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A disciplina de Libras no Ensino superior e seus impactos na vis�o dos licenciandos em rela��o � surdez e � Libras Resumo Os resultados de pesquisa apresentados neste artigo estão vinculados ao projeto de pesquisa Libras e Ensino, que tem por finalidade comparar a oferta da disciplina de Libras em licenciaturas de duas instituições públicas. A etapa que aqui se apresenta tem por objetivo discutir o impacto da disciplina de Libras nas crenças iniciais dos licenciandos no que diz respeito aos conceitos de Surdez e da Língua de Sinais, a partir de questionários aplicados ao final da disciplina, no ano de 2016, nas duas instituições. A partir da análise das respostas coletadas, foi possível perceber mudanças na percepção dos licenciandos tanto em relação a características estereotipadas e depreciativas em relação à surdez como no que concerne ao estatuto das línguas de sinais como línguas naturais. 1. Introdução Este artigo traz resultados do projeto de pesquisa Libras e Ensino, Etapas UDESC e UEMS, discutindo alguns impactos da disciplina de Libras nos cursos de licenciatura dessas universidades. Para tanto, buscou-se analisar as respostas dadas pelos licenciandos a uma das perguntas que compõem um questionário entregue ao final da disciplina durante o ano de 2016. Ao todo, o questionário foi aplicado em 11 turmas das duas universidades, em um total de 84 respondentes na UDESC e 67 respondentes na UEMS, totalizando 151 respondentes. O questionário era composto de 5 perguntas. Neste artigo analisamos as respostas à seguinte pergunta: Quais conceitos foram desconstruídos sobre os surdos e a língua de sinais durante sua formação? O que você acreditava que era verdade, e que foi modificado após a disciplina de Libras? Para realizar tal análise, revisitamos diversos estudos acerca da surdez e da Libras, conforme segue. Muitos pesquisadores da área da surdez já escreveram a respeito da história da educação de surdos, tais como Strobel (2008); Lane (1992); Skliar (1998). Através desses trabalhos é possível perceber que as pessoas surdas, durante milhares de anos, foram representadas pelos olhares dos não surdos como inferiores, incapazes, isolados, desprovidas da capacidade de pensamento, em que “a surdez representa a falta e não a presença de algo” (LANE, 1992, p. 23). Sacks (1998) afirma que, antes de 1750, a situação da grande maioria das pessoas natissurdas era uma calamidade: não desenvolviam a fala e consequentemente ficavam limitadas à comunicação, inclusive com os familiares e dispunham do auxílio de gestos rudimentares, sendo isolados “até mesmo da comunidade de pessoas com problemas, privados de alfabetização e instrução, [...] forçados a fazer os trabalhos mais desprezíveis, [...]considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais que imbecis” (SACKS, 1998, p.27). Segundo Sacks (1998), a realidade das pessoas surdas começou a mudar a partir do encontro do abade Charles-Michel de l'Épée com a língua de sinais utilizada por surdos pobres que viviam nas ruas de Paris. Para o religioso, o acesso aos surdos e, consequentemente, a possibilidade desses terem acesso à Palavra de Deus era possível através da língua de sinais, que era vista por ele enquanto mímica e universal (SACKS, 1998, p.30). Cabe ressaltar que, na Idade Média, as pessoas surdas eram proibidas de receber comunhão, uma vez que os religiosos acreditavam que era impossível aos surdos confessarem seus pecados. L´Epée, em 1755, fundou a primeira escola gratuita para surdos, denominada Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, hoje Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris. O trabalho do abade foi de grande importância para a comunidade surda, que, apesar de não entender que a língua dos sinais era de fato uma língua, foi o pioneiro a entender a importância da mesma no processo de educação dos seus alunos. O método utilizado pelo religioso era denominado sistema de “sinais metódicos”, que consistia em utilizar os sinais que aprendeu com os surdos, associado à gramática da língua francesa. Além do pioneirismo em educar as pessoas surdas utilizando a língua de sinais, L´Epée