É possível que país com pigmentação normal nas células possam ter filhos albinos?

ARTIGO DE REVISÃO REVIEW PAPER

Diagnóstico laboratorial do albinismo oculocutâneo

Laboratory diagnosis of oculocutaneous albinism

Luciane de Melo RochaI; Lilia Maria de Azevedo MoreiraII

IGraduanda em Farmácia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

IIProfessora-titular de Genética do Instituto de Biologia da UFBA

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os métodos laboratoriais dos diferentes tipos de albinismo oculocutâneo (OCA 1 e OCA 2) de forma descritiva e analisar sua eficiência.

MATERIAL E MÉTODO: O teste do bulbo capilar é um método químico usado para distinguir as duas formas, no entanto recentemente teve sua eficácia como teste padrão contestada. O avanço da biologia molecular permite a análise das mutações que causam o distúrbio e a sua localização gênica.

CONCLUSÃO: O teste do bulbo é seguro apenas para o diagnóstico do OCA 1A, podendo ser usado como complemento de um método mais apurado. A análise molecular fornece um diagnóstico definitivo, permitindo distinguir OCA 1 de OCA 2, pois as mutações afetam genes em cromossomos diferentes.

Unitermos: Albinismo oculocutâneo; OCA 1; OCA 2; Teste do bulbo capilar; Genética molecular

ABSTRACT

OBJECTIVES: To evaluate the laboratories methods of the oculocutaneous albinism (OCA 1and OCA 2) of descriptive form and to analyze its results.

METHODS: The hair bulb test is a chemical method used to distinguish the two forms, however, recently had its effectiveness as an standard test contested. The advance of molecular biology allows the analysis of the mutations that cause the disturb and its genic location.

CONCLUSIONS: The bulb test is secure only for the diagnosis of OCA 1A, being able to be used as complement of a more refined method. The molecular analysis supplies a diagnostic definitive allowing to distinguish OCA 1 from OCA 2, because the mutations affect genes in different chromosomes.

Key words: Oculocutaneous albinism; OCA 1; OCA 2; Hair bulb test; Molecular genetics

Introdução

O albinismo é um distúrbio de natureza genética em que há redução ou ausência congênita do pigmento melanina. O principal tipo de albinismo é o oculocutâneo (OCA), caracterizado pela ausência total ou parcial de pigmento. A melanina é sintetizada por melanócitos, células dendríticas localizadas na junção da derme com a epiderme da pele, através de reações enzimáticas que convertem a tirosina em melanina através da enzima tirosinase(22). Durante o desenvolvimento embrionário, as células precursoras de melanina (melanoblastos) migram para o topo neural da pele, os folículos capilares e a úvea dos olhos(22). Assim, são diretamente responsáveis pela característica de cor. Embora a síntese de pigmentos ocorra dentro dos melanócitos, a maioria dos pigmentos da pele é encontrada em vesículas cheias de melanina, conhecidas como melanossomos, localizadas dentro de células chamadas de queratinócitos(22).

Melanossomos são organelas semelhantes aos lisossomos produzidos pelo complexo golgiense e pelo retículo endoplasmático rugoso, que os tornam maduros e pigmentados. Em seguida são transportados por processos dendríticos e encaminhados para queratinócitos adjacentes(22). O pH dentro dos melanossomos é de fundamental importância para regular a atividade da tirosinase. Provavelmente, a proteína de membrana melanossômica responsável pela neutralização do pH é a P-proteína(22). Acredita-se que ela funcione como um canal que reduz a concentração de prótons dentro do melanossomos(2, 22). Ao corar células humanas com uma solução fracamente fluorescente, é possível perceber que o pH de melanossomos de melanócitos brancos é ácido, enquanto que nos negros são mais neutros(5, 22). Isso sugere que ambientes ácidos causam redução da atividade da tirosinase(5, 22).

