Quais foram as principais causas que levaram muitos nordestinos a migrar para as regiões Sudeste e centro oeste no período de 1950 a 1960?

Um Nordeste em São Paulo

A identidade nordestina no contexto de migração para a cidade de São Paulo

A PRESENÇA NORDESTINA no Brás é marcada por um monumento na praça do Largo da Concórdia. A instalação é uma referência ao chapéu de couro e se chama Monumento ao Migrante Nordestino. Na estrutura de ferro, algumas perguntas escritas chamam atenção: “De onde você vem?” “A sua terra pertence a você?” A obra é do artista Marcos Cartum. — Foto: Felipe Nascimento

O contexto da migração

Ocorrida principalmente a partir de 1930, a migração nordestina para São Paulo se deu por diversos motivos. Nesse período, inicia-se um processo de valorização da mão de obra nacional, em contrapartida à política de imigração praticada até então. Através de leis, a entrada de trabalhadores estrangeiros no país foi limitada e exigia-se que 2/3 do quadro de funcionários das empresas fossem brasileiros (PAIVA, 2013).

No primeiro momento, a maior parte do fluxo migratório se direcionava às fazendas de café do interior do estado de São Paulo. Entretanto, também a partir dos anos 30, inicia-se uma política de industrialização na matriz econômica do país. Nesse contexto, a cidade de São Paulo foi o principal alvo de tal política e, por volta de 1950, passou a ser o principal destino dos trabalhadores nordestinos (PAIVA, 2013).

Diante do cenário de melhores condições de trabalho na capital paulista, em contraste ao ambiente de secas e consequente agravamento do quadro econômico e social no Nordeste, os nordestinos avistavam em São Paulo a oportunidade de uma vida melhor. Alguns, ainda, planejavam juntar um valor e depois retornar à terra natal (COELHO, 2012).

O avanço dos meios de transportes, como a construção de rodovias que ligavam as regiões do país, também contribuíram facilitando — em parte — a ida para São Paulo; além dos meios de comunicação como o rádio, que colaboraram para uma representação negativa do Nordeste e uma
positivação da imagem de São Paulo (VILLA, 2000).

Sobre essa representação negativa do Nordeste, Albuquerque Júnior (1999), explica que nome Nordeste surgiu para definir a parte da região do Norte — termo usado até então — onde ocorria estiagens, através da criação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), ainda em 1919. Portanto, “o Nordeste é, em grande medida, filhos das secas; produto imagético-discursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a respeito deste fenômeno” (p. 68).

Vale ressaltar que, a respeito da valorização do Sudeste, deve-se também à conquista do poder pelas oligarquias do café na nova República, que passou a olhar para região Nordeste como um uma região problema aos seus interesses (COELHO, 2012).

O nordestino e a nordestinidade em São Paulo

Hall (2003, p.61) diz que “em vez pensar em culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las constituindo um dispositivo que representa a diferença como unidade ou identidade”. Esse é pensamento pode ser aplicado à construção da nordestinidade. Tanto no sentido de que dentro de uma brasilidade há diferenças regionais, quanto na própria construção de uma nordestinidade.

O Nordeste é uma região do país com noves estados, cada com suas peculiaridades e traços culturais que, por mais que se aproximem, são diferentes. Borges (2007, p. 21), comenta que “de fato, não existe uma só cultura nordestina, mas várias, à medida que estas não são homogêneas e cada Estado tem as suas particularidades culturais”. Conversando com Hall, mas dentro do contexto de nordestinidade, Borges (2007), continua ao dizer que…

“… as dificuldades de se delimitar uma cultura nordestina, que não é dada, advêm do fato de que esta demarcação, ao mesmo tempo em que expressa as diferenciações sociais e históricas da região, homogeneíza diferenças internas sob a marca do típico, com o risco de se cair numa abstração que mascare a multiplicidade de relações em que se situam as diversas práticas culturais, enquanto manifestações vivas e cheias de significados. (…) Melhor pensar, então, em as culturas da região Nordeste’’ (p. 76).

Porém, ao chegar em São Paulo, esses migrantes são transformados em uma só identidade, a do típico nordestino. Sobre essa construção de identidade nordestina a partir do contato com os paulistanos, Penna (1992, p.75), indica que “aquilo que é usualmente reconhecido como ‘tipicamente nordestino’, compondo estereótipo, relaciona-se com a representação do Nordeste gerada pelo discurso regionalista ou com a imagem criada pelo Sul/Sudeste”. Imagem essa, predominantemente negativa.

