exportadora (Topik, 2003, p. 25). Durante cerca de dois séculos os circuitos que envolviam o café se encontravam situados principalmente no mundo árabe. Somente na primeira década do século XVII ocorreu de fato a entrada do produto nos mercados da Europa (Clay 2004, p. 70), principalmente devido à ação das Companhias das Índias Orientais, tanto da Inglaterra (EIC) como da Holanda (VOC) (Jamieson, 2001, p. 276). Nesse período também foram criadas as primeiras casas de café no Velho Continente. A importação, que anteriormente dependia dos fornecedores do porto de Mocha (Iêmen), começou a ser substituída pela comercialização do produto javanês, uma vez que a cultura fora inserida na ilha dominada pelos neerlandeses. Seguiu-se nessa centúria a introdução da cafeicultura em outras regiões sob possessão europeia também no Ocidente, como as colônias da Jamaica e Saint Domingue (Kiple, 1999, p. 1.760; Spurr, 1897, p. 31).

Em finais do século XVIII, o café se estabeleceu como produto colonial, à medida que a produção e a comercialização da rubiácea se encontram a partir de então sob o controle de potências como Holanda, França e Inglaterra, nos territórios a elas pertencentes tanto a oeste como a leste do globo terrestre (Prado Jr., 1995, p. 160). Contudo, no alvorecer do século XIX, uma nova conjuntura política faz emergir regiões que se destacarão por períodos maiores no mercado internacional do café. O marco da virada no mercado do café pode ser estabelecido com a Revolução Escrava Haitiana, iniciada em 1791. A antiga colônia francesa, que era responsável por cerca de 30% do fornecimento do açúcar mundial, possuía considerável produção de algodão e era a principal produtora de café do mundo até aquele momento; ela se viu cerceada da produção desses importantes produtos tropicais consumidos em ampla escala e acabou cedendo espaço para que novas áreas incorporassem essas culturas (Marquese, 2004, p. 261).

Dessa forma, os países recém-libertados dos domínios europeus assumiram a vanguarda na produção dessas mercadorias tropicais. Com isso, o café foi incorporado ao mercado mundial durante a primeira metade do século XIX, principalmente por Cuba, na década de 1810, e o Brasil, que já na década de 1830 superou todas as regiões cafeeiras do mundo, colocando-se como líder absoluto na produção da rubiácea (Marquese, 2004, p. 261). Da mesma forma, os mercados consumidores dessas mercadorias se encontram em constante expansão, dadas as mudanças socioculturais ocorridas no período. Somente os EUA, por exemplo, formaram mais de 50% do mercado de café brasileiro ainda em meados do XIX, uma vez que o país procurava produtores livres da dominação britânica, tanto pela disposição em negociar a mercadoria de maneira mais vantajosa em termos de tarifas e preços quanto pela posição geográfica mais propícia ao deslocamento do produto (Prado Jr., 1995, p. 160).

Portanto, a rubiácea, que já era conhecida nos mercados da Europa a da Ásia poucos séculos antes, ganhou cada vez mais espaço nas transações comerciais se conformando como commodity. Particularmente, a conformação do mercado de commodities no decorrer do século XIX só foi possível por meio de uma série de transformações ocorridas naquele período. O processo de internacionalização das economias, do qual esses produtos colocaram-se na vanguarda, foi acompanhado por mudanças sociais e institucionais diversas. Inovações técnicas permitiram maior produtividade e demandaram outros tipos de produtos; movimentos imigratórios proporcionaram a ocupação de novas áreas de cultivo; ampliação e melhorias no setor de transportes proporcionaram redução nos custos e agilidade nas trocas comerciais; políticas econômicas e institucionais impulsionaram e facilitaram a dinâmica de investimento, crédito e comercialização dessas mercadorias (KENWOOD; LOUGHEED, 1999, p. 9-25).

Jeffry Frieden aponta alguns elementos de maior importância desse processo:

a liberalização do comércio se autorreforçava, o padrão-ouro também, e cada um deles reforçava um ao outro. O padrão-ouro tornava o comércio e as finanças internacionais mais atrativas, as quais por sua vez aumentavam o poder de atração do padrão-ouro. A abertura econômica global levou a meios de transporte mais rápidos, a um melhor sistema de comunicações, a moedas mais confiáveis, a políticas comerciais mais livres e a uma maior abertura econômica (Frieden, 2008, p. 71).