treinou vários professores surdos. É sabido que até o momento da morte do religioso, em 1789, vinte e uma escolas para surdos foram criadas pelos professores formados em toda a Europa (SACKS, 1998, p. 31). Já em meados do século XIX, os educadores de surdos perceberam que a tentativa de “dialetizar” a linguagem gestual estava condenada ao fracasso (LANE, 1992, p. 108). Muitas escolas de surdos nos Estados Unidos e na França estavam adotando a língua oral majoritária e abandoando a língua minoritária, a língua de sinais, no processo educacional dos estudantes surdos. Como parte desse cenário de substituição da língua de sinais pela língua oral, vários professores de surdos reuniram-se em Milão, na Itália, em 1880, para deliberarem a respeito do melhor método para ensinar as pessoas surdas. Os 164 delegados presentes, à exceção dos americanos, votaram a favor do abandono da língua de sinais e adoção da língua oral para a educação das pessoas surdas. Calvet (2002, p. 12) afirma que “a história de uma língua é a história dos seus falantes”. Neste sentido, até o final da década de 1960, a língua de sinais e as pessoas surdas eram vistas de forma desprestigiada. Foi a partir dos estudos do americano Willian Stokoe que esse quadro começou a mudar. Stokoe, ao pesquisar a ASL (Língua de Sinais Americana), concluiu que essa língua satisfazia os critérios linguísticos de uma língua de verdade. Sacks (1998) comenta que de início os estudos de Stokoe foram percebidos como loucura pelos estudiosos da época, porém, anos mais tarde, esses estudos foram acolhidos e uma “dupla revolução” estava acontecendo: “uma revolução científica, atentando para a língua de sinais e seus substratos cognitivos neurais, e como ninguém jamais pensara antes em fazer, e uma revolução cultural e política” (SACKS, 1998, p. 90). É a partir desse reconhecimento linguístico que a comunidade surda procura o reconhecimento cultural e político: sujeitos pertencentes a um grupo linguístico minoritário. Lane (1992) afirma que “a educação é o campo de batalha onde as minorias linguísticas ganham ou perdem seus direitos” (LANE, 1992, p. 103) e, na atualidade brasileira, a luta por uma educação bilíngue, que considere as especificidades culturais dos surdos e que dê o direito a esses sujeitos de aprenderam a língua de sinais como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua, é a maior bandeira das comunidades surdas organizadas. No Brasil, o primeiro passo dado na direção da educação bilíngue foi o reconhecimento da Libras (Língua Brasileira de Sinais) através da Lei federal 10.436/02 que no Artigo primeiro afirma: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual- motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil(BRASIL, 2002). Em 2005, a referida Lei foi regulamentada através do Decreto 5626/05, que dispõe, entre outros, a respeito da formação de professores para o ensino da língua de sinais, da formação de tradutores e intérpretes de língua de sinais, do acesso à língua portuguesa e à língua de sinais, e da inclusão da disciplina de Libras de forma obrigatória nos cursos de licenciatura e fonoaudiologia e de forma optativa nos demais cursos do ensino superior. Um dos grandes dilemas que a educação bilíngue para surdos enfrenta é a forma como ela pode ser implementada, uma vez que a política oficial adotada pelo MEC é a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação inclusiva, que busca adotar formas de evitar a exclusão escolar, incluindo todos os alunos na escola regular. Nesse sentido, observa-se que, mesmo com todas as discussões a respeito das pessoas surdas enquanto comunidade linguística, para o Estado, a Educação Especial ainda tem a responsabilidade de gerir o processo educacional das pessoas surdas (LODI, 2013, p. 53). Esse dilema está ainda longe de ser resolvido; entretanto, existe um consenso: a necessidade da formação de professores que atendam esse alunado. Este artigo se propõe a este objetivo: analisar a importância da disciplina de Libras nos cursos de licenciatura, no sentido de levar os alunos a repensar os conceitos de surdez e de língua de sinais, buscando diminuir estereótipos construídos. Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de levantamento de dados a partir da aplicação e análise de questionários, com perguntas abertas e fechadas. Neste artigo, analisa-se uma das questões a partir de referencial teórico que trata de representações em torno da surdez e das línguas de sinais. 2. Representações em torno da surdez Historicamente, como vimos, as pessoas surdas foram narradas pelas pessoas não surdas sob vários espectros. Lane (1992, p. 33), de uma forma geral, entende que existem duas formas de se representar a surdez: a partir de um modelo de enfermidade (surdez enquanto deficiência física) e a partir de uma modelo cultural (surdez enquanto cultura). A surdez no modelo da enfermidade é percebida como a “falta de som”, precisando ser medicalizada para que as pessoas surdas “alcancem” o ideal da comunidade majoritária: ouvir. Essa perspectiva é adotada principalmente pela classe médica, primeira a dar o diagnóstico para os pais de surdos, que em 95% dos casos são ouvintes. Esses profissionais, muitas vezes, alertam que a aquisição da língua de sinais atrapalha o processo do “ensino” da língua oral para os surdos. A esse respeito Claudio et al. (2016) aponta: Os sujeitos surdos, nesta perspectiva [visão clínico-terapêutica] são posicionados em desvantagem, se comparado à maioria da população ouvinte, pois há uma busca pela normalização do surdo, percebido como alguém que ao receber o Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) ou Implante Coclear poderá ouvir, e só a partir disso integrar-se a sociedade ouvinte” (CLAUDIO, GUARINELLO ; SHELP, 2016, p. 31). Já a surdez como modelo cultural, ao contrário da perspectiva anterior, é percebida enquanto experiência visual, num modo de se organizar em comunidade que compartilha língua, cultura e história. Nessa forma de organização, a adesão de um membro a esse grupo não está atrelada a laudos médicos, mas pela materialização da cultura e língua de sinais na vida do sujeito surdo (LANE, 1992, p.34). Lane (1992), na sua discussão em relação às representações da surdez pelas pessoas ouvintes especialistas na área, investigou publicações a respeito de avaliações psicológicas aplicadas em crianças e adultos surdos, e identificou características conforme mostradas no quadro 1 abaixo:
Fonte: LANE (1992, p. 47) Através do quadro, acima, é possível perceber que várias características depreciativas foram atribuídas às pessoas surdas. A essa relação interacional entre os atributos e estereótipos, Goffman (1980) denomina estigma. Para o autor: O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso (GOFFMAN, 1980, p.13). Para o autor, a sociedade categoriza as pessoas e os atributos que lhe são comuns, e a partir dessa categorização determina o que é natural e normal. O autor afirma ainda que, ao conhecermos um estranho, de primeiro prevemos sua “identidade social”, formada através das preconcepções que temos a respeito desse sujeito, e que dizemos como ele deveria ser. Entretanto, as categorias e atributos que o indivíduo realmente tem são denominados pelo autor como “identidade social real”. Nessa perspectiva, podemos entender que o estigma está presente nas relações sociais, geradas pela desconexão entre a identidade social e a identidade social real. Passados vinte e cinco anos dos estudos feitos por Lane (1992), catalogando as diversas representações atribuídas às pessoas surdas e após tantas conquistas, ainda paira a dúvida: “seria possível que nos dias atuais as pessoas surdas ainda carreguem estigmas inerentes a sua condição?”. Essa é a questão que este artigo quer analisar, tomando como entrevistados alunos dos cursos de licenciatura, matriculados em duas universidades públicas estaduais. 