Quais conflitos têm a participação significativa dos Estados Unidos e quais estratégias

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Sumário

  1. Introdução Vijay Prashad
  2. O que motiva os EUA a aumentarem a ofensiva militar internacional? John Ross (Luo Siyi)
  3. Quem está levando os Estados Unidos à guerra? Deborah Veneziale
  4. “Notas sobre exterminismo” para os movimentos de ecologia e paz do século 21 John Bellamy Foster

Quais conflitos têm a participação significativa dos Estados Unidos e quais estratégias

Introdução

Vijay Prashad

Na reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), em 23 de maio de 2022, o ex-secretário de Estado estadunidense Henry Kissinger fez algumas observações sobre a Ucrânia que foram ao ponto. Em vez de ser pego “no clima do momento”, disse Kissinger, o Ocidente — liderado pelos Estados Unidos — precisa permitir um acordo de paz que satisfaça os russos. “Buscar a guerra além [deste] ponto não seria [algo] sobre a liberdade da Ucrânia, mas uma nova guerra contra a própria Rússia”, comentou Kissinger. A maioria das reações do establishment da política externa ocidental foi revirar os olhos e rejeitar os comentários de Kissinger. Kissinger, que não é nenhum pacifista, no entanto, apontou não só para o grande perigo da escalada em direção ao estabelecimento de uma nova cortina de ferro ao redor da Ásia, mas também para uma possível guerra aberta e letal entre o Ocidente e a Rússia e a China. Esse tipo de resultado impensável foi demais, mesmo para Henry Kissinger, cujo chefe, o presidente Richard Nixon, falava frequentemente da “Teoria do Louco” nas relações internacionais; Nixon disse a seu chefe de gabinete, Bob Haldeman, que ele tinha “a mão no botão nuclear” para assim amedrontar Ho Chi Minh e forçá-lo a ceder.

Durante a invasão ilegal do Iraque pelos EUA em 2003, falei com um membro sênior do Departamento de Estado estadunidense que me disse que a teoria predominante em Washington equivalia a um simples slogan: dor de curto prazo para ganho de longo prazo. Ele explicou que a visão geral era de que as elites do país estão dispostas a tolerar a dor de curto prazo para outros países – e talvez dos trabalhadores dos Estados Unidos, que poderiam passar por dificuldades econômicas devido às perturbações e carnificinas criadas pela guerra. Esse preço, no entanto, resultará, se tudo correr bem, em ganhos de longo prazo, pois os Estados Unidos conseguiriam manter o que tem procurado conservar desde o fim da Segunda Guerra Mundial: sua primazia. Se tudo correr bem foi a premissa que me fez tremer enquanto ele falava, mas o que me abalou igualmente foi a insensibilidade sobre quem deve suportar a dor e quem irá desfrutar do ganho. Foi também cinicamente repetido que valia a pena o preço que o povo iraquiano e os soldados da classe trabalhadora dos EUA pagariam (com a vida inclusive), desde que grandes empresas petrolíferas e financeiras pudessem desfrutar das conquistas de um Iraque derrotado. Essa atitude — dor a curto prazo, ganho a longo prazo — é a alucinação definitiva das elites dos Estados Unidos, que não estão dispostas a tolerar o projeto de construção da dignidade humana e da longevidade da natureza.

Dor a curto prazo, ganho a longo prazo define a perigosa escalada dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais contra a Rússia e a China. O que é impressionante sobre a postura dos Estados Unidos é que busca evitar um elemento histórico que parece inevitável: o processo de integração eurasiano. Após o colapso do mercado imobiliário dos EUA e a maior crise de crédito no setor bancário ocidental, o governo chinês buscou, ao lado de outros países do Sul Global, construir plataformas que não dependessem dos mercados da América do Norte e da Europa. Essas plataformas incluíram a criação dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em 2009 e o anúncio do “Um Cinturão, Uma Rota” (posteriormente, “Iniciativa do Cinturão e Rota” – ICR -, ou a “Nova Rota da Seda”), em 2013. O fornecimento de energia russa e suas enormes explorações metálicas e minerais, ao lado da capacidade industrial e tecnológica chinesa, atraíram muitos países a se associarem à ICR (a exportação russa de energia está implícita nesse processo), independente de sua orientação política. Esses países incluíam Polônia, Itália, Bulgária e Portugal. A Alemanha é hoje o maior parceiro comercial da China no comércio de mercadorias.

O fato histórico da integração eurasiana ameaça a primazia dos Estados Unidos e das elites atlânticas. É essa ameaça que impulsiona a perigosa tentativa dos Estados Unidos de usar qualquer meio para “enfraquecer” tanto a Rússia quanto a China. Velhos hábitos continuam a dominar Washington, que há muito busca primazia nuclear para negar a teoria da distensão [détente]. Os Estados Unidos desenvolveram uma capacidade nuclear e uma postura que lhe permitiria destruir o planeta para manter sua hegemonia. As estratégias para enfraquecer a Rússia e a China incluem uma tentativa de isolar esses países por meio da escalada da guerra híbrida imposta pelos EUA (sanções e guerra de informações) e o desejo de desmembrá-los e dominá-los perpetuamente.

Os três ensaios neste volume analisam de perto e de forma racional as tendências de longo prazo que se manifestam agora na Ucrânia.

John Bellamy Foster, editor da revista Monthly Review, catalogou a teoria da “dominação por escalada” do establishment estadunidense, que está disposto a encarar os riscos de um inverno nuclear — ou seja, a aniquilação — para manter sua supremacia. Para além do número real de armas nucleares detidas pela Rússia e pelos Estados Unidos, este último desenvolveu toda uma arquitetura de contra-ataque que acredita poder destruir a Rússia e as armas nucleares chinesas e, em seguida, pulverizar esses países até a submissão. Essa fantasia emerge não apenas nos documentos empolados dos formuladores de políticas dos EUA, mas também aparece ocasionalmente na imprensa, na qual se argumenta sobre a importância de um ataque nuclear contra a Rússia.

Deborah Veneziale, uma jornalista que vive na Itália, escava o mundo social do militarismo nos Estados Unidos, olhando como as várias frações da elite política deste país se uniram para apoiar essa estratégia de confronto contra a Rússia e a China. O mundo íntimo dos think tanks e das empresas de produção de armas, dos políticos e seus escribas, negou as proteções constitucionais de pesos e contrapesos. Há uma corrida ao conflito para que as elites dos EUA possam proteger seu controle extraordinário sobre a riqueza social global (o patrimônio líquido combinado dos 400 cidadãos mais ricos dos EUA está agora perto de 3,5 trilhões de dólares, enquanto as elites globais, muitas delas dos Estados Unidos, acumulam quase 40 trilhões de dólares em paraísos fiscais ilícitos).

John Ross, membro do coletivo No Cold War, escreve que, com o conflito na Ucrânia, os Estados Unidos intensificaram qualitativamente seu ataque militar ao planeta. Esta guerra é perigosa porque mostra que eles estão dispostos a confrontar diretamente a Rússia, uma grande potência, e a intensificar seu conflito com a China “ucranizando” Taiwan. O que pode frear os Estados Unidos, argumenta Ross, é a resiliência da China e seu compromisso em defender sua soberania e seu projeto e o crescente descontentamento no Sul Global contra a imposição dos objetivos da política externa estadunidense. A maioria dos países do mundo não vê esse conflito como seu, uma vez que estão tomados pela necessidade de enfrentar dilemas mais amplos da humanidade. O chefe da União Africana, Moussa Faki Mahamat, disse em 25 de maio de 2022, que a África se tornou “a vítima colateral de um conflito distante entre a Rússia e a Ucrânia”. O conflito está distante não só em termos de espaço, mas também em termos dos objetivos políticos dos países da África, bem como na Ásia e na América Latina.

Este caderno é produzido conjuntamente pela Monthly Review, No Cold War e pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Nós convidamos você a lê-lo, compartilhá-lo com amigos/as e companheiros/as e discuti-lo onde quer que você tenha a oportunidade. A preciosa vida humana e a longevidade do planeta estão em jogo. É impossível ignorar esses fatos. A maioria das pessoas do mundo gostaria de lidar com nossos problemas reais. Não queremos ser arrastados para um conflito que é impulsionado por um desejo paroquial da elite ocidental de manter seu poder preponderante. Nós defendemos a vida.

O que motiva os Estados Unidos a aumentarem a ofensiva militar internacional?

John Ross

Introdução

Os eventos que levaram à Guerra da Ucrânia representam uma aceleração qualitativa de uma tendência de mais de duas décadas, nas quais os Estados Unidos intensificaram sua ofensiva militar internacionalmente. Antes da Guerra da Ucrânia, os EUA haviam realizados confrontos militares apenas contra países em desenvolvimento, que tinham forças armadas muito mais fracas e não possuíam armas nucleares: o bombardeio da Sérvia em 1999, a invasão do Afeganistão em 2001, do Iraque em 2003, e o bombardeio da Líbia em 2011. No entanto, a ameaça dos EUA de estender a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à Ucrânia, que é a principal causa desta guerra, representa algo fundamentalmente diferente. Os Estados Unidos estavam cientes de que levar a Otan para a Ucrânia confrontaria diretamente os interesses nacionais da Rússia, um país com grandes forças militares e um enorme arsenal nuclear. Embora tal atitude cruze as linhas vermelhas russas, os Estados Unidos estavam prontos para correr esse risco.

Os Estados Unidos (ainda) não comprometeram seus próprios soldados neste recente conflito, afirmando que isso ameaçaria uma guerra mundial e arriscaria uma catástrofe nuclear. Mas está, de fato, envolvido em uma guerra por procuração contra a Rússia. Não só insistiram em deixar em aberto a possibilidade de que a Ucrânia pudesse se juntar à Otan, mas também treinaram o exército ucraniano na liderança da guerra, forneceram enormes quantidades de armas e passaram informações satelitais e de inteligência. Até agora, a ajuda de Washington a Kiev foi de cerca de 50 bilhões de dólares.

Como os Estados Unidos empurraram a Ucrânia para a guerra

Os Estados Unidos e seus aliados vêm preparando a Ucrânia para a guerra desde pelo menos 2014, com o envio de centenas de instrutores para treinar os militares ucranianos. A abordagem durante a Guerra do Golfo no Iraque em 1990 foi semelhante, refletindo um modelo que Washington parece estar usando para alcançar seus objetivos geopolíticos. A Rússia foi propositalmente atraída para a situação na Ucrânia a partir do golpe de 2014, quando as forças anti-russas tomaram o poder em Kiev, apoiadas por neonazistas ucranianos, bem como pelos Estados Unidos. Naquela época, o exército ucraniano não era uma poderosa força militar, pois havia sofrido consideravelmente com as “reformas” iniciadas em 1991 após o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Décadas de negligência e subfinanciamento levaram à deterioração da infraestrutura e dos equipamentos militares, juntamente com o esgotamento moral entre oficiais e soldados. Como diz Vyacheslav Tetekin, membro do Comitê Central do Partido Comunista da Federação Russa, “o exército ucraniano não queria e não podia lutar”.

Após o golpe de 2014, os gastos do Estado foram desviados dos investimentos em bem-estar social e direcionados para a construção de estrutura militar. De 2015 a 2019, o orçamento militar ucraniano aumentou de 1,7 bilhão para 8,9 bilhões de dólares, equivalente a 6% do PIB do país em 2019. Levando em conta a porcentagem em relação ao PIB, os gastos militares foram três vezes maiores comparado à maioria dos países desenvolvidos no Ocidente. Foram alocados fundos volumosos na restauração e modernização da estrutura militar do país, restabelecendo, assim, sua capacidade de combate.

Durante a guerra contra Donbass entre 2014 e 2015  (a região de língua russa no leste do país), a Ucrânia tinha pouco apoio de combate aéreo, já que quase todas as aeronaves de combate estavam precisando de reparos. No entanto, em fevereiro de 2022, a Força Aérea estava equipada com aproximadamente 150 caças, bombardeiros e aeronaves de ataque. O tamanho das Forças Armadas ucranianas também se expandiu enormemente. No final de 2021, a remuneração dos soldados aumentou três vezes, de acordo com os dados de Tetekin. Esse fortalecimento do poder militar, ao lado de poderosas fortificações erguidas perto de Donbass, indica a intenção dos EUA de iniciar conflitos na região.

No entanto, apesar desses preparativos para a guerra, o exército ucraniano não foi capaz de combater seriamente a Rússia. O equilíbrio de forças claramente não estava a favor de Kiev. Isso não importava para os Estados Unidos, que buscavam usar a Ucrânia como bala de canhão contra a Rússia. Segundo Tetekin, “os Estados Unidos planejaram duas opções para a nova e militarizada Ucrânia (…) A primeira foi conquistar Donbass e invadir a Crimeia. A segunda opção era provocar a intervenção armada da Rússia”.

Em dezembro de 2021, ciente do crescente perigo que enfrentava diante de uma Ucrânia sob influência dos EUA, a Rússia buscou um conjunto de garantias de segurança da Otan para desarmar a crise. Em particular, a Rússia exigiu que a Organização encerrasse sua expansão para o leste, incluindo a adesão da Ucrânia. “O Ocidente (…) ignorou essas exigências”, escreveu Tetekin, “sabendo que os preparativos para a invasão de Donbass estavam em pleno andamento. A maioria das unidades prontas para combate do Exército ucraniano, somando 150 mil pessoas, estavam concentradas perto de Donbass. Eles poderiam vencer a resistência das tropas locais em poucos dias, com a destruição completa de Donetsk e Lugansk e a morte de milhares” (Tetekin, 2022)1.

Ucrânia é uma escalada qualitativa da agressão militar estadunidense

É evidente tanto pelos fatos políticos fundamentais (a insistência dos EUA no “direito” da Ucrânia de entrar na Otan) quanto pelos fatos militares (o acúmulo de forças armadas da Ucrânia), que os Estados Unidos estavam preparando um confronto, embora isso inevitavelmente envolvesse um embate direto com a Rússia. Consequentemente, ao avaliar a crise da Ucrânia, é importante destacar que os EUA estavam preparados para intensificar suas ameaças militares, indo de ataques a países em desenvolvimento — sempre injustos, mas que não traziam risco direto de conflitos militares com grandes potências ou guerras mundiais — à agressão contra Estados muito fortes, como a Rússia, abrindo a possibilidade de conflitos militares globais. É crucial analisar o que funda essa escalada de ofensiva militar dos EUA. Seria algo temporário, retomando depois um curso mais conciliador, ou o aumento da escalada militar é uma tendência de longo prazo na política dos EUA?

Isso é, naturalmente, de extrema importância para todos os países, mas particularmente para a China, um Estado poderoso. Para tomar apenas um importante exemplo, paralelamente à escalada contra a Rússia, os Estados Unidos não apenas impuseram tarifas contra a economia chinesa e realizaram uma campanha internacional sistemática de mentiras sobre a situação em Xinjiang; como também tentaram minar a política conhecida como “Uma só China” em relação à província de Taiwan.

Entre as ações dos Estados Unidos em relação à província de Taiwan estão:

  • Pela primeira vez desde o início das relações diplomáticas entre EUA e China, o presidente Biden convidou um representante de Taipei para a posse de um presidente estadunidense.
  • A presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi – o terceiro cargo mais alto dos EUA na ordem de sucessão presidencial – visitou Taipei no dia 12 de agosto de 2022.
  • Os EUA pediram a participação de Taipei na ONU.
  • Os EUA intensificaram as vendas de armamentos e equipamentos militares para a ilha.
  • As delegações estadunidenses que visitam Taipei aumentaram.
  • Os EUA aumentaram sua presença militar no Mar do Sul da China e tem enviado regularmente navios de guerra através do Estreito de Taiwan.
  • As Forças de Operações Especiais treinaram tropas terrestres e marinhas

Assim como na Ucrânia e Rússia, os Estados Unidos estão plenamente conscientes de que a política “Uma Só China” afeta os interesses nacionais mais fundamentais do país asiático, e tem sido a base das relações EUA-China durante os 50 anos desde a visita de Nixon a Pequim em 1972. Abandoná-la é cruzar as linhas vermelhas chinesas. É, portanto, evidente que os Estados Unidos estão tentando de forma confrontativa minar a política chinesa da mesma forma que deliberadamente decidiram cruzar as linhas vermelhas russas na Ucrânia.

Quanto à questão de saber se essas provocações dos EUA contra a China e a Rússia são temporárias, de longo prazo ou mesmo permanentes, minha conclusão clara é que a tendência de escalada militar dos EUA continuará. No entanto, dado que tal questão, potencialmente envolvendo guerras, é de extrema seriedade e tem consequências práticas extremamente importantes, exageros e meras propagandas são inaceitáveis. O objetivo aqui é, portanto, apresentar de forma factual, objetiva e ponderada as razões pelas quais os Estados Unidos tentarão aumentar ainda mais a sua ofensiva militar durante o próximo período. Além disso, verificarei quais tendências podem servir para neutralizar essa perigosa política dos EUA e quais podem exacerbá-la.

A posição econômica e militar dos EUA durante a “Velha Guerra Fria” e a “Nova Guerra Fria”

Reduzidas aos fatos mais essenciais, as forças fundamentais que impulsionaram essa escalada da política estadunidense de agressão militar, que já dura mais de duas décadas, são claras. Em primeiro lugar está a perda permanente do peso esmagador da economia dos EUA na produção global, e, em segundo lugar, a preponderância do poder e dos gastos militares dos EUA. Essa assimetria cria um período muito perigoso para a humanidade, no qual os EUA podem tentar compensar seu relativo declínio econômico por meio do uso da força militar. Isso ajuda a explicar os ataques a países em desenvolvimento, bem como seu crescente confronto com a Rússia na Ucrânia. Uma questão importante é se a ofensiva dos EUA aumentará a ponto de incluir um confronto crescente com a China, chegando a cogitar uma guerra mundial. Para responder a essa pergunta, é necessário fazer uma análise precisa da situação econômica e militar dos Estados Unidos.

No aspecto econômico, em 1950, perto do início da primeira Guerra Fria, os Estados Unidos representavam 27,3% do PIB mundial. Em comparação, a URSS, a maior economia socialista do período, representava 9,6%. Em outras palavras, a economia dos EUA era quase três vezes maior que a economia soviética (Maddison, 2001)2. Durante todo o período pós-Segunda Guerra Mundial (a primeira Guerra Fria), a URSS nunca chegou perto do PIB dos EUA, pois representava apenas 44,4% dele em 1975. Ou seja, mesmo no auge do relativo desenvolvimento econômico soviético, a economia dos EUA ainda era duas vezes maior que a da URSS. Durante a “Velha Guerra Fria”, os Estados Unidos tiveram uma vantagem econômica significativa sobre a URSS, pelo menos em termos de medidas convencionais de produção.