Classificação do albinismo

O albinismo é classificado em:

• ocular – quando somente os olhos sofrem despigmentação;

• parcial – o organismo produz melanina na maior parte do corpo, mas em outras partes isso não ocorre;

• oculocutâneo – todo corpo é afetado. O bloqueio da síntese de melanina é completo no tipo OCA 1 (albinismo oculocutâneo tirosinase-negativo) e seus olhos, cabelos e pele não desenvolvem nenhum pigmento(4, 8). Nos outros tipos o bloqueio não é completo e uma quantidade variável de melanina é formada, podendo haver nos indivíduos afetados escurecimento dos cabelos e desenvolvimento de pigmento na íris com a idade(8). O OCA 1 é ainda dividido em OCA 1A e OCA 1B, sendo o primeiro a mais severa forma de OCA(5). O nível de tirosinase é bastante reduzido no OCA 1B, mas não ausente(5). O OCA 2 (albinismo oculocutâneo positivo) é o tipo de albinismo mais comum(4, 11).

Síntese de melanina

Podem ser formados dois tipos de melanina: a feomelanina (amarela e vermelha) e a eumelanina (preta e marrom). A formação de algum pigmento em albinos com certos tipos de OCA sugere que a feomelanina é a primeira a ser formada, surgindo a eumelanina muito tempo depois(8). Culturas de melanócitos em indivíduos de peles clara e escura demonstraram que a atividade catalítica da tirosinase na eumelanina é maior quando comparada à da feomelanina(8, 22). Entretanto, apesar dessa diferença, a quantidade da enzima é a mesma(7, 22). O pH melanossômico provavelmente está envolvido no controle da atividade da enzima(6, 21). Outras proteínas de membrana envolvidas nas diferenças entre as duas melaninas são a proteína silver (SILV), a proteína 1 relacionada à tirosinase (TRP1) e a TRP2. Essas duas últimas são encontradas apenas em eumelanossomos(22).

A enzima tirosinase é responsável pela hidroxilação da tirosina à 3,4-diidroxifenilalanina (Dopa) e pela oxidação da Dopa em dopaquinona(5, 9, 10, 20, 22). A eumelanina é derivada da dopacromo, enquanto a feomelanina deriva do metabolismo da 5-S-cisteína-Dopa(4, 9, 2). No eumelanossomo ocorre a isomerização da dopacromo em ácido 5,6-diidroxindol-2-carboxílico (Dhica) pela enzima dopacromo tautomerase, e a oxidação da Dhica é realizada pela Dhica-oxidase(4, 5, 22) (Figura 1). Portadores de albinismo oculocutâneo não conseguem oxidar a tirosina em Dopa através da tirosinase(10).

Diagnóstico clínico

Os albinos são praticamente incapazes de transformar a tirosina em melanina. Conseqüentemente, têm a pele muito clara, cabelos brancos ou claros e seus olhos são vermelhos, pois a luz refletida atravessa os vasos sangüíneos dos olhos, ou, ainda, azul-esverdeados, se houver formação de algum pigmento na íris(21). Possuem fotofobia, astigmatismo, miopia, além de outros distúrbios visuais(4, 5, 20).

Freqüência nas populações

Diversas pesquisas sobre o albinismo mostram que a característica está presente em todas as etnias, embora tenha uma prevalência aumentada entre negros. É estimado que uma em 17 mil pessoas tenha um dos tipos de albinismo(4). O OCA 1 atinge aproximadamente um em 40 mil indivíduos na maioria das populações(4). A freqüência de OCA 2 nos EUA é de um em 36 mil(12); um em 10 mil nos negros afro-americanos e um em 1.100 na população nigeriana em geral(16).

Detecção de OCA 1 e OCA 2

Clinicamente é difícil distinguir entre as duas formas de albinismo oculocutâneo. O albino tirosinase-positivo pode desenvolver uma melhor acuidade visual na idade adulta, sendo essa a melhor forma de uma possível distinção entre os dois tipos de albinismo(4). A heterogeneidade das formas de albinismo oculocutâneo foi evidenciada em um estudo realizado por Trevor-Roper(23), depois que pais albinos tiveram crianças normais, apontando a existência de dois loci distintos(17). Como há diferença no condicionamento genético dos subtipos de albinismo, casais albinos podem ter filhos com pigmentação normal. Nesse caso, para o aconselhamento genético é necessária a identificação correta da forma de albinismo.

O objetivo do presente trabalho é descrever os principais métodos de análise que diferenciam o albinismo oculocutâneo positivo do negativo.

Material e método

Teste do bulbo capilar

As diferenças entre OCA 1 e OCA 2 foram evidenciadas por métodos químicos, como o teste do bulbo capilar. Esse teste parte do princípio de que albinos oculocutâneo positivos, ao contrário dos negativos, produzem certa quantidade de melanina.