Paes (2009) conta que um dos termos generalizante e usado de forma negativa para designar migrantes vindos do Nordeste foi baiano, como “símbolos de mal gosto, má-educação e rusticidade”, em parte devido à grande quantidade de migrantes vindos da Bahia. O bairro São Miguel Paulista, reduto de nordestinos, por exemplo, antes de incluir o Paulista em seu nome em 1944, chamava-se São Miguel de Ururaí (devido aos índios) e durante um período foi cogitada a possibilidade de se chamar São Miguel Bahia, mas foi logo descartada pelas autoridades da época (PAIVA, 2013).

Albuquerque (1999), indica que houve, nesse contexto, um “regionalismo paulista” de forma a sustentar uma suposta superioridade ante os “outros nacionais”, considerando a composição europeia e branca, onde São Paulo era o berço de uma nação “civilizada, progressista e desenvolvimentista” (p. 45), ao contrário da imagem preconceituada dos nordestinos. Villa (2017) vai dizer, inclusive, numa visão ainda mais pessimista, que mesmo ao longo do tempo, mesmo com fim do fluxo migratório, ao passo que houve uma aceitação dos traços dos imigrantes (vindos de outro país) à paulistaneidade, “os nordestinos não tiveram a mesma sorte. O apagamento, ao longo do tempo, dos preconceitos — por mais paradoxal que seja — também levou ao desaparecimento da memória dos migrantes.

Vale ressaltar que, apesar de Villa falar em apagamento dos preconceitos com o passar do tempo, ainda hoje temos manifestações preconceituosas e discursos de superioridade. Dados de 2015 do DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo) indicaram que o preconceito contra nordestinos foi o segundo maior motivo de abertura de inquéritos por crime de cunho racial e xenófobo naquele ano (UOL, 2016).

Um levantamento mais atual, da antropóloga e programadora Adriana Dias, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), indica que há um tuíte de ódio contra nordestinos a cada 20 segundos; com destaque para a região Sudeste, onde os principais alvos são negros, nordestinos e homossexuais (Buzz Feed, 2019).

Outro exemplo, em 2014, durante as eleições presidenciais, com a vitória da candidata petista Dilma Rousseff, as redes sociais foram palco de diversas manifestações contra os nordestinos (Zero Hora, 2014), que se davam principalmente dentro da ideia de que o Sudeste queria o avanço, enquanto o Nordeste era o atraso do país.

Redes de sociabilidade

Não apenas, mas também por conta do preconceito enfrentado, os nordestinos formavam e firmavam sua presença no espaço urbano de São Paulo através da sua cultura (ou culturas). Paes (2009), diz que a presença dos nordestinos em São Paulo trouxe um diversidade cultural que “passou a ser formatada e recombinada passou a ser formatada e recombinada dentro da cidade de São Paulo, às vezes afirmando os discursos de Nordestes, que já se faziam desde a década de vinte, e às vezes os transformando”. Nesse sentido, Villa (2017 p. 29) “a chegada dos nordestinos serviu também para ‘abrasileirar’ São Paulo, alterando profundamente a origem étnica da população”, que era influenciada, em grande medida, pela imigração.

Se havia uma certa oposição ao nordestino em prol de uma certa paulistaneidade, por outro lado, a presença nordestina deixou as marcas das suas culturas na cidade através dos locais criados especialmente para a vivência cultural entre eles.

“O migrante busca o vínculo como as suas raízes através da música, da culinária e outros elementos da sua cultura. Os seus costumes entrelaçam-se no urbano criando áreas da cidade com concentração de nordestinos, lojas com produtos típicos, salões de baile e/ou espaços de vivência cultural nordestina” (BORGES, 2007, p. 49).

Pode-se citar alguns locais de sociabilidade como as Casas do Norte, presentes até hoje na região do Brás, tomando praticamente duas quadras. Além do Largo Treze, em Santo Amaro, que é outro núcleo de comércio de Casas do Norte; e nos pequenos centros comerciais de bairros periféricos.

Outro local nascido desse período da migração, são as casas do forró, onde se tinha o forró pé-de-serra (dito forró raiz). A primeira se dá no Brás, com Pedro Sertanejo, e até hoje também se faz presente; seja na forma de restaurantes ou pistas de dança. Podemos incluir, também, o Centro de Tradições Nordestinas (CTN), que é o maior centro cultural voltado para essa comunidade (religião, gastronomia, músicas, artesanato).

