Novas formas de produtividade e as transformações do trabalho no século XXI

A sociedade moderna surgiu a partir da Revolução Industrial, no Século XVIII, na Inglaterra, sob os escombros da ordem feudal e impulsionada pela enorme expansão comercial patrocinada pelo mercantilismo. As sucessivas inovações introduzidas pela ordem capitalista produziram um salto inédito de produtividade e diversificação produtiva. A divisão de trabalho, o tear mecânico, o uso do carvão e do ferro, a máquina a vapor, as ferrovias, a eletricidade, o motor a combustão, a telefonia, a urbanização, a introdução do aço e de produtos químicos foram avanços que progressivamente redesenharam a economia.

Do ponto de vista social, a nova ordem se ancorava em estrutura social caracterizada pela presença de um lado dos empresários e de outro dos trabalhadores. De início, a classe média era incipiente e os setores agrários, senhores feudais e camponeses, decadentes. As condições de trabalho, nos primórdios do capitalismo, eram desumanas. Trabalho infantil, jornada de trabalho de 16 horas, insalubre, falta de segurança no trabalho, salários vis.

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A CLT, veio na era Vargas, em pleno Estado Novo

Nos países de capitalismo avançado, a evolução dos direitos dos trabalhadores se deu de baixo para cima, resultante das lutas sindicais, do avanço da democracia e do amadurecimento civilizatório.

Já aqui, em nossas terras tropicais, as raízes históricas fincadas no escravismo colonial, a concentração extrema da propriedade da terra, a cultura excludente de nossas elites, a dinâmica política nada democrática, a economia agroexportadora, a incipiência da indústria e do mercado interno, produziram um Estado forte e uma sociedade civil frágil.

A CLT, veio na era Vargas, em pleno Estado Novo, “pelo alto”, a partir do governo. Várias conquistas importantes foram introduzidas para proteger o trabalhador e organizar o mercado de trabalho. Mas as marcas, diferente das democracias capitalistas maduras, eram a centralidade do Estado, a cultura paternalista, intervencionista e de tutela, a primazia da rigidez da regra, o peso desproporcional da justiça trabalhista e o desprestígio da livre negociação.

Acontece que o mundo mudou. A economia hoje, em pleno Século XXI, é globalizada, dinâmica, fragmenta e flexível. A rigidez da CLT, que cumpriu seu papel em dado momento histórico, é hoje obstáculo à criação de empregos e ao desenvolvimento do país, concorrendo contra o próprio interesse dos trabalhadores, empurrados para a informalidade ou o desemprego. Nenhum país no mundo tem quatro milhões de processos trabalhistas por ano e tamanha insegurança jurídica. Isto é o que a “vanguarda do atraso” não consegue entender.

Foi, por isto, que a Câmara dos Deputados aprovou, por ampla maioria, a modernização das regras que regem o mercado de trabalho, sem subtrair nenhum direito constitucional dos trabalhadores, num excepcional trabalho do relator, o deputado tucano Rogério Marinho (PSDB/RN).

Voltaremos ao assunto, na próxima semana, dada a relevância do tema.

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Novas formas de produtividade e as transformações do trabalho no século XXI
A evolução tecnológica está acabando com cargos de média qualificação. Para muita gente, é o fim do trabalho com horário fixo, férias e 13º salário (Foto: LEO MARTINS/AGÊNCIA O GLOBO)

Na primeira metade do século XXI, o mundo do trabalho está em ebulição. Os impactos das transformações provocadas pela automação acentuada e pela inteligência artificial ainda são difíceis de mensurar — as previsões vão de cortes de 10% a 40% dos empregos atuais. Uma situação, porém, já faz parte do presente: as tarefas sob demanda, tendência já batizada de uberização do trabalho. A carreira dentro de uma única empresa ficou para trás, e as funções de média gerência estão desaparecendo num processo considerado sem volta. O designer Wallace Vianna, de 50 anos, viveu 13 anos sob o regime da carteira de trabalho, nascido com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com horário fixo, férias e 13º salário. Atualmente, é empregado de si mesmo, administra quatro contratos simultaneamente, convivendo com oscilação de renda de um salário mínimo (R$ 954) a cinco salários (R$ 4.770).

