Qual a importância dos saberes indígenas para a sociedade científica

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    A sustentabilidade e conservação da biodiversidade da região amazônica dependem da soma do conhecimento científico e aos saberes tradicionais

    • Publicado: Sexta, 13 de Novembro de 2020, 19h27
    • Última atualização em Sexta, 13 de Novembro de 2020, 19h30

    Qual a importância dos saberes indígenas para a sociedade científica

    “Ciência e saberes tradicionais em prol da preservação e conservação dos bens da natureza na Amazônia” foi o tema da segunda mesa-redonda realizada na tarde de quarta-feira, 11 de novembro, às 16h 30 min, por meio de live transmitida pelo canal do youtube do Instituto Federal do Pará (IFPA), durante o segundo dia do Seminário de Iniciação, Científica Tecnológica e Inovação (Sicti) realizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PROPPG). Com mediação do professor Dr. Romier da Paixão Sousa, a mesa contou com a participação de representante do Museu Emíli Goeldi, a Profa. Dra. Ima Célia Guimarães Vieira, professora de Agroecologia no Instituto Federal do Acre (IFAC) Joana de Oliveira Dias, a servidora da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMAS) Cláudia Maria Carneiro Kahwage e a líder indígena acreana Edina Shanenawa.

    Professora Ima Célia iniciou o diálogo afirmando que é comum pensar na Amazônia sem reconhecer ou lembrar do papel desempenhado pelas populações locais na conservação da biodiversidade, no manejo e produção de diversos alimentos que consumimos e comercializamos. “O manejo feito pelas populações tradicionais e indígenas está associado à domesticação de plantas e animais, diversificação dos ecossistemas, uma intensa troca de informações e saberes ao longo das gerações que contribuíram para a preservação da biodiversidade ao longo de séculos. Pesquisadores descobriram que 85% das espécies da região foram domesticadas por esta população e 20% delas predominam na floresta Amazônica. A área de transição entre a Amazônia e o Cerrado é uma região chave para o cultivo de diversas plantas como, por exemplo, o amendoim, a pimenta, o tabaco, o guaraná, a castanheira, o açaí, o cacau, o urucum, a mandioca cultivada, a cuia e várias outras espécies bases do comércio e extrativismo praticado até os dias atuais”.

    Buscando a melhor compreensão, Ima Célia fez um resgate histórico citando estudos antropológicos e dados etnográficos que comprovam que os povos tradicionais foram e são essenciais para diversificação dos ecossistemas e economia regional. “Hoje, com 20% desmatados, temos um outro modelo de ocupação, marcado pela pata do boi, a soja, na mudança de cobertura de floresta por pastagens e grandes cultivos, como, por exemplo, capins como o braquiarão e o colonhão que não são nativos da região, assim como a soja e o boi não são daqui”, explicou.

    Diante dos grandes interesses geopolíticos atuante na região, ela afirmou que a floresta em pé depende do entendimento da história da região e da participação das populações tradicionais na domesticação de espécies, no extrativismo e na conservação da floresta. “Qual é a situação hoje? Os territórios indígenas, quilombolas, reserva extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável, as unidades de conservação são resultantes de luta para implantar um modelo socioambiental, mas que está ameaçado hoje pelo modelo desenvolvimentista, baseado na bioeconomia altamente tecnificada que está chegando à região tanto por meio de empresários, como por cientistas que vêm de fora e trazem esta vertente da economia”, denunciou.

    Com base em pesquisas do professor de Francisco de Assis Costa, Ima Célia destacou que o conhecimento e a economia dos camponeses caboclos continuam sendo fundamentais para o desenvolvimento da economia atual na região como, por exemplo, a do açaí, óleos essenciais, medicamentos, castanhas e vários outros produtos. Para ela, qualquer abordagem de economia para a Amazônia tem que destacar o papel e a proteção dos povos indígenas e das comunidades tradicionais associadas à biodiversidade. “As estratégias de tecnologia, de ciências, acesso ao patrimônio biogenético são necessárias para que você também conserve e dê escala a produção destes produtos para ofertar uma vida digna a estas populações, para que vivam em um mercado justo, com ampliação de mercado, com garantia de território. Fico preocupada com as questões dos saberes tradicionais e os direitos. Um exemplo que nos preocupa é o aumento do cultivo de açaí para atender à crescente demanda do mercado, mas que vem colocando em risco a biodiversidade e equilíbrio das áreas de várzeas. Tudo isso pode trazer problemas para a população que vive do açaí”, explicou.