Voltando para a situação atual, os Estados Unidos, em termos comparativos, possuem uma fatia do PIB global consideravelmente menor que em 1950, com uma variação de cerca de 15 a 25%, dependendo de como é medido. A China, principal rival econômica dos Estados Unidos hoje, está muito mais próxima da paridade com a economia estadunidense. Mesmo com as taxas de câmbio de mercado, que oscilam um pouco independentemente dos rendimentos reais com as flutuações cambiais, o PIB da China já representa 74% o PIB dos Estados Unidos, um nível muito superior ao que a URSS alcançou. Além disso, a taxa de crescimento econômico da China tem sido há algum tempo muito mais rápida que a dos Estados Unidos, o que significa que continuará a se aproximar do país americano.

Calculada em paridades de poder aquisitivo (que respondem pelos diferentes níveis de preços dos países), a medida usada por Angus Maddison e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2021, apontava que os EUA tinham apenas 16% da economia mundial — ou seja, os outros 84% estão fora dos EUA. Segundo essa mesma medida, a economia chinesa já é 18% maior que a estadunidense. Até 2026, de acordo com as projeções do FMI, a economia da China será pelo menos 35% maior que a dos Estados Unidos. A brecha econômica entre os dois países está muito mais estreita que qualquer distância que a URSS tenha alcançado.

Levando em conta outros fatores, não importa a medição, a China tornou-se de longe a maior potência fabril do mundo. Em 2019, os últimos dados disponíveis mostram que o país asiático foi responsável por 28,7% da produção mundial de manufaturas, contra 16,8% dos Estados Unidos. Em outras palavras, a participação global da China na produção manufatureira foi 70% maior que a dos Estados Unidos. A URSS, por outro lado, nunca esteve próxima de ultrapassar os EUA na produção manufatureira.

No tocante ao comércio de bens, a derrota dos Estados Unidos pela China na guerra comercial lançada por Donald Trump é até um pouco humilhante para ele e seu país. Em 2018, a China já comercializava mais mercadorias que qualquer outra nação, embora seu comércio de bens fosse apenas 10% maior que o dos Estados Unidos no mesmo período. Em 2021, o comércio de bens da China superou os EUA em 31%. A situação foi ainda pior em termos de exportação de mercadorias: em 2018, as da China foram 58% maiores que as dos EUA e, em 2021, 91% maiores. Em resumo, não só a China se tornou de longe a maior nação comercial do mundo, mas os EUA sofreram uma clara derrota na guerra comercial travada pelos governos Trump e Biden.

Ainda mais fundamental do ponto de vista macroeconômico é a liderança da China em reservas financeiras (familiar, empresarial e estatal), a fonte do investimento real de capital e a força motriz do crescimento econômico. De acordo com os dados mais recentes disponíveis em 2019, a economia bruta de capital da China foi, em termos absolutos, 56% maior que a dos Estados Unidos — o equivalente a 6,3 trilhões de dólares, em comparação com 4,03 trilhões. No entanto, esse número subestima muito a liderança da China: se a depreciação for levada em conta, a criação líquida de capital anual da China foi 635% maior que a dos Estados Unidos — o equivalente a 3,9 trilhões de dólares, ante 600 bilhões. Em resumo, a China está aumentando muito seu capital a cada ano, enquanto os Estados Unidos, em termos comparativos, aumenta pouco.

O resultado líquido dessas tendências é que a China superou esmagadoramente os Estados Unidos em termos de crescimento econômico, não apenas em todo o período de quatro décadas desde 1978, como é amplamente sabido, mas também no período recente. Nos preços ajustados pela inflação, desde 2007 (um ano antes da crise financeira internacional), a economia dos EUA cresceu 24%, enquanto a da China cresceu 177% — ou seja, a economia chinesa cresceu sete vezes mais rápida. No terreno da competição relativamente pacífica, a China está ganhando3.

A liderança dos EUA em produtividade, tecnologia e dimensão das empresas significa que, no geral, sua economia ainda é mais forte que a da China, mas a diferença entre os dois países é muito menor que aquela entre Estados Unidos e URSS em outro momento. Além disso, seja lá o que se possa dizer sobre a força desses dois gigantes, está claro que os EUA perderam sua predominância econômica global. Do ponto de vista puramente econômico, já estamos em uma era multipolar.

As forças militares dos EUA em um momento de declínio econômico

Esses reveses econômicos para os Estados Unidos levaram alguns a acreditar, particularmente em alguns círculos do Ocidente, que a derrota da potência é inevitável ou já ocorreu. Uma visão semelhante foi expressa por um pequeno número de pessoas na China que têm a opinião de que a abrangente força chinesa já ultrapassou a estadunidense. Essas visões estão incorretas. Esquecem as famosas palavras de Lênin, de que “a política deve prevalecer sobre a economia, que é o ABC do marxismo”, e, em relação à política, que “o poder político cresce do cano de uma arma”, no famoso ditado do presidente Mao Zedong. O fato de os Estados Unidos estarem perdendo sua superioridade econômica não significa que simplesmente permitirão que essa tendência continue pacificamente: presumir isso seria cometer o erro de colocar a economia antes da política. Pelo contrário, o fato de que os Estados Unidos estão perdendo terreno economicamente tanto para a China quanto para outros países faz com que se lance a táticas militares e político-militares que visam superar as consequências de suas derrotas econômicas.

Mais precisamente, o perigoso para todos os países é que os Estados Unidos não perderam sua supremacia militar. Na verdade, os gastos militares dos EUA são maiores que os dos próximos nove países juntos – da lista dos dez que mais gastam. Apenas em uma área, armas nucleares, o poderio estadunidense só pode ser comparado com a Rússia, devido à herança de armas nucleares da URSS. O número exato de armas nucleares dos países em geral são segredos de Estado, mas, a partir de 2022, uma estimativa ocidental da Federação de Cientistas Americanos aponta que a Rússia possua 5977 armas nucleares, enquanto os Estados Unidos têm 5428. A Rússia e os Estados Unidos têm cada um cerca de 1600 ogivas nucleares estratégicas ativas implantadas (porém os Estados Unidos têm muito mais armas nucleares que a China). Enquanto isso, no campo das armas convencionais, os gastos estadunidenses são muito maiores que os de qualquer outro país.

Essa divergência na posição dos Estados Unidos está por trás de sua política agressiva e cria a distinção entre suas posições econômicas e militares na atual “Nova Guerra Fria”, em comparação com a “Velha Guerra Fria” travada contra a URSS. Na Velha Guerra Fria, as forças militares dos EUA e da URSS eram aproximadamente iguais, mas, como já foi observado, a economia dos EUA era muito maior. Portanto, na Velha Guerra Fria, a estratégia dos EUA era tentar levar as questões para um terreno econômico. Mesmo o acúmulo militar de Reagan na década de 1980 não tinha a intenção de ser usado para travar uma guerra contra a URSS, mas sim para enfrentá-la em uma corrida armamentista que prejudicaria a economia soviética. Consequentemente, apesar da tensão, a Guerra Fria nunca se transformou em uma guerra quente. A situação atual dos EUA é oposta: sua posição econômica relativa enfraqueceu tremendamente, mas seu poder militar é grande. Por isso, tenta mover as questões para o terreno militar, o que explica sua escalada de agressões e porque essa é uma tendência permanente.

Isso significa que a humanidade entrou em um período muito perigoso. Os Estados Unidos podem estar perdendo a competição econômica pacífica, mas ainda mantêm uma vantagem militar sobre a China. A tentação é, então, que usem meios militares “diretos” e “indiretos” para tentar deter o desenvolvimento chinês.

O uso direto e indireto de força militar estadunidense

Os EUA empregam meios “diretos” e “indiretos” para mostrar sua força militar, que são muito mais expansivas que a possibilidade “direta” mais extrema de uma guerra frontal contra a China. Algumas dessas abordagens já estão em uso, enquanto outras estão sendo discutidas. A primeira inclui, por exemplo:

  • Subordinar outros países às forças armadas dos EUA e tentar pressioná-los a adotar políticas econômicas mais hostis em relação à China, como é o caso em relação à Alemanha e à União Europeia.
  • Tentar superar o caráter econômico multipolar do mundo, que já foi estabelecido, criando alianças dominadas unilateralmente pelos Estados Unidos. É claramente o caso da Otan, do Quad (Estados Unidos, Japão, Austrália, Índia) e de sua relação com algumas outras nações.
  • Tentar forçar países que têm boas relações econômicas com a China a enfraquecer essas relações. Isso é particularmente evidente com a Austrália, mas está agora sendo aplicado em todo lugar.

Enquanto isso, as abordagens que estão sendo discutidas incluem a possibilidade de travar guerras contra aliados da China e da Rússia e tentar levar a China a uma guerra “limitada” com os Estados Unidos em relação à província de Taiwan.

Um exemplo do uso integrado de pressão militar direta e indireta pelos EUA foi dado pelo comentarista político estadunidense do Financial Times, Janan Ganesh, após a eclosão da guerra na Ucrânia, ao dizer que “a América será a ‘vencedora’ final da crise ucraniana”. Três dias após a intervenção russa, escreve Ganesh, a Alemanha acelerou a construção dos dois primeiros terminais de gás natural liquefeito (GNL) do país. Em 2026, os EUA provavelmente se tornarão o principal fornecedor de GNL para a Alemanha, pois estão mais próximos geográfica e politicamente, eliminando assim a dependência alemã das importações de energia russas. Ganesh também argumenta que a promessa alemã de aumentar seu orçamento de defesa também beneficiará os EUA porque a Alemanha “compartilharia mais do fardo financeiro e logístico da Otan” que atualmente recai sobre os EUA. Por fim, aponta o que pode ser um enorme avanço para os EUA:

Uma Europa mais ligada aos EUA e, ao mesmo tempo, menos dependente deles (…) Longe de acabar com a volta dos EUA para a Ásia, a guerra na Ucrânia pode ser o evento que a possibilite.

Quanto a essa parte [do Pacífico] do mundo (…) o Japão dificilmente poderia estar se esforçando mais para ficar do lado de Kiev, e, portanto, com Washington (Ganesh, 2022).

Em suma, os Estados Unidos utilizaram sua pressão militar para aumentar a subordinação econômica da Alemanha e do Japão. Embora muitas outras variantes possam ser previstas, sua característica comum é que os Estados Unidos usam sua força militar para tentar compensar sua posição econômica enfraquecida. Compreendido dessa forma, é evidente que os EUA já embarcaram nessa política fundamental de uso direto e indireto de sua força militar.

Uma vez que a China está experimentando um desenvolvimento econômico mais rápido do que os Estados Unidos, é provável que sua força militar eventualmente se torne similar. Levaria anos para a China construir um arsenal nuclear equivalente ao dos Estados Unidos, mesmo que decidisse embarcar em tal política. Provavelmente levaria ainda mais tempo para criar armamentos convencionais equivalentes aos dos Estados Unidos, dado o enorme desenvolvimento tecnológico e treinamento de pessoal necessário para tais forças aéreas e navais avançadas. Portanto, os Estados Unidos terão forças armadas mais fortes do que a China por um número muito significativo de anos, criando a tentação permanente de usar meios militares para compensar sua posição econômica em declínio.

O significado da guerra na Ucrânia

Duas lições fundamentais podem ser tiradas dos eventos que levaram à guerra na Ucrânia.

Primeiro, confirma a inutilidade de pedir compaixão aos Estados Unidos. Após a dissolução da URSS, em 1991, durante 17 anos a Rússia prosseguiu uma política de tentar ter relações amistosas com seu rival. Sob Boris Yeltsin, a Rússia era humilhantemente subordinada aos Estados Unidos. Durante o início da presidência de Putin, deu assistência direta aos Estados Unidos na chamada guerra contra o terror e na invasão dos EUA no Afeganistão. A resposta estadunidense foi violar todas as promessas que havia feito de que a Otan não avançaria “um centímetro” em relação à Rússia, tudo isso enquanto aumentava agressivamente a pressão militar sobre Moscou.

Em segundo lugar, essa dinâmica deixa claro que o resultado da guerra na Ucrânia é crucial não só para a Rússia, mas também para a China e todo o mundo. A Rússia é o único país que se iguala aos Estados Unidos em termos de armas nucleares, e as boas relações entre a China e a Rússia são um grande impedimento para os EUA adotar qualquer política de ataque direto à China. O objetivo estadunidense na Ucrânia é justamente tentar trazer uma mudança fundamental na política russa e instalar um governo em Moscou que não defenda mais seus próprios interesses nacionais — e que seja hostil à China e subordinado aos EUA. Se isso for alcançado, não só a China enfrentará uma ameaça militar muito maior dos EUA, mas sua longa fronteira norte com a Rússia se tornará uma ameaça estratégica; a China estaria cercada no norte. Em outras palavras, tanto os interesses nacionais russos como chineses seriam prejudicados. Nas palavras de Sergei Glazyev (2022), um comissário russo do corpo executivo da União Econômica Eurasiana: “Depois de não conseguirem enfraquecer a China frontalmente por meio de uma guerra comercial, os estadunidenses mudaram o golpe principal para a Rússia, que eles veem como um elo fraco na geopolítica e na economia global. Os anglo-saxões estão tentando implementar suas eternas ideias russofóbicas para destruir nosso país e, ao mesmo tempo, enfraquecer a China, porque a aliança estratégica da Federação Russa e da RPC é muito dura para os Estados Unidos”.

Ações militares estadunidenses e as restrições enfrentadas

Como os Estados Unidos estão sendo pressionados tanto por sua posição econômica em declínio quanto por sua força militar, não há limite para um nível “interno” (doméstico) à sua abordagem ofensiva. A história mostra claramente que os EUA estão preparados para realizar os mais violentos ataques militares a ponto de estarem dispostos a destruir países inteiros. Em um dos muitos exemplos, na Guerra da Coreia, os EUA destruíram quase todas as cidades e vilas do país,  incluindo cerca de 85% de seus edifícios.

O bombardeio dos EUA na Indochina durante a Guerra do Vietnã foi ainda maior em escala, usando dispositivos explosivos e armas químicas, como o notório Agente Laranja, que produz deformidades horripilantes. De 1964 a 15 de agosto de 1973, a Força Aérea estadunidense lançou mais de 6 milhões de toneladas de bombas e outras artilharias na Indochina, enquanto a Marinha e o Corpo de Fuzileiros Navais lançaram mais 1,5 milhões de toneladas no Sudeste Asiático. Como Micheal Clodfelter observa em The Limits of Air Power:

Essa proporção em toneladas excedeu em muito o gasto na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coreia. A Força Aérea estadunidense consumiu 2,150 milhões de toneladas de munições na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coreia — 1,613 milhões de toneladas no teatro europeu e 537 mil toneladas no teatro do Pacífico — e 454 mil toneladas na Guerra da Coreia (Clodfelter apud Miguel; Roland, 2011).

Edward Miguel e Gerard Roland discorrem sobre o mesmo ponto em seu estudo sobre o impacto a longo prazo do bombardeio no Vietnã, observando que:

Os bombardeios da Guerra do Vietnã representaram, portanto, pelo menos três vezes mais (em peso) que os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, e cerca de quinze vezes a tonelagem total na Guerra da Coreia. Considerando a população vietnamita pré-guerra de aproximadamente 32 milhões, os bombardeios se traduzem em centenas de quilos de explosivos per capita durante o conflito. Para outra comparação, as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki tinham o poder de cerca de 15 mil e 20 mil toneladas de TNT. (…) O bombardeio na Indochina representa 100 vezes o impacto combinado das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.

Na invasão do Iraque, os Estados Unidos estavam preparados para (e assim fizeram) devastar o país, usando armas hediondas como urânio empobrecido, que ainda produz terríveis defeitos congênitos muitos anos após o ataque. Em seu bombardeio à Líbia em 2011, reduziram o que havia sido um dos países com maior renda per capita da África, com um Estado de bem-estar desenvolvido a uma sociedade na qual existem conflitos tribais e em que pessoas escravizadas são vendidas abertamente. A lista continua.

Em suma, as evidências mostram que não há nenhum nível de crime ou atrocidade para o qual os EUA não estejam prontos para descer. Se afirmassem que poderiam eliminar a competição econômica da China lançando uma guerra atômica, não há evidências para acreditar que não fariam isso de fato. Além disso, embora haja certamente movimentos antiguerra nos Estados Unidos, eles não são suficientemente fortes para impedir que usem armas nucleares se assim decidirem. Não há restrições internas adequadas que os impeça de iniciar uma guerra contra a China.

Mas certamente há grandes restrições externas. A primeira é a posse de armas nucleares por outros países. É por isso que a explosão da primeira bomba nuclear da China em 1964 é justamente considerada uma grande conquista nacional. A posse de armas nucleares pela China é um impedimento fundamental para um ataque nuclear estadunidense. No entanto, ao contrário de seu adversário, a China tem uma política de “No First Use” [sem primeiro uso, isto é, só usar armas nucleares em resposta a um ataque nuclear em seu território], mostrando sua contenção e postura militar defensiva.

Uma guerra nuclear em larga escala envolvendo os Estados Unidos, a China e a Rússia seria uma catástrofe sem precedentes na história humana, na qual, no mínimo, centenas de milhões morreriam. Seria infinitamente preferível evitar a escalada militar estadunidense antes de chegar a esse ponto. Mas quais são as chances disso?

A tendência geral da política dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial mostra um padrão claro e lógico. Quando sentem que estão em uma posição forte, sua política é agressiva; quando se sentem enfraquecidos, tornam-se mais conciliadores. Isso ficou demonstrado mais claramente antes, durante e depois da Guerra do Vietnã, mas também em outros períodos.

Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, consideraram-se — e de fato estavam — em uma posição forte e, portanto, preparados para realizar uma guerra contra a Coreia. Mesmo depois de não ter vencido essa guerra, ainda se sentia confiante o suficiente para tentar isolar diplomaticamente a China durante as décadas de 1950 e 1960, privando o país de um assento na ONU, bloqueando relações diplomáticas diretas, e assim por diante. No entanto, sofreram severas derrotas devido ao fracasso de sua guerra contra o Vietnã, na qual procurou derrotar a luta de libertação nacional do povo vietnamita e o apoio militar em larga escala que receberam da China e da URSS. O enfraquecimento da posição global dos Estados Unidos como resultado de sua derrota no Vietnã (começando antes mesmo do fim oficial da guerra em 1975) levou a nação a adotar uma política mais conciliatória, simbolizada pela visita de Nixon a Pequim em 1972 e seguida pelo estabelecimento de relações diplomáticas completas com a China. Logo após 1972, os Estados Unidos abriram uma política de détente com a URSS. No entanto, na década de 1980, tendo se reorganizado e recuperado da derrota no Vietnã, os Estados Unidos, sob o então presidente Ronald Reagan, voltaram a adotar uma política mais agressiva em relação à URSS.

