Quais foram às consequências da Semana de arte Moderna para a arte brasileira

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Cartaz da Semana de Arte Monderna de 1922 (Foto: Reprodução)

Era 13 de fevereiro de 1922 quando o Theatro Municipal de São Paulo registrou casa cheia. Inaugurado havia pouco mais de uma década, o local recebeu naquele dia o governador do estado, o prefeito da cidade, jornalistas, estudantes, fazendeiros, industriais, comerciantes e, claro, artistas. A ocasião entraria para a história: estava começando a Semana de Arte Moderna de 22, que prometia renovar o ambiente artístico do país.

Atualmente considerado um dos principais marcos da cultura brasileira, o evento foi financiado pela aristocracia — na época, representada sobretudo pela figura do fazendeiro, empresário e mecenas Paulo Prado. Foi ele quem definiu o líder do movimento: Graça Aranha. Coube ao escritor e membro fundador da Academia Brasileira de Letras mostrar ao público que a bandeira do festival era a liberdade — criativa, de expressão, dos padrões eurocêntricos e do conservadorismo então vigente.

A missão dos modernistas consistia em abandonar o academicismo. Nas palavras de Aranha, o estilo acadêmico era “um grande mal na renovação estética do Brasil” que sufocava a originalidade dos artistas e tornava tudo “medíocre e triste”. Em vez disso, era o subjetivismo que deveria direcionar os trabalhos artísticos. Desejava-se que cada um fosse livre para criar suas obras sem se ater a regras.

“Da libertação do nosso espírito sairá a arte vitoriosa. E os primeiros anúncios da nossa esperança são os que oferecemos aqui à vossa curiosidade. São estas pinturas extravagantes, estas esculturas absurdas, esta música alucinada, esta poesia aérea e desarticulada”, declarou Aranha durante a abertura da Semana de 22, segundo conta o livro Mário de Andrade e a Semana de Arte Moderna, da coleção Modernismo — do surgimento no mundo à explosão do movimento no Brasil, publicada pela Faro Editorial em novembro de 2021. “O que hoje fixamos não é a renascença de uma arte que não existe. É o próprio comovente nascimento da arte no Brasil”, comemorou Graça Aranha.

"O que hoje fixamos não é a renascença de uma arte que não existe. É o próprio comovente nascimento da arte no Brasil"

Graça Aranha, escritor e líder da Semana de Arte de 1922

A exposição se estendeu por três dias: 13, 15 e 17 de fevereiro. O primeiro foi dedicado a pintura e escultura (carro-chefe do evento), o segundo à literatura e o último, à música. Elaborada por Mário de Andrade, Di Cavalcanti e Oswald de Andrade, a programação apresentou produções que não seguiam uma estética única. Em comum havia a proposta de usar elementos das vanguardas europeias no contexto brasileiro, construindo uma arte mais nacional.

A Semana de Arte de Moderna 1922 aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, em São Paulo (Foto: Reprodução)

Mas, assim como outros eventos artísticos, a Semana de 22 não foi bem-recebida pela sociedade naquele início de século. Antes dela, a Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti — a primeira a empregar o termo “moderno” no Brasil — havia sido rejeitada em 1917, antecipando o que estava por vir. A mostra continha 53 obras que, na concepção de Monteiro Lobato, teriam sido feitas por alguém que enxerga “anormalmente a natureza” e a interpreta “à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes”.

Já durante as apresentações de 1922, modernistas foram vaiados pelo público e incompreendidos pela imprensa. “Em música são ridículos, na poesia são malucos e na pintura são borradores de telas”, opinou o jornalista e crítico Oscar Guanabarino.

A despeito das críticas, o evento gerou frutos, como a união de artistas. “Mesmo que tenha sido muito mais um acontecimento local e efêmero, ele deixou uma marca que delimita a consolidação do modernismo no Brasil por meio dos vários grupos que foram criados nos anos seguintes”, observa Madalena Zaccara, professora na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e líder do grupo de pesquisa Arte, Cultura e Memória.