3. Língua de sinais e seu estatuto linguístico Conforme já mencionado acima, existe uma relação entre a história dos falantes com a história das suas línguas (CALVET, 2002). Sendo assim, é pertinente que neste trabalho apresentemos também a forma como a língua de sinais vem se constituindo como língua e a forma que os não usuários dessa língua a percebem. Apesar de os estudos de Stokoe, na década de 1960, demonstrarem que as línguas de sinais preenchiam todos os requisitos que a linguística exige das línguas orais, ainda há um grande desconhecimento e estranhamento das pessoas ouvintes a respeito dessa língua de modalidade gestual- visual. A respeito desse estranhamento Sacks (1998) aborda: [...] Nossa extraordinária dificuldade até mesmo para imaginar uma gramática espacial, uma sintaxe espacial, uma língua espacial – imaginar um uso linguístico no espaço – pode originar-se do fato de que “nós” (os ouvintes, que não nos comunicamos por sinais), não dispondo de nenhuma experiência pessoal de “gramaticar” o espaço ( e não possuindo, de fato, nenhum substrato cerebral pra tal), somos fisiologicamente incapazes de imaginar como seria isso (assim como não conseguimos imaginar como seria ter um rabo ou enxergar em infravermelho) (SACKS, 1998, p.88). Quadros e Karnopp (2004) afirmam que os estudos linguísticos a respeito das línguas de sinais contribuem para desmistificar conceitos errôneos sobre elas, tais como: a incapacidade da língua de sinais expressar conceitos abstratos; as línguas de sinais são iguais em todos os países; as línguas de sinais, no que diz respeito à estrutura gramatical são subordinadas as línguas orais e as línguas de sinais são superficiais linguisticamente inferiores às línguas orais. Gesser (2009), em seu livro denominado “Libras, que língua é essa?”, se propõe, de forma pedagógica, a elucidar as diversas crenças e preconceitos atribuídos à língua de sinais. A autora explica aos seus leitores que a língua de sinais não é universal, não é artificial, que não é uma mímica, que possui uma gramática, que é capaz de expressar conceitos abstratos, entre outros. O que nos chama a atenção é que as duas publicações apresentadas, em pleno século XXI, ainda se prestam a desmistificar a língua de sinais, como que na tentativa de ainda provar que elas são uma língua de verdade, pois segundo a autora “ [...] nas ondas das boas novas também se infiltram as velhas práticas e os velhos discursos” (GESSER, 2009, p. 79). 4. Os dados encontrados As disciplinas de Libras ministradas pelas professoras autoras nas duas universidades possuem cargas horárias que variam entre 34, 36, 54 e 68 e horas, e a dificuldade em oferecer uma formação que contemple todas as especificidades de professores que atuarão com alunos surdos já foram problematizadas e suas limitações apresentadas e publicadas, conforme Rech e Sell (2016). Assim, passamos a uma nova etapa: questionar se, para além das limitações já apresentadas, seria possível encontrar contribuições significativas, que cooperassem para que possíveis estereótipos construídos socialmente pudessem ser diminuídos ou realmente descontruídos. Para tal, ao final de cada disciplina, os alunos recebiam um questionário, composto por cinco questões. Neste artigo, analisamos a seguinte questão: Quais conceitos foram desconstruídos sobre os surdos e a língua de sinais durante sua formação? O que você acreditava que era verdade, e que foi modificado após a disciplina de Libras? Pudemos perceber que alguns conceitos apareceram com maior frequência nas respostas. Sendo assim, optamos por fazer uma análise qualitativa, elencando oito conceitos desconstruídos durante a disciplina que obtiveram maior frequência nas respostas, quais sejam: Todo surdo é mudo, Libras é universal, Surdo é incapaz, Limitação da Língua de Sinais, Sujeito inferior/subalterno, Normalização do Surdo, Surdez como doença/deficiência, Leitura Labial. Há três pontos na análise que precisam ser observados. O primeiro é que em uma mesma resposta foi possível encontrar mais de um conceito desconstruído. Em segundo lugar, além dos oito conceitos que elencamos aqui, outros conceitos desconstruídos aparecem nas respostas, mas com menor frequência e possivelmente ligados à ênfase que cada professora atribuiu aos assuntos em suas aulas 3. Por fim, enquanto fazíamos a análise dos dados encontrados, percebemos a importância não somente de classificar os principais conceitos desconstruídos, mas também de registrar os termos utilizados pelos licenciandos, pois suas respostas podem dizer muito sobre as representações que tinham em relação ao surdo e à Libras não só para esse estudo, mas para futuras pesquisas. Por isso, dispomos a seguir os oito conceitos descontruídos que mais aparecerem nas respostas, bem como os termos utilizados pelos estudantes para cada um dos conceitos. Nesse sentido, procuramos elencar as diferentes maneiras como os licenciandos registraram suas respostas 4, excluindo aquelas muito semelhantes ou idênticas. Em alguns casos, aparece apenas parte da resposta dada, com o recorte da parte que destaca o conceito desconstruído, conforme análise que apresentaremos. O primeiro conceito descontruído é que todo surdo é mudo, conforme as respostas abaixo: Todo surdo é mudo