O comércio se unira definitivamente à paz (Polanyi, 2000, p. 30). O sistema de equilíbrio de poder cujo baluarte se fundava na paz se concretizou pela via econômica mais dinâmica alcançada no século XIX. Quer dizer que a inexistência de guerras prolongadas e/ou devastadoras entre as potências europeias funcionou como forma de expansão dessas mesmas economias, que se utilizaram também de outros mecanismos para o desenvolvimento. O emprego do padrão-ouro servira para dar maior unidade às negociações internacionais e uniformizar o mercado, ao mesmo tempo que os Estados liberais, fundados sob a ideia do mercado autorregulável, proporcionaram maior fluidez e flexibilidade às transações. Grosso modo, duas instituições políticas e duas econômicas; ou ainda duas instituições internacionais, duas nacionais, proporcionaram o ritmo das transformações ocorridas ao longo do século (Polanyi, 2000, p. 17).

Por fim, a revolução tecnológica percebida no ramo dos transportes também se colocou como elemento primordial no crescimento do mercado de commodities durante o oitocentos (Kenwood; Lougheed, 1999, p. 12-15). Uma transformação sem precedentes na história humana foi inserida por dois meios de locomoção: ferrovia e navegação a vapor. Ambos apresentavam características semelhantes no que diz respeito à alta capacidade de carga, tanto de mercadorias quanto de pessoas, além de representarem, acima de tudo, meios de locomoção extremamente mais velozes do que os utilizados anteriormente. A ferrovia foi marcadamente impulsionada na segunda metade do século XIX, quando os cinco continentes já apresentavam linhas férreas. Já na década de 1870 o meio de transporte ferroviário representava nove vezes mais, em termos quantitativos, em relação ao que era transportado por via marítima no mesmo período, e contava com mais de 62 mil locomotivas, 112 mil vagões de passageiros e meio milhão de vagões de carga (Hobsbawm, 1996, p. 68).

O transporte marítimo, impulsionado pelo vapor, trouxe a possibilidade de contato com regiões cujo acesso era extremamente difícil até então, propiciando de maneira mais intensa a troca internacional. Embora as ferrovias fossem quantitativamente maiores, em última instância elas funcionavam como setores suplementares à navegação, majoritariamente responsável pelo comércio entre os países. Seu crescimento pulou de cerca de 14% do transporte mundial na década de 1830 para 49% na década de 1870. Percebe-se também que a tonelagem a vapor crescera de forma absurda em três décadas, com destaque para a marinha mercante britânica. Em meio à forte resistência da navegação a vela, ainda predominante no período, entre 1850 e 1880 o crescimento da tonelagem mundial alcançara 440%, enquanto o aumento obtido pelo Reino Unido se estabeleceu em cerca de 1.600% (Hobsbawm, 1996, p. 72-75).

Outro aparato tecnológico importante que alcançou considerável expansão foi o telégrafo, um meio de comunicação bastante eficaz. Na década de 1840, já era possível estabelecer contato, por via dessa tecnologia, em alguns locais da Inglaterra e Estados Unidos. As regiões mais desenvolvidas economicamente o adotaram de maneira mais rápida, e as linhas europeias cresceram da seguinte forma: 2 mil milhas em 1849, 15 mil em 1854, 42 mil em 1859, 80 mil em 1864 e 111 mil em 1869, acompanhadas também pelo crescente número de mensagens. Esse meio de comunicação fora essencial no processo de expansão comercial, pela rapidez com que a informação sobre aspectos como condições climáticas, volume das safras, concorrência etc. tornou-se elemento integrante no processo de negociação das mercadorias no mercado internacional (Hobsbawm, 1996, p. 73).

Com o advento das informações, o café tornou-se uma mercadoria pura, no sentido de que os direitos de embarques do produto, a partir daquele momento, eram comprados e vendidos no próprio mercado, sem que o comprador realmente estivesse vendo o lote em questão. Os cafés tornaram-se commodities com rótulos específicos quanto à sua classificação. De fato, com o advento da informação, os compradores negociavam árvores ainda não florescidas em áreas distantes. Já em 1880, os negociantes estavam comprando mais uma ideia do que um grão palpável (Topik, 2003, p. 40).

Com a maior integração entre regiões produtoras e mercados consumidores dos produtos tropicais, entre 1870 e 1913, mais que dobrou o volume comercializado (Frieden, 2008, p.38); o século XIX é de fato o período de dinamização do mercado de commodities. O café, além de outros produtos de ampla circulação, como o chá e o algodão, tornaram-se verdadeiros motores sociais (Clarence-Smith; Topik, 2003, p. 4), responsáveis por grande parte da receita gerada nos países produtores, uma vez que o alcance dessas mercadorias servira como porta de entrada das economias periféricas no mercado mundial. Contudo, se a tão aclamada integração de mercados tinha ocorrido de maneira inédita na história mundial, esse processo ficara de certo modo restrito geograficamente a algumas regiões, principalmente nos países produtores. Mesmo assim, o setor exportador representou para esses países o elemento econômico mais dinâmico.