Mulheres foram protagonistas no modernismo. Da esquerda para a direita: Pagu, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Elsie Houston, Benjamin Péret e Eugênia Álvaro Moreyra. (Foto: Domínio público)

Ela destaca o Clube dos Artistas Modernos (CAM), criado em 1932 e liderado por Flávio de Carvalho, e a Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM), que foi fundada em 1932 por Mário de Andrade e reuniu figuras como Sérgio Milliet, Anita Malfatti, Lasar Segall e Tarsila do Amaral. “Essas duas agremiações artísticas formadas na cidade de São Paulo expressam, antes de mais nada, o êxito do associativismo como estratégia de atuação dos artistas na vida cultural do país ao longo da década de 1930”, analisa Zaccara, que também é vice-presidente da Associação Nacional dos Pesquisadores de Artes Plásticas (ANPAP).

"Mesmo que tenha sido muito mais um acontecimento local e efêmero, a Semana de Arte de 1922 (...) delimita a consolidação do modernismo no Brasil"

Madalena Zaccara, professora na UFPE e líder do grupo de pesquisa Arte, Cultura e Memória

Surgiram também periódicos importantes para a divulgação da arte. A Revista Klaxon, lançada três meses após a Semana de 22, foi batizada em homenagem a uma buzina de automóvel e pretendia reverberar os princípios modernistas, reforçando a importância do intercâmbio com ideias estrangeiras e da valorização dos elementos nacionais. Tida como audaciosa e criativa, a publicação exibia ilustrações de Victor Brecheret e Di Cavalcanti, poemas de Manuel Bandeira e artigos de Sérgio Buarque de Holanda.

Mais tarde, em 1928, Oswald de Andrade e Raul Bopp idealizaram a Revista de Antropofagia, inspirados pelo quadro Abaporu. O título da tela significa “antropófago” em tupi-guarani, assim remetendo ao propósito do antropofagismo de assimilar criticamente as vanguardas europeias e recriá-las a partir da cultura brasileira. Difundindo pensamentos combativos e posições radicais, o periódico se consolidou como um dos principais veículos modernistas.

O Abaporu, obra mais conhecida de Tarsila, é o maior símbolo visual do Modernismo brasileiro (Foto: Wikimedia Commons)

Uma arte social

Décadas depois, a união entre artistas e a discussão sobre a arte nacional continuaram a se fortalecer, mas impulsionadas por novos meios: os museus. Isso porque eles permitiram a ampliação do acesso a exposições, experimentações e palestras. “É o que gera o 'caldo' para que a arte brasileira tanto absorva o que vem de outros países quanto experimente seus próprios elementos, assim se configurando em uma vanguarda brasileira que não é mais derivada das europeias como aconteceu na Semana de 22”, diz Paula Braga, professora na Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, e uma das autoras do livro Sobre a arte brasileira: da pré-história aos anos 1960 (Editora WMF Martins Fontes/Edições Sesc São Paulo).

A partir de 1960, grandes instituições — como o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e os Museus de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e do Rio de Janeiro — passaram a fornecer respaldo para o desenvolvimento de uma linguagem vanguardista realmente brasileira. Tanto o MAM paulistano quanto o carioca promoviam, por exemplo, cursos e sessões de cinema que colocavam em pauta as tendências artísticas do momento.

Assim se formou um dos aspectos mais “nossos” da arte: o caráter participativo. A produção artística começou a ser considerada como uma ferramenta capaz de interferir na subjetividade do espectador. Uma vez em contato com a obra, ele seria impactado por ela e se tornaria um participante, não mais um mero contemplador. Tal postura ativa se faz presente na série Bichos, de Lygia Clark. Produzidas a partir de 1960, as estruturas metálicas se articulam entre si, exigindo a intervenção do público para adquirir diferentes configurações.