    A bióloga e antropóloga da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) Cláudia Maria, que atua junto a comunidades indígenas informou que o zoneamento participativo é construído por indígenas com o auxílio de pesquisadores e acadêmicos para definir os usos e destinos dessas terras. Esta política permite à comunidade indígena conhecer, planejar, usar, proteger e acompanhar a biodiversidade e as potencialidades existente nas áreas que habitam. Apontou a importância destes territórios para a conservação da biodiversidade, apontou os impactos do desmatamento sobre estes territórios, falou sobre a política de gestão ambiental e territorial das terras indígenas. Alguns mapas feitos pela Semas foram apresentados demonstrando que as terras indígenas no Estado do Pará equivalem a um quarto do seu território, áreas em que predominam as florestas mais densas e primárias existentes. Abordou temas como a agrobiodiversidade e a macrobiodiversidade.

    “As terras indígenas e as outras áreas protegidas servem de escudo de contenção, barreiras, contra a queimada e o corte da floresta no “arco do desmatamento”, respondem a 30 % da biodiversidade do Estado e por isso são áreas muito cobiçadas. Os povos tradicionais e indígenas são reconhecidos pela academia e cientistas como os maiores conservadores das variedades de cultivo agrícolas nativos do país, mantém e desenvolvem o patrimônio genético agrícola e alimentar nativo do Brasil ao longo das gerações. As terras pretas, as terras indígenas, como as existentes em Medicilândia é um patrimônio ancestral indígena deixada para nós”, explicou Cláudia Maria.

    Durante sua fala, apresentou imagens de satélite de alguns territórios indígenas paraenses que vêm sofrendo pressão do desmatamento, garimpo, incêndios e projetos de ocupação do solo. Diversos mapas foram apresentados revelando o crescimento do desmatamento em 2020. Como impactos socioambientais do desmatamento nas terras indígenas, apontou a diminuição da caça, pesca, coleta de madeira para cozinhar alimento, redução dos polinizadores para a agricultura e espécies florestais alimentares; que a diminuição do alimento tradicional leva os indígenas a consumir alimentos que não fazem parte de sua dieta tradicional, geralmente industrializado; mudanças no clima que abalam a produção agrícola e da floresta; influências culturais alimentares para as aldeias indígenas que passam a consumir refrigerantes, leite e carne de gado, bolachas e diversos outros produtos industrializados; os novos hábitos alimentares e degradação cultura que acarreta muitas doenças como diabetes, hipertensão, câncer, derrames, por exemplo.

    Cláudia Maria explanou sobre a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) criada pelo decreto Nº 7.747 de 5 de julho de 2012 que é constituída de sete pontos: a proteção territorial e dos recursos naturais; governança e participação indígena; áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas;  prevenção e recuperação de danos ambientais; uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas; propriedade intelectual e patrimônio genético; capacitação, formação, intercâmbio e educação.

    A PNGATI é uma política que busca promover e assegurar a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas; assegurar condições de reprodução física e cultural dos povos indígenas e a integridade de seu patrimônio. Assegura a participação das comunidades indígenas nos processos de gestão de seus territórios; recuperação ambiental e manutenção dos ecossistemas nos biomas das terras indígenas; promoção de parcerias com os governos estaduais, distrital e municipais para compatibilizar políticas públicas regionais e locais. Para tanto, numa perspectiva participativa, conta com o etnomapeamento, um mapa feito pelos povoa indígenas; diagnóstico etnoambiental, um estudo da terra feito com a participação dos indígenas; e o etnozoneamento que possibilita criar as zonas e regras de uso dos recursos para serem respeitadas pelos indígenas e pelos não indígenas. Instrumentos que são construídos com base em um estudo detalhado sobre a história de cada povo, suas manifestações culturais, fauna e flora, socioeconomia, unindo conhecimento tradicional com o conhecimento científico para que os indígenas se apropriem destas informações para que os próprios indígenas façam a gestão de seus territórios. Busca sistematizar o conhecimento dos indígenas para orientar sobre a preservação, conservação e gestão de seus territórios.