Portanto, trata-se de um período de expansão e consolidação do sistema capitalista em escala mundial, e as transformações nos setores citados proporcionaram o crescimento de mercados distantes com maior facilidade. Uma vez que esse arranjo conformado em torno de mercadorias-chave foi capaz de promover a maior integração de regiões em diversas partes do globo, pode-se afirmar que também nesse período se encontram as raízes do processo de globalização. Portanto, a divisão internacional da produção ocorrida ao longo do século XIX e de maneira inédita na história da humanidade, foi quem fundou esse fenômeno que veio se consolidando de forma mais dinâmica, e atualmente é configurado por características distintas dos séculos anteriores.

Alguns dados compilados ainda no decorrer do século XIX e no início do século XX dão a dimensão do crescimento do mercado de café no período em questão. A produção mundial estimada do produto, que em 1825 não ultrapassava 1.650.000 sacas, crescera para cerca de 19.818.000 sacas no ano fiscal de 1900-01. Já no ano 1906-07, a produção esteve estimada em 23.920.000 de sacas, revelando um aumento percentual de 1.350% nesse período de 81 anos (Graham, 1912, p. 9). Comparando os dados que se iniciam em 1821, percebe-se que a América do Sul forneceu apenas 8% do café mundial naquele ano e conseguiu alcançar cerca de 80% do mercado da commodity em 1896. Enquanto isso, os países da América Central e Caribe, líderes absolutos em 1821, com mais de 90% da produção da rubiácea, alcançam somente a cifra de 2% em 1896 (Coffee, 1898, p. 23-24).

Da mesma forma, enquanto no início do século 150 mil toneladas de café eram suficientes para suprir os mercados europeu e americano, em 1848 os dois continentes já consumiam mais de 250 mil toneladas, cuja proporção cresceu da seguinte forma: 1868, 375 mil toneladas; 1888, 700 mil toneladas. Novamente ficou evidente o crescimento astronômico da comercialização do produto no decorrer da centúria (Walsh, 1894, p. 281). Ainda sobre a demanda nos países europeus e americanos (fundamentalmente os Estados Unidos), outros estudos apontam alguns dados interessantes: somente os norte-americanos consumiam por volta de um terço da produção mundial do café, tendo absorvido 525 mil toneladas entre 1876 e 1880, uma média de 156.482 toneladas por ano. O mercado de café cresceu nesse país de forma estável, saltando de 79.848 toneladas anuais, entre 1857 e 1861, para 156.482 toneladas anuais entre 1876 e 1880 (Thurber, 1881, p. 204).

Sobre o consumo dos norte-americanos e europeus, Marquese e Tomich (2008, v. 2, p. 19) afirmam:

a sua população [dos EUA] aumentou quinze vezes e o consumo per capita anual passou de apenas 25 gramas para 4 quilos. Tratava-se de um mercado aberto, livre de tarifas de importação desde 1832, que pouco exigia a respeito da qualidade do café adquirido. Os demais grandes compradores do período, todos localizados no norte de uma Europa em rápido processo de industrialização e urbanização, também se distinguiram no século XIX pela explosão demográfica e pelo notável aumento nas taxas de consumo per capita. Interessa destacar nisso tudo que a passagem do mercado restrito e de luxo do século XVIII para o mercado de massa industrial do século XIX foi claramente induzida pela oferta a baixo custo do produto.

O café e o Brasil

A conjuntura, se por um lado era favorável às trocas mercantis em termos de facilidade, no caso do café são os preços que não se encontravam favoráveis ao produto nas primeiras décadas do século XIX. Mesmo assim, ocorreu uma transformação sem precedentes no mercado mundial do café. A inserção da zona pioneira do Brasil – o Vale do Paraíba fluminense – como nova produtora da rubiácea transformou definitivamente as negociações em torno do produto (Marquese, Tomich, 2008, v. 2). No caso da América Latina, a integração de algumas regiões fornecedoras de commodities ao mercado internacional, como o Vale do Paraíba, foi se tornando cada vez maior em relação às regiões europeias e norte-americanas do que entre as próprias regiões dos países latino-americanos (Cárdenas; Ocampo; Thorp, 2000, p. 9). Portanto, a conformação da cafeicultura no país também se desenvolveu por meio de elementos específicos. Independentemente da situação dos preços e da queda do mercado de café, a incorporação de novas áreas de fronteira no centro-sul do país aconteceu de fato na primeira metade do oitocentos (Furtado, 2003, p. 86).