“Sou técnico, publicitário, contato, cuido da parte financeira e administrativa. Costumo oferecer um leque de opções para o cliente, como web designer, professor de design, cubro férias de profissionais da área. O trabalho pode ser com carteira assinada ou não. Depende do que aparecer”, afirmou o profissional, formado em design pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Nesse novo mundo do trabalho, os empregos típicos da classe média vão diminuir, dizem analistas. Até mesmo profissões com status de doutor, como a de advogado ou médico, vão sofrer baques na empregabilidade. Leitura de peças processuais e análise de exames clínicos se darão com base em gigantescos bancos de dados, o big data, eliminando uma etapa da preparação do processo na Justiça e no diagnóstico do paciente.

“Está se criando um fosso entre os altamente qualificados e os de baixa qualificação. Cada vez se necessita menos dos médios qualificados. Onde havia gerentes que nos atendiam em agências de turismo e companhias aéreas, há sistemas. O trabalho das 9 horas às 18 horas tende a desaparecer. Vai ser controlado à distância, numa contratação mais precária, em prazos menores e com menos segurança”, disse o procurador do Trabalho Rodrigo Carelli, professor de Direito do Trabalho e de Direito e Sociedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Atualmente, no Brasil, de um total de 8,2 milhões de empresas, 4,2 milhões não têm empregados. No setor de serviços, onde o trabalho de autônomos é mais intenso, esses negócios individuais chegam a representar 59,2%. Nesses casos, as relações de trabalho viraram relações empresariais.

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Maria Luíza Abreu, como Vianna, trabalha dessa forma. Deixou o emprego de professora de geografia em 2013 e mudou de profissão. Aos 31 anos, dedica-se à produção de vídeos. Não tem horário fixo ou salário, mas prefere assim: “Às vezes, as empresas me ligam no dia anterior para trabalhar na manhã do dia seguinte. Às vezes, fico sabendo uma semana antes. É incerto. Costumo trabalhar dez horas por dia e três vezes por semana. Mas prefiro trabalhar como freelancer, porque cada dia é uma rotina diferente e sempre dá para conhecer pessoas novas. Um dia você está gravando numa praia, outro dia você está num museu, e isso é bem legal”.

Os ganhos são irregulares. “Nunca dá para saber como vai ser o próximo mês”, afirmou Abreu.

Na indústria, está em curso a quarta revolução industrial, mais avançada nos países desenvolvidos. A revolução que houve nas linhas de montagem de montadoras e fábricas em geral nos anos 1990, automatizando parte considerável da produção, chegou aos processos administrativos, afirmou Antonio Almeida, sócio da Consultoria EY: “O que aconteceu no chão de fábrica no século passado vai acontecer com a administração. Os robôs estão entrando nos escritórios. Empregados para trabalhar uma planilha ou acessar o sistema geral da empresa para coletar dados vão desaparecer. Na verdade, já estão desaparecendo. Os robôs de segunda geração estão entrando nas empresas de forma robusta”, declarou.

Segundo Almeida, as profissões que ganharão força são as que envolvem criatividade, capacidade de tomada de decisão, de considerar fatores imponderáveis para simular ou replicar num software: “Quem está se formando agora tem de levar isso muito em consideração. Trabalho repetitivo, por exemplo, em cinco, dez anos terá acabado”.

Nos países em desenvolvimento como o Brasil, esse processo pode demorar mais, na opinião de Carelli. A mão de obra farta e barata vai tornar essa substituição mais vagarosa. Atualmente, o país tem 13,7 milhões de desempregados, segundo o IBGE: “Somos um país periférico, com mão de obra muito barata, em relação aos países europeus ou à América do Norte. Haveria necessidade de aplicação de capital, o que não faz sentido com a mão de obra abundante e barata”. A média salarial no país é próxima de R$ 2 mil, mas com a metade ganhando menos de um salário mínimo.

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O web designer Wallace Vianna, de 50 anos, passou 13 anos deles com carteira assinada. Vive hoje de prestação de serviços, o que o obriga a enfrentar uma grande oscilação de renda (Foto: ANA BRANCO/AGÊNCIA O GLOBO)

Irmgard Nubler, economista sênior do Departamento de Pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não dá como certa a extinção maciça de empregos no novo milênio. As forças da sociedade poderão moldar essa inovação para criação de vagas. “Mudanças transformadoras nas economias exigem mudanças sociais que se refletem em novas demandas sociais e novas estruturas de consumo”, afirmou.

