por Christian Oliveira
São encontrados registros da teoria dos cinco elementos na China que datam do período dos Reinos Combatentes (221 – 476 a.C.). Durante a dinastia Song (960 – 1279 d.C.), essa teoria se fundiu com a do yin yang e, juntas, elas se tornaram um importante pilar da fundamentação teórica da medicina tradicional chinesa.
A relação entre os elementos baseia-se em dois aspectos que se apoiam mutuamente para propiciar harmonia: o ciclo de geração e o ciclo de dominância (ou controle).
O ciclo de geração desencadeia uma sequência em que cada elemento é gerado pelo precedente e dá origem ao elemento seguinte. Desse modo, temos: a madeira gera o fogo (a madeira em combustão faz o fogo crescer); o fogo gera a terra (as cinzas originadas do fogo descem ao solo e são absorvidas pela terra, que se fortalece); a terra gera o metal (no interior do solo são produzidos os minérios que formam os metais); o metal gera a água (o metal, ao ser derretido, retorna à forma líquida) e a água gera a madeira (a agua é fundamental para o crescimento das árvores).
No ciclo de dominância, os elementos formam relações de controle e restrição uns sobre os outros. A madeira controla a terra (a madeira consome a terra), a terra controla a água (a terra limita o caminho da água), a água controla o fogo (a água apaga o fogo), o fogo controla o metal (o fogo derrete o metal) e o metal controla a madeira (o metal corta a madeira).
Os cinco elementos também podem ser compreendidos em função das estações do ano.
A água é a fase associada ao inverno, em que prevalece a força yin, relacionada a um comportamento de introspecção. O inverno é tempo do descanso, da quietude, quando a energia deve ser poupada, recolhida, condensada, conservada e armazenada. Devemos “hibernar” para poder explorar as próximas estações.
A madeira está associada à primavera, estação em que as plantas florescem. A força yang, de expansão, prevalece nesse período. Trata-se de uma fase com energia quente, alegre, bem-humorada, colorida e explosiva. Está associada ao vigor, à juventude, ao crescimento e ao desenvolvimento.
Em seguida vem o verão, com energia similar à da primavera: expansiva e criativa, simbolizada pelo fogo, com a força yang em seu ápice. Essa energia está associada ao amor e à compaixão, à generosidade, à alegria e à abundância.
O final do verão traz um momento bastante peculiar no conceito da medicina tradicional chinesa. Trata-se do interlúdio, quando há um perfeito equilíbrio entre yin e yang, pois a intensidade do fogo diminui, transformando-se em energia da terra. Há sensação de bem-estar e plenitude.
No início do outono, a energia da terra transforma-se em metal. E, durante essa fase, começa novamente a condensar-se, a contrair-se, volta-se para dentro para se acumular e armazenar. É quando libertamos tudo que pode ser dispensável, da mesma forma que as árvores dispensam as folhas com o intuito de poupar sua essência. É necessário economizar forças nesse momento para atravessar o inverno, período de processar os aprendizados obtidos no verão.
Cada elemento também representa uma parte do corpo, em função de suas características. Esse entendimento fornece aos terapeutas em medicina tradicional chinesa (MTC) a compreensão tanto das doenças como de seu tratamento.
O elemento água é representado pelos rins e bexiga; o elemento madeira pelo fígado e vesícula biliar; o elemento fogo pelo coração e intestino delgado; o elemento terra pelo baço, pâncreas e estômago e o elemento metal é representado pelo pulmão e intestino grosso.
Quando falamos nos cinco elementos, falamos também sobre os sentimentos ligados a eles.
Na MTC acredita-se que cinco emoções maiores originam as menores e, quando em excesso ou falta, podem afetar o funcionamento psíquico, fazendo com que surjam inúmeras síndromes energéticas e patologias. Essas cinco emoções são: o medo (ligado ao rim), a alegria (ligada ao coração), a tristeza (ligada ao pulmão), a preocupação (ligada ao baço) e a raiva (ligada ao fígado).
É indiscutível que o medo é importante para a proteção do ser humano. Quando nos sentimos
A alegria pode ser sinônimo de satisfação e de felicidade, gerando um equilíbrio do shen e do coração. Em excesso, porém, pode criar um estado de grande excitação que consome o qi e afeta o coração. Como resultado, o shen perde a sua base, e a pessoa não consegue se concentrar, podendo alternar estados de euforia e depressão. Seria como receber uma notícia maravilhosa que trouxesse grande alegria, mas não ter condições para metabolizar a situação. Um excesso de notícias boas pode afetar o coração.
Como contraponto, quando situações de grande tristeza ou melancolia atingem uma pessoa, o funcionamento do pulmão pode ser comprometido, provocando alterações respiratórias (bronquite, rinite, sinusite, asma, falta de ar), problemas de pele e queda na imunidade.
A preocupação excessiva e o comportamento obsessivo alteram diretamente o baço, que é o órgão responsável pelo transporte e pela transformação do qi. Pessoas com desarmonia do elemento terra, que é o responsável por essa emoção, são ansiosas e frequentemente têm insônia. O desequilíbrio pode chegar a alterar a fisiologia natural da absorção dos nutrientes alimentares (dificuldade de assimilação e retenção da energia), favorecendo a obesidade. Seriam pessoas que, em momentos de grande tensão e preocupação, acabam “descontando” na comida e priorizando o consumo de alimentos de alto valor calórico e baixo valor nutricional.
A raiva leva à alteração do fígado e, como consequência, prejudica o fluxo do qi. Os sintomas associados a esse estado são a irritação, a opressão torácica (dor do peito), a distensão abdominal, além de síncopes. Talvez não seja coincidência que a personagem “Incrível Hulk”, cujo poder aumenta à medida que não consegue controlar a raiva, seja verde (personificando o elemento madeira).
Com a base apresentada neste artigo, já podemos pensar que, quando uma pessoa adoece, não basta saber quais sintomas se manifestam em seu corpo físico. Essa seria uma forma imediatista e limitada de compreendermos um processo patológico. É importante contextualizar todos os sintomas juntamente com os sentimentos que o paciente apresenta, com a estação do ano em que se encontra e com os desequilíbrios gerados e observados dentro dos ciclos de geração e controle dos cinco elementos.
Para refletirmos sobre o desenvolvimento do raciocínio clínico utilizando as teorias apresentadas aqui, imaginemos uma pessoa com excesso do elemento fogo: procura tratamento no verão, furiosa, com uma patologia que gera calor no corpo, como é o caso da dermatite de contato (um tipo de reação na pele que ocorre devido ao contato com alguma substância externa, causando alergia ou irritação, e que desencadeará um processo inflamatório). O tratamento, nesse caso, não deve envolver apenas a eliminação do agente causador da doença. É imprescindível a administração do elemento água, capaz de dominar o fogo. Assim, algumas das seguintes estratégias poderão ser utilizadas: (1) resfriar o corpo do paciente por meio do consumo de alimentação energeticamente fria (como alface, tomate, tangerina); (2) usar alimentos anti-inflamatórios capazes de diminui o calor interno (como sementes de chia); (3) diminuir o consumo de alimentos energeticamente quentes (álcool, gengibre, pimenta, café etc.); (4) resfriar a região lesionada com água abundante e (5) utilizar pontos de acupuntura que diminuam o fogo interno.
O exemplo acima mostra a complexidade dos tratamentos que utilizam diversas técnicas de MTC, apesar de os modelos teóricos adotados serem aparentemente simples.