NÃO É nulo o negócio jurídico quando não for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade?

Recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida no julgamento do Recurso Especial n. 1.677.931/MG, declarou válido o testamento de pessoa cega, mesmo sem o pleno atendimento às formalidades legalmente previstas para essa situação específica, sob o fundamento de que a declaração de vontade do testador deve prevalecer às formalidades da lei.

O caso analisado pela Corte Superior trata de ação anulatória de testamento, inventário e partilha, fundamentada no descumprimento das regras específicas para confecção de testamento por pessoa cega, previstas no art. 1.867 do Código Civil [1].

Os pedidos iniciais foram acolhidos pelo juiz de primeira instância, que reconheceu a nulidade do testamento. Com a Interposição de apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, entendeu a Turma Julgadora por reformar a sentença, afastando as formalidades legais pelo fato do testamento ter traduzido a real vontade do testador, que se encontrava em plena capacidade no contexto do ato testamentário.

O Recurso Especial dirigido ao STJ se embasou em suposta violação dos arts. 166, 169, 288, 1.864 e 1.867 do Código Civil e na alegação de divergência jurisprudencial nos tribunais estaduais sobre o tema.

De acordo com o recorrente, o testamento deveria ser considerado nulo por ter prescindido de formalidades essenciais, como (i) a falta de assinatura na primeira folha do testamento; (ii) a não observância, pelo tabelião, que o testador era cego e (iii) a ausência de dupla leitura do testamento (pelo tabelião e por uma das testemunhas), conforme prevê o diploma civil brasileiro.

Analisando o caso sobreveio decisão colegiada proferida pela Terceira Turma do STJ, pautada no voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi, que compreendeu que "se atendidos os pressupostos básicos da sucessão testamentária, quais sejam, a (i) capacidade do testador; (ii) o atendimento aos limites do que pode dispor e; (iii) lídima declaração de vontade, a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador" [2].

Ao proclamar o voto, a Ministra ainda fez menção a outros julgados do STJ no mesmo sentido [3], apontando para o fato de que "a essencialidade de um ato ou solenidade legal deve ser superada, se há inequívoca univocidade no conjunto procedimental" [4].

Relevante destacar que foram levados à apreciação do STJ artigos do Código Civil aparentemente dotados de grande rigidez em sua interpretação e que poderiam resultar na simples aplicação do comando legal. É o exemplo do art. 166 do Código Civil, que reputa nulo um negócio jurídico quando este não se “revestir da forma prescrita em lei e quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade”.

Assim, uma vez ausentes determinadas solenidades previstas nos arts. 1.864 e 1.867 do Código Civil, aplicando-se a exegese da lei seria possível caminhar para a nulidade do testamento. No entanto, entendeu a Corte Superior pela flexibilização da letra fria da lei, preferindo a manifestação de vontade do testador que, confirmadamente (prova testemunhal), expôs sua vontade de forma consciente perante o tabelionato.

A decisão é valorosa e possui importante relevância para o Direito Civil no ramo das Sucessões. Todavia, não se pode desprezar a necessidade de atentar para todos os requisitos legais que atribuem segurança jurídica a atos solenes como o testamento. Além disso, observar o preenchimento dessas formalidades permite que os efeitos do testamento se façam valer aos legatários com maior celeridade e sem maiores percalços como o de um processo judicial, a exemplo do ocorrido no caso em análise.

Acesse aqui a íntegra do acórdão.

Marcus Drumond
Estagiário da equipe Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados

Caio Romero
Advogado da equipe Contencioso Cível Estratégico  do VLF Advogados

[1] Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em oz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.

[2] Trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi, decotado do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial n. 1.677.931/MG (p. 6) https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1625865&num_registro=201700542350&data=20170822&formato=PDF. Publicado em 22.8.2017. Último acesso em 17 de setembro de 2017.

[3] REsp n. 600.746/PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJe 15/06/2010 e o REsp n. 1.422/RS, Rel. Ministro Gueiros Leite, DJ 04/03/1991.

[4] Trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi, decotado do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial n. 1.677.931/MG (p. 6) https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1625865&num_registro=201700542350&data=20170822&formato=PDF. Publicado em 22.8.2017. Último acesso em 17 de setembro de 2017.

NÃO É nulo o negócio jurídico?

Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.

É nulo o negócio jurídico exceto quando?

É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial ...

Quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade?

É nulo o ato jurídico quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.

É nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei?

De acordo com o Código Civil, o negócio jurídico é nulo quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz; for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; não revestir a forma prescrita em lei; for preterida alguma solenidade que a lei considere ...