Qual é a importância da Constituição trazer previsões de direitos e deveres de defesa e proteção do meio ambiente?

Qual é a importância da Constituição trazer previsões de direitos e deveres de defesa e proteção do meio ambiente?


“A grande conquista da Constituição Federal, para qualquer brasileiro e especialmente para nós enquanto agentes dessa Constituição, foi ela ter trazido, de forma expressa, a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, o que situa o ser humano como o principal foco das relações sociojurídicas e socioambientais.”

A área ambiental já estava na pauta do legislativo brasileiro e era objeto de políticas públicas anteriormente à 1988, sendo o primeiro Código Florestal do país aprovado em 1934. No entanto, foi a partir da promulgação da chamada Constituição Cidadã que a proteção ao meio ambiente e as garantias relacionadas às condições de moradia e de desenvolvimento da cidade ganharam instrumentos constitucionais para sua defesa. O que seria consagrado constitucionalmente em 1988 começou a ser desenhado a partir de instrumentos legais como a Política Nacional do Meio Ambiente, e em 1985, com a aprovação da Lei da Ação Civil Pública. A nova Constituição Federal, ao instituir uma série de direitos e garantias até então inexistentes, também alterou profundamente o funcionamento do Estado e de suas organizações, entre elas o Ministério Público, que passou a agir em defesa do recém-instaurado regime democrático e como fiscal do cumprimento das previsões legais.

Nesta entrevista, o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, Alberto Vellozo Machado, membro da instituição desde 1990 e que já atuou como coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais, faz uma análise dessas mudanças relacionadas às áreas do meio ambiente e da habitação e urbanismo, assim como das transformações pelas quais passou a atuação institucional.

                         

Qual é a importância da Constituição trazer previsões de direitos e deveres de defesa e proteção do meio ambiente?
Procurador de Justiça, é coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo e membro da instituição desde 1990. Já atuou como coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais.

Quais os principais avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988 para as áreas da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente?

Em primeiro lugar, é preciso entender que a grande conquista da Constituição Federal, para qualquer brasileiro e especialmente para nós enquanto agentes dessa Constituição, foi ela ter trazido, de forma expressa, a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, o que situa o ser humano como o principal foco das relações sociojurídicas e socioambientais. No meio ambiente, para entendermos o que representou a atual Constituição Federal é importante lembrarmos que o primeiro Código Florestal Brasileiro é de 1934, sendo substituído em 1965 por outro que vigorou até 2012, quando foi aprovado o Código vigente até hoje. E em 1981, passou a valer a Política Nacional de Meio Ambiente, ainda em vigência e que, de certa forma, preparou o território para os temas ambientais da Carta de 1988. Portanto, desde o início do século XX, as questões preservacionistas e de manejo do meio ambiente estão presentes na legislação brasileira.

Além disso, o texto constitucional relaciona a pauta ambiental a outros direitos e garantias, o que foi um avanço muito importante. Por exemplo, ao falar da propriedade como um direito, ressalta-se que deve ser observada sua função social, o que a relaciona à questão ambiental. Ou seja, a necessidade de proteção ao meio ambiente está diretamente vinculada a muitos outros direitos também assegurados pela Constituição. E situando a questão ambiental na pauta constitucional, conseguimos que a área esteja também na pauta socioeconômica do país, de modo claro. A Constituição de 1988 traz então ferramentas muito importantes para a área que, posteriormente, foram detalhadas e regulamentadas em normas infraconstitucionais.

Ao declarar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, como está disposto no artigo 225, a Carta conduz a essa noção do direito coletivo, difuso, essencial à qualidade de vida, sendo esta fundamental à dignidade da pessoa humana. Impõe-se, assim, tanto ao poder público como à coletividade, o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

E para a área da Habitação e Urbanismo?