Alguns aspectos, como a baixa qualidade do produto brasileiro em relação aos cafés da América Central ou da Ásia, não impediram sua comercialização; pelo contrário, atuaram como elementos propulsores na venda do café no mundo. Acrescente-se à baixa qualidade do café nacional os condicionantes ambientais extremamente favoráveis ao cultivo da planta de acordo com as especificações do sistema agrário vigente naquele período, além da conformação da mão de obra sob o alicerce da escravidão e a possibilidade de escoamento da produção agrária em direção ao mercado internacional:

um volumoso tráfico negreiro transatlântico bilateral entre os portos da África Central e o Rio de Janeiro, controlado por negociantes desta praça [do Rio de Janeiro]; a existência de vias que cruzavam o Vale do Paraíba no sentido norte-sul (Caminho Novo entre o Rio de Janeiro e a capitania de Minas Gerais, aberto na década de 1720) e leste-oeste (Caminho Novo da Piedade, articulando o Rio de Janeiro a São Paulo, aberto na década de 1770 para facilitar as comunicações da sede do Vice-Reino com as minas de Goiás e Mato Grosso); a disponibilidade de uma enorme área de terras virgens entre a Serra da Mantiqueira e os contrafortes da Serra do Mar, derivada da política oficial das “zonas proibidas”; por fim, um complexo sistema de transporte baseado em tropas de mulas, muito eficazes – diante dos meios disponíveis do período – para enfrentar a topografia acidentada do centro-sul do Brasil (Marquese, Tomich, 2008, p. 12).

Tabela 1: Produção mundial de café (1852-1904)
Ano MundoBrasilColômbiaOutrosÁfricaÁsia/Oceania
1852 4,60 2,40 0,0002 - - -
1856 5,60 3,20 0,0065 - - -
1860 6,30 3,60 0,0096 - - -
1864 5,60 2,60 0,0325 - - -
1868 6,50 3,80 0,0519 - - -
1872 7,50 3,50 0,0854 - - -
1876 7,80 3,60 0,0850 - - -
1880 9,80 5,61 0,0940 - - -
1884 11,11 6,21 0,123 3,97 0,19 0,63
1888 11,06 6,83 0,200 3,46 0,13 0,45
1892 11,02 6,20 0,330 3,96 0,21 0,32
1896 13,47 8,68 0,459 3,863 0,23 0,27
1900 18,14 13,85 0,300 3,53 0,19 0,28
1904 15,61 11,16 0,501 3,66 0,13 0,16

Fonte: CUNHA, Mauro Rodrigues. In: MARTINS, Marcellino; JOHNSTON, E. (Org.). 150 anos de café. Rio de Janeiro: Marcellino Martins & E. Johnston Exportadores, 1992, p.307-308.

Tabela 2: Importação mundial de café (1851-1915)
Ano

Mundo

EUA

Europa

Outros

1851 4,6070 1,1567 - 3,4504
1857 5,2049 1,8219 - 3,3829
1862 5,1642 0,9299 - 4,2343
1868 7,0579 1,8824 - 5,1755
1874 7,1522 2,1546 - 4,9977
1880 7,5287 3,3793 - 4,1494
1886 11,1350 4,2713 - 6,8637
1892 10,8750 4,7950 - 6,0800
1898 14,0250 6,5948 - 7,4302
1904 16,1450 7,5382 - 8,6068
1910 17,6099 6,6020 9,8151 1,1927
1915 16,6168 8,4653 6,8002 1,3512

Fonte: CUNHA, Mauro Rodrigues. In: MARTINS, Marcellino; JOHNSTON, E. (Org.). 150 anos de café. Rio de Janeiro: Marcellino Martins & E. Johnston Exportadores, 1992, p.330-31.

Num país em que cerca de dois terços da produção agrícola é exportada durante o século XIX (Frieden, 2008, p. 89), certamente o café agregava grande parte das vendas desses gêneros negociados internacionalmente. O crescimento de cerca de 1.350% em oito décadas reflete a capacidade que as regiões cafeeiras do Brasil obtiveram na produção da rubiácea (Graham, 1912, p. 9). Dessa forma, as Tabelas 1 e 2 demonstram um pouco desse ritmo alcançado pelo Brasil na posição de líder em produção e comercialização de café como também destacam as principais regiões importadoras do produto, principalmente comprovando o papel predominante que os Estados Unidos obtiveram ao longo do século no que diz respeito ao consumo da mercadoria.

