Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?

São quase dois quilômetros de extensão, um fluxo diário de 400 mil pessoas e calçadas tomadas pelos ambulantes. Em meio às promessas do poder público de ordenamento do comércio informal, um sotaque vem se tornando cada vez mais recorrente na Avenida Conde da Boa Vista, corredor encravado no coração do Recife. Num fenômeno migratório relativamente recente, os africanos, em sua maioria senegaleses, aportaram na capital pernambucana e em outras grandes cidades do Brasil em busca de oportunidades. Tornaram-se camelôs e, debruçados sobre suas barracas e tabuleiros, aguçam a curiosidade de quem passa, como mostra a reportagem do NETV 1ª Edição.

O Ministério da Justiça não tem estatísticas por Estado, mas informou que, em todo o país, 1.063 imigrantes vindos de Senegal solicitaram refúgio ao governo brasileiro somente neste ano. A Polícia Federal (PF) informou que, em Pernambuco, foram três pedidos na semana passada.

A cada aglomerado de ambulantes, há pelo menos um africano. A maioria vende relógios e bijuterias. Por três dias, a reportagem da TV Globo circulou pela Avenida Conde da Boa Vista e avistou mais de 20 deles, nos dois lados da pista. Duas mulheres.

Como ainda buscam a regularização, os senegaleses são reticentes quando o assunto é dar entrevista. Um deles conversou sob a prerrogativa de ter a identidade mantida em sigilo. O rapaz, de 30 anos, contou que os colegas moram no centro do Recife mesmo, em cortiços e apartamentos compartilhados também com brasileiros. Muitos estão aqui há menos de um ano.

"Africano aqui só trabalha, não tem nada problema, não fazem coisa ruim", defende-se, num português fácil de entender. A língua oficial em Senegal é o francês, mas o comerciante já reside em Pernambuco há dois anos. "Quando você sai do seu país, falta muita coisa, falta família", acrescenta ele, que deixou pais e irmãos na terra natal, um país de quase 15 milhões de habitantes, onde 60% da população vive abaixo da linha da pobreza e 20% das pessoas são subnutridas. Os números justificam a ponte aérea de 3.200 quilômetros entre a desesperança em Senegal e o direito de sonhar no Brasil.

A relação com os ambulantes brasileiros não parece ser problema. A ambulante Marizete Gonçalves trata os senegaleses como filhos. "Todos eles me chamam de mãe, têm o maior respeito por mim. A gente tem que abraçar esse povo", diz. Opinião compartilhada pelo comerciante Tarcísio Fortunato. "Eu cheguei do interior, não tinha mais lugar aqui para ficar. Ele mesmo arrumou um canto. Afastou a banquinha dele e colocou a minha", comenta.

O Ministério da Justiça classificou o fenômeno como nacional. Para ficar no Brasil, os estrangeiros, via de regra, pedem refúgio. Em 2013, 961 senegaleses entraram com pedido. Neste ano, em oito meses, o número saltou para 1.063. A solicitação é feita à Polícia Federal e analisada pelo Conselho Nacional de Refugiados (Conare), vinculado à pasta.

O pleito precisa atender a alguns requisitos. "Refúgio é a proteção concedida a estrangeiros para que eles vivam permanentemente no Brasil quando no país de origem há um temor de perseguição por causa da raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política", afirma a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça. O chefe de comunicação social da PF no estado, Giovani Santoro, lembra que, enquanto aguarda o julgamento do pedido, o estrangeiro está legalizado no Brasil.

O governo estadual discutiu o assunto em seminário realizado em maio. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos está elaborando um projeto para criação de um Centro de Referência para Imigrantes e Refugiados. A ideia é inaugurar o espaço de orientação e apoio no ano que vem. De acordo com o secretário executivo Paulo Moraes, a implementação depende da liberação de verba do Ministério da Justiça.

O processo de imigração no Brasil começou a partir de 1850 com o fim do tráfico de pessoas escravizadas.

Querendo apagar a herança escravocrata brasileira, o governo passa a estimular a entrada de imigrantes europeus, a fim de promover o "branqueamento" da população.

Características da imigração no Brasil

A abertura dos portos, ocorrida em 1808, possibilitou a entrada de imigrantes não portugueses ao Brasil. Neste momento, várias expedições científicas europeias visitam e divulgam a colônia portuguesa na Europa. Também se registra a instalação de profissionais liberais especialmente no Rio de Janeiro.

Com a proibição do tráfico de escravos, em 1850, o desenvolvimento das lavouras de café e o preconceito racial induziram a entrada de imigrantes europeus no país.

Com as guerras de unificação na Itália e na Alemanha, são trazidos pelo governo brasileiro para trabalhar nos cafezais.

Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?

Veja também: Fim do Tráfico de Escravos Africanos

Sistema de parceira e colonato

A imigração europeia no Brasil não foi homogênea para todas as regiões. Em São Paulo, observamos a implantação do sistema de parceira, onde o imigrante vinha trabalhar nas fazendas de café.