Nessa área a grande novidade da Constituição foi trazer um certo nível de detalhamento dos conceitos relacionados à política urbana, abrangendo as normas da boa convivência para que seja, novamente, garantido um dos principais fundamentos constitucionais: a dignidade da pessoa humana. E o que é ser digno? Ter moradia ou a possibilidade de pagar um aluguel com valor justo? Conseguir chegar por uma rota acessível aos serviços públicos ou privados essenciais? A acessibilidade é essencialmente urbana e, diante disso, como eu traço a política de desenvolvimento de uma cidade? Por um plano diretor, que foi definido constitucionalmente, por exemplo. Com isso, eu retiro a política urbana do nível antes inicialmente restrito ao direito administrativo e das relações civis e lanço-a na Constituição como um conceito de política de desenvolvimento para o bem-estar. E no nosso catálogo de direitos e deveres individuais, em que está garantido o direito à propriedade, que é um dos mais tradicionais, a Constituição é explícita ao tratar de sua função social, o que serve para colocá-lo a favor da sociedade e não somente do proprietário.

A Constituição então traz conceitos novos para o ordenamento do crescimento de uma cidade e o planejamento de seu desenvolvimento. É como se falasse aos gestores públicos, como prefeitos e vereadores, e também ao poder econômico: “não é possível fazer o que bem entenderem com a cidade, é preciso ter planejamento, não é possível alterar o perímetro urbano se não houver plano diretor”, entre outras coisas. E ordenar é ter claro, para todos os atores sociais, as delimitações de quais são os interesses e conflitos no desenvolvimento das atividades da cidade. E é o Estatuto da Cidade, instituído por lei em 2001, e que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição, que vai conferir esse nível de detalhamento, criando instrumentos que podem nortear o melhor desenvolvimento da Urbe.

O que mudou na atuação do Ministério Público nessas áreas a partir da CF de 1988?

O Ministério Público sempre teve o papel de fiscal da lei e, a partir de 1988, passou a ter a importante missão de ser o defensor da ordem jurídica. Legislações como os códigos florestais e as leis de recursos hídricos e de solo traziam conceitos esparsos que não estavam, normativamente falando, integrados em um mesmo corpo legislativo. A partir da promulgação de 1988, várias atuações do Ministério Público, que ocorriam de certa forma de maneira intuitiva, a partir da legislação existente, passaram a contar com previsões expressas da Constituição que consolidou a proteção ao meio ambiente como um direito humano.

Com a Constituição, a ação civil pública passa a ter ainda mais importância enquanto instrumento de proteção dos direitos da sociedade, e na área ambiental não é diferente. Nossas grandes ferramentas de atuação para a preservação do meio ambiente passam a ser o inquérito civil e a ação civil pública, por meio dos quais vamos investigar os fatos e ajuizar as ações, além, é claro do Termo de Ajustamento de Conduta.

Outro ponto é que, a partir disso, foi possível invocar as definições constitucionais para várias frentes de trabalho. Por exemplo, ao definirmos o que devem ser as Unidades de Conservação, passamos a fazer isso à luz da Constituição, não mais de legislações estaduais, ou de outras normas, o que muitas vezes gerava incertezas.

E a atuação na área da habitação e urbanismo, sofreu quais alterações?

As previsões constitucionais nessa área também enriqueceram e fortaleceram a atuação institucional, fornecendo os indicativos que necessitávamos. Os artigos 182 e 183 da Constituição, que tratam da política urbana, embora sejam curtos, trazem os conceitos fundamentais com os quais trabalhamos, como o do plano diretor como um instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, a função social da propriedade, entre outros. E o Ministério Público molda sua atuação a partir desses elementos. Por exemplo, ao definir que os municípios com mais de 20 mil habitantes devem ter, obrigatoriamente, um plano diretor que deve ser aprovado pelo Legislativo local, isso garante ao promotor de Justiça as condições e subsídios jurídicos necessários para a cobrança do cumprimento de tais normativas pelos gestores públicos que ficam vinculados a um planejamento de longo prazo, prevenindo a solução de continuidade que historicamente ocorria de gestão à gestão.

Além disso, essas questões estarem expressas constitucionalmente não é acidental, elas estão lá porque, ao redigir a Constituição em 1988 o legislador fez uma leitura sociopolítica e geográfica do Brasil e nos fez ver que a equação rural-urbana inverteu-se ao longo da segunda metade do século XX e hoje pode-se afirmar que somos predominantemente uma população urbana (84%). Nessa direção, confia ao Ministério Público uma grande responsabilidade de atuar frente as demandas e conflitos existentes possíveis nesse contexto.