Podemos observar que, apesar de todas as discussões da atualidade, as pessoas surdas são vistas socialmente pelo viés clínico, existindo uma relação entre surdez e mudez, atribuindo, mesmo sem perceber, uma “dupla deficiência” aos surdos. Wrigley (1996, p.8) afirma que “a surdez diz menos à audiologia do que a epistemologia”; nesse sentido, o autor discute que o grau de surdez pouco importa, pois os surdos definem-se de forma linguística e cultural (WRIGLEY, 1996, p. 16). Para além da questão de nomenclatura, ainda é possível ver atributos de surdez e deficiências em outras respostas como abaixo: Surdez enquanto doença/deficiência
Nas respostas apresentadas, é possível observar termos como doença, doente e incapaz, em que o sujeito é representado com base no que falta, e não na presença de algo, conforme já denunciava Lane (1992, p. 23). Este autor afirma ainda que “aplicar um modelo de enfermidade aos membros de um grupo é considerá-los e ter atitudes para com eles, particularmente, com respeito ao nosso conceito cultural de deficiência física” (LANE,
1992, p. 33). Nesse viés, talvez, as respostas que usaram o termo deficiência sejam na ótica negativa, pois apesar de todos os avanços nas discussões no que diz respeito ao que significa ser uma pessoa com deficiência, sabe-se que no senso comum esse conceito é carregado de noções depreciativas. Leitura Labial
Normalização do surdo
Gesser (2009) afirma que a leitura labial, assim como o desenvolvimento da fala pelo surdo, precisam de treinos intensos para ser desenvolvidos, e que alguns surdos possuem mais habilidades do que outros. Os aparelhos auditivos, por sua vez, não ajudam o surdo a ouvir melhor, mas amplificam o som de todo o ambiente, possivelmente dando melhores resultados para pessoas idosas, que gradativamente perderam a audição, ou para pessoas surdas com resíduos auditivos maiores (GESSER, 2009, p. 74). Percebe-se, portanto, que é de extrema importância desmistificar essa questão, pois, por exemplo, em sala de aula, alunos surdos precisam ter relações comunicativas significativas com seus pares e com os professores, e isso passa a ser possível quando a língua de sinais está envolvida em todo o processo educacional. Anteriormente, apresentamos um quadro com características sociais, cognitivas, comportamentais e emocionais depreciativas atribuídas aos surdos e catalogadas por Lane (1992). Surpreendentemente, nas respostas apresentadas pelos alunos, encontramos vários enunciados que podem ser categorizados de duas formas: surdo como incapaz e surdo como sujeito inferior/subalterno: Surdo como incapaz
Surdo como Sujeito inferior/subalterno
As respostas apresentadas sugerem que os respondentes organizam suas concepções a respeito das pessoas surdas com base nas faltas, nas incapacidades. Mas o que motiva tais
pensamentos? Lane (1992, Esses pensamentos incorretos surgem do nosso egocentrismo. Ao imaginar a surdez, eu imagino o meu mundo sem som – um pensamento aterrorizador e que se ajusta razoavelmente ao estereótipo que projetamos para os membros da comunidade dos surdos. Eu estaria isolado, desorientado, incomunicável e incapaz de receber comunicação. Os laços com outras pessoas estariam desfeitos (LANE, 1992, p.26). Mesmo com menor incidência, as concepções equivocadas em relação à Libras também foram encontradas, conforme apresentamos a seguir: Libras é universal:
Limitação da Língua de Sinais
