Qual é o maior avião do mundo? Errou por 65 toneladas e 12 metros de comprimento quem pensou A380. O superjato da Airbus é o maior em capacidade de passageiros, com mais de 500 assentos (dependendo da configuração), mas ainda é inferior em tamanho e peso ao incrível Antonov AN-225, esta sim a maior aeronave da atualidade, capaz de decolar com um peso máximo de até 640 toneladas – e que pode ter sido destruída num ataque russo ao Aeroporto de Hostomel, no dia 24 de fevereiro de 2022.
Desenvolvido ainda nos tempos da antiga União Soviética, o AN-225, também chamado de “Mriya” (“Sonho”, em ucraniano), nasceu para desempenhar uma função que nem de longe se parece com sua tarefa atual, que é transportar pesadas e valiosas cargas por longas distâncias.
A origem do AN-225 está totalmente ligada ao extinto programa especial soviético, que no início dos anos 1980 corria para alcançar os avanços descobertos nos Estados Unidos. Nessa época, a Nasa havia iniciado uma série de voos regulares ao espaço com os novíssimos ônibus espaciais, veículos desenvolvidos na década anterior e que podiam ser recuperados após as viagens orbitais e lançadas novamente em outras oportunidades.
Os soviéticos, que ainda lançavam foguetes com módulos descartáveis, queriam ter essa mesma capacidade e assim iniciaram o projeto para construir seu próprio ônibus espacial, na segunda metade da década de 1970.
Nos EUA, os primeiros testes aerodinâmicos e voos nos anos 1970 com os Space Shuttle foram realizados com a ajuda de um Boeing 747-400 adaptado para carregar o veículo especial na parte superior da fuselagem, no que foi um dos maiores espetáculos da aviação. Para desenvolver o modelo na URSS seria necessário aplicar a mesma técnica, mas o país não possuía uma aeronave capaz de carregar o “Buran”, como foi batizado o ônibus espacial soviético.
Durante os primeiros ensaios com o Buran ainda incompleto foram realizados voos com o também impressionante Myasushchev VM-T Atlanti, mas mesmo esse modelo não era capaz de carregar o conjunto completo, que pesava 105 toneladas. Também foi analisada a possibilidade de utilizar o quadrimotor AN-124 ‘Ruslan’, então um dos maiores aviões do mundo, mas este também se mostrou insuficiente. Seria preciso criar algo novo e colossal.
640 toneladas
Envolvida no programa espacial soviético, a fabricante ucraniana Antonov propôs ampliar o design básico do Ruslan, acrescentando anéis de extensão na fuselagem e aumentando a envergadura das asas para instalar mais dois motores turbofan, cada um com 23,4 mil kgfm de empuxo. Com essas modificações, os engenheiros concluíram que seria possível transportar o Buran sobre a fuselagem daquele que seria o maior e mais pesado avião do mundo.
Os primeiros testes em túnel de vento com modelos em escala reduzida revelaram uma série de problemas de estabilidade e dificuldades de controle em voos transportando o ônibus espacial nas “costas” do AN-225. Para resolver essa questão, a Antonov alterou o desenho do estabilizador horizontal e criou uma curiosa deriva dupla.
A empresa ucraniana também se empenhou em buscar formas para reduzir o peso desse novo gigante que surgia. Do desenho original baseado no AN-124, foram retiradas a porta traseira e a rampa de carga, conjunto que exigia um complexo (e pesado) mecanismo para funcionar. Para acessar o interior foi criado uma rampa simplificada pela parte frontal, com uma excêntrica porta que elevava o nariz da aeronave, permitindo a entrada de até 250 toneladas de carga.
O primeiro protótipo voou em 21 de dezembro de 1988 e no ano seguinte a enorme aeronave seria apresentada junto ao Buran com orgulho pelos soviéticos em shows aéreos pela Europa, como no ‘Paris Air Show’, na França, em 1989 e o festival de Farnborough, na Inglaterra, em 1990, deixando todos os expectadores impressionados diante do maior avião do mundo e seu companheiro “espacial”.
O AN-225 tem proporções superlativas: são 84 metros de comprimento e 88,4 m de envergadura de asas, além de poder decolar com um peso máximo de 640 toneladas. Não havia nada parecido com o Mriya até então. O tão aclamado e poderoso Boeing 747 que carregava o ônibus espacial da Nasa ficou pequeno perto da nova maravilha ucraniana, que podia voar com 200 toneladas de carga a mais.
Testes espaciais
Com o AN-225 concluído, o programa espacial soviético pode continuar com o desenvolvimento do Buran. Os voos combinados serviam para analisar as capacidade de planeio do ônibus espacial e não para lançar o veículo no ar, como fazia o 747 da Nasa em testes com os Space Shuttle nos anos 1970.
Com a ajuda do novo Antonov, o programa começou a progredir. Foram realizados 24 voos de teste com o Buran acoplado ao AN-225, o que foi fundamental para corrigir antigos problemas do projeto, que já havia realizado dois voos espaciais de teste, em 1983 e 1988, ainda em versões bastante simplificadas. Era um projeto promissor que daria a URSS um novo meio de chegar ao espaço de forma mais eficiente.
No entanto, já eram os últimos anos da política comunista e não havia mais recursos para manter os dispendiosos projetos espaciais soviéticos. E então, em 31 de dezembro de 1991, a União Soviética entrou em colapso e foi oficialmente declarada extinta.