Bulbos capilares são usados como fonte de melanócitos(10). A atividade catalítica da tirosina é determinada pela incubação com Dopa ou tirosina e conseqüente indução da síntese de melanina verificada pela inspeção visual ou por ensaios bioquímicos(5). As amostras dos albinos tirosinase-positivos produzem pigmentos visíveis ao microscópio, como demonstrado na Figura 2, enquanto os tirosinase-negativos não os produzem(10, 11).

Material

  • Incubação na solução de L-tirosina:

– oito a 10 bulbos de cabelo de cada paciente;

– 1 mg/ml de L-tirosina em 0,1 fosfato, pH 6,8;

– 0,01 M de dietioditiocarbamato de sódio adicionado à solução;

– 0,01 M de 4-clororesorcinol adicionado à solução;

– microscópio com aumento de 80x.

Procedimento

Os fios de cabelo são colhidos com um único puxo, fazendo uso de um pequeno alicate odontológico. A seguir são separados, identificados e, então, cortados e levados para análise(10). A incubação de cada fio é feita separadamente numa solução contendo L-tirosina a 37º por 24 horas(11). Após a incubação, os bulbos são lavados em água destilada, colocados em lâminas de vidro e observados ao microscópio com aumento de 80x(11).

  • Incubação na solução de L-Dopa:

– oito a 10 bulbos de cada paciente;

– 1 mg/ml de L-Dopa em 0,1 fosfato, pH 7,4.

Procedimento

A diferença entre esta solução e a da L-tirosina, é que a incubação na L-Dopa é feita por 5 horas e não são adicionados os inibidores da tirosinase, dietioditiocarbamato de sódio e 4-clororesorcinol. Essa solução é usada para determinar se os bulbos que não apresentaram atividade com a tirosina podem revelar algum resultado com Dopa(11).

O teste do bulbo foi descrito na década de 1970. Sua análise é qualitativa, e não quantitativa. Quando se quer comparar a atividade da tirosinase em indivíduos heterozigotos com controles, é feita uma análise quantitativa medindo a quantidade de água formada na oxidação da tirosina em Dopa. Atualmente, embora essa técnica seja usualmente referida como sensível na diferenciação das duas formas de albinismo oculocutâneo, é verificada a ocorrência de falsos positivos e negativos, não sendo geralmente utilizada como método único(5).

Análise molecular da seqüência gênica

Com o avanço da biologia molecular foi possível localizar os genes nos quais ocorrem as mutações nos diferentes tipos de albinismo. A tecnologia dos marcadores genéticos tornou possível o mapeamento genético de doenças hereditárias e, assim, saber a localização cromossômica de doenças mendelianas. Um gene pode, então, ser ampliado pela tecnologia de reação em cadeia da polimerase (PCR) e, daí, ter sua seqüência nucleotídica desejada(18). Comparando essa seqüência com a de um indivíduo afetado, é possível conhecer as mutações ocorridas e como elas afetam a produção da enzima ou proteína.

A definição do locus gênico em que ocorre a mutação é importante para caracterizar o tipo de albinismo. A mutação no locus TYR, que está no cromossomo 11 (11q14-q21)(3-5, 15, 22), afeta a produção da tirosinase e ocorre OCA 1(1, 4, 5, 15, 22). No entanto, quando a alteração ocorre no locus OCA 2, localizado no cromossomo 15 (15q 11,2 – q12)(14, 19), a proteína afetada é a P-proteína e o indivíduo tem OCA 2(1, 4, 5, 22). Como já dito anteriormente, essa proteína controla o pH melanossômico, fundamental para a atividade da tirosinase.

A estratégia de análise usada por um laboratório de genética brasileiro para o albinismo oculocutâneo positivo é a análise de mutação(7). Para o negativo é feito o seqüenciamento de todos os cincos éxons envolvidos.

Métodos

Preparação do DNA genômico

Amostras de sangue são coletadas dos pacientes e os linfócitos, isolados por lise osmótica(13, 15). Depois de lisados, são incubados com 75 µg/ml de proteinase K a 60ºC por toda uma noite(15). O DNA é isolado por extração da fase aquosa com fenol e clorofórmio, sendo por fim precipitado com etanol(15). O DNA é cortado com Taq I a 65ºC, separado por gel de agarose e analisado com Southern blotting(15). Os fragmentos desejados são obtidos através de sondas, que são seqüências nucleotídicas complementares marcadas com material fluorescente(15). Para amplificação do DNA é realizada a técnica de PCR(15). Os primers sintetizados são analisados em comparação com a seqüência normal conhecida de nucleotídeos. Assim é possível verificar qual ou quais bases foram trocadas e que aminoácidos foram gerados.