Esse mesmo padrão ofensivo dos EUA em momentos de força ou uma atitude mais conciliadora em momentos de fraqueza pode ser visto em torno da crise financeira internacional que começou em 2007-2008. Essa crise causou um duro golpe na economia dos EUA, que começaram a dar mais peso à cooperação internacional. Embora o G20, que inclui as maiores economias do mundo e dois terços de sua população, tenha sido criado em 1999, ele só começou a realizar reuniões anuais após a crise econômica de 2007-2008. Em 2009, o G20 se configurou como a principal força para a cooperação econômica e financeira internacional, com os Estados Unidos desempenhando um papel importante. Em particular, como se sentiu enfraquecido, os Estados Unidos mostraram uma atitude mais cooperativa em relação à China nessas áreas.

À medida que se recuperava da crise financeira internacional, sua postura em relação à China tornou-se cada vez mais agressiva, culminando no lançamento da guerra comercial de Trump contra o país. Isto é, assim que os Estados Unidos se sentiram mais fortes, retomaram a postura mais agressiva.

Uma comparação da realidade de hoje e do período pré-Segunda Guerra Mundial

Em uma comparação histórica, podemos cotejar a situação atual com o período que antecede a Segunda Guerra Mundial. O caminho imediato para essa guerra começou com o fortalecimento do militarismo japonês e a consequente invasão do nordeste da China em 1931, seguido pela ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933. No entanto, apesar desses eventos sinistros, a guerra não era inevitável. As primeiras vitórias do militarismo japonês e do fascismo alemão escalaram para a guerra mundial como resultado de uma série de derrotas e capitulações das potências aliadas entre 1931 e 1939, bem como seu fracasso em confrontar os militares japoneses e nazistas alemães.

O partido político governante na China, o Kuomintang, concentrou seus esforços durante a maior parte da década de 1930 não em repelir o Japão, mas em lutar contra os comunistas. Enquanto isso, os EUA falharam em intervir para deter o Japão até ser atacado em Pearl Harbor em 1941. Na Europa, a Grã-Bretanha e a França não conseguiram impedir a remilitarização da Alemanha nazista, mesmo quando tinham o direito de fazê-lo sob o Tratado de Versalhes. Além disso, não apoiaram o governo legítimo da Espanha em 1936 contra o golpe fascista e a guerra civil iniciada por Francisco Franco, que teve o apoio de Hitler. Depois, capitularam diretamente ao desmembramento da Tchecoslováquia por Hitler sob o notório Pacto de Munique, em 1938.

Hoje, vemos um padrão semelhante ao de 1931, que marcou o início da preparação para a Segunda Guerra Mundial. Embora o apoio a uma guerra mundial certamente não conte com as maiorias nos Estados Unidos, tal apoio existe entre um elemento pequeno e, até agora, marginal dentro da política externa/estrutura militar do país. Se os Estados Unidos sofrerem derrotas políticas, não avançarão diretamente para a guerra frontal com a China ou a Rússia. No entanto, existe o perigo a médio prazo de que possam obter vitórias em conflitos menores, o que provavelmente encorajaria o avanço a um grande conflito militar global  — como ocorreu após a invasão japonesa na China, em 1931, e a chegada de Hitler ao poder em 1933.  A luta decisiva deve ser para evitar um conflito mundial desse tipo. Isso significa que é de extrema importância que os Estados Unidos não ganhem lutas imediatas, como a guerra que provocou na Ucrânia, sua tentativa de minar a política da China em relação a Taiwan e suas guerras econômicas contra muitos outros países.

As principais forças que se opõem aos EUA

Há duas forças poderosas que se opõem à agressão militar dos EUA. A primeira, e mais poderosa, é a China, cujo desenvolvimento econômico não é somente crucial para melhorar os padrões de vida de sua população, mas também para eventualmente permitir que o país coloque suas forças militares no mesmo patamar da dos Estados Unidos. Esse provavelmente será o último impedimento à agressão militar dos EUA. A segunda força é a oposição de um grande número de países à agressão dos EUA — incluindo muitos do Sul Global, que compreende a maioria do povo do mundo — não apenas do ponto de vista moral, mas também do ponto de vista dos interesses diretos. A tentativa dos EUA de superar as consequências de seus fracassos econômicos por meios militares e políticos inevitavelmente o leva a tomar atitudes contra os interesses de vários outros países.

Um dos muitos exemplos dos impactos dessas ações é que a provocação dos EUA na guerra na Ucrânia ajudou a criar um aumento maciço nos preços mundiais dos alimentos, porque a Rússia e a Ucrânia são os maiores fornecedores internacionais de trigo e fertilizantes do mundo. Enquanto isso, impedir a empresa chinesa de telecomunicações Huawei de participar no desenvolvimento de telecomunicações 5G significa que os habitantes de todos os países que concordam com tal boicote dos EUA pagarão mais por serviços desse tipo. A pressão dos EUA para forçar a Alemanha a comprar seu gás natural liquefeito em vez de gás natural russo eleva os preços da energia no país. Na América Latina, os Estados Unidos tentam impedir que os países desenvolvam políticas de independência nacional. As tarifas estadunidenses sobre as exportações chinesas aumentam o custo de vida das famílias nos EUA. O fato de que, na prática, as populações de outros países estão sendo forçadas a financiar o militarismo dos EUA está destinado a gerar oposição a tais políticas e seus resultados.

Essas duas forças que se nutrem mutuamente — o próprio desenvolvimento da China e o fato de que a política dos EUA se posiciona contra os interesses da esmagadora maioria da população mundial — constituem os principais obstáculos à ofensiva estadunidense. Integrar o desenvolvimento chinês às forças internacionais que se opõem aos ataques dos EUA é, portanto, a tarefa mais crucial para a maioria da população global. Embora nós que estamos fora do país não consigamos compreender completamente as complexidades enfrentadas pelos líderes da China, é possível afirmar que eles assumem uma grande responsabilidade não apenas para empurrar o mundo em direção à paz e a um planeta sustentável, mas também para cumprir as promessas de sua revolução e justificar os grandes sacrifícios de camponeses e trabalhadores — os próprios sacrifícios que tornaram possível a posição atual da China no mundo.

As escolhas que os Estados Unidos enfrentam

Os EUA recorrem à escalada da ofensiva militar ao lado de sua perda de supremacia econômica, que já começou. Na Ucrânia, os EUA desafiam direta e vigorosamente a Rússia, um Estado com poderosas armas atômicas, aumentando assim o risco potencial de uma guerra nuclear. Simultaneamente, exerce pressão máxima sobre seus aliados, como a Alemanha, em prejuízo dos próprios interesses alemães, subordinando-os à política dos EUA.

No entanto, ainda hesitam em utilizar força militar total, evidentemente pesando os ganhos e riscos de aumentar a ofensiva. Embora os Estados Unidos tenham provocado a guerra na Ucrânia, ameaçando estender a Otan para o país, dando-lhe acesso à inteligência e armas cada vez mais letais, ela ainda não se atreveu a comprometer diretamente suas forças militares  nessa guerra, mostrando que ainda há uma incerteza considerável nos níveis mais altos das máquinas estatais dos EUA.

Tudo isso afeta diretamente as relações entre a Rússia e a China, e torna o resultado da guerra na Ucrânia crucial para todo o mundo. Como as relações sino-russas amistosas representam um formidável obstáculo econômico e militar às ameaças de guerra dos EUA, o objetivo estratégico central da política dos EUA é separar a Rússia e a China. Se isso puder ser alcançado, então terão uma maior capacidade de atacar os dois países separadamente, inclusive através do uso de sua força militar.

Conclusão

Os Estados Unidos aumentarão suas ofensivas em relação à China, bem como a outros países, não apenas no campo econômico, mas em particular pelo uso direto e indireto do poder militar, hesitando apenas quando sofrer derrotas. Naturalmente, toda abertura para desenvolver uma abordagem conciliatória pelos Estados Unidos deve ser aproveitada, mas é essencial deixar claro que a política dos EUA durante tais períodos, quando sofreu derrotas, é a de reagrupar suas forças para lançar uma nova ofensiva.

Derrotar as agressões militares estadunidenses depende em grande parte do desenvolvimento interno global da China nos campos econômicos, militares e outros, o que também é do interesse de outros países que sofrem com a agressão estadunidense. Após o próprio desenvolvimento interno da China, a força mais importante que bloqueia a agressão dos EUA é a oposição da maioria da população mundial e países cuja posição é agravada pela política do país. O grau em que a agressão militar dos EUA, direta e indireta, se intensificará depende da proporção de suas derrotas em batalhas isoladas. Quanto mais forem bem sucedidos, mais agressivos se tornarão; quanto mais estiverem enfraquecidos, mais conciliadores se tornarão.

A curto prazo, o resultado da guerra na Ucrânia será, portanto, crucial para a realidade geopolítica mais ampla. Embora os detalhes da política externa dos EUA não possam ser vistos com uma bola de cristal, a escalada geral das agressões depende claramente da combinação de enfraquecimento econômico e força militar, a menos que sofram derrotas significativas.

Notas

Quem está levando os Estados Unidos à guerra?

Deborah Veneziale

O mundo está sentindo a crescente avidez dos Estados Unidos para a guerra.1 Em meio ao desenvolvimento da crise na Ucrânia, os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) têm tentado intensificar sua guerra por procuração com a Rússia, enquanto continuam a aumentar seu cerco e provocações contra a China. Essa intenção foi exibida durante o programa de TV Meet the Press, da rede NBC, de 15 de maio de 2022, que simulou uma guerra dos EUA contra a China. Esse “jogo de guerra” foi organizado pelo Center for a New American Security (CNAS), um proeminente think tank de Washington financiado pelos EUA e seus aliados, incluindo o Escritório de Representantes Econômicos e Culturais de Taipei, a Fundação Open Society (de George Soros) e uma série de empresas militares e de tecnologia estadunidenses, como a Raytheon, Lockheed Martin, Northrop Grumman, General Dynamics, Boeing, Facebook, Google e Microsoft (Center for a New American Security, 2022).

Essa simulação está em linha com outros sinais alarmantes em direção à guerra tanto do Congresso quanto do Pentágono. Em 5 de abril, Charles Richard, chefe do Comando Estratégico dos EUA, defendeu diante do Congresso estadunidense que a Rússia e a China representavam ameaças nucleares aos Estados Unidos, alegando que a China provavelmente usará coerção nuclear para seu próprio benefício (Tiron, 2022). Pouco depois, em 14 de abril, uma delegação bipartidária de legisladores estadunidenses visitou Taiwan. Em 5 de maio, a Coreia do Sul anunciou que havia se unido a uma organização de defesa cibernética ligada à Otan. Em junho, em sua cúpula anual, a Otan nomeou a Rússia como sua “ameaça mais significativa e direta” e apontou a China como um “desafio [aos nossos interesses]”. Além disso, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Nova Zelândia participaram da cúpula pela primeira vez, o que sugere a possibilidade de que uma filial asiática possa ser formada no futuro. Finalmente, em 2 de agosto, em uma provocação descarada a Pequim, a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi – a terceira mais alta autoridade do governo de Joe Biden – visitou Taiwan, escoltada pela força aérea dos EUA (Otan, 2022).

Diante da agressiva política externa do governo Biden, não se pode deixar de pensar: quem está defendendo a guerra no interior da classe dominante dos EUA? Existe um mecanismo para conter tal beligerância?

Este artigo chega a três conclusões. Primeiro, no governo Biden, dois grupos da elite da política externa que costumavam competir entre si – liberais belicistas e neoconservadores — fundiram-se estrategicamente, formando o mais importante consenso na política externa dentro do alto escalão do país desde 1948, levando a política de guerra dos EUA a um novo nível. Em segundo lugar, em consideração aos seus interesses de longo prazo, a grande burguesia estadunidense chegou a um consenso de que a China é um rival estratégico, e estabeleceu um sólido apoio a essa política externa. Em terceiro, as chamadas instituições democráticas de pesos e contrapesos são completamente incapazes de impedir que essa política beligerante se expanda devido ao desenho da Constituição estadunidense, à expansão das forças de extrema-direita e à monetização das eleições.

A fusão das elites beligerantes na política externa

Os primeiros representantes do intervencionismo liberal dos EUA incluíram presidentes democratas como Harry Truman, John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, cujas raízes ideológicas podem ser ligadas à ideia de Woodrow Wilson, de que a América deveria estar no cenário mundial lutando pela democracia. A invasão do Vietnã foi guiada por essa ideologia.

Após sua derrota, o Partido Democrata reduziu temporariamente os pedidos de intervenção como parte de sua política externa. No entanto, o senador democrata Henry “Scoop” Jackson (também conhecido na época como “o senador da Boeing”), um “falcão liberal”2, juntou-se a outros anticomunistas e intervencionistas, inspirando o movimento neoconservador. Estes, incluindo vários apoiadores e ex-funcionários de Jackson, deram aval ao republicano Ronald Reagan no final dos anos 1970 por seu compromisso em enfrentar o suposto expansionismo soviético.

Com a dissolução da União Soviética em 1991 e a ascensão do unilateralismo dos EUA, os neoconservadores entraram no mainstream da política externa dos EUA com seu líder intelectual, Paul Wolfowitz, que tinha sido ex-assessor de Henry Jackson. Em 1992, poucos meses após a desintegração da União Soviética, Wolfowitz, então subsecretário de Defesa, introduziu seu Guia de política de defesa, que defendia explicitamente que os Estados Unidos mantivessem uma posição unipolar permanente. Isso seria realizado, explicou ele, por meio da expansão do poder militar dos EUA na esfera de influência da antiga União Soviética e ao longo de todos os seus perímetros, com o objetivo de impedir o ressurgimento da Rússia como uma grande potência. A estratégia unipolar liderada pelos EUA, implementada por meio da projeção da força militar, guiou as políticas externas de George H. W. Bush e seu filho George W. Bush, bem como de Bill Clinton e Barack Obama. Os EUA foram capazes de lançar a primeira Guerra do Golfo em grande parte devido à fraqueza soviética. A essa guerra se seguiu o desmembramento militar da Iugoslávia pelos EUA e a Otan. Após o 11 de Setembro, a política externa do governo Bush Jr. foi completamente dominada pelos neoconservadores, incluindo o vice-presidente Dick Cheney e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.

Embora tanto os liberais belicistas quanto os neoconservadores tenham defendido arduamente intervenções militares estrangeiras, historicamente houve duas diferenças importantes entre eles. Em primeiro lugar, os liberais tendiam a acreditar que os Estados Unidos deveriam influenciar as Nações Unidas e outras instituições internacionais a realizar uma intervenção militar, enquanto os neoconservadores tendiam a ignorar instituições multilaterais. Em segundo lugar, os falcões liberais procuraram liderar intervenções militares ao lado de aliados ocidentais, enquanto os neoconservadores estavam mais dispostos a realizar operações militares unilaterais e violar flagrantemente o direito internacional. Como disse Niall Ferguson, historiador da Universidade de Harvard, os neoconservadores ficaram felizes em aceitar o título de Império Americano e decidir unilateralmente atacar qualquer país enquanto poder hegemônico do mundo (Ferguson, 2005);

Embora republicanos e democratas tenham historicamente desenvolvido suas próprias instituições políticas e de advocacy, é um equívoco pensar que eles têm abordagens distintas para a estratégia de política externa. É verdade que think tanks como a Heritage Foundation são grandes redutos neoconservadores que se aproximaram da política republicana, enquanto outros como a Brookings Institution e o posteriormente estabelecido CNAS têm sido o lar de falcões liberais pró-Democratas. No entanto, membros de ambos os partidos têm trabalhado em cada uma dessas organizações, com diferenças centradas em propostas políticas específicas, não em filiação partidária. Na realidade, por trás da Casa Branca e do Congresso, uma rede bipartidária de planejamento de políticas composta por fundações sem fins lucrativos, universidades, think tanks, grupos de pesquisa e outras instituições formatam coletivamente as agendas das corporações na forma de propostas e relatórios políticos.

Outro equívoco comum é achar que o chamado setor progressista do liberalismo pode promover o desenvolvimento social, fornecer assistência internacional e limitar gastos militares. No entanto, o período neoliberal, iniciado em meados da década de 1970, tem sido caracterizado pela subordinação do Estado às forças de mercado e à austeridade nos gastos sociais em áreas como saúde, assistência alimentar e educação, ao mesmo tempo que incentiva gastos militares ilimitados, prejudicando severamente a qualidade de vida da grande maioria da população. Tanto republicanos quanto democratas seguem os princípios do neoliberalismo, como exemplificado pelo orçamento anual de Biden para 2022, que inclui um aumento de 4% nos gastos militares, e o fato de que, durante a recente pandemia, 1,7 trilhão de dólares – dos 5 trilhões que o governo dos EUA forneceu em financiamento de estímulos – foram diretamente para os bolsos das corporações (Greve, 2022). O neoliberalismo teve um impacto particularmente devastador no Sul Global, onde arrastou os países em desenvolvimento para armadilhas de dívidas e os coagiu a fazer pagamentos intermináveis dessas dívidas ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial.

No campo da política externa, o mais influente think tank dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial foi o Council on Foreign Relations (CFR), financiado por uma série de fontes com origem na classe dominante. Os membros fundadores do conselho incluem líderes em energia (Chevron, ExxonMobil, Hess, Tellurian), finanças (Bank of America, BlackRock, Citi, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Morgan Stanley, Moody’s, Nasdaq), tecnologia (Accenture, Apple, AT&T, Cisco), e internet (Google, Meta), entre outros setores, e o atual conselho do CFR inclui Richard Haass, o conselheiro de Bush pai para o Oriente Médio, e Ashton Carter, secretário de Defesa de Obama. A revista alemã Der Spiegel descreveu a CFR como “a instituição privada mais influente dos Estados Unidos e do mundo ocidental” e “o comitê central do capitalismo”, enquanto Richard Harwood (1993), ex-editor sênior e ouvidor do The Washington Post, chamou o conselho e seus membros de “a coisa mais próxima que temos de um establishment governante nos Estados Unidos” (Swiss Policy Research, 2022; Shoup, 2019). As propostas políticas da CFR refletem o pensamento estratégico de longo prazo da burguesia do país, como visto por sua proposta de “fortalecer a coordenação EUA-Japão em resposta à questão de Taiwan” em janeiro de 2022, antes da visita de Pelosi a Taiwan em agosto do mesmo ano.