A produção brasileira da rubiácea alcança níveis quantitativos estrondosos no século XIX. Segundo Furtado, o produto já era o terceiro mais importante, com 18% do valor das exportações brasileiras no decênio da independência, ficando atrás somente do açúcar e do algodão (Furtado, 2003, p. 86). As exportações do produto brasileiro podem ser sumariamente descritas nesses números: em 1800 o país exportou 13 sacas de café; em 1817, foram 66.985 sacas; em 1820, chegou a 97.498 sacas; em 1830, atingiu 484.222; em 1840, foram 1.037.981. Já em 1907, são 15.680.475 sacas; cerca de um terço (5.248.787) foi enviado para os Estados Unidos e 2.966.002 sacas para a Alemanha, enquanto a França recebeu 2.807.937 sacas. Em 1908, foram 12.658.457 exportadas, sendo 5.954.625 para os Estados Unidos, 2.156.856 para a Alemanha e 998.388 para a Holanda. Enfim, em 1909, tem-se o total de 16.880.696 de sacas exportadas: 7.053.985 para os Estados Unidos; 3.286.547 para a Alemanha; 1.673.938 para a França e 1.443.940 para a Holanda (Furtado, 2003, p. 19-20).

Portanto, há de se considerar o enorme peso do Brasil como grande produtor do café no momento em que a mercadoria emergiu como commodity. Se em 1850 o país produzia metade do café mundial e em 1906, seis vezes mais que o resto dos produtores (Topik, 2003, p. 31), devido às facilidades encontradas localmente, a conjuntura de transformações em esfera global também se estabeleceu como elemento determinante do processo de crescimento da cafeicultura e das atividades desenvolvidas a partir dela:

O elemento dinâmico no desenvolvimento agrícola era, portanto, a demanda: a crescente demanda por alimentos por parte das regiões urbanas e industriais do mundo, a crescente demanda desses mesmos setores por trabalho e, como ligação entre dois, a economia de rápida expansão que fez crescer o consumo básico das massas e, portanto, sua demanda per capita. Pois, com a construção de uma genuína economia global capitalista, novos mercados surgiram do nada (como notaram Marx e Engels), enquanto os mais antigos cresceram dramaticamente. Pela primeira vez desde a Revolução Industrial, a capacidade da nova economia capitalista em proporcionar emprego emparelhou-se com a capacidade de multiplicar a produção (...). Em consequência, para tomar um exemplo, o consumo de chá per capita da Inglaterra triplicou entre 1844 e 1876 e o consumo de açúcar per capita cresceu de 17 para 60 libras nesse mesmo período (Hobsbawm, 1996, p. 188).

Conclusão

O século XIX possui alguns dos elementos para compreensão do conceito de “globalização”. A conformação do mercado de commodities ocorrida no período se deve a diversos fatores econômicos, políticos e institucionais que alavancaram o crescimento de determinadas mercadorias. E o café se colocou como um desses produtos primários que dinamizaram as economias, diversificaram o capital em esfera local e colocaram em contato regiões até então muito distantes. Nesse sentido, destaca-se o centro-sul do Brasil, onde áreas localizadas no Rio de Janeiro, em São Paulo e Minas Gerais, em contato com o mercado internacional, desenvolveram a cultura da rubiácea e dela se beneficiaram em vários aspectos.

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Publicado em 29 de janeiro de 2013

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.

Como era o mercado internacional de comercialização de café no período que o Brasil dominava?

No início do século XIX o café atingiu alto valor no mercado europeu. Aproveitando essa oportunidade, em 1830 já era o produto mais exportado pelo Brasil, desbancando o ouro e o açúcar.

Como era a exportação de café?

A principal forma de exportação é o café em grãos. Em 2019, a exportação do café chegou então a 40,6 milhões de sacas de café, considerando a soma de café verde, solúvel e torrado & moído, segundo relatório consolidado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

O que aconteceu com a comercialização do café no Brasil?

Por outro lado, as rendas provenientes da produção e comercialização do café permitiram uma diversificação da economia urbana no Rio de Janeiro e São Paulo, surgindo novos grupos sociais, como operários e a chamada classe média.

Como era a indústria brasileira no período do café?

Os principais tipos de atividades industriais do período estavam relacionados aos setores: têxtil (produção de tecido), de bebidas e de alimentos. A modernização agrícola contribuiu decisivamente para a que indústria se desenvolvesse no âmbito dos setores referidos.