Já no sul do Brasil, a preocupação era povoar as grandes regiões desertas para resguardar a fronteira. Por isso, ali é aplicado o sistema de colonato.

Vejamos a diferença entre os dois sistemas.

Sistema de Parceria

Na primeira, os imigrantes que desejavam vir, eram contratado pelos proprietários das fazendas. Estes pagavam a passagem de navio, o deslocamento do porto até a fazenda, e a hospedagem. Deste modo, chegavam ao destino endividados e sem poder obter a sonhada propriedade da terra.

Igualmente, os colonos não podiam abandonar a fazenda enquanto não pagassem o que deviam.

Este sistema era tão cruel que foi registrada uma revolta de imigrantes alemães na fazenda Ibicapa, do Senador Vergueiro, em São Paulo. A consequência foi a proibição da imigração prussiana ao Brasil em 1859.

Sistema de Colonato

Na segunda fase foi aplicado o sistema de colonato e a vinda de imigrantes era assumida pelos governos provinciais (estaduais). Assim, o imigrante não vinha endividado.

Também recebiam uma remuneração mensal ou anual, podiam plantar alimentos para sua subsistência e estavam livres para deixar a propriedade.

Este sistema era mais atrativo para os imigrantes e muitas colônias puderam prosperar.

Imigrantes no Brasil

Antes da chegada dos portugueses é importante salientar que o território já contava com uma população indígena de cerca de 5 milhões de habitantes. Por sua vez, o africanos foram trazidos de maneira forçada.

Assim, quem é imigrante no Brasil, se apenas os indígenas são os nativos? Para fins de estudos, vamos considerar como imigrante apenas o indivíduo que chegou livre no país.

Suíços

Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?
A família Baumer na Colônia Francisca, em Santa Catarina, 1908.

Os primeiros imigrantes europeus não-portugueses a se estabelecerem no Brasil foram os suíços. Devido à falta de terras na Suíça, cerca de duas mil pessoas imigraram para o país entre 1818 e 1819 e se tornaram "súditas do Rei de Portugal."

Como a vinda foi negociada com o cantão de Friburgo, a localidade onde eles permaneceram passou a se chamar Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.

Apesar das condições adversas, a imigração suíça continuou ao largo do século XIX, e os colonos foram se estabelecendo pela região serrana do Rio de Janeiro e nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo e Bahia.

Em Santa Catarina, várias famílias suíças povoaram a Colônia Francisca, atual Joinville, junto com imigrantes alemães.

Devido as más condições de vida e o tratamento de semi-escravidão que recebiam, a imigração em grande quantidade de suíços foi proibida após a década de 1860.

Alemães

Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?
Sede dos Cantores Alemães, Waldescrus, na cidade de Erechim/RS, reproduzindo na madeira o estilo das moradas alemãs, em 1931

Com a unificação aduaneira promovida no Império Alemão e o processo de Unificação Alemã, muitos camponeses perderam suas terras.

Embora já existissem cidadãos de origem alemã no Brasil, o dia 25 de julho de 1824 é considerado o marco da imigração. Nesta data, chegaram 39 imigrantes alemães à cidade de São Leopoldo/RS.

Incentivados pelo governo brasileiro, eles se dirigiram especialmente para o sul e a região serrana do Rio de Janeiro, em busca de terras para cultivo. Ali, tentaram reproduzir o estilo de vida de seus antepassados.

Por outro lado, o governo imperial esperava que eles ajudassem a defender as fronteiras brasileiras e muitos eram forçados a se alistar no Exército assim que desembarcavam.

Os alemães estão presentes em quase todos os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, principalmente nas cidades de Joinville, Blumenau e Pomerode.

Italianos

A Península Itálica passou por várias batalhas até alcançar a Unificação Italiana sob o reinado do rei Vitor Manuel II (1820-1878), em 1870. A partir dessa década, começam a chegar contingentes de italianos no Brasil e o fluxo só terminaria com a ascensão de Mussolini.

Desde o fim do tráfico de escravos, estimulava-se a vinda de italianos para o Brasil a fim de substituir os africanos escravizados.

O governo brasileiro pagava a passagem dos imigrantes em navios a vapor, lhes prometia salários e casas, algo que não era cumprido.

Os estrangeiros receberam incentivos, como a propriedade da terra e cidadania. Foi assim que surgiram na região sul cidades como Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves.

A presença italiana sente-se especialmente em São Paulo pelos seus aspectos culturais e políticos. Foram os imigrantes italianos que se tornaram os primeiros trabalhadores das fábricas de São Paulo.

Assim, fizeram as primeiras "caixas de socorro mútuo" com o objetivo de ajudar os operários quando ainda não havia sindicatos estabelecidos no Brasil.

Portugueses

A imigração portuguesa nunca deixou de acontecer, mesmo depois da independência e da separação de ambos países.

Com o aumento população portuguesa e a escassez de terras, vários empreenderam a viagem para a ex-colônia americana. No entanto, ao contrário de outros imigrados, a relação com os portugueses era mais fluida, pois alguns vinham, se enriqueciam e voltavam para Portugal.