A produção daquela década chocou-se com as definições de lazer, trabalho e sexualidade, en- trando em confronto com os padrões da socie- dade. Em busca de mudar a visão do espectador diante do mundo, as obras tentavam apresentar novas perspectivas — antes escondidas, ignoradas e reprimidas. “Não se avalia mais a obra por questões de forma ou execução, mas pela potência de colocar como visível aquilo que não era visto”, afirma Paula Braga.

Cosmococa, de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida (Foto: Reprodução/Hélio Oiticica e Neville D’Almeida)

Com intuito de desafiar o que era concebido como aceitável na época, Hélio Oiticica e Neville D’Almeida criaram a obra Cosmococa, cuja ideia consistia em convidar o público a entrar em cinco salas diferentes e experienciar as sensações da cocaína — que era usada de forma recreativa e como pigmento — por meio da arte. Cada um dos espaços continha imagens, características físicas e sons específicos para transmitir solidão, euforia, angústia, pânico e relaxamento.

O fato dessa mentalidade ter florescido em meio à ditadura militar, que se instaurou no Brasil a partir de 1964, fomentou experiências que ultrapassaram as fronteiras das exposições. Se antes a ideia era abolir a passividade do espectador diante da obra e torná-lo um participante, o con- texto de autoritarismo fez com que os artistas estimulassem o engajamento na esfera social. “O clima político da época incentivou o público a olhar o mundo de um jeito diferente em todos os âmbitos: social, político e econômico”, diz Braga.

Um exemplo dessa politização é a obra Seja marginal seja herói, de Oiticica. A poesia-bandeira não apenas representa a transgressão de valores burgueses como carrega um recado claro: aquele que vive à margem, não envolvido pelos dogmas do centro, consegue enxergar (e compreender) melhor a própria sociedade. Elaborada em 1968, a pintura sobre tecido reproduz a foto do corpo de Alcir Figueira da Silva, um homem que se suicidou após assaltar um banco e ser alcançado pela polícia. “Que diabólica neurose o teria levado a preferir a morte à prisão?”, questionou Oiticica em texto apresentado naquele mesmo ano. Para ele, Alcir era um anti-herói que simbolizava o quanto a sociedade precisava de uma reforma completa.

O objetivo de grande parte dos artistas atuantes durante o regime militar, ressalta Zaccara, era utilizar as telas para evidenciar a realidade, denunciando a censura da ditadura. “Na década de 1970, essa luta multiplica-se em novas mídias e circulações e torna-se mais explícita, como na Inserção em circuitos ideológicos, ação na qual Cildo Meireles pergunta, usando dinheiro, quem matou [Vladimir] Herzog”, ilustra a vice-presidente da ANPAP.

Seja marginal seja herói, de Hélio Oiticica (Foto: Reprodução/Hélio Oiticica)

Meireles pegava notas em circulação, carimbava a frase “Quem matou Herzog?” e as devolvia ao mercado. A estratégia, difícil de ser completamente controlada e censurada, atingiu um grande número de brasileiros — contribuindo não só para denunciar os abusos dos militares contra o jornalista, mas também para que mais pessoas tivessem contato com a arte.

Aonde chegamos?

De 1922 a 2022 muita coisa aconteceu. Os anos 1980 ficaram marcados por uma intensa experimentação com novos meios tecnológicos e comunicacionais, como o xerox, a holografia e a arte em vídeo. Na década seguinte, a arte brasileira ganhou maior reconhecimento internacional — algo que, até então, estava restrito a alguns grandes nomes, como Lygia Clark.

Mas uma característica se mantém até hoje: a vertente social das artes plásticas no Brasil, com intenção de formar um cidadão que entenda a complexidade do país e esteja atento aos contrastes e desigualdades da nossa realidade. “Temos produções que tentam fomentar um sentido de coletividade, como nos anos 1960”, constata Braga.