Análise das seqüências

Em um estudo feito por Oetting et al.(15), foi obtido o seqüenciamento molecular de três indivíduos com OCA 1 de uma mesma família, sendo que dois eram gêmeos. Os três apresentaram uma mutação do tipo sem sentido no códon 81 (Pro®Leu) dentro do éxon 1. Os gêmeos tiveram uma segunda mutação no códon 371(Asn®Thr) dentro do éxon 3 e o terceiro indivíduo teve uma segunda mutação no códon 47 (Gli®Asp). Portanto foram necessárias duas diferentes mutações para resultar na perda da função da enzima(15), como mostrado na Figura 3.

Discussão e conclusão

O teste do bulbo piloso diferencia o OCA 1 do OCA 2. Este ensaio pode ser utilizado para identificar o OCA 1A com segurança. Entretanto, um resultado positivo mostra a possibilidade de outros tipos de albinismo como OCA 1B, OCA 2, OCA 3 ou AO 1(3, 5). A confirmação dessas outras formas de albinismo é obtida com segurança pelo seqüenciamento das mutações. Como os genes que codificam as proteínas envolvidas nas formas de OCA estão em cromossomos diferentes, apenas a localização cromossomial das mutações teoricamente já seria suficiente para distinguir as duas variações.

Portanto, os albinos tirosinase-positivos produzem certa quantidade de melanina não porque têm o gene da tirosinase afetado, e sim devido ao funcionamento incorreto da enzima que regula o pH. Ou seja, a enzima é ativa, entretanto não tem um meio adequado para funcionar, enquanto os negativos não produzem nenhuma melanina devido ao total comprometimento da tirosinase.

Os avanços nas técnicas de seqüenciamento molecular proporcionam a identificação dos cromossomos envolvidos nas diferentes formas de albinismo, assim como informações sobre as mutações presentes. Essas informações possibilitam uma melhor compreensão do distúrbio e futuras possibilidades de melhoria nas condições de vida dos albinos, uma vez que o conhecimento preciso das suas causas é uma condição para a elaboração de técnicas mais eficazes de prevenção e tratamento. Os resultados proporcionados pela análise molecular configuram-se como os mais adequados, já que apontam os genes que ocorrem nas mutações e a natureza dessas mutações.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao dedicado apoio de Iago Teles Dominguez Cabanelas, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq), na preparação final do artigo.

  • Endereço para correspondência:

    Lília Maria de Azevedo Moreira

    Rua da Paz, 257/201 – Graça

    CEP 40150-140 – Salvador-BA

  • Primeira submissão em 22/12/06

    Última submissão em 22/12/06

    Aceito para publicação em 11/01/07

    Publicado em 20/02/07

    Endereço para correspondência: Lília Maria de Azevedo Moreira Rua da Paz, 257/201 – Graça CEP 40150-140 – Salvador-BA

    Por que pais de pele normal podem ter filhos albinos?

    Ou seja, para que uma pessoa seja albina, ambos os pais precisam ser albinos ou pelo menos serem portadores do gene recessivo que confere as características do albinismo. A doença de caráter recessivo pode ser representada pelos alelos aa. Ou seja, indivíduos albinos são aa.

    É possível que um casal com pigmentação normal da pele tem um filho albino?

    Resposta. Digamos que 'A' é o gene dominante(pele normal) e 'a' é o gene recessivo(albinismo). Pelo que vemos o gene dominante predomina em 3 dos 4 resultados, então a probabilidade de se ter um segundo filho albino é de 25%.

    Qual é a probabilidade de um casal albino ter um filho com pigmentação normal?

    Sendo a probabilidade de 25%.

    Qual é a probabilidade de ter um filho albino?

    Os eventos criança albina e criança sexo masculino são independentes, dessa forma temos que para a criança ser albina e possuir o sexo masculino a probabilidade é a seguinte: 1/2 x 1/4 = 1/8 ou 12,5%.