Independentemente de qual partido os funcionários dessas várias instituições apoiam nas eleições, essa rede bipartidária e colaborativa de longa data tem mantido uma política externa consistente em Washington. Essa rede promove uma visão de mundo supremacista dos EUA que nega o direito de outros países de se envolverem em assuntos internacionais, uma ideologia que remonta à Doutrina Monroe de 1823, aquela que proclamou a dominação dos EUA sobre todo o hemisfério ocidental. A elite da política externa estadunidense de hoje estendeu a aplicação da Doutrina Monroe para o mundo inteiro. Sinergia entre partidos e troca de partidos são comuns para esse grupo de formuladores de política externa, que está intimamente ligado à classe capitalista dominante e seus substitutos dentro da elite do poder político que controlam a política externa dos EUA, bem como o Estado Profundo (os serviços de inteligência juntamente com os militares).

Quais conflitos têm a participação significativa dos Estados Unidos e quais estratégias

Processo de formação de políticas, de Who Rules America?, por William Domhoff.

Na virada do século, os neoconservadores, reunidos no Partido Republicano, estavam mais preocupados com a desintegração e desnuclearização da Rússia do que com a China. Por volta de 2008, no entanto, as forças dentro da elite política dos EUA começaram a perceber que a economia chinesa continuaria sua forte ascensão e que seus futuros líderes não cederiam à influência dos EUA; não haveria um equivalente chinês de Gorbachev ou Yeltsin. A partir desse período, os neoconservadores começaram a adotar uma abordagem totalmente confrontativa com a China e buscar sua contenção. Ao mesmo tempo, alguns falcões liberais pró-democratas fundaram a CNAS, e Hillary Clinton, então secretária de Estado, liderou o desenvolvimento e a implementação do Pivô Asiático, uma mudança estratégica na política externa dos EUA que foi aplaudida pelos neoconservadores, que ainda estavam no campo republicano na época. Clinton foi saudado como uma “voz forte” por Max Boot, um comentarista político e membro sênior da CFR, que, em 2003, escreveu que, “dada a bagagem histórica que o ‘imperialismo’ carrega, não há necessidade de o governo dos EUA abraçar o termo. Mas deve definitivamente abraçar a prática” (Daalder, Lindsay, 2003). Hoje, estender a Otan à Ucrânia e confrontar a Rússia continua a ser uma prioridade para os neoconservadores e os falcões liberais. Ambos os grupos discordam dos realistas que propõem uma distensão com a Rússia, a fim de fortalecer o confronto com a China.

No entanto, a eleição de Donald Trump em 2016 criou uma breve turbulência no consenso dentro da CFR. Como John Bellamy Foster escreveu em seu livro de 2017 Trump in the White House: Tragedy and Farce [Trump na Casa Branca: Tragédia e Farsa], o ex-presidente chegou ao poder em parte pela mobilização de um movimento neofascista formado pela classe média-baixa branca. Apenas um pequeno número de pessoas do grande capital o apoiou inicialmente. Entre eles estavam Dick Uihlein, o dono da gigante de transporte Uline; Bernie Marcus, o fundador do varejista de materiais de construção Home Depot; Robert Mercer, um investidor na mídia de extrema-direita Breitbart News Network; e Timothy Mellon, neto do magnata bancário Andrew Mellon. A tendência de Trump de reduzir o engajamento nos assuntos globais — como visto com a retirada das tropas da Síria e o início da retirada do Afeganistão, bem como o contato diplomático com a Coreia do Norte — favoreceu os interesses de curto prazo da pequena burguesia e ganhou o apoio de realistas da política externa, incluindo Henry Kissinger, mas isso perturbou os neoconservadores. Um grupo da elite neoconservadora desempenhou um papel importante na campanha contra Trump, com cerca de 300 funcionários que apoiaram a administração Bush defendendo o Partido Democrata na eleição de 2020. Isso incluiu o já citado Boot, que se tornou um líder do pensamento na política externa e teve um forte impacto na administração Biden.

Sob Biden, o consenso da CFR foi retomado, e os neoconservadores e falcões liberais tornaram-se completamente alinhados na orientação estratégica do país. A consciência da ascensão da China promoveu uma unidade entre esses dois grupos nunca vista em décadas. Essa unidade se baseia na teoria dos assuntos internacionais que estipula que os Estados Unidos devem intervir ativamente na política de outros países, fazer todos os esforços para promover a “liberdade e a democracia”, reprimir os Estados que desafiam o domínio econômico e militar ocidental, remover governos indesejados e garantir a hegemonia global por todos os meios – com a Rússia e a China como seus principais alvos. Em maio de 2021, o secretário de Estado Antony Blinken (que anteriormente foi secretário-adjunto de Estado sob Obama) declarou que os EUA defendiam uma ambígua “ordem internacional baseada em regras”, um termo que se refere a organizações internacionais e de segurança dominadas pelos EUA, em vez de instituições mais amplas baseadas na ONU. A posição de Blinken sugere que, sob o governo Biden, os falcões liberais abandonaram oficialmente a pretensão de seguir a ONU ou outras organizações multilaterais internacionais, a menos que se curvem ao diktat dos EUA.

Em 2019, o proeminente neoconservador Robert Kagan foi coautor de um artigo com Antony Blinken, instando os Estados Unidos a abandonarem a política America First, de Donald Trump. Eles pediram a contenção (isto é, cerco e enfraquecimento) da Rússia e da China e propuseram uma política de “diplomacia preventiva e dissuasão” contra os adversários estadunidenses, ou seja, tropas e tanques onde for considerado necessário. Aliás, a esposa de Kagan, Victoria Nuland, serviu como secretária assistente de Estado para assuntos europeus e eurasianos no governo Obama. Nuland desempenhou um papel fundamental na organização e apoio à revolução colorida de 2014 na Ucrânia e se gabou dos bilhões de dólares que os Estados Unidos gastaram para “promover a democracia” no país (Nuland, 2013). Atualmente, ela está servindo como subsecretária de Estado para assuntos políticos no governo Biden, a terceira posição mais alta no Departamento de Estado depois do secretário Blinken e da secretária-adjunta Wendy Sherman. Ela também é uma herdeira espiritual de sua mentora, a líder liberal belicista Madeleine Albright.

A orientação dos liberais pró-guerra defendida por Kagan e Blinken foi levada um passo adiante pelo think tank da Otan, o Conselho Atlântico, que tem defendido a Brinkmanship3 nuclear. Em fevereiro, Matthew Kroenig, vice-diretor do Centro de Estratégia e Segurança do Conselho Atlântico, defendeu a possibilidade do uso preventivo de armas nucleares “táticas” pelos EUA (Kroenig, 2022).

A partir desse pequeno círculo de belicistas, pode-se facilmente detectar a profunda integração de dois grupos de elite das relações exteriores, ambos os quais são os verdadeiros impulsionadores da crise da Ucrânia. A evolução dessa crise revela o seguinte conjunto de táticas adotadas por esse grupo beligerante:

  • fortalecer a liderança dos EUA sobre a Otan, usando a aliança militar (e não a ONU) como principal mecanismo de intervenção estrangeira;
  • provocar um suposto adversário para a guerra, recusando-se a reconhecer sua reivindicação por soberania e por segurança sobre regiões sensíveis;
  • planejar o uso de armas nucleares táticas e conduzir uma “guerra nuclear limitada” dentro ou ao redor do chamado território adversário; e
  • impor uma guerra híbrida a fim de enfraquecer e subverter o adversário por meio de medidas coercitivas unilaterais e combinar sanções econômicas com medidas financeiras, informacionais, propagandísticas e culturais, juntamente com uma revolução colorida, guerra cibernética, lawfare e outras táticas.

Se os resultados desejados forem alcançados na Ucrânia, a mesma estratégia será, sem dúvida, replicada no Pacífico Ocidental.

O alinhamento estratégico não significa que as elites políticas não estejam divididas em outras questões que considerem de menor importância, como as mudanças climáticas. Mesmo sobre esse assunto, no entanto, os Estados Unidos exigem que a Europa pare de importar gás natural da Rússia. John Kerry, assessor de Biden para assuntos climáticos, não se compromete com os potenciais impactos ambientais negativos de tal movimento, em parte porque os Estados Unidos querem substituir as vendas de gás russo na Europa por seus próprios recursos.

Nos últimos anos, forças progressistas em todo o mundo lançaram várias campanhas internacionais para expressar suas preocupações sobre a estratégia global agressiva que está sendo buscada pelos EUA, muitas vezes usando o termo “Nova Guerra Fria”. No entanto, as narrativas apresentadas às vezes subestimam a depravação de alguns aspectos da atual política externa dos EUA. A “Velha Guerra Fria” com a União Soviética seguiu certas regras e pano de fundo: os Estados Unidos usaram uma variedade de meios políticos e econômicos para exercer pressão e procurar subverter o Estado soviético, e os dois lados reconheceram o escopo de interesses e necessidades de segurança um do outro. No entanto, os EUA não tentaram mudar as fronteiras nacionais dos adversários nucleares. Não é o caso de hoje, como visto pela declaração aberta do The Wall Street Journal, de que os Estados Unidos devem demonstrar sua capacidade de vencer uma guerra nuclear, uma posição que é subjugada pela alegação da elite da política externa de que a Ucrânia e Taiwan devem ser protegidos, pois ambos são locais estratégicos dentro do perímetro militar ocidental (Cropsey, 2022). Até mesmo o líder da Guerra Fria, Kissinger, expressou preocupação e oposição à atual política externa dos EUA, argumentando que a estratégia correta é dividir a China e a Rússia, e advertiu que haverá consequências perigosas se os EUA prosseguirem simultaneamente com a guerra direta contra esses dois Estados nucleares.

A burguesia dos EUA se prepara para a guerra contra a China

Washington tem procurado economicamente desatrelar os Estados Unidos da China por meio de guerras comerciais e tecnológicas, um processo que foi iniciado pelo governo Trump e continuou sob a liderança de Biden. No entanto, essa política gerou consequências não intencionais. Por um lado, devido à formação de cadeias globais de suprimentos, as indústrias manufatureiras dos EUA e da Europa dependem fortemente das importações da China, e Biden enfrentou a oposição interna com apelos para reduzir as tarifas de guerra comercial, a fim de aliviar a enorme pressão da inflação nos Estados Unidos. Por outro lado, embora a China não tenha iniciado a dissociação econômica, a pressão das guerras comerciais e tecnológicas tem promovido o desenvolvimento da “grande circulação interna” no país (reduzindo a dependência das exportações e confiando mais no consumo interno). Desde a pandemia, houve um aumento superficial do comércio de mercadorias entre os EUA e a China.

Deve-se notar, no entanto, que há uma mudança em curso na lógica básica das relações dos EUA com a China: a burguesia estadunidense vem apertando sua aliança contra a China e apoiando a estratégia belicista de Washington. Essa situação decorre tanto de fatores econômicos quanto ideológicos. Por um lado, os números do PIB dos EUA e de outros países do Ocidente mascaram as contribuições feitas pelo trabalho em fábricas no Sul Global. Por exemplo, as vendas altamente rentáveis da Apple nos Estados Unidos aparecem no PIB estadunidense, mas a fonte real de seus altos retornos é o excedente criado pela força de trabalho qualificada e muito eficiente em Shenzhen, Chongqing e outras cidades da China, onde as fábricas da Foxconn estão localizadas (Smith, 2012).4 A China percorreu um longo caminho desde a era das grandes fábricas com trabalhadores não qualificados com baixa remuneração e desenvolveu uma infraestrutura industrial, logística e social extremamente sofisticada que, a partir de 2019, representou 28,7% da manufatura global (Richter, 2021). Mudar toda a cadeia de suprimentos da China para a Índia ou México seria um processo de décadas e não pode ser baseado apenas em salários mais baixos.

Poucos setores da economia dos EUA dependem fortemente do mercado chinês local para vendas; os fabricantes de chips dos EUA são a exceção. Grandes empresas como Boeing, Caterpillar, General Motors, Starbucks, Nike, Ford e Apple obtêm menos de 25% de sua receita da China. A Apple, por exemplo, obtêm 17% (Yahoo! Finance, 2020). A receita total das empresas do S&P 500 é de 14 trilhões de dólares, não mais que 5% dos quais estão relacionados às vendas dentro da China (Yardeni Research, Inc., 2022). É improvável que os CEOs estadunidenses se oponham aos rumos da política externa dos EUA sobre a China, uma vez que não está sendo apresentado a eles um caminho claro para aumentar seu acesso a longo prazo ao crescente mercado interno chinês. Essa atitude foi exibida durante a chamada de resultados de maio de 2022 da Disney, quando o CEO Bob Chapek expressou confiança no êxito da empresa, mesmo sem acesso ao mercado chinês (Hall, 2022). Essa abordagem em relação à China é visível nas principais indústrias dos EUA.

Tecnologia/internet  Nove dos dez americanos mais ricos estão na indústria de tecnologia/internet, o zeitgeist de nosso tempo, com a exceção parcial de Elon Musk, o CEO da fabricante de automóveis elétricos Tesla, cujo primeiro pote de ouro também veio da indústria da internet. Em comparação com as listas dos estadunidenses mais ricos das últimas décadas, aqueles de setores tradicionais como manufatura, bancos e petróleo foram ultrapassados por uma elite tecnológica em ascensão, que está mergulhada em atitudes anti-China por conta das dificuldades que enfrentaram para penetrar no mercado chinês. Gigantes da tecnologia dos EUA, como Google, Amazon e Facebook, praticamente não têm mercado na China, enquanto empresas como Apple e Microsoft enfrentam dificuldades crescentes. Na última década, a empresa chinesa de tecnologia e telecomunicações Huawei ultrapassou a Apple em termos de participação de mercado na China, mas logo a Apple recuperou o primeiro lugar devido às sanções dos EUA, que proibiram a venda de chips semicondutores – um componente chave em smartphones – para Huawei. O governo chinês está supostamente adotando seus próprios sistemas de Produtividade Linux e Office para substituir os softwares Microsoft Windows e Office. Empresas tradicionais de Tecnologia da Informação (TI) como IBM, Oracle e EMC (coletivamente referida como IOE) têm sido marginalizadas no mercado chinês pela onda liderada pelo Alibaba, que busca substituir servidores IBM, bancos de dados Oracle e dispositivos de armazenamento EMC por soluções próprias e de código aberto. Gigantes da tecnologia dos EUA anseiam por uma mudança no sistema político chinês que abriria as portas para o enorme mercado do país, e os principais atores desse setor estão trabalhando ativamente para que a política externa hostil de Washington avance. Eric Schmidt, ex-CEO e presidente executivo do Google, liderou o estabelecimento da Unidade de Inovação em Defesa do governo dos EUA em 2016 e da Comissão Nacional de Segurança Sobre Inteligência Artificial em 2018. Sua fervorosa promoção da teoria da “Ameaça chinesa” reflete a opinião predominante da comunidade tech dos EUA, que também molda o discurso público. O Twitter e o Facebook fizeram parcerias com governos dos EUA e do Ocidente para censurar cada vez mais as críticas à sua política externa e influenciar a discussão em torno de questões-chave — como a pandemia, Hong Kong e Xinjiang — em nome do combate a campanhas de desinformação supostamente lançadas pela China e outros pseudos adversários.

Manufaturas A indústria manufatureira dos EUA continua dependente da capacidade de produção chinesa. O investimento consistente e a inovação tecnológica no setor de manufaturas dos EUA foram efetivamente abandonados durante o período neoliberal e, apesar dos apelos de Obama e Trump para que o setor se aproximasse novamente ao território estadunidense, pouco foi realizado a esse respeito. No entanto, os investimentos no setor manufatureiro dos EUA na China diminuíram nos últimos anos, com a notável exceção da mega fábrica da Tesla em Xangai. Mesmo nesse caso, no entanto, é importante notar que Elon Musk ganhou inúmeros contratos de aquisição da área militar do governo dos EUA por meio de sua empresa de exploração espacial SpaceX, cujo sistema de satélites Starlink foi criticado pela China por sua “proximidade” com a estação espacial chinesa em duas ocasiões em 2021. O Exército Popular de Libertação Chinês alertou que os EUA podem tentar militarizar o sistema Starlink. A implantação dos serviços da Starlink na Ucrânia durante a guerra é uma evidência dessa dinâmica. A possível aquisição do Twitter por Musk dificilmente mudaria o relacionamento da empresa com os governos dos EUA e do Ocidente e a orientação em relação à China e à Rússia.

Finanças  A indústria de serviços financeiros dos EUA há muito espera que os mercados de capitais chineses se abram ainda mais para eles. Sua esperança final é a mudança de regime no país que levaria a um caminho neoliberal. A atitude anti-chinesa do influente magnata financeiro e filantropo húngaro George Soros é bem conhecida. Em janeiro de 2022, Soros tuitou que “a China de Xi Jinping é a maior ameaça que as sociedades abertas enfrentam hoje”. Esses comentários vieram depois que Jamie Dimon, o CEO do JPMorgan Chase, declarou em novembro de 2021 que o banco multinacional sobreviveria ao Partido Comunista da China (embora mais tarde ele tenha se desculpado por esse comentário dizendo que estava brincando). Dimon também insinuou que a China sofreria um forte ataque militar se tentasse unificar Taiwan, uma ameaça pela qual não se desculpou (Henry; Daga, 2021). Essa atitude hostil é uma resposta ao fato de que os mercados de capitais da China não estão avançando na direção que Wall Street gostaria, como evidenciado pelo governo chinês com o fortalecimento dos controles de capital e desindexando uma série de ações chinesas da bolsa de valores dos EUA. Na reunião anual de acionistas do conglomerado de investimentos Berkshire Hathaway em 2022, Charlie Munger, vice-presidente da empresa, afirmou que a China ainda valia o investimento. Mesmo nesse caso, no entanto, Munger aceitou a premissa de seu entrevistador, que caracterizou o governo chinês como um “regime autoritário” que comete “violações dos direitos humanos”. Para Munger, a China só vale o risco extra porque se pode investir em negócios melhores a preços mais baixos.

Setores de varejo e consumo As indústrias de varejo e consumo dos EUA têm sido espremidas por seus concorrentes chineses. Em março de 2021, a Nike e outras empresas boicotaram o algodão de Xinjiang por alegações falsas de trabalho forçado. Pouco depois, a Nike divulgou um anúncio que foi criticado por promover estereótipos racistas sobre os chineses, resultando em uma nova perda de sua participação de mercado, que já havia começado a ser flanqueada pela marca chinesa Anta.