Nas respostas apresentadas, percebe-se que, embora a Lei 10.436/2002 já exista há 16 anos, e os estudos de linguistas como William Stokoe já apresentem mais de 50 anos de existência, ainda prevalece a ideia de uma língua de sinais universal, limitada e decorrente das línguas orais. Considerações finais Como é possível perceber pelas respostas dos alunos, ainda há, por parte da sociedade, um desconhecimento da condição do sujeito surdo, quando ainda se acredita que todo surdo é mudo, atrelando-se à condição da surdez uma incapacidade mental/intelectual. No mesmo sentido, ainda impera uma ideia de surdez como deficiência, cuja solução passa pela normalização do surdo, com o uso de aparelhos auditivos, ao mesmo tempo em que parece delegar o esforço de comunicação apenas para o surdo, através da oralização e da leitura labial, num esforço unilateral. As respostas dos licenciandos têm apontado também para a desconstrução de uma ideia de uniformidade da condição do surdo. Isso pode ser percebido em respostas que se utilizam de quantificadores universais do tipo TODO para caracterizar esse sujeito, como, por exemplo, todo surdo é mudo, todo surdo faz leitura labial, todo surdo sabe Libras etc. Cientes de que há uma relação entre as crenças e as atitudes, e que elas regulam nosso modo de agir (LAMBERT e LAMBERT, 1975, p.100), a inserção da disciplina de Libras nos currículos de licenciatura, apesar de suas cargas horárias reduzidas, tem sido importante para ajudar na desconstrução de conceitos como os aqui elencados em relação à surdez e à Libras, uma vez que leva os licenciandos, futuros professores de surdos, a refletirem sobre suas crenças, sobre esse tema e, quiçá, em sujeitos que contribuirão socialmente para a diminuição de percepções equivocadas que vêm diminuindo as pessoas surdas há anos. Notas 3 Como exemplo podemos citar a desconstrução da eficiência da educação inclusiva para sujeitos surdos. Nesse quesito, encontramos respostas como “Foi descontruída a ideia de que todos os surdos tinham acesso à educação, mesmo ela sendo inclusiva”; “A respeito do método de educação inclusiva, que parecia ser o melhor antes de expostas as dificuldades de sua aplicação”. O fato de ter aparecido somente nas respostas de licenciandos de uma das universidades pode ter a ver com a ênfase dada pela professora ao assunto. 4 É importante observar que possíveis erros ortográficos e gramaticais dos alunos foram mantidos nas respostas aqui elencadas. Bibliografia BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. CALVET, L.-J. 2002. Sociolingüística - uma introdução crítica. São Paulo: Editora Parábola. CLAUDIO, D. P.; GUARINELLO, A. C.; SCHELP, P. P.2016. Tramas Dialógicas nos discursos sobre os surdos e a surdez. In: R. ROCHA; J. P. OLIVEIRA e M. R.dos REIS (org.). Surdez, Educação Bilingue e Libras: perspectivas atuais. Curitiba: CRV, p. 29-48. GESSER, Audrei. 2009. Libras? Que língua é essa: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade pública. 1ed. São Paulo: Parábola Editorial. GOFFMAN, Erving. Estigma. 1980. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores. LAMBERT, William W.; LAMBERT, Wallace E.1975. Psicologia Social. Rio de Janeiro: Zahar Editores. LANE, Harlan. 1992. A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget. LODI. Ana Cláudia Balieiro. 2013. Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a Política Nacional de Educação Especial e o Decreto nº 5.626/05. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 1, p. 49-63, jan./mar. QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B. 2004. Língua de Sinais Brasileira. Estudos Lingüísticos. Porto Alegre: Artmed. RECH, G. C.; SELL, F. S.F.2016. Formação de professores para a educação de surdos: o que a legislação prevê e o que as universidades oferecem. In: R. ROCHA; J. P. OLIVEIRA e M. R.dos REIS (org.). Surdez, Educação Bilingue e Libras: perspectivas atuais. Curitiba: CRV, p. 105-122. SACKS, O. 1998. Vendo Vozes: Uma viagem ao Mundo dos Surdos. Editora Companhia de Letras. . SKLIAR, C. 1998. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: SKLIAR, Carlos. (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. STROBEL, K. L.2008. As Imagens do outro sobre a Cultura Surda. Florianópolis, Ed. Da UFSC. WRIGLEY, O. 1996. Política da surdez. Washington: Gallaudet University Press. |