O programa espacial foi uma das primeiras áreas cortadas, resultando no abandono do Buran e, por consequência, do AN-225, que foi considerado um instrumento supérfluo para os novos tempos que viriam. Desta forma, o aparelho foi retirado de serviço em 1994. Seus motores foram removidos para equipar modelos AN-124 em operação. Uma segunda aeronave que estava em construção em Kiev, na Ucrânia, acabou cancelada.
As células do primeiro AN-225 que carregou o Buran e a do modelo inacabado foram estocadas em enormes hangares da Antonov em 1994, onde ficariam totalmente esquecidas pelos próximos cinco anos.
Retorno em gigantesco estilo
Agora sob as regras do capitalismo, a Ucrânia, ex-república soviética, tomou para si o controle total da Antonov e tudo mais que ela possuía. Para aproveitar os enormes aviões que antes eram utilizados para o transporte tático de material militar da URSS, o novo país ampliou os tentáculos da fabricante e criou a “Antonov Airlines”, uma empresa de transporte de carga.
A divisão de transporte da Antonov foi criada em 1989, ainda sob direção dos soviéticos, mas somente a partir da década de 1990 é que ela começou a ganhar notoriedade. A companhia iniciou seus trabalhos com uma frota de quatro jatos AN-124 e mais três turbo-hélices AN-12. Entretanto, com mais pedidos surgindo, a empresa sentiu a necessidade de ter uma aeronave maior para transportar cargas ainda mais pesadas, como locomotivas, geradores de usina hidroelétrica e até mesmo outros aviões e helicópteros.
O Mriya, então, foi retirado do escuro hangar da Antonov, remotorizado e colocado novamente em serviço. O AN-225 voltou aos céus em 1999 e no ano seguinte já estava carregando enormes cargas que antes eram transportadas somente de navio. Foi cogitada a finalização do segundo modelo, inclusive com melhorias, mas o projeto acabou cancelado novamente. O segundo modelo permanece guardado esperando por algum desfecho.
Durante esses anos de serviço a Antonov também aproveitou para realizar alguns testes com o avião de seis motores. Em setembro 2001, a aeronave realizou um voo transportando 253 toneladas de carga a 2.000 metros de altitude a 763 km/h por um trecho de 1.000 km, provando um desempenho excepcional em baixa altitude com uma carga impressionante.
Em condições normais, o Mriya voa na velocidade de cruzeiro de 850 km/h a 11 mil metros de altitude. O alcance depende de quanta carga ele transporta: vazio pode viajar até 15.400 km e com carga máxima (253 toneladas) a autonomia fica limitada a 4.500 km.
O consumo de combustível do AN-225 com carga máxima beira o absurdo: são necessários 95 mil litros de querosene para realizar um voo de 5.000 km. Como comparação, o Boeing 747-400 com peso máximo (até 412 toneladas) cumpre a mesmo trecho com 65 mil litros.
O compartimento de carga do Mriya permite armazenar objetos com até 70 metros de comprimento e quase 10 m de largura. O trem de pouso do AN-225 é outra parte impressionante: na frente são quatro rodas e na parte principal são mais 28. Com carga máxima, o Mriya precisa de uma pista com pelo menos 3 km de extensão para decolar e mais 3,4 km para pousar e frear com segurança.
Por dentro do AN-225
Exceto por suas dimensões impressionantes, o Mriya é um avião bastante convencional, de construção quase totalmente metálica. O nível de automação é muito baixo e para operá-lo são necessários no mínimo seis tripulantes: piloto, co-piloto, navegador, operador de rádio e dois engenheiros de voo.
O painel de instrumentos é totalmente analógico, semelhante ao dos antigos jatos DC-8 e Boeing 707, por isso são necessários tantos tripulantes.
A operação de carga e descarga é feita pela parte frontal da aeronave, que se apoia em “patas” hidráulicas e rebaixa o piso do cargueiro, permitindo que caminhões entrem de marcha ré no interior da aeronave para carregar ou descarregar a aeronave.
Mriya no Brasil
Em fevereiro de 2010, a Antonov Airlines foi contratada pela Petrobras para transportar pesadas bombas de óleo importadas dos EUA, serviço designado ao AN-225. No dia 14 daquele mês o enorme jato ucraniano pousou pela primeira vez e única vez no Brasil, descarregando sua enorme carga no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) – outro país latino-americano que viu o Mriya foi o Suriname, onde o avião pousou para reabastecer antes de seguir para São Paulo.
Transportar cargas em aviões não é um dos meios mais acessíveis, mas pode ser necessário em situações que exijam maior agilidade, como uma hidroelétrica que precisa de um reparo urgente ou aviões e helicópteros que precisam ser transportados para uma área de atuação da ONU, um dos principais clientes da Antonov Airlines.
Enviar cargas a bordo do Mriya pode ser rápido e eficiente, mas também é extremamente caro, afinal trata-se de um avião único. Uma viagem de 10 mil km com cerca de 200 toneladas pode custar mais de US$ 300 mil. Se fosse convertido para transportar passageiros, teria espaço para cerca de 1.500 assentos, algo como três Airbus A380…
Artigo atualizado em 27 de fevereiro de 2022 após a confirmação do governo da Ucrânia que o único An-225 fora atingido pela Rússia durante a invasão ao país.
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