Além disso, há uma desconexão significativa entre as indústrias cultural e de entretenimento dos dois países, com filmes produzidos internamente representando 85% das bilheterias chinesas em 2021. Os filmes de super-heróis da Marvel, outrora populares entre os cinéfilos chineses, não conseguiram entrar no mercado chinês devido a preocupações ideológicas, com zero bilheteria na China em 2021. A recente produção da Marvel, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, apresenta mais uma vez cenas contrárias à China, incluindo uma referência ao jornal anti-governo de extrema direita The Epoch Times. O filme não foi exibido no gigante asiático. Esses casos refletem as trocas de empresas americanas entre interesses comerciais — atingindo o mercado consumidor chinês — e ideologia política — opondo-se ao sistema político chinês.

O complexo militar-industrial dos EUA e o desejo pela guerra

O complexo militar-industrial dos EUA desempenha um papel especial na galvanização da cooperação entre setores estratégicos econômicos, tecnológicos, políticos e militares em direção a interesses imperialistas. Em 2021, os seis maiores contratados militares do mundo — Lockheed Martin, Boeing, Raytheon Technologies, BAE Systems, Northrop Grumman e General Dynamics — tiveram vendas combinadas de mais de 128 bilhões de dólares para o governo dos EUA (Bloomberg, 2021). Grandes empresas de tecnologia, incluindo Amazon, Microsoft, Google, Oracle, IBM e Palantir (fundada pelo extremista Peter Thiel) formaram laços estreitos com os militares dos EUA, assinando milhares de contratos no valor de dezenas de bilhões de dólares nas últimas décadas (Glaser, 2020; Nograles, 2021; Konkel, 2021). A indústria tecnológica desempenha o papel estratégico de coletar dados no vasto império de inteligência dos EUA e está no centro da hegemonia soft power das mídias e redes sociais dos EUA, garantindo a dominação digital sobre a maioria do Sul Global. Como tal, esse setor se tornou imune a uma regulação significativa ou ameaças de desmonopolização.

O impulso estadunidense pela supremacia militar leva a gastos nas áreas de armas, tecnologia computacional (chips de silício, em particular), comunicações avançadas (incluindo guerra cibernética por satélite) e biotecnologia. O governo dos EUA solicitou oficialmente 813 bilhões de dólares para os militares como parte de seu orçamento de 2023 (o que não leva em conta gastos militares adicionais disfarçados em outros setores do orçamento global), e o Pentágono afirma que precisará de pelo menos 7 trilhões de dólares nos próximos dez anos (Stone, 2022; Cohen, 2021).

A privatização do Estado sob o neoliberalismo levou ao desenvolvimento de uma porta giratória entre o governo dos EUA e o setor privado nas últimas quatro décadas. O Estado tornou-se um veículo para altos funcionários do governo, incluindo congressistas, senadores, conselheiros políticos e de segurança, membros do gabinete, coronéis, generais e presidentes de ambos os partidos se tornarem multimilionários, aproveitando seu status e conhecimento de alguém de dentro do governo, a ser usado por grupos de interesse privado.5 Dentro da burocracia governamental, a frase “segurança nacional” abre a torneira para a ganância pessoal e corporativa e a expansão militar radical ainda mais ampla. Sob essa forma predominante de Primeiro Mundo, corrupção legalizada, as empresas frequentemente fazem pagamentos aos funcionários depois de deixarem cargos públicos. Esses subornos legais são essencialmente pagamentos em atraso por serviços concedidos enquanto estão no cargo. Por exemplo, ao deixar o cargo, ex-funcionários públicos são frequentemente contratados como funcionários privados, membros do conselho ou conselheiros com as mesmas empresas que anteriormente haviam defendido, desde que votassem favoravelmente ou concedessem contratos governamentais como funcionários públicos (Freeman, 2012). Alguns exemplos proeminentes dessa dinâmica difundida incluem o seguinte:

  • Bill Clinton alega ter uma dívida de 16 milhões de dólares quando deixou a Casa Branca em 2001, mas, em 2021, tinha uma fortuna estimada de cerca de 80 milhões de dólares (DiSalvo, 2021).
  • Com uma chocante impunidade, pelo menos 85 das 154 pessoas de grupos de interesse privado que se reuniram ou tiveram conversas telefônicas agendadas com Hillary Clinton – enquanto ela liderava o Departamento de Estado sob o presidente Obama – doaram um combinado de 156 milhões de dólares para a Fundação Clinton (CNBC, 2016).
  • James “Mad Dog” Mattis, um general quatro estrelas aposentado, ex-secretário de Defesa de Trump e ex-membro do conselho da CNAS, teve um patrimônio líquido de 7 milhões de dólares em 2018, cinco anos após sua “aposentadoria” militar. Isso foi obtido por meio de pagamentos significativos de uma ampla lista de empresários do setor militar e incluiu de 600 mil a 1,25 milhão de dólares em ações e opções na grande empresa de defesa General Dynamics (Herb, O’brien, 2017).
  • Lloyd Austin, secretário de Defesa do presidente Biden, anteriormente serviu no conselho de administração de várias empresas militares, como United Technologies e Raytheon Technologies. Austin ganhou a maior parte de seu patrimônio líquido de 7 milhões de dólares depois de “se aposentar” como general quatro estrelas (Alexander, 2021).

Entre 2009 e 2011, mais de 70% dos principais generais dos EUA trabalharam para contratistas militares depois de se aposentarem de seu cargo. Os generais também dobram a remuneração ao receber simultaneamente compensações do Pentágono e pagamentos de contratistas militares privados (Johnson, 2012). Só em 2016, cerca de 100 oficiais militares americanos passaram pela porta giratória entre o governo e contratistas militares privados, incluindo 25 generais, 9 almirantes, 43 tenentes-generais e 23 vice-almirantes (Vanden Brook, Dilanian, Locker, 2009).

Durante o governo Trump, muitos funcionários da era Obama se mudaram para o setor privado, dando consultoria e aconselhando as maiores corporações do mundo, para logo na sequência retornarem à Casa Branca sob Biden. Em uma exibição impressionante desta porta giratória, o governo Biden nomeou mais de 15 altos funcionários da empresa de consultoria corporativa WestExec Advisors, fundada em 2017 por uma equipe de ex-funcionários do governo Obama que afirma fornecer “análises incomparáveis de risco geopolítico” para seus clientes – incluindo “Gerenciamento de Risco Relacionado à China em uma Era de Concorrência Estratégica” (Guyer, Grim, 2021; WestExec Advisors, 2022). A empresa facilita a cooperação entre o setor Big Tech e os militares dos EUA, com clientes como Boeing, Palantir, Google, Facebook, Uber, AT&T, a empresa de vigilância de drones Shield AI e a empresa israelense de inteligência artificial Windward. Os ex-funcionários da WestExec que trabalham na administração Biden incluem o secretário de Estado Blinken, o diretor de Inteligência Nacional Avril Haines, o vice-diretor da CIA, David Cohen, o secretário assistente de Defesa para assuntos de segurança indo-pacífico Ely Ratner, e a ex-secretária de Imprensa da Casa Branca Jen Psaki (Guyer, Grim, 2021; Thompson, Meyer, 2021; Lipton, Vogel, 2020).

Quais conflitos têm a participação significativa dos Estados Unidos e quais estratégias

O fluxo da WestExec para a administração Biden, parte um. Gráfico: Soohee Cho/The Intercept 6

O enfraquecimento da resistência doméstica ao militarismo dos EUA

Em 1973, os Estados Unidos aboliram a obrigatoriedade do serviço militar, ou o que era conhecido como o conscrição; depois, os militares dos EUA passaram a se referir inteligente e enganosamente ao seu exército como um exército de voluntários. Isso foi feito para reduzir a oposição interna às guerras dos EUA no exterior, especialmente dos filhos de famílias com propriedades e de classe média que se tornaram explicitamente contra a guerra no Vietnã. Embora a medida tenha se justificado em nome da escolha de soldados mais profissionais e dedicados, na realidade, a burguesia procurou aproveitar as vulnerabilidades econômicas das famílias mais pobres da classe trabalhadora, recrutadas para o serviço militar por meio de ofertas de treinamento técnico e ganhos estáveis. Os avanços tecnológicos permitiram que os Estados Unidos aumentassem simultaneamente sua capacidade de matar civis e combatentes inimigos nos países invadidos, reduzindo a taxa de morte de soldados americanos. Por exemplo, na guerra de 2,2 trilhões de dólares contra o Afeganistão entre 2001 e 2021, apenas 2.442 (1%) das 241 mil pessoas mortas (incluindo mais de 71 mil civis) eram militares dos EUA (Crawford, Lutz, 2021). A redução do número de mortes nos EUA e o aumento de contratistas privados enfraqueceu a conexão emocional doméstica com as campanhas de guerra dos EUA. Em meados da década de 2010, estima-se que quase metade das forças armadas dos EUA no Iraque e no Afeganistão eram empregados de contratistas privados (Stinchfield, 2017). Em 2016, a maior empresa militar privada do mundo, a ACADEMI (inicialmente fundada por Erik Prince como Blackwater) foi comprada pela maior empresa de private equity do mundo, Apollo, por cerca de 1 bilhão de dólares (Wilkers, 2016). Longe de um exército de voluntários, é cada vez mais adequado descrever o atual exército estadunidense como um exército de mercenários.

Os Estados Unidos estão ainda mais encorajados em seu belicismo pelo fato de que, embora tenham invadido ou participado de operações militares em mais de cem países, nunca foi invadido ou experimentou baixas civis em larga escala nas mãos de governos estrangeiros. A psicologia do excepcionalismo dos EUA é moldada pelo fato de que a atual geração de elites políticas cresceu em grande parte após o fim da Guerra Fria, um período definido como o chamado “fim da história”, quando seu país parecia ser invencível. Os Estados Unidos não tinham experimentado um desafiante sério no exterior ou em casa até a ascensão da China. Como resultado, essa elite é particularmente ahistórica em sua visão de mundo, tomada por ilusões de grandeza, e consequentemente se sente sem restrições — uma combinação extremamente perigosa.

O complexo militar-industrial, composto por generais, políticos, empresas de tecnologia e empresas militares privadas, está buscando uma expansão maciça da capacidade militar dos EUA. Hoje, quase todos em Washington usam a China, bem como a Rússia, como pretexto para este acúmulo. Enquanto isso, muitos deles cometeram ou apoiaram crimes de guerra no Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia e em outros lugares.

Poucos capitalistas influentes nos Estados Unidos estão dispostos individualmente a se posicionarem abertamente contra o coro que demoniza a China, e aqueles que o fazem são disciplinados ou ostracizados. Raramente se depara com opiniões dissidentes publicamente ou pedidos de contenção nas seções op-ed do The New York Times ou The Wall Street Journal. Durante a campanha presidencial de 2020, Michael Bloomberg foi fortemente criticado por ser “suave” com a China depois que afirmou que o Partido Comunista era responsivo ao povo e se recusou a rotular o presidente Xi Jinping como um ditador. Bloomberg parece ter sido disciplinado com sucesso; sob o governo Biden, juntou-se à histeria belicista e foi nomeado presidente do Conselho de Inovação em Defesa do Pentágono em fevereiro de 2022. A empresa global de consultoria de gestão McKinsey & Company, que tem favorecido um maior engajamento econômico com a China, tem enfrentado crescentes críticas, sendo difamada pelo The New York Times por “ajudar a elevar a estatura de governos autoritários e corruptos em todo o mundo” (Bogdanich, Forsythe, 2018). Consequentemente, a influência de McKinsey nos círculos de negócios dos EUA foi muito enfraquecida. Embora um pequeno número de figuras – como Ray Dalio, investidor bilionário e fundador da Bridgewater Associates – continue a expressar otimismo sobre as relações EUA-China, eles são exceções.

Mais criticamente, aqueles no atual alto escalão da elite burguesa dos EUA diversificaram seus investimentos em uma série de indústrias, permitindo-lhes superar os estreitos interesses econômicos de curto prazo de qualquer setor e se alinhar com o “quadro geral” da estratégia dos EUA. Em contraste com milionários de gerações passadas que estavam focados em uma única indústria, os bilionários de hoje desenvolveram uma consciência mais compartilhada e podem vislumbrar os principais retornos a longo prazo de um mercado chinês totalmente liberalizado que ocorreria após a derrubada do Estado chinês. Consequentemente, esses bilionários são motivados a apoiar a contenção dos EUA em relação à China, apesar das perdas de curto prazo que podem sofrer como resultado. Como detalhado acima, essa grande burguesia financia um grande espectro de think tanks e grupos políticos por meio de fundações sem fins lucrativos, moldando discussões e propostas políticas dos EUA.

Entre a classe média alta, há um pequeno grupo de isolacionistas libertários de extrema-direita compostos principalmente por intelectuais e representados pelo Instituto Cato. Essa rede política se posiciona contra o Sistema da Reserva Federal dos EUA e intervenção estrangeira e se opõe ao papel dos EUA na Ucrânia. No entanto, é marginalizada na área de política externa dos EUA e não exerce muita influência.

Como Karl Marx observou uma vez, os capitalistas sempre foram um “bando de irmãos em guerra”. Esse bando mantém um Estado moderno que tem um corpo maciço e permanente de homens e mulheres armados, funcionários de inteligência e espiões. Em 2015, 4,3 milhões de pessoas nos Estados Unidos tinham autorização para acessar material governamental “confidencial”, “secreto” ou “ultrassecreto” (Congressional Research Service, 2016). Independentemente de qualquer resultado eleitoral, esse aparato estatal é finalmente capaz de exercer seu domínio e orientar a política externa dos EUA, como evidenciado durante a incapacidade do governo Trump de implementar sua própria política externa.

A ascensão da extrema direita e a falsa natureza dos pesos e contrapesos no sistema político estadunidense

A hostilidade da elite burguesa e das classes médias dos EUA em relação à China tem raízes profundas e racistas. Os quatro anos de Trump no cargo coincidiram com a formação de uma coalizão unida de movimentos populistas e supremacistas brancos de direita conhecidos como Alt-Right. Stephen Bannon, porta-voz deste movimento, é um ex-presidente do site supremacista branco Breitbart News Network e é, sem surpresa, um dos mais ativos ativistas anti-China nos Estados Unidos. A base de apoio da Alt-Right vem da classe média baixa: a maioria são pessoas brancas com renda familiar anual de cerca de 75 mil dólares. Enquanto Bannon e até o próprio Trump gostam de se gabar do apoio que recebem da “classe operária branca”, sua base de apoio principal é, na verdade, a classe média baixa — não o operariado.

O Partido Republicano beneficiou eleitoralmente a criação desse bloco de votação neofascista. A Alt-Right tende a idolatrar grandes personalidades capitalistas e deseja mobilidade ascendente para se juntar à elite. Esse bloco expressa ódio tanto aos líderes políticos e culturais da elite por bloquearem seu caminho para a riqueza, bem como para a classe trabalhadora. Em 1951, o proeminente sociólogo americano C. Wright Mills ofereceu a seguinte caracterização das classes médias dos EUA:

Elas estão na retaguarda. No curto prazo, buscarão formas assustadoras de prestígio; a longo prazo, buscarão os caminhos do poder, pois, no final, o prestígio é determinado pelo poder. Enquanto isso, no mercado político (…) as novas classes médias estão à venda; quem parece respeitável o suficiente, forte o suficiente, provavelmente pode comprá-los. Até agora, ninguém fez uma oferta séria (Mills, 1951, p. 353).

O governo Trump deslocou o ressentimento da classe média baixa por sua deterioração econômica para a China. A economia dos EUA nunca se recuperou totalmente da crise hipotecária de 2008, quando a política monetária frouxa permitiu que os grandes capitalistas colhessem enormes lucros enquanto a classe trabalhadora e a classe média baixa sofreram grandes perdas. Esse último grupo, irritado e frustrado com sua situação e precisando de um porta-voz, foi mobilizado por Trump e se tornou sua principal fonte de votos com a ajuda dos supremacistas brancos, do capitalismo racial e de uma Nova Guerra Fria para suprimir totalmente a China como um oponente.

Hoje, a hostilidade contra a China se tornou generalizada em toda a população dos EUA. A impressão de que a China é o arqui-inimigo do mundo livre e a maior ameaça aos Estados Unidos tem sido enfaticamente reforçada pelos principais meios de comunicação e plataformas de internet, enquanto a liberdade de expressão para aqueles que se opõem a essa tendência perigosa tem sido cada vez mais restrita. Qualquer reconhecimento das perspectivas russas e chinesas ou críticas à política externa dos EUA em relação a esses países sofre fortes críticas. A opinião pública nos Estados Unidos se assemelha cada vez mais ao período macartista da década de 1950 e, de certa forma, o clima social tem semelhanças perturbadoras com o da Alemanha no início da década de 1930.

Os que estão alheios à política estadunidense não entendem a real natureza dos controles e equilíbrios e a separação de poderes no sistema político dos EUA. Ao contrário da história das reformas constitucionais europeias que foram geradas por movimentos revolucionários sociais, a Constituição dos EUA, originalmente fundada por um grupo de proprietários (incluindo escravistas), foi projetada desde o início para proteger os direitos dos donos de propriedades privadas contra o que temiam que poderia se tornar uma regra mafiosa. Até hoje, a Constituição permite o desmantelamento da maioria dos direitos sociais e legais burgueses tradicionais.

Medidas como o colégio eleitoral, originalmente implementada para proteger os interesses da exploração de escravos do sul e outros estados rurais menores, foram projetadas para impedir o voto direto do povo para presidente (uma pessoa, um voto). Esse sistema antidemocrático, que é protegido por um processo difícil e oneroso para alterar a Constituição, resultou tanto nas vitórias de Bush Jr. quanto na de Trump para a presidência, apesar de terem recebido menos votos que seus respectivos oponentes. Apesar da eventual extensão dos direitos de voto para negros, mulheres e pessoas sem propriedade, a desoneração dos eleitores continua até hoje. Desde 2021, 19 estados promulgaram um total de 34 leis de supressão de votantes que poderiam limitar os direitos de voto de até 55 milhões de eleitores nesses estados (Eskridge; Barnes, 2022). Enquanto isso, a Suprema Corte não eleita tem o poder de derrubar a legislação de direitos de voto, derrubar ações afirmativas e permitir que organizações religiosas apreciem os direitos civis.