A proposta de muitos artistas atuais é revisar narrativas históricas e trazer à tona discussões que, por muito tempo, foram abafadas. É o caso da valorização das heranças indígenas e das questões étnico-raciais representadas na 34ª Bienal de São Paulo, que aconteceu entre 4 de setembro e 5 de dezembro de 2021. Nessa última edição do evento, nove artistas indígenas foram convidados — o maior número desde 1951, quando a Bienal foi inaugurada —, sendo cinco brasileiros: Daiara Tukano, Sueli Maxakali, Jaider Esbell, Uýra e Gustavo Caboco. “Isso evidencia que a história do nosso país precisa ser contada como sendo de opressão”, analisa a professora da UFABC.

Exemplares contemporâneos estão também na exposição Brasilidade Pós-Modernismo, que já passou pelo Rio de Janeiro (onde recebeu mais de 25 mil visitantes) e agora está no Centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, até 7 de março. A mostra contém trabalhos de 51 artistas feitos a partir de 1960 e divididos em seis núcleos temáticos: Liberdade, Futuro, Identidade, Natureza, Estética e Poesia. “A brasilidade se mostra diversificada e miscigenada, regional e cosmopolita, popular e erudita, folclórica e urbana”, analisa Tereza de Arruda, historiadora da arte e curadora.

"[Adriana Varejão] reproduz os azulejos portugueses, remetendo à colonização, mas rachados com craquelês, o que demonstra uma certa fragilidade"

Tereza de Arruda, historiadora da arte e curadora de Brasilidade Pós-Modernismo

Ela chama atenção para o segmento Liberdade, que abre a exposição. Nele, discutem-se inquietações derivadas do colonialismo no Brasil, além das consequências desse momento histórico para o contexto social, político e cultural do país — temas fortemente abordados na produção artística contemporânea. “Nessa parte temos, por exemplo, o trabalho da Adriana Varejão. Ela reproduz os azulejos portugueses, remetendo à colonização, mas rachados com craquelês, o que demonstra uma certa fragilidade e revela que as características impostas nesse período não poderiam ser tão duradouras”, diz Arruda.

A curadora destaca também a diversidade de linguagens, interlocutores e contextos por meio da qual a brasilidade se expressa, e o fato de que essa pluralidade carrega traços que ganharam os holofotes por aqui há cem anos. “A tendência atual é voltada para questões direcionadas ao cotidiano, com muitos aspectos já almejados na Semana de Arte de 22”, avalia.

Voluta e Cercadura, 2013, de Adriana Varejão (Foto: Jaime Acioli)

Entre as características buscadas naquele momento e presentes na contemporaneidade estão a autonomia das normas eurocêntricas, a liberdade artística e a valorização da cultura nacional — comprovando que, apesar das críticas recebidas em 1922, os modernistas seguem influenciando.

Quais foram as consequências da Arte Moderna para arte brasileira?

A semana causou um grande impacto entre os artistas mais conservadores da época pois trazia uma dura crítica às regras importadas e à falta de liberdade de expressão dos artistas brasileiros. Através da arte moderna muitos puderam trazer o Brasil para suas artes e o nativismo que faltava em muitas obras anteriores.

Qual a consequência mais importante da Semana de Arte Moderna?

Alvo de muitas críticas, a Semana de Arte Moderna só ganhou sua importância com o passar dos anos, e o seu principal legado foi desprender a arte brasileira da reprodução de padrões europeus, dando início à construção de uma cultura essencialmente nacional.

Qual o impacto da Semana de Arte Moderna de 1922 na arte brasileira?

A Semana fez o papel de divulgação da arte moderna, que, por sua vez, cultivou o terreno para a consolidação de uma revolução artística e literária que tomou forma após 1922, quando foram lançados os manifestos de Oswald de Andrade e as obras fundamentais do Primeiro Modernismo brasileiro, tais como Macunaíma (Mario de ...

Qual foram os impactos da Semana da Arte Moderna?

O evento chocou parte da população e trouxe à tona uma nova visão sobre os processos artísticos, bem como a apresentação de uma arte “mais brasileira”. Houve um rompimento com a arte acadêmica, contribuindo para uma mudança estética e para o Movimento Modernista no Brasil.

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