Em que ainda é preciso avançar para a garantia de direitos nesses setores, passados 30 anos de promulgação da CF?

Existe um importante movimento contemporâneo de ampliar o conceito de meio ambiente à ideia de preservação da vida como um todo. Com isso, muda-se o sujeito, alterando a ideia do meio ambiente enquanto objeto na relação com a sociedade para uma concepção de que ele é tão sujeito de direitos e de proteção como nós, seres humanos.

Ainda existe a necessidade de que a sociedade amadureça, que seja mais proativa na defesa do meio ambiente e esse é um compromisso de todos. Pensando no setor empresarial, que causa grande impacto no meio ambiente, no uso dos recursos naturais, é preciso haver um maior compromisso com a preservação do meio ambiente, o que chamamos de uso racional e sustentável, preservacionista e restaurador.

De maneira mais ampla, acredito que ainda precisamos compreender a escala dos impactos ao meio ambiente e os prejuízos e benefícios que nós, sociedade, temos com isso, nos convencer que esta é uma batalha justa.

E os avanços quanto à política habitacional?

Se pensarmos que o Brasil conta hoje com 84% de sua população vivendo em áreas predominantemente urbanas, e os problemas que as cidades possuem, percebemos que são muitos os desafios que ainda temos. Além disso, considerando a realidade brasileira, são muitas as situações que representam um conflito fundiário potencial. Muitas pessoas não têm onde produzir, muitas outras não têm onde morar, e essas são realidades que levam grande parcela da população a estar ameaçada por falta de garantia deste direito fundamental. Destaque-se que houve emenda constitucional (PEC 2000) que fez constar como direito fundamental social a moradia e, a partir disto, tornou-se dever dos gestores entabularem política pública neste sentido. Não se ignore que, também ao Ministério Público, este direito conferiu um dever de agir em sua proteção.

Hoje não falamos mais em direito urbanístico, por exemplo, e sim em direito à cidade. E quando falo em direito à cidade, penso no todo territorial e social desse espaço, no bem-estar necessário que a própria Constituição indica. De 1988 para cá, novas demandas da população foram surgindo nessa área e é importante termos essa percepção para atuarmos também frente a essas novas demandas, conseguindo trabalhar mais com planejamento da política pública do que por demandas individuais.

Quais os principais desafios a serem enfrentados hoje na área?

Na proteção ao meio ambiente, promover a educação ambiental, por exemplo, é uma supernovidade que, apesar de estar em nível constitucional, ainda é muito incipiente como política pública. Mesmo já constando na Política Nacional do Meio Ambiente desde 1981, a educação ambiental somente torna-se normativa em 2010, quando passamos a contar com uma lei que disciplina essa modalidade da educação no sistema público de ensino, devendo ser incorporada transversalmente nas disciplinas nas escolas. E educação ambiental deve estar no currículo de todo o sistema escolar e fazer parte da rotina dos professores, trazendo questões práticas sobre a realidade dos estudantes.

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Qual é a importância da Constituição trazer previsões de direitos e deveres de defesa e proteção do meio ambiente FGV?

A importância da previsão constitucional da proteção ambiental é extrema, sobretudo porque as normas ambientais estabelecidas pelo Poder Constituinte trazem forte viés principiológico.

Qual a importância da Constituição estabelecer regras gerais acerca da proteção do meio ambiente?

No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do artigo 225 da Constituição Federal impõe a conclusão de que o Direito Ambiental é um dos direitos humanos fundamentais. Assim o é por ser o meio ambiente considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Qual é a importância da Constituição de 1988 para o meio ambiente?

O constituinte de 1988 teve o mérito de conferir status constitucional à proteção do meio ambiente. Trata-se de um processo de confluência, pelo qual mais de um terço dos Estados do planeta alteraram suas respec- tivas constituições, incorporando valores ambientais.

Como a Constituição protege o meio ambiente?

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.