Uma decisão da Suprema Corte de 2010 conhecida como Citizens United retirou os limites das contribuições privadas e corporativas para as eleições, tornando-as uma disputa de força financeira (Vandewalker, 2020). Nas eleições de 2020, os gastos totais para as corridas presidenciais e parlamentares foram de 14 bilhões de dólares (Schwartz, 2020). Há também a competição psicológica-tecnológica: as ferramentas persuasivas baseadas em mídias sociais, economia comportamental e Big Data desempenham um papel enorme na formação dos processos eleitorais. Ao mesmo tempo, essas ferramentas são extremamente caras, ajudando a garantir que a política seja um jogo quase exclusivo para os ricos. Em 2015, a riqueza mediana dos senadores dos EUA ultrapassou 3 milhões de dólares (Kopf, 2018). Este é um governo que dificilmente o povo pode fazer valer mecanismos de pesos e contrapesos.

Estamos condenados à guerra?

Em 2014, Xi Jinping, pouco depois de se tornar o principal líder da China, disse então ao presidente Obama que, “o amplo Oceano Pacífico é vasto o suficiente para abraçar tanto a China quanto os Estados Unidos” (Embaixada da República Popular China nos Estados Unidos, 2014). Rejeitando esse aceno diplomático, a então secretária de Estado Hillary Clinton se gabou em um discurso privado de que os Estados Unidos poderiam chamar o Pacífico de “Mar Americano” e ameaçaram “tocar a China com defesa antimísseis” (Gallo, 2016). Em 2020, o Centro de Pesquisa em Economia e Negócios do Reino Unido (CEBR) previu que a China ultrapassaria os Estados Unidos e se tornaria a maior economia do mundo até 2028, um limiar que assombra a elite estadunidense. A política externa dos EUA e a opinião pública nos últimos anos se fixaram nos preparativos para travar uma guerra quente para conter a China antes que isso possa acontecer. A guerra por procuração na Ucrânia pode ser vista como um prelúdio para essa guerra quente. A mobilização ideológica que prepara para a guerra já está em pleno vapor nos Estados Unidos. As rodas do neofascismo estão girando, e uma nova era do macartismo surgiu. As chamadas políticas democráticas são apenas um disfarce para o governo da elite burguesa; elas não servirão como um mecanismo de frenagem para a máquina de guerra.

Há 140 milhões de pessoas que trabalham e são pobres nos Estados Unidos, e 17 milhões  de crianças passando fome — seis milhões a mais que antes da pandemia (Barnes, 2019. Save the Children, 2021).. Embora uma parte dessa classe expresse apoio ideológico à política belicista dos EUA, esse apoio contradiz diretamente seus interesses: o orçamento militar de quase trilhões de dólares vem às custas de fundos para garantir saúde, educação, infraestrutura e outros direitos humanos, bem como combater as mudanças climáticas. Historicamente, grupos progressistas nos Estados Unidos, como os movimentos negros e feministas, têm um forte espírito de luta antiguerra, e líderes como Martin Luther King Jr. e Malcolm X lutaram corajosamente para construir uma onda de resistência à agressão dos EUA no sudeste da Ásia. Infelizmente, hoje, alguns (mas não todos) líderes progressistas nos Estados Unidos não estão dispostos a desafiar a campanha anti-China de Washington ou, pior, até se tornaram apoiadores dela.

Há vozes importantes nos Estados Unidos que se posicionam. No entanto, deve-se notar que os poucos grupos progressistas contrários a uma Nova Guerra Fria foram zombados por supostamente justificarem o genocídio em Xinjiang. O sistema político dos EUA trabalha impiedosamente para marginalizar vozes dessa parte da sociedade.

Embora os Estados Unidos e seus aliados estejam agressivamente buscando a expansão militar global por meio da Otan, a grande maioria do mundo não aceita a sua guerra. Em 2 de março de 2022, a Assembleia Geral da ONU realizou a 11ª sessão especial de emergência, e os países que, juntos, constituem mais da metade da população mundial, votaram contra ou se abstiveram de votar o projeto de resolução intitulado “Agressão contra a Ucrânia”. Enquanto isso, países que representam 85% da população mundial não endossaram as sanções lideradas pelos EUA contra a Rússia (No Cold War, 2022). As tentativas de Washington de intensificar e prolongar a guerra e forçar uma dissociação de Moscou e Pequim levarão a um enorme deslocamento econômico, o que trará reações negativas consideráveis ao governo dos EUA. Mesmo países como a Índia e a Arábia Saudita estão profundamente preocupados com os excessos estadunidenses no congelamento das reservas cambiais russas e no reforço da hegemonia do dólar. Da mesma forma, os presidentes do México, Bolívia, Honduras, El Salvador e Guatemala não compareceram à Cúpula das Américas organizada em Los Angeles em junho de 2022 por causa da exclusão de Cuba, Venezuela e Nicarágua. A resistência ao domínio estadunidense está crescendo na América Latina. Deve-se notar, no entanto, que plataformas internacionais como a ONU não são realmente capazes de impedir os Estados Unidos de travar guerras. Washington se recusa a ser obrigado por qualquer coisa, menos por sua própria ordem internacional baseada em regras.

Nos Estados Unidos, o governo Biden está fornecendo ajuda militar maciça à Ucrânia para criar uma guerra prolongada para enfraquecer a Rússia e, na medida do possível, provocar mudança de regime. Também está se desviando do espírito das três declarações conjuntas sino-americanos e desestabilizando o estreito de Taiwan de várias maneiras. Embora os Estados Unidos tenham grande poder militar, sua força econômica atual, embora imensa, está em um estado perpétuo de declínio e crise.

Como John Ross mostra neste estudo em outro artigo, a supremacia econômica dos EUA está diminuindo e pode ser encerrada pelo rolo compressor econômico chinês. Além disso, Washington, juntamente com seus aliados da Otan, enfrentam múltiplas e profundas dificuldades econômicas e ecológicas. A guerra dirigida pelos EUA vai exacerbar esses problemas e pode condenar a Europa a um crescimento do PIB menor e possivelmente negativo, juntamente com a inflação e o aumento dos gastos militares socialmente inúteis. Os Estados Unidos abandonaram efetivamente qualquer pretensão de uma estratégia séria para enfrentar as mudanças climáticas, sem mencionar que sua busca interminável pela guerra exacerba a catástrofe climática. E, ironicamente, apesar do consenso político interno para a dissociação econômica, as empresas estadunidenses continuam aumentando as encomendas para a China – a dissociação substantiva continua sendo um sonho.

Os Estados Unidos, porém, não entrarão em colapso econômico; o impulso de Washington para a guerra, as sanções e a dissociação econômica continuarão a prejudicar sua própria economia e a colocar em risco a cadeia mundial de fornecimento de alimentos. A consequente instabilidade social global, por sua vez, enfraquecerá ainda mais a economia dos EUA e gerará mais desafios ao seu governo, incluindo a crescente oposição à hegemonia do dólar.

A governança social relativamente estável da China, a forte defesa nacional, a estratégia diplomática de paz e a resistência à sucumbência ao poder dos EUA podem, como disse o conselheiro de Estado chinês Yang Jiechi, permitir que o país prossiga “de uma posição de força” e eventualmente force os Estados Unidos a desistir da ilusão de que poderia entrar em guerra com a China e vencer (BBC News, 2021). É do interesse do Sul Global que a China continue sendo um Estado socialista forte e soberano e que continue a promover políticas alternativas para a governança global, como o conceito de “construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade” e a Iniciativa de Desenvolvimento Global. Deve haver um compromisso imediato de revigorar projetos multilaterais viáveis do Sul Global, como os BRICS e o Movimento dos não-Alinhados, iniciativas em que grande parte do mundo compartilha um interesse comum. A população mundial, a grande maioria das quais está localizada no Sul Global, deve resistir à guerra e pedir a paz. Os Estados Unidos não são o primeiro império a exagerar com sua arrogância, e ele, também, eventualmente verá seu poder chegar ao fim.

Referências bibliográficas

Notas

“Notas sobre exterminismo” para os movimentos de ecologia e paz do século 21

John Bellamy Foster

Em 1980, o grande historiador inglês e teórico marxista E. P. Thompson, autor de A formação da classe operária inglesa e líder do Movimento para o Desarmamento Nuclear Europeu, escreveu o ensaio inovador Notes on Exterminism, the Last Stage of Civilization [Notas sobre o exterminismo, a última etapa da civilização].1 Embora o mundo tenha sofrido uma série de mudanças significativas desde então, o ensaio de Thompson continua sendo um ponto de partida útil para abordar as contradições centrais de nossos tempos, como a crise ecológica planetária,  a pandemia de Covid-19, a Nova Guerra Fria e o atual “império do caos” — todas decorrentes de características profundamente incorporadas na economia política capitalista contemporânea (Thompson, 1982; Amin, 1992).

Para Thompson, o termo exterminismo não se referia à extinção da vida, uma vez que alguma vida permaneceria mesmo diante de uma troca termonuclear global, mas sim à tendência ao “extermínio de nossa civilização [contemporânea]”, entendida em seu sentido mais universal. No entanto, o exterminismo apontou para a aniquilação em massa e foi definido nessas “características da sociedade — expressas em graus diferentes, dentro de sua economia, política e ideologia — que a impulsiona em uma direção cujo resultado é o extermínio de multidões” (Thompson, 1982, p. 64 e 73). Notas sobre o exterminismo foi escrito oito anos antes do famoso testemunho do climatologista James Hansen, em 1988, sobre o aquecimento global para o Congresso dos EUA e a formação, no mesmo ano, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU. Assim, o tratamento de Thompson ao exterminismo se concentrou diretamente na guerra nuclear e não abordou a outra tendência exterminista emergente da sociedade contemporânea: a crise ecológica planetária. No entanto, sua perspectiva era profundamente socioecológica. A tendência ao exterminismo na sociedade moderna era, portanto, vista como diretamente oposta aos “imperativos da sobrevivência ecológica humana”, exigindo uma luta mundial por um mundo socialmente igualitário e ecologicamente sustentável (Thompson, 1982, p. 75–76).

Com o fim da União Soviética e o fim da Guerra Fria em 1991, a ameaça nuclear que pairava sobre o planeta desde a Segunda Guerra Mundial pareceu diminuir. Como resultado, a maioria das considerações subsequentes à tese do exterminismo de Thompson foram mais aplicadas ao contexto da crise ecológica planetária, também uma fonte de “extermínio de multidões” (Bahro, 1994). No entanto, o advento da Nova Guerra Fria na última década trouxe a ameaça do holocausto nuclear de volta ao centro das preocupações mundiais. A Guerra da Ucrânia de 2022, que tem sua origem no golpe de Maidan projetado pelos EUA em 2014, e a consequente Guerra Civil Ucraniana travada entre Kiev e as repúblicas separatistas da região de Donbass, de língua russa, agora evoluiu para uma guerra em larga escala entre Moscou e Kiev. Isso assumiu um significado mundial sinistro em 27 de fevereiro de 2022, com a Rússia, três dias após sua ofensiva militar na Ucrânia, colocando suas forças nucleares em alerta máximo como um aviso contra uma intervenção direta da Otan na guerra, seja por meios não nucleares ou nucleares.2 O potencial para uma guerra termonuclear global entre as principais potências é agora maior que em qualquer momento no mundo pós-Guerra Fria.

Portanto, é necessário abordar essas duas tendências exterministas duplas: tanto a crise ecológica planetária (incluindo não apenas a mudança climática, mas também o cruzamento das oito outras fronteiras planetárias chave que os cientistas definem como essenciais para a capacidade da Terra de ser um lar seguro para a humanidade) e a crescente ameaça da aniquilação nuclear global. Ao abordar as interconexões dialéticas entre essas duas ameaças existenciais globais, deve-se dar ênfase à atualização da compreensão histórica do impulso ao exterminismo nuclear na forma como se metamorfoseou durante as décadas de poder unipolar dos EUA, enquanto a atenção do mundo era direcionada para outros lugares. Como a ameaça da guerra termonuclear global está novamente pairando sobre o mundo, três décadas após o fim da Guerra Fria e em um momento em que o risco de mudanças climáticas irreversíveis paira no horizonte? Quais abordagens precisam ser adotadas dentro dos movimentos pacifistas e ambientalistas para combater essas ameaças existenciais globais inter-relacionadas? Para responder a essas perguntas, é importante abordar questões como a controvérsia acerca do inverno nuclear, a doutrina da contraforça e a busca dos EUA pela supremacia nuclear global. Só assim podemos perceber todas as dimensões das ameaças existenciais globais impostas pelo “capitalismo catástrofe” de hoje.

Inverno nuclear

Em 1983, equipes de cientistas atmosféricos dos Estados Unidos e da União Soviética produziram modelos que apareceram nas principais revistas científicas prevendo que uma guerra nuclear levaria ao chamado “inverno nuclear”. Isso ocorreu em meio ao acúmulo nuclear do governo Ronald Reagan, associado à Iniciativa Estratégica de Defesa (mais conhecida como Star Wars) e à crescente ameaça de um Armagedom nuclear. Descobriu-se que o resultado de uma ofensiva termonuclear global resultaria em mega incêndios em 100 ou mais cidades, reduzindo enormemente a temperatura média da Terra, uma vez que a fuligem e a fumaça seriam empurradas para a atmosfera, bloqueando a radiação solar. O clima seria alterado muito mais abruptamente e na direção oposta do aquecimento global, introduzindo um rápido resfriamento que faria as temperaturas caírem vários graus ou mesmo “várias dezenas de graus” Celsius em todo o mundo (ou pelo menos em todo o hemisfério) em questão de um mês, com consequências horríveis para a vida na Terra. Assim, embora centenas de milhões de pessoas – talvez um bilhão ou mais – fossem mortas pelos efeitos diretos de uma troca termonuclear global, os efeitos indiretos seriam muito piores, aniquilando a maioria das pessoas no planeta por fome – inclusive aquelas não atingidas pelos efeitos diretos das bombas nucleares. A tese do inverno nuclear teve um efeito poderoso sobre a corrida armamentista nuclear que ocorria na época e contribuiu para que os governos dos EUA e da União Soviética recuassem ao se depararem com o abismo (Schneider, 1988. Francis, 2017. Sagan, Turco, 1990).

No entanto, a elite do poder nos Estados Unidos viu a tese do inverno nuclear como um ataque direto à indústria de armamentos nucleares e ao Pentágono, visando o programa Star Wars em particular. Isso levou a uma das maiores controvérsias científicas de todos os tempos; apesar de que tal controvérsia era mais política, uma vez que cientificamente nunca tenha havido realmente dúvida. Embora tenham sido feitas alegações de que os modelos iniciais do inverno nuclear dos cientistas da NASA eram muito simples e que estudos foram produzidos apontando efeitos menos extremos do que o originalmente imaginado — um “outono nuclear” — a tese do inverno nuclear foi validada repetidamente por modelos científicos (Browne, 1990).

Todavia, se a resposta inicial dos líderes políticos aos estudos sobre o inverno nuclear ajudou a criar um forte movimento para desmantelar as armas nucleares, contribuindo para seu controle e o fim da Guerra Fria, isso foi logo combatido por poderosos interesses militares, políticos e econômicos por trás da máquina de guerra nuclear dos EUA. Assim, a mídia corporativa, juntamente com as forças políticas, lançou várias campanhas destinadas a desacreditar a tese do inverno nuclear (Starr, 2016-17). Em 2000, a popular revista científica Discover chegou ao ponto de listá-lo como um de seus “20 maiores erros científicos dos últimos 20 anos”. Entretanto, o máximo que a Discover poderia alegar era que os principais cientistas por trás do estudo mais influente sobre o tema na década de 1980 haviam recuado em 1990, alegando que a redução média da temperatura resultante de uma troca nuclear global foi estimada como um pouco menor do que originalmente concebida e constituiria no máximo uma queda de 20°C na temperatura média no Hemisfério Norte. Essa estimativa atualizada, no entanto, permaneceu apocalíptica em um nível planetário.

Em um dos maiores casos de negacionismo na história da ciência, superando até mesmo aquele em relação às mudanças climáticas, a esfera pública e os militares rejeitaram amplamente essas descobertas científicas com base na acusação de que a estimativa original havia sido de forma “exagerada”. Tal acusação tem sido usada nos círculos dominantes há décadas para minimizar os efeitos de uma guerra nuclear. No caso do capitalismo do Pentágono, tal negação foi claramente motivada pela realidade de que, se os resultados científicos sobre o inverno nuclear fossem mantidos, o planejamento estratégico acerca de uma guerra nuclear “vencível” – ou pelo menos uma em que um lado “prevaleceria” – deixaria de ter sentido. Uma vez considerados os efeitos atmosféricos, a devastação não pode se limitar a um determinado teatro nuclear; efeitos inimagináveis dentro de vários anos destruiriam tudo, exceto uma pequena fração da população da Terra, indo além do que foi imaginado pela Destruição Mútua Assegurada (em inglês, Mutual Assured Destruction, cuja sigla, MAD, forma a palavra “louco”).

Os efeitos catastróficos da guerra nuclear sempre foram minimizados pelos planejadores nucleares. Como Daniel Ellsberg aponta em The Doomsday Machine, o número estimado de mortes em uma guerra nuclear total fornecido pelos analistas estratégicos estadunidenses foi “fantasticamente subestimado” desde o início, “mesmo antes da descoberta do inverno nuclear”, uma vez que eles deliberadamente omitiram os incêndios resultantes de explosões nucleares em cidades — o maior impacto sobre a população urbana global — sob a alegação questionável de que o nível de devastação era muito difícil de estimar.3 Como Ellsberg (2017) escreve:

No entanto, mesmo nos anos 1960 os incêndios causados por armas termonucleares eram conhecidos por presumivelmente causar a maior produção de fatalidades em uma guerra nuclear (…) Além disso, o que ninguém reconheceria… [até que os primeiros estudos sobre o inverno nuclear surgiram cerca de 21 anos após a Crise dos Mísseis Cubanos] eram os efeitos indiretos do nosso primeiro ataque planejado, que ameaçava gravemente os outros dois terços da humanidade. Esses efeitos surgiram de outra consequência negligenciada de nossos ataques às cidades: fumaça. Ao ignorar o fogo, os Chefes [do Estado Maior] e seus planejadores ignoraram o fato de que onde há fogo há fumaça. Mas o perigoso para a nossa sobrevivência não é a fumaça de incêndios comuns, mesmo os muito grandes – fumaça que permanece na atmosfera inferior e logo é dispersada pela chuva – mas a fumaça propagada para a atmosfera superior que os incêndios que nossas armas nucleares certamente produziriam nas cidades alvejadas.