O cenário da migração também gerou organizações de representatividade como a UCRAN — União dos Cordelista, Repentista e Apologistas do Nordeste, liderado pelo repentista Sebastião Marinho, e localizada em sua casa até hoje na região da Liberdade.

Se esses locais nasceram da necessidade de sociabilidade com o igual, ou como resistência ao preconceito, ou enfrentamento da saudade, atualmente eles não são mais exclusivos para nordestinos, mas estão agregados ao cotidiano paulistano. As casas do norte possuem uma clientela diversa, as casas de forró e CTN também. Inclusive gerando variações como o cuscuz paulista e o forró eletrônico. Hall (2003), ao falar a respeito da questão dos migrantes que deixaram sua terra natal para sempre, comenta essa capacidade de tradução, ou negociação cultural, que geram novas
expressões culturais.

“Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias ‘casas’” (HALL, 2003, p. 88).

Nesse sentido não podemos tão somente falar de nordestinidade versus paulistaneidade, mas de um cenário onde uma identidade se conecta a outra, num processo que começou no passado, mas que não se finda. Muitos paulistanos de hoje são filhos ou netos de nordestinos, e perpassam traços culturais (ou suas traduções) de geração para geração.

Bibliografia

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A Invenção do Nordeste e outras artes. 1ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 1999.
AZEVEDO, Guilherme. Negros e nordestinos são principais vítimas de discriminação em SP. UOL, São Paulo, 24 fev. 2016. Disponível aqui. Acesso em: 24 mar. 2017.
BORGES, Selma Santos. O nordestino em São Paulo: desconstrução e reconstrução de uma identidade. 2007. Dissertação (Mestrado em História Social) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
BLINK, Dominique et al. Encontros nordestinos: a presença nordestina em São Paulo. TCC — Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2017.
BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. Tradução: Leila Souza Mendes, 1ª edição. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.
FARAH, Tatiana. O Twitter tem 1 post de ódio a cada 8 segundos em português. BuzzFeed. São Paulo, 19 nov. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 05 dez. 2019.
FONTES, Paulo. Um Nordeste em São Paulo. Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945–1966). 1º edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 7ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
MARIANO, Nilson. A origem do ódio contra os nordestinos. Zero Hora, Rio Grande do Sul, 27 out. 2014. Disponível aqui. Acesso em: 13 mar. 2017.
PAIVA, Odair da Cruz. Histórias da (I)migração. Imigrantes e Migrantes em São Paulo entre o final do século XIX e o início do século XXI. 1º edição. São Paulo: Arquivo Público do Estado, 2013.
PAES, Jurema Mascarenhas. São Paulo em noite de festa: Experiências culturais dos migrantes nordestinos (1940–1990). 2009. Tese (Doutorado em História Social) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
PENNA, Maura. O que faz ser nordestino: identidades sociais, interesses e o “escândalo” Erundina. 1ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 1992.
VILLA, Marco Antonio. Quando vim-me embora: história da migração nordestina para São Paulo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Leya, 2017.

Quais foram as principais causas que levaram muitos nordestinos a migrarem principalmente para as regiões Sudeste e Centro

A estagnação econômica, as constantes secas, em contraste com a prosperidade econômica de outras regiões do Brasil, foram fatores determinantes no início do processo migratório nordestino.

Qual a principal causa da saída de muitos nordestinos para região Sudeste?

O deslocamento agora se justifica pela procura de trabalho e renda. Comparando dados de escolaridade e renda, o levantamento mostra que o migrante nordestino tem escolaridade cada vez maior e renda mais elevada.

O que atraiu os nordestinos para o Sudeste na década de 1950?

Posteriormente, esclareça que a região Sudeste alcançou rápida industrialização durante a década de 1950, fato que atraiu pessoas de várias partes do Brasil em busca de emprego, em especial do Nordeste. Durante os anos seguintes, cidades do Sudeste passaram a ter imigrantes de praticamente todos os estados nordestinos.

Quais as razões que levaram milhões de brasileiros migrarem do Nordeste para o Sudeste e Centro

As políticas públicas para a ocupação do oeste brasileiro foram determinantes para esse redirecionamento dos fluxos migratórios no Brasil. A construção de Brasília, os investimentos em infraestrutura, novas fronteiras agrícolas, entre outros fatores, contribuíram para essa nova distribuição.