De qualquer maneira, houve uma grande parte que permaneceu e foi engrossar o operariado brasileiro e o comércio. No século XX, a colônia portuguesa se junta em torno do futebol, fundando seus próprios clubes como Vasco da Gama, no Rio de Janeiro e Portuguesa, em São Paulo.

A ditadura de Antônio de Oliveira Salazar também foi motivo para que muitos portugueses deixassem sua terra e viessem para o Brasil.

Espanhóis

O terceiro contingente de imigrantes no Brasil, em termos de número, foram os espanhóis. Estima-se que entre 1880 e 1950 tenham entrado cerca de 700 mil espanhóis no país.

Destes, 78% se dirigiram para São Paulo, com o intuito de trabalhar nas lavouras de café e, mais tarde, nos laranjais; e o restante buscou grandes centros como Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Os espanhóis se organizavam em tornos de centros culturais como as "Casas de Espanha" que ensinavam música, dança e o idioma para os filhos de imigrantes e brasileiros.

Japoneses

A maior colônia de japoneses do mundo está localizada no Brasil. Os japoneses chegaram a partir de 1908, em São Paulo para trabalhar nas lavouras de café.

Estabeleceram-se também no Paraná e Minas Gerais e inovaram as técnicas de cultivo conhecidas no Brasil.

Veja também: Imigração Japonesa

Oriente Médio

Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?
Passaporte expedido em Beirute, Líbano, no ano de 1926 a Elias Hanna Elias, que se estabeleceu em Cantagalo/RJ

Devido às guerras e perseguições religiosas, houve a entrada de muitos imigrantes oriundos da Síria, Líbano, Armênia e Turquia. A maior parte se dirigiu para São Paulo, mas é possível encontrar descendentes no Rio de Janeiro, Bahia e em Minas Gerais.

Os sírios e libaneses eram pequenos agricultores na sua terra natal. No entanto, devido ao modelo de latifúndio encontrado no Brasil, eles não encontraram terras disponíveis para ocuparem.

Assim, dedicaram-se, principalmente, ao comércio como ambulantes e ficaram conhecidos como mascates. Com uma mala cheia de produtos, eles percorriam as grandes cidades e partiam para o interior do estado, acompanhando as linhas ferroviárias.

A segunda geração, os filhos dos imigrantes, entraram nas universidades e podem ser encontrados na cena política brasileira, na pesquisa acadêmica e no meio artístico.

Por serem oriundos do antigo e extinto Império Turco-Otomano, até hoje esses imigrantes são comumente chamados de "turcos" no Brasil.

Veja também: Formação do Povo Brasileiro: história e miscigenação

Outras nacionalidades

Não podemos esquecer de outras nacionalidades como húngaros, gregos, ingleses, americanos, poloneses, búlgaros, tchecos, ucranianos e russos que também imigraram para o Brasil.

Trouxeram sua diversidade cultural e linguística para o país, aqui se estabelecerem e construíram uma vida melhor.

Imigração Atual

Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?

Após os anos 2000, com a estabilidade econômica e política, o Brasil tornou-se alternativa para cidadãos tanto de países desenvolvidos como subdesenvolvidos. Eventos como a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016) se tornaram um verdadeiro chamariz para a imigração.

As principais levas de imigrantes recebidas hoje são de haitianos, bolivianos e refugiados de guerra, como os sírios, senegaleses e nigerianos.

Igualmente, devido à crise na Venezuela, muitos cidadãos desse país estão cruzando a fronteira, especialmente em Roraima.

Entre os asiáticos, chineses e coreanos vêm para abrir comércio e se estabelecem sobretudo nas cidades.

As portas do país não estão abertas a todos. No entanto, em muitos casos, a entrada se dá de forma ilegal, principalmente no caso de haitianos e bolivianos.

Veja também: Crise dos Refugiados no Brasil e no Mundo

Gostou? Tem mais textos para você:

  • Migração
  • Tipos de Migração
  • Cultura Brasileira
  • Movimentos migratórios no Brasil

Onde os imigrantes africanos se instalaram no Brasil?

Juliana Bezerra

Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.

Onde os imigrantes se estabeleceram no Brasil?

A maior parte dos migrantes italianos fixou-se em São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Espanhóis: Vieram para o país, em maior número, no final do século XIX e fixaram-se principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Onde os africanos moram no Brasil?

Os números oficiais mostram que 1.366 pessoas do continente africano entraram no Brasil por terra — principalmente através do Paraná e dos estados do norte do país, Amapá, Roraima, Amazonas e Acre.

Qual é o principal destino dos imigrantes africanos?

Se por um lado, 90% dos migrantes do norte de África foram para a Europa ou Ásia, 70,3% dos da África subsaariana saíram para outro país dentro do continente. A União Europeia acolhe 9,1 milhões de migrantes africanos, 5,1 milhões do Norte de África e 4 milhões da África subsaariana.

Como os africanos se estabeleceram no Brasil?

Os escravizados africanos eram trazidos para o Brasil por meio do tráfico negreiro. Esse comércio de compra deles se iniciou no século XV, quando os portugueses começaram a ter contato com diferentes povos africanos.