Correntes ferozes dessas múltiplas tempestades de fogo levantariam milhões de toneladas de fumaça e fuligem na estratosfera, que não seriam dispersas pela chuva e rapidamente cercariam o globo, formando um cobertor que bloquearia a maior parte da luz solar ao redor da Terra por uma década ou mais. Isso reduziria a luz solar e as temperaturas em todo o mundo a um ponto em que destruiria as plantações e mataria de fome — não todos, mas quase todos — seres humanos (e outros animais que dependem da vegetação para comer). A população do Hemisfério Sul — poupada de quase todos os efeitos diretos de explosões nucleares, inclusive de precipitações radioativas — seria quase aniquilada, assim como a da Eurásia (a partir de efeitos diretos, como previsto), África e América do Norte (Ellsberg, 2017, p. 141-42).

Pior do que a reação original contra a tese do inverno nuclear, de acordo com escritos de Ellsberg de 2017, foi o fato de que, ao longo das décadas seguintes, planejadores nucleares nos Estados Unidos e na Rússia “continuaram a incluir ‘opções’ para detonar centenas de explosões nucleares perto de cidades, o que levantaria fuligem e fumaça suficientes na estratosfera para levar [via inverno nuclear] à morte pela fome quase todos na Terra,  incluindo, afinal, nós mesmos” (Ellsberg, 2017, p.142).

O negacionismo embutido na máquina do fim do mundo (o impulso para o exterminismo entrincheirado no capitalismo do Pentágono) é ainda mais significativo dado que não apenas os estudos originais sobre o inverno nuclear nunca foram refutados, mas aqueles produzidos no século 21, baseados em modelos de computador mais sofisticados que os do início da década de 1980, passaram a mostrar que o inverno nuclear pode ser desencadeado em níveis mais baixos de troca nuclear do que os previstos nos modelos originais (Toon, Robrock, Turco, 2008. Robock, Toon, 2009). A importância desses novos estudos é simbolizada pelo fato de que a revista Discover, em 2007 — apenas sete anos depois de ter incluído o inverno nuclear em sua lista dos vinte “maiores erros científicos” das duas décadas anteriores – trazia um artigo intitulado “O retorno do inverno nuclear”, essencialmente repudiando seu artigo anterior (Saarman, 2007).

Os estudos mais recentes, motivados em parte pela proliferação nuclear, demonstraram que uma hipotética guerra nuclear entre a Índia e o Paquistão travada com 100 bombas atômicas do tamanho de Hiroshima poderia produzir mortes diretas comparáveis a todas as fatalidades da Segunda Guerra Mundial, além das resultantes da fome global a longo prazo. As explosões atômicas imediatamente provocariam incêndios de três a cinco milhas quadradas. Cidades em chamas liberariam cerca de cinco milhões de toneladas de fumaça na estratosfera, cercando a Terra em duas semanas, que não seriam dispersa por chuvas e permaneceriam por mais de uma década. Ao bloquear a luz solar, a produção global de alimentos se reduziria em 20 a 40%. A camada estratosférica de fumaça absorveria a luz solar aquecida, aquecendo a fumaça a temperaturas próximas ao ponto de ebulição da água, resultando em uma redução da camada de ozônio de 20 a 50% perto de áreas povoadas e gerando aumentos de raios UVB sem precedentes na história humana, de tal forma que indivíduos de pele clara poderiam ter queimaduras solares graves em cerca de seis minutos e os níveis de câncer de pele sairiam do controle. Enquanto isso, estima-se que até 2 bilhões de pessoas morreriam de fome (Starr, 2016-17. Robock, Oman, Stenchikov, 2007).

A nova série de estudos sobre o inverno nuclear, publicada nas principais revistas científicas e revisada por pares de 2007 até o presente, não para por aí. Esses estudos também analisaram o que aconteceria se houvesse uma troca termonuclear global envolvendo as cinco principais potências nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido. Só os dois primeiros, que representam a maior parte do arsenal nuclear mundial, têm milhares de armas nucleares com um poder explosivo que varia de sete a oitenta vezes a bomba de Hiroshima (embora algumas delas desenvolvidas nos anos 1950-1960 e que foram descontinuadas chegaram a ser mil vezes mais poderosas que a bomba atômica). Uma única arma nuclear estratégica atingindo uma cidade provocaria um incêndio cobrindo uma área de 90 a 152 milhas quadradas. Os cientistas calcularam que os incêndios de uma troca termonuclear global em larga escala lançaria na estratosfera de 150 a 180 milhões de toneladas de fuligem de carbono negro e fumaça que permaneceriam por 20 a 30 anos e impediriam que até 70% da energia solar chegasse ao Hemisfério Norte e até 35% ao Hemisfério Sul. O sol do meio-dia acabaria parecendo uma lua cheia à meia-noite. As temperaturas médias globais ficariam abaixo de zero todos os dias por um ou dois anos, ou até mais nas principais regiões agrícolas do Hemisfério Norte. As temperaturas médias cairiam abaixo das experimentadas na última Era Glacial. A época de crescimento dos cultivos nas áreas agrícolas desapareceria por mais de uma década, enquanto as chuvas diminuiriam em até 90%. A maioria da população humana morreria de fome (Starr, 2016-17. Robock, Oman, Stenchikov, 2007. Coupe et al., 2019. Robock, Toon, 2012. Starr, 2015).

Em seu livro  Sobre a guerra termonuclear, o físico da RAND Corporation Herman Kahn apresentou a noção da “máquina do juízo final”, que mataria todos na Terra em caso de uma guerra nuclear (Kahn, 2007). Kahn não defendia a construção de tal máquina, nem afirmava que os Estados Unidos ou a União Soviética a haviam feito ou estavam procurando construí-la. Ele apenas sugeriu que um mecanismo que garantisse não haver nenhuma forma de sobreviver da guerra nuclear seria uma alternativa barata para alcançar uma dissuasão completa e irrevogável de todos os lados para tirar a guerra nuclear da mesa. Como Ellsberg, ele também um ex-estrategista nuclear, tem afirmado desde então — em linha com Carl Sagan e Richard Turco, que ajudaram a desenvolver o modelo de inverno nuclear — os arsenais estratégicos de hoje nas mãos das potências nucleares dominantes, se detonadas, constituem uma máquina real do juízo final. Uma vez posta em movimento, a máquina do juízo final quase certamente aniquilaria direta ou indiretamente a maior parte da população do planeta (Ellsberg, 2017. Sagan, Turco, 1990).4

Contraforça e os EUA: desejo pela primazia nuclear

Desde a década de 1960, quando Moscou alcançou uma dura paridade nuclear com Washington, até o fim da União Soviética, a estratégia nuclear dominante durante a Guerra Fria foi baseada na noção de Destruição Mútua Assegurada (MAD). Esse princípio, que se refere à possibilidade de devastação total de ambos os lados, incluindo a morte de centenas de milhões de pessoas, efetivamente se traduz em paridade nuclear. No entanto, como os estudos sobre o inverno nuclear indicam, as consequências de uma guerra nuclear seriam muito além disso, estendendo-se à destruição de quase toda a vida humana (assim como a maioria das outras espécies) em todo o planeta. Ainda assim, ignorando os alertas de inverno nuclear, os Estados Unidos, com muito mais recursos que a União Soviética, procuraram transcender a MAD na direção da “primazia nuclear”, de modo a restaurar o nível de preeminência nuclear dos EUA nos primeiros anos da Guerra Fria. A primazia nuclear, em oposição à paridade nuclear, significa “eliminar a possibilidade de um ataque retaliatório” e, portanto, também é referida como “capacidade de primeiro ataque” (Lieber, Press, 2006, p. 44). A esse respeito, é significativo que a postura oficial de defesa de Washington tenha consistentemente incluído a possibilidade de realizar um primeiro ataque nuclear contra Estados nucleares ou não nucleares.

Além de introduzir o conceito de máquina do juízo final, Kahn, como um dos principais planejadores estratégicos dos EUA, também cunhou os termos-chave contravalor e  contraforça (Sagan, Turco, 1990). O contravalor se refere a atingir cidades, população civil e economia de um inimigo e tem como objetivo a aniquilação completa, levando assim ao MAD. A contraforça, em contraste, se refere a atacar as instalações de armas nucleares do inimigo para evitar retaliações.

Quando a estratégia de contraforça foi originalmente introduzida por Robert McNamara, o secretário de defesa dos EUA na administração de John F. Kennedy, foi visto como uma estratégia “sem cidades” que atacaria as armas nucleares do oponente em vez de populações civis, e tem sido justificada falaciosamente nesses termos desde então. McNamara, no entanto, logo percebeu as falhas na estratégia de contraforça, nomeadamente, que ela provoca uma corrida armamentista nuclear direcionada a alcançar (ou negar) a primazia nuclear. Além disso, a ideia de que um ataque de contraforça “preventivo” não envolvia ataques às cidades estava incorreta desde o princípio, já que os alvos incluíam centros de comando nuclear nas cidades. Ele, portanto, abandonou o esforço pouco depois em favor de uma estratégia nuclear baseada no MAD, que ele via como a única abordagem verdadeira para a dissuasão nuclear (Correll, 2005; Ellsberg, 2017).

Essa estratégia nuclear dos EUA prevaleceu durante a maior parte das décadas de 1960 e 1970 e foi caracterizada pela aceitação da paridade nuclear áspera com a União Soviética e, portanto, da possível realidade do MAD. No entanto, isso se quebrou no último ano da administração Jimmy Carter. Em 1979, Washington armou fortemente a Otan para permitir que o cruzeiro nuclear e os mísseis Pershing II, ambos contraforças destinadas ao arsenal nuclear soviético, fossem colocados na Europa, uma decisão que incendiou o movimento antinuclear europeu (Magdoff, Sweezy, 1981. Barnet, 1984). Na subsequente administração dos EUA sob Ronald Reagan, Washington adotou em pleno vigor a estratégia de contraforça (Correll, 2005). A administração Reagan introduziu o Star Wars, com o objetivo de desenvolver um sistema abrangente de mísseis antibalísticos capazes de defender os EUA. Embora isso tenha sido posteriormente abandonado como impraticável, levou a outros sistemas de mísseis antibalísticos em administrações posteriores (Pifer, 2015). Além disso, sob a administração Reagan, os Estados Unidos empurraram o míssil MX (que mais tarde ficou conhecido como Pacificador), visto como uma arma de contraforça capaz de destruir mísseis soviéticos antes de serem lançados. Todas essas armas ameaçaram a “decapitação” das forças soviéticas em um primeiro ataque, bem como a capacidade de interceptação através de sistemas de mísseis antibalísticos ao qual poucos mísseis soviéticos sobreviveriam (Roberts, 2020. Correll, 2005). As armas de contraforça exigiam maior precisão, uma vez que não eram mais concebidas como destruidoras de cidades como em ataques de contravalor, mas sim como arma de precisão contra silos de mísseis endurecidos, mísseis terrestres móveis, submarinos nucleares e centros de comando e controle. Foi aqui, em armas de contraforça, que os Estados Unidos tinham uma vantagem tecnológica.

Esse grande acúmulo de armas nucleares, iniciado a partir de 1979 com a implantação planejada na Europa de sistemas de entrega de mísseis transportando ogivas nucleares, gerou grandes protestos contra a guerra nuclear dos anos 1980 na Europa e na América do Norte, bem como a crítica de Thompson ao exterminismo e à pesquisa científica sobre o inverno nuclear. No entanto, hoje, “a contraforça continua a ser o princípio sacrossanto da estratégia nuclear estadunidense”, voltado para a primazia nuclear, nas palavras de Janne Nolan, da Associação de Controle de Armas (Nolan apud Correll, 2005).

Com a dissolução da União Soviética em 1991 e o fim da Guerra Fria, Washington imediatamente iniciou o processo de traduzir sua nova posição unipolar em uma visão de supremacia permanente dos EUA em todo o mundo, começando com a Orientação da Política de Defesa de fevereiro de 1992, emitida pelo então subsecretário de Defesa Paul Wolfowitz. Isso deveria ser decretado através de uma expansão geopolítica das áreas de domínio ocidental para regiões anteriormente pertencentes à União Soviética ou em sua esfera de influência, a fim de impedir o ressurgimento da Rússia como uma grande potência. Ao mesmo tempo, em um clima de desarmamento nuclear e com a deterioração da força nuclear russa sob Boris Yeltsin, os Estados Unidos procuraram “modernizar” suas armas nucleares, substituindo-as por armamentos estratégicos tecnologicamente mais avançados com o objetivo não de aumentar a dissuasão, mas sim de alcançar a primazia nuclear.

A busca dos EUA pela primazia nuclear no mundo pós-Guerra Fria, continuando a promover armas de contraforça, era conhecida como a estratégia “maximalista” nos debates sobre política nuclear na época e foi contraposta por aqueles que defendiam uma estratégia “minimalista” que dependia do MAD. No final, os maximalistas venceram e a Nova Ordem Mundial passou a ser definida tanto pelo alargamento da Otan, com a Ucrânia vista como o pivô geopolítico e estratégico final, quanto pela busca dos EUA por um objetivo maximalista de domínio nuclear absoluto e capacidade de primeiro ataque (Paulsen, 1994. Mazarr, 1992. Brzezinski, 1997).

Em 2006, Keir A. Lieber e Daryl G. Press publicaram o artigo The Rise of U.S. Nuclear Primacy [A ascensão da primazia nuclear dos EUA], na Foreign Affairs, a principal revista de Relações Exteriores. Em seu artigo, Lieber e Press argumentaram que os Estados Unidos estavam “à beira de alcançar a primazia nuclear”, ou capacidade de primeiro ataque, e que este tinha sido seu objetivo desde pelo menos o fim da Guerra Fria. “O peso das evidências sugere que Washington está, de fato, deliberadamente buscando primazia nuclear”, afirmam (Lieber, Press, 2006, p. 43, 50).

O que colocou essa capacidade de primeiro ataque aparentemente ao alcance de Washington foram os novos armamentos nucleares associados à modernização nuclear que, aliás, acelerou após a Guerra Fria. Cruzeiros armados com mísseis nucleares, submarinos nucleares capazes de disparar seus mísseis perto da costa e bombardeiros B-52 furtivos, que carregam mísseis de cruzeiro com armas nucleares e bombas de gravidade nuclear, poderiam penetrar mais efetivamente nas defesas russas ou chinesas. Mísseis balísticos intercontinentais mais precisos poderiam eliminar totalmente silos de mísseis endurecidos. Uma melhor vigilância poderia permitir o rastreamento e destruição de mísseis terrestres móveis e submarinos nucleares. Enquanto isso, os mísseis Trident II D-5, mais precisos, que estavam sendo introduzidos em submarinos nucleares dos EUA, carregavam ogivas de maior rendimento para usar em silos endurecidos. Tecnologia de sensoriamento remoto mais avançada, a qual os Estados Unidos tiveram a liderança, aumentou consideravelmente sua capacidade de detectar mísseis terrestres móveis e submarinos nucleares. A capacidade de atingir os satélites de outras potências nucleares poderia enfraquecer ou eliminar a capacidade de usar mísseis nucleares (Lieber, Press, 2006, p. 45).

A localização de armas estratégicas em países recentemente admitidos na Otan e perto ou nas fronteiras russas serviria para aumentar a velocidade com que as armas nucleares poderiam atingir Moscou e outros alvos russos, não dando ao Kremlin tempo de reação. As instalações de defesa de mísseis balísticos Aegis, que os Estados Unidos estabeleceram na Polônia e na Romênia, também são potenciais armas ofensivas capazes de lançar mísseis de cruzeiro Tomahawk com armas nucleares (Detsch, 2022. Baud, 2022. Starr, 2016-17).5 Instalações de defesa de mísseis nucleares, principalmente úteis no caso de combater uma retaliação a um primeiro ataque dos Estados Unidos, poderiam derrubar um número limitado de mísseis que sobreviveram e foram lançados do outro lado, mas esses sistemas de mísseis antibalísticos seriam ineficazes diante de um primeiro ataque, uma vez que seriam sobrecarregados pelo grande número de mísseis e iscas. Além disso, nas últimas décadas, os Estados Unidos desenvolveram um grande número de armas aeroespaciais não nucleares de alta precisão para serem usadas em um ataque de contraforça direcionado a mísseis inimigos ou instalações de comando e controle que são comparáveis às armas nucleares em seus efeitos devido à precisão de alvos baseados em satélites.

De acordo com Lieber e Press, em 2006, “as chances de Pequim adquirir uma dissuasão nuclear sobrevivente na próxima década são pequenas”, e a sobrevivência da dissuasão russa estava em questão diante de um grande primeiro ataque dos EUA. “O que nossa análise sugere é profundo: os líderes da Rússia não podem mais contar com um sistema de dissuasão nuclear sobrevivente”. Como eles escreveram, os Estados Unidos estavam “buscando primazia em todas as dimensões da tecnologia militar moderna, tanto em seu arsenal convencional quanto em suas forças nucleares”, algo conhecido como “domínio da escalada” (Lieber, Press, 2006, 2017).6

A assinatura do Novo Tratado Estratégico de Redução de Armas ou Novo START (na sigla em inglês) entre os Estados Unidos e a Rússia, em 2010, ao mesmo tempo que limitou as armas nucleares, não impediu uma corrida para a modernização das armas de contraforça que permitiriam que um lado destruísse os armamentos do outro. Limitar o número de armas nucleares permitidas tornou mais viável o fortalecimento de uma estratégia de contraforça; nessa área, os Estados Unidos tinham a vantagem, uma vez que uma das três bases primárias para a sobrevivência de um arsenal de retaliação nuclear (juntamente com o endurecimento de locais de mísseis terrestres e ocultação) é o número absoluto e, portanto, a redundância de tais armas (Lieber, Press, 2017). Com a primazia nuclear como meta estabelecida em Washington, os Estados Unidos começaram unilateralmente a se retirar de alguns dos principais tratados nucleares estabelecidos na Guerra Fria. Em 2002, sob a administração George W. Bush, os Estados Unidos se retiraram unilateralmente do Tratado de Mísseis Antibalísticos. Em 2019, sob o governo Donald Trump, Washington retirou-se do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, alegando que a Rússia o havia violado. Em 2020, ainda sob Trump, os Estados Unidos se retiraram do Tratado de Céu Aberto (que impôs limites aos voos de reconhecimento sobre outros países); a isso se seguiu a retirada da Rússia em 2021. Há pouca dúvida de que a saída desses tratados foi favorável a Washington, permitindo ao país expandir suas opções de contraforça em sua busca pela primazia nuclear.