    Faz parte dessa política a conservação da língua como arcabouço de conhecimento tradicional. A língua é fundamental para a junção dos saberes tradicionais com os saberes científicos como estratégia para garantir o acesso deste conhecimento às próximas gerações. O exemplo apresentado foi o fato da língua tupi ter 16 estágios de sucessão da floresta, e os não indígenas só enxergam dois, a juquira e a capoeira. Apresentou alguns livros sobre o artesanato, a língua, gestão de seus territórios resultantes da ação conjunta de cientistas e indígenas. Quanto às obras, afirmou que é importante sistematizar este conhecimento para que sirva de ferramenta para a preservação ambiental. A manutenção das terras indígenas e a conservação da floresta dependem da articulação entre os conhecimentos científicos e os saberes tradicionais. O diagnóstico e zoneamento destes territórios fazem parte da política para tratar o território indígena.

    A líder indígena Edna Shanenawa falou da própria percepção sobre a importância dos povos originários enquanto guardiões de saberes ancestrais e da floresta, relatou a relação dos indígenas com a natureza e a necessidade de serem ouvidos, denunciou o preconceito que enfrentam e os reflexos do avanço das queimadas e do desmatamento sobre os seus territórios; defendeu a preservação da natureza para garantir o sustento de indígenas, ribeirinhos e das comunidades extrativista. “É muito importante estas reuniões em que nós indígenas podemos expressar nossas opiniões junto com nossos parceiros e defensores das causas indígenas. A floresta é nossa biblioteca e farmácia viva. Nós indígenas vivemos em diferentes lugares, temos diferentes costumes, necessidades e anseios, mas quando um índio tem problemas, todos sofremos. Temos a cultura de conversar com a mãe terra, com a mãe natureza, para que ela possa liberar o seu útero que é a terra fértil para o plantio e nossa segurança alimentar. A gente ouve falar que índio é preguiçoso, mas índio não é preguiçoso, índio é preservador da natureza. A gente ouve para que tanta terra para pouco índio? Eu faço minhas palavras ao contrário, somos poucos índios para salvar a humanidade que faz parte do território do mundo todo”.

    Joana de Oliveira Dias, professora de Agroecologia no Instituto Federal do Acre (IFAC), explicou que a sociedade costumou opor ciência e saberes tradicionais como se estivessem em lados opostos, o mesmo ocorre com em relação aos cientistas e os povos tradicionais. Frente a isso, ela propôs pensar em uma ciência antirracista, feita por sujeitos com peles de outras cores, sem informantes privilegiados e sem opor ciência e ancestralidade. “A Amazônia singular só pode ser pensada por quem vê de fora, quem mora aqui sabe que a Amazônia só pode ser pensada no plural”.

    Fechando a mesa, os participantes afirmaram que a biodiversidade e sustentabilidade da Amazônia, a preservação de sua fauna e flora, a sistematização dos saberes das comunidades tradicionais e indígenas não pode ser tratada pelo prisma capitalista. Estes povos não precisam ser protegidos ou tutelados pela academia.

    Assista a mesa-redonda no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=8SHgMpwQ7W8

    Qual a importância dos saberes indígenas?

    A divulgação da cultura indígena pode sensibilizar a população para a importância de viver de forma sustentável e, assim, utilizar práticas conservacionistas e transmitir para as futuras gerações o conhecimento adquirido por esses povos. A valorização da cultura indígena é um dever de todos os países do mundo.

    Qual a contribuição indígena para a ciência?

    Os conhecimentos culinários dos povos indígenas estão presentes na vida dos brasileiros. Outro legado dos povos indígenas são os seus milenares conhecimentos medicinais. Alguns estudiosos estimam que os índios do Brasil já chegaram a dominar uma cifra de mais de 200.000 espécies de plantas medicinais.

    Qual a relação dos povos indígenas com a ciência e a tecnologia?

    Eles aprenderam a filmar e a postar vídeos no Youtube e a usar as ferramentas de geolocalização na internet para fiscalizar o território. Agora, eles utilizam todo esse arsenal tecnológico para denunciar desmatamento, invasões e outros crimes ambientais.

    Qual a importância dos saberes tradicionais?

    Os saberes e modos de vida tradicionais são formas de resistência à lógica hegemônica, seus conhecimentos sobre a natureza (e egressos dela) nos ensinam formas sustentáveis de agir sobre o meio ambiente.