Novas formas de produtividade e as transformações do trabalho no século XXI

Segundo Nubler, uma questão crítica é como os ganhos de produtividade das inovações serão distribuídos. Isso será determinante para que haja geração de vagas em outras atividades a fim de compensar a perda em setores mais tradicionais. Ela prevê que o compartilhamento de ganhos com trabalhadores e consumidores aumentará a demanda por produtos domésticos, e o apoio a empreendedores criativos ajudará a abrir novas empresas.

O declínio do tempo de trabalho combinado com maior renda aumentará a demanda por bens e serviços de lazer. O investimento de ganhos de produtividade em políticas de educação, treinamento, ciência e tecnologia criará novas capacidades na força de trabalho e, assim, permitirá que as empresas entrem em novas indústrias. As novas tecnologias, robôs, algoritmos e softwares precisam ser desenvolvidos, projetados, produzidos e mantidos, e também a coleta e o uso de big data criarão novas ocupações e empregos.

A economista da OIT critica as escolhas econômicas do Brasil, que poderiam atrasar a inserção do país na cadeia global de tecnologia. “A estrutura de exportação do Brasil saiu dos produtos industriais e manufaturados, e a diversidade da economia, assim como sua complexidade, diminuiu.” Para Nubler, essas escolhas tiveram importantes efeitos no longo prazo, pois destruíram as oportunidades para a força de trabalho aprender e adquirir competências tecnológicas.

Em vez disso, a base de conhecimento do país tornou-se menos diversificada, e a sociedade perdeu capacidade de inovar e transformar sua economia, acredita Nubler. Capacidades de inovação limitadas impediram o Brasil de aproveitar as oportunidades que surgiram com a demanda global por eletrônicos durante os anos 2000 e 2010. Embora a demanda e a produção de eletrônicos estivessem crescendo globalmente, o Brasil não conseguiu atrair uma parcela significativa dessa indústria.

Novas formas de produtividade e as transformações do trabalho no século XXI
Maria Luíza Abreu, de 31 anos, deixou o emprego de professora de geografia em 2013. Hoje se dedica à produção de vídeos. Mesmo sem horário fixo ou salário, diz estar mais satisfeita (Foto: Gustavo Miranda/Agência O Globo)

“Em vez de se concentrar apenas no sistema escolar formal, o Brasil precisa promover o aprendizado em diferentes lugares: escolas, universidades, centros de treinamento, sistemas de produção, indústrias, cadeias de valor globais, joint ventures, redes profissionais, redes sociais como comunidades e famílias. Em segundo lugar, o país precisa desenvolver uma visão de longo prazo da transformação produtiva e projetar um pacote abrangente de políticas públicas.” No mundo, discutem-se renda mínima universal e taxação de robôs.

Enquanto não há políticas públicas no Brasil para minimizar os efeitos da automação no mercado de trabalho, Washington Costa deixa seu emprego de técnico de radiologia, contratado por meio de uma cooperativa, e continua a jornada como motorista de Uber no restante da semana. Com superior incompleto, consegue ganhar entre R$ 4 mil e R$ 5 mil, adaptando-se às novas formas de trabalho: “Entrei para o Uber com objetivo de juntar dinheiro para concluir o curso mais avançado de radiologia, mas a crise está dificultando.”

Novas formas de produtividade e as transformações do trabalho no século XXI

Quais são as principais transformações do trabalho no século XXI?

Dentre eles estão a flexibilidade externa, interna, salarial, funcional e a flexibilidade na jornada de trabalho, impondo contratos atípicos de trabalho.

Quais foram as principais transformações no trabalho?

Rotatividade, informalidade, múltiplos vínculos laborais, vulnerabilidade, precarização, adoecimentos, medo, insegurança, estresse, ansiedade, depressão caracterizam esse novo mundo do trabalho. Essas transformações no mundo do trabalho ganham rapidamente dimensões globalizadas e estão se acelerando e expandindo.

Quais as principais transformações ocorridas no mundo do trabalho ao longo do tempo?

na: precarização das relações de trabalho, incerteza, desregulamentação, ampliação do desemprego e pauperização da classe trabalhadora. Essas transformações no mundo do trabalho impactam a classe trabalhadora de maneira nefasta, expressa nas condições de vida, de trabalho, na organização política.

O que mudou na evolução do trabalho?

Novos campos de trabalho estão se abrindo como resultado das transformações sociais e dos avanços tecnológicos. Com o passar do tempo, a jornada de trabalho foi reduzida e o volume de trabalho per capita diminuiu 30% entre 1960 e 2010.