Dada a busca dos EUA pelo domínio nuclear global, a Rússia tentou modernizar seus sistemas de armas nucleares nas últimas duas décadas, embora esteja em uma desvantagem distinta em termos de capacidade de contraforça. Sua estratégia nuclear fundamental é, portanto, determinada por temores de um primeiro ataque dos EUA que poderia efetivamente eliminar seu sistema de dissuasão nuclear e sua capacidade de retaliação. Assim, tem se esforçado para restabelecer uma dissuasão plausível. Como Cynthia Roberts, do Instituto Saltzman de Guerra e Paz da Universidade de Columbia, escreveu em Revelações sobre a política de dissuasão nuclear da Rússia, em 2020, os russos percebem mais melhorias dos EUA para as forças estratégicas convencionais e nucleares como parte de um esforço contínuo para “perseguir a dissuasão nuclear russa e negar a Moscou uma opção viável de segundo ataque”, eliminando efetivamente sua dissuasão por meio da “decapitação” (Roberts, 2020. Sankaran, 2022). Embora os Estados Unidos tenha adotado uma postura máxima de “defesa” nuclear de ameaçar o “primeiro uso nuclear e a escalada em fases”, em que mantém o domínio em todos os níveis da escalada, isso se compara à abordagem russa de “guerra total se a dissuasão falhar” enquanto continua a depender principalmente do MAD (Arbatov, 2016. Roberts, 2015).

No entanto, nos últimos anos, a Rússia e a China avançaram em tecnologia e sistemas estratégicos de armas. A fim de combater as tentativas de Washington de desenvolver a capacidade de primeiro ataque e neutralizar seus impedimentos nucleares, tanto Moscou quanto Pequim recorreram a sistemas de armas estratégicas assimétricas projetadas para combater a superioridade dos EUA na defesa antimísseis e na mira de alta precisão. Mísseis balísticos intercontinentais são vulneráveis porque, embora atinjam velocidades hipersônicas — geralmente definidas como Mach 5, ou cinco vezes a velocidade do som ou mais — quando entram novamente na atmosfera seguem um arco que constitui um caminho balístico previsível, como uma bala. Portanto, não há surpresa; seus alvos são previsíveis, e podem teoricamente ser interceptados por mísseis antibalísticos. Silos de mísseis endurecidos, que abrigam mísseis balísticos intercontinentais, também são alvos distintos e hoje são muito mais vulneráveis, tanto a mísseis nucleares como a não nucleares estadunidenses de alta precisão, guiados por satélite. Confrontadas com essas ameaças de contraforça aos seus impedimentos básicos, a Rússia e a China avançaram em relação aos Estados Unidos no desenvolvimento de mísseis hipersônicos com manobras aerodinâmicas, a fim de evitar mísseis de defesa e impedir que o adversário saiba o alvo final pretendido. A Rússia desenvolveu um míssil hipersônico chamado Kinzhal, que tem fama de alcançar Mach 10 ou mais por conta própria, e outra arma hipersônica, a Avangard, que, impulsionada por um foguete, pode atingir a velocidade surpreendente de Mach 27. A China tem um míssil de cruzeiro hipersônico “waverider” que atinge Mach 6. Emprestado do folclore chinês, seu nome se refere a uma “maçã assassina”, uma arma eficaz contra um adversário muito mais bem armado (Stone, 2020. Brito et al., 2002). A Rússia e a China, por sua vez, vêm desenvolvendo armas antisatélites “contraespaço” projetadas para remover a vantagem dos EUA de armas nucleares e não nucleares de alta precisão (Sankaran, 2022).7

A chamada primazia nuclear permaneceu um pouco além do alcance de Washington, dada a proeza tecnológica das outras potências nucleares líderes. Além disso, uma corrida armamentista nuclear, estimulada por uma estratégia de contraforça, é fundamentalmente irracional, ameaçando uma conflagração termonuclear global com consequências muito maiores do que aquelas imaginadas pelo cenário MAD, com suas centenas de milhões de mortes de ambos os lados. O inverno nuclear significa que, em uma guerra nuclear global, todo o planeta seria engolido pela fumaça e fuligem, que engoliria a estratosfera, matando quase toda a humanidade.

Dada essa realidade, a postura nuclear dos EUA, que se baseia na noção de vencer em uma guerra nuclear total, é particularmente perigosa, uma vez que nega o papel dos incêndios nas cidades e, assim, os efeitos da fumaça que se levantaria na atmosfera superior e apagaria a maioria dos raios solares. A busca pela primazia nuclear, portanto, nos leva da MAD à loucura (Johnstone, 2017). Como Ellsberg (2017) escreve:

A esperança de evitar com êxito a aniquilação mútua por um ataque decapitador sempre foi tão mal fundamentada quanto qualquer outra. A conclusão realista seria que uma troca nuclear entre os Estados Unidos e os soviéticos [russos] era — e é — virtualmente certa de ser uma catástrofe absoluta, não apenas para ambos, mas para o mundo. … [Os formuladores de políticas] optaram por agir como se acreditassem (e talvez realmente acreditassem) que tal ameaça não é o que é: uma prontidão para desencadear o onicídio global.8

A Nova Guerra Fria e o teatro europeu

Em Notas sobre exterminismo e sua posição geral como líder do Movimento para o Desarmamento Nuclear Europeu na década de 1980, Thompson argumentou que o acúmulo de armas nucleares na Europa ocorrido na época era um produto de máquinas militares e imperativos tecnológicos “tendo lugar independentemente da flutuação da diplomacia internacional, embora seja dado um impulso ascendente a cada crise ou a cada inovação por parte do ‘inimigo’” (Thompson, 1992). Seu argumento era parte de uma estratégia para unir os movimentos pacifistas do Ocidente e do Oriente contra os respectivos establishments, com base na premissa de que o acúmulo nuclear era igualmente um produto de ambos os lados. No entanto, a esse respeito, ele desmentiu suas próprias evidências, que apontavam para o agressivo acúmulo nuclear de armas de contraforça de Washington e a colocação de armas estratégicas na Europa visando a União Soviética. Em um artigo intitulado Nuclear Chicken na edição de setembro de 1982 da Monthly Review, Harry Magdoff e Paul M. Sweezy desafiaram essa parte do argumento de Thompson, apontando não apenas para as expansões estratégicas da Otan sob os Estados Unidos, mas também para o fato de que a ordem imperial dos EUA era fortemente dependente de ameaças críveis de primeiros ataques direcionados a outros países, tanto nucleares quanto não nucleares (Magdoff, Sweezy, 1981).

Em uma introdução de 1981 à edição americana de Protest and Survive editada por Thompson e Dan Smith, Ellsberg listou uma longa série de casos documentados, a partir de 1949, nos quais os Estados Unidos ameaçaram ataques nucleares para pressionar outros países (nucleares e não nucleares) a recuar para alcançar seus fins imperiais (Ellsberg, 1981). Somente entre 1945 e 1996, foram documentados 25 casos de ameaças nucleares, embora outros tenham ocorrido desde então (Ellsberg, 2017). Nesse sentido, o uso da guerra nuclear como ameaça é incorporado à estratégia dos EUA. O desenvolvimento da primazia nuclear através de armas de contraforça sustentou a possibilidade de que tais ameaças pudessem ser novamente dirigidas com credibilidade até mesmo para grandes potências nucleares, como a Rússia e a China. Magdoff e Sweezy chamaram toda essa abordagem de “frango nuclear”, no qual os Estados Unidos eram o jogador mais agressivo.

O “Frango nuclear” não pôs fim à Guerra Fria. O Estado de segurança nacional dos EUA, influenciado por figuras-chave como Zbigniew Brzezinski, conselheiro de segurança nacional de Carter e um dos principais arquitetos da expansão pós-Guerra Fria da Otan, continuou a buscar a hegemonia geopolítica final dos EUA sobre a Eurásia, que ele chamou de “grande tabuleiro de xadrez”. Xeque-mate, segundo Brzezinski, constituiria trazer a Ucrânia para a Otan como uma aliança nuclear estratégica (embora Brzezinski tenha cuidadosamente excluído o aspecto nuclear ao apresentar sua estratégia geopolítica), soletrando o fim da Rússia como uma grande potência e possivelmente levando ao seu rompimento em vários Estados, marcando assim a supremacia dos EUA sobre todo o mundo (Brzezinski, 1997). Essa tentativa de transformar o poder unipolar dos EUA após a Guerra Fria em um império global permanente exigiu a expansão da Otan para o leste, que começou em 1997 durante o governo Bill Clinton, gradualmente anexando à Aliança Atlântica praticamente todos os países entre a Europa Ocidental e a Ucrânia, com este último como o prêmio final e uma adaga no coração da Rússia (The Editors, 2022). Aqui, havia uma espécie de unidade exibida entre a estratégia dirigida pelos EUA de expandir a Otan e o desejo de Washington por primazia nuclear, que foi posta em prática quase à risca.

O fato de a Rússia ter sido obrigada a considerar a questão de sua própria segurança nacional diante da tentativa da Otan de expandir militarmente para a Ucrânia dificilmente deve surpreender alguém. Uma década após a expansão da Otan, que já englobava onze nações que antes estavam no Pacto de Varsóvia ou em parte da União Soviética, e apenas um ano depois da primazia nuclear dos EUA quase ter sido destacada na Foreign Affairs, o presidente russo Vladimir Putin assustou o mundo ao declarar inequivocamente na Conferência de Segurança de Munique de 2007 que “o modelo unipolar não é apenas inaceitável, mas impossível no mundo de hoje” (Johnstone, 2017). No entanto, consistente com sua estratégia de longo prazo para estender-se ao que Brzezinski havia chamado de “pivô geopolítico” da Eurásia, enfraquecendo fatalmente a Rússia, em 2008 a Otan declarou abertamente em sua Cúpula de Bucareste que pretendia trazer a Ucrânia para a aliança militar-estratégica (nuclear).

Em 2014, o golpe de Maidan, projetado pelos EUA na Ucrânia, depôs o presidente democraticamente eleito do país e impôs em seu lugar um líder escolhido pela Casa Branca, colocando a Ucrânia nas mãos de forças ultranacionalistas de direita. A resposta da Rússia foi incorporar a Crimeia em seu território após um referendo popular que deu à população, predominantemente russa, que se considerava independente e não parte da Ucrânia, uma escolha sobre permanecer na Ucrânia ou se juntar à Rússia. O golpe (ou “revolução colorida”) levou à violenta repressão de Kiev às populações da região de Donbass, de língua russa, na Ucrânia, resultando na Guerra Civil Ucraniana entre Kiev (apoiada por Washington) e as repúblicas separatistas de Donbass nas áreas de Donetsk e Luhansk (apoiadas por Moscou). A Guerra Civil Ucraniana, que resultou em mais de 14 mil mortes entre 2014 e início de 2022, continuou em baixa nos oito anos seguintes, apesar da assinatura dos acordos de paz de Minsk em 2014, destinados a acabar com o conflito e dar autonomia às repúblicas de Donbass dentro da Ucrânia. Em fevereiro de 2022, Kiev havia juntado 130 mil soldados nas fronteiras de Donbass, no leste da Ucrânia, atirando em Donetsk e Luhansk (The Editors, 2022. Johnstone, 2022. Mearsheimer, 2022).

À medida que a crise ucraniana piorou, Putin insistiu em várias linhas vermelhas da Rússia relacionadas às necessidades essenciais de segurança do país, consistindo em:

  1. adesão ao acordo anterior de Minsk (elaborado pela Rússia, Ucrânia, França e Alemanha e assinado pelas repúblicas do povo de Donbass e apoiado pelo Conselho de Segurança da ONU), garantindo assim a autonomia e a segurança de Donetsk e Luhansk,
  2. o fim da militarização da Otan sobre a Ucrânia, e
  3. um acordo de que a Ucrânia permaneceria fora da Otan (Episkopos, 2021. Associated Press, 2021).

A Otan, instada pelos Estados Unidos, continuou a cruzar todas essas linhas vermelhas, fornecendo ajuda militar  crescente a Kiev em sua guerra contra as repúblicas de Donbass, no que a Rússia interpretou como uma tentativa de fato de incorporar a Ucrânia na Otan.

Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia interveio na Guerra Civil Ucraniana ao lado de Donbass, atacando as forças militares do governo de Kiev. Em 27 de fevereiro, Moscou colocou suas forças nucleares em alerta máximo pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, confrontando o mundo com a possibilidade de um holocausto nuclear global, dessa vez entre grandes potências capitalistas rivais. Figuras em Washington, como o senador Joe Manchin III (Democrata, Virgínia Ocidental), apoiaram a ideia de uma imposição dos EUA de uma zona de exclusão aérea na Ucrânia, o que significaria derrubar aviões russos, com toda a probabilidade de escalar para uma Terceira Guerra Mundial (Broadwater, Cameron, 2022).

Exterminismo em duas direções

É comum hoje reconhecer que a mudança climática representa uma ameaça existencial global que coloca em risco a própria sobrevivência da humanidade. Estamos diante de uma situação em que a contínua expansão do capitalismo baseada na queima de quantidades cada vez maiores de combustíveis fósseis aponta para a possibilidade — mesmo a probabilidade, se o sistema de produção não for alterado radicalmente em questão de décadas — da queda da civilização industrial, colocando em questão a sobrevivência da humanidade. Esse é o significado do exterminismo ambiental em nosso tempo. De acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as emissões líquidas de dióxido de carbono zero devem ser alcançadas até 2050 para que o mundo tenha uma esperança razoável de manter as mudanças das temperaturas médias globais abaixo de 1,5°C, ou bem abaixo de 2°C. Não conseguir isso é dar espaço à devastação da Terra tal como um lar seguro para a humanidade e inúmeras outras espécies.

A mudança climática faz parte de uma crise ecológica planetária mais geral associada ao cruzamento das nove fronteiras planetárias, incluindo aquelas – além da mudança climática em si – relacionadas à extinção de espécies, esgotamento estratosférico do ozônio, acidificação dos oceanos, interrupção dos ciclos de nitrogênio e fósforo, perda de cobertura/florestas terrestres, declínio das fontes de água doce associada à desertificação, carga atmosférica de aerossóis e introdução de novas entidades, como novos produtos químicos sintéticos e novas formas genéticas (Stephen, 2015). Para isso deve-se adicionar o surgimento de novas zoonoses, como mostra a pandemia de Covid-19, resultante principalmente da transformação da relação dos seres humanos com o meio ambiente, estimulada pelo agronegócio (Walace, 2020).

No entanto, não há dúvida de que a mudança climática está no centro da atual crise ecológica global. Assim como o inverno nuclear, representa uma ameaça à civilização e à continuação da espécie humana. O IPCC nos diz em seus relatórios de 2021-2022 sobre a ciência física das mudanças climáticas e seus impactos que o cenário mais otimista, embora afastando mudanças climáticas irreversíveis, ainda é uma das crescentes catástrofes globais nas próximas décadas. Ações imediatas são necessárias para proteger as condições de vida de centenas de milhões de pessoas, talvez bilhões, que serão expostas a eventos climáticos extremos de um tipo que a civilização global nunca viu antes (IPCC, 2022). Para combater isso é necessário o maior movimento de trabalhadores e povos que o mundo já viu para restaurar as condições que permitam sua existência, usurpadas pelo regime do capital, e restabelecer  um mundo ecologicamente sustentável enraizado na igualdade substancial.9

Ironicamente, o relatório do IPCC de 2022, que deveria chamar a atenção do mundo para a natureza catastrófica da crise climática atual, foi publicado em 28 de fevereiro de 2022, quatro dias após a entrada russa na Guerra Civil Ucraniana em desafio à Otan, resultando em uma preocupação crescente sobre a possibilidade de uma troca termonuclear global. Assim, a atenção do mundo foi afastada em relação à ameaça existencial global que coloca em risco toda a humanidade, o onicídio de carbono, pelo súbito ressurgimento de outro onicídio nuclear.

À medida que o mundo voltava sua atenção para a possibilidade de guerra entre as principais potências nucleares e toda a escala planetária da ameaça nuclear, entendido pela ciência como inverno nuclear, o aquecimento global ficou ausente do quadro. O aquecimento global e o inverno nuclear, embora surgindo de diferentes formas, estão intimamente ligados em termos climáticos, demonstrando que o mundo está à beira de destruir a maioria dos habitantes da Terra de uma forma ou de outra: o aquecimento global levando a um ponto sem retorno para a humanidade, e/ou a morte de centenas de milhões por fogo nuclear,  seguido por dias e meses de resfriamento global (inverno nuclear) e o extermínio da maioria da população mundial através da fome. Assim como as implicações destrutivas da mudança climática que ameaçam a própria existência da humanidade são negadas em grande parte pelas potências, os efeitos planetários completos da guerra nuclear também são negados, ainda que as evidências científicas sobre o inverno nuclear demonstrem que ele efetivamente aniquilará a população de todos os continentes da Terra. Além disso, se o aquecimento global aumentar na medida em que a civilização global se desestabilizar, algo que os cientistas acreditam que pode acontecer se as temperaturas médias globais aumentarem em 4°C, a concorrência entre os Estados-nação capitalistas crescerá, aumentando assim o risco de uma conflagração nuclear e, portanto, do inverno nuclear (Ellsberg, 2017, p. 18).

Hoje, somos confrontados com uma escolha entre exterminismo e o imperativo ecológico humano (Thompson, 1982, p. 76). O agente causal nas duas crises existenciais globais que agora ameaçam a espécie humana é o mesmo: o capitalismo e sua busca irracional por aumentar exponencialmente a acumulação de capital e o poder imperial em um ambiente global limitado. A única resposta possível a essa ameaça ilimitada é um movimento revolucionário universal enraizado tanto na ecologia quanto na paz, que se afaste da destruição sistemática atual da Terra e seus habitantes e caminhe em direção a um mundo de igualdade substancial e sustentabilidade ecológica: ou seja, o socialismo.

Referências bibliográficas

Notas

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Quais são os conflitos têm a participação significativa dos Estados Unidos e quais estratégias o país adotou para exercer sua hegemonia?

RESPOSTA: Os conflitos presentes no Iraque, Afeganistão, Síria, Paquistão, Palestina e Israel. As principais estratégias utilizadas pelos Estados Unidos são intervenções militares, com a mobilização de tropas das forças armadas, e o apoio político e econômico aos países aliados.

Quais conflitos mundiais tiveram a participação dos Estados Unidos?

Lista de duração da participação dos Estados Unidos em guerras.

Qual a estratégia utilizadas pelos EUA durante a Guerra Fria para a América Latina?

Depois de um período dominado pelas expressões da Segunda Guerra Fria no continente, as iniciativas da administração Bush concentraram-se em estreitar os laços econômicos entre os EUA e a América Latina, negociando o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e lançando a Iniciativa para as Américas.

Quais as principais estratégias da Guerra Fria?

Desenvolvimento de redes de espionagem; Desenvolvimento da corrida espacial; Formação de alianças militares; Divisão da Alemanha em Ocidental (capitalista) e Oriental (socialista), através do Muro de Berlim.