O quadro O grito do Ipiranga ou Independência ou morte, de Pedro Américo é uma das mais emblemáticas imagens da História do Brasil. A obra foi feita por encomenda do governo da província de São Paulo para ocupar o salão de honra do Monumento do Ipiranga, prédio que estava em construção (atual Museu Paulista/USP).
Pedro Américo a executou em Florença, na Itália, onde residia então, e a concluiu em 1888. É um painel enorme, com 7,60 m x 4,51 m (sem contar a moldura), que foi chumbado na parede do museu. Hoje, com o museu em restauração, a tela não pode ser removida e, mesmo que pudesse, não passaria por nenhuma porta do lugar.
- BNCC: 8º ano. Habilidade: EF08HI06, EF08HI11, EF08HI12
Pintura histórica do século XIX
A pintura de Pedro Américo faz parte da chamada escola romântica, um estilo artístico que vigorou na Europa em meados do século XIX e que teve, entre suas características, a exaltação dos sentimentos nacionalistas. Os temas históricos que glorificavam o passado nacional tornaram-se muito populares. Em suas obras, os pintores procuravam comover o espectador, exaltar a coragem, dignificar e heroicizar os personagens nacionais.
Pedro Américo, que estudou e viveu na Europa na segunda metade do século XIX, já tinha executado outras pinturas no estilo nacionalista romântico como A Batalha de Campo Grande (1871), Fala do Trono (1873) e Batalha do Avaí (1874). O sucesso de O grito do Ipiranga (1888) foi seguido de muita polêmica pois a obra foi acusada de plágio da tela 1807, Friedland, de Ernest Meissonier, pintada em 1875, apesar de Pedro Américo só vir a conhecer a obra anos depois.
Sendo uma pintura romântica de cunho nacionalista, O grito do Ipiranga glorifica e idealiza o passado usando, para isso, de figuras e composição de cena nem sempre fiéis à história. O próprio Sete de Setembro é hoje objeto de discussões pelos historiadores que tem refletido sobre a data como uma construção histórica
Além disso, a obra foi encomendada a Pedro Américo pelo governo da província de São Paulo para o salão de honra do monumento da independência (atual Museu Paulista da USP) que estava, então, em construção. O objetivo era enaltecer a monarquia e a terra paulista como elementos fundadores da nacionalidade brasileiro. A pintura nacionalista romântica atendia a esse propósito e Pedro Américo atendeu ao que lhe foi encomendado.
Descrição do quadro “O grito do Ipiranga”
“O grito do Ipiranga”, 7,60 m x 4,51 m, Pedro Américo, 1888. Museu Paulista/USP, SP.
- No centro, em posição mais elevada, está D. Pedro, príncipe regente, montado a cavalo, com uniforme de gala e erguendo a espada [imagem 1].
- A comitiva, à direita do príncipe, é formada por dez homens que erguem seus chapéus [imagem 1].
- A frente deles, trinta soldados, os “Dragões da Independência”, com uniforme de gala, formam um semicírculo e erguem suas espadas [imagem 2].
- Os soldados, foram pegos de surpresa pelo gesto de D. Pedro, o que se percebe pelo movimento dos animais e pelo quinto soldado (da esquerda para a direita) que se apressa para montar o cavalo. Ao fundo, à direita, outros dois soldados também estão começando a montar seus cavalos.
- Próximo a eles, há um civil usando cartola que ergue um guarda-chuva; segundo alguns estudiosos, seria Pedro Américo que se autorretratou no quadro [imagem 3].
- À
esquerda, três figuras populares: um homem conduzindo um carro de boi carregado de toras de madeira e que olha a cena assustado (ou curioso?); atrás, um outro montado a cavalo e mais ao fundo, um negro conduzindo um jumento que segue de costas ao grupo [imagem 4].
- O riacho do Ipiranga está em primeiro plano e suas águas respingam na pata do cavalo [imagem 2].
- Um casebre, ao fundo à direita, compõe a cena reforçando o caráter rural do lugar; apelidado de “Casa do Grito”, seria um local de pouso para as tropas que viajavam naquele caminho [imagem 3].
[1] Junto a D. Pedro erguendo a espada, a comitiva formada por dez homens que erguem seus chapéus.
[2] Os Dragões da Independência, com uniforme de gala, formam um semicírculo e erguem suas espadas.
[3] Pedro Américo, de cartola e erguendo guarda-chuva, se autorretratou no quadro. Ao fundo, a “Casa do Grito”.
[4] Três figuras populares compõem a cena sem se misturar à ela: um carroceiro, um homem montado a cavalo e um negro conduzindo um jumento.
Elementos inseridos na pintura para glorificar o passado
Ao receber a encomenda, Pedro Américo pesquisou sobre o Sete de Setembro lendo tudo o que havia sido escrito sobre aquele episódio. Esteve no local onde o fato ocorreu, observou a paisagem, suas cores e luminosidade no mês de setembro. Informou-se sobre a moda e os trajes usados na época. Fez numerosos rascunhos das figuras e chegou a realizar uma pintura completa, em tamanho menor, para estudar como ficaria o quadro final. Esse estudo faz parte, hoje, do acervo do Ministério das Relações Exteriores e se encontra na sala D. Pedro I, no Palácio Itamaraty em Brasília.
Não bastava, porém, reproduzir a suposta realidade do momento. A pintura encomendada tinha um objetivo claro: enaltecer a monarquia e seu primeiro imperador, e glorificar a independência como marco fundador da nacionalidade brasileira. Para isso, Pedro Américo inseriu em sua obra:
- Cavalos: animais imponentes, era a montaria dos militares e dos nobres. Na realidade, porém, D. Pedro e seus acompanhantes fizeram o caminho do litoral ao planalto paulista em mulas e jumentos, o meio mais seguro de se viajar naquela estrada íngreme e em zigue-zague.
- Comitiva numerosa: nesse trecho da viagem, a comitiva de D. Pedro era formada por poucos integrantes e não quarenta pessoas.
- Uniformes de gala: D. Pedro I e sua guarda não viajavam vestidos com uniformes de gala, preferiam trajes mais simples e confortáveis.
- Dragões da Independência: ainda existiam na época que só foram criados um ano após a independência por D. Pedro I.
- Postura de D. Pedro: é improvável que o príncipe regente estivesse com uma aparência tão sadia e em posição ereta uma vez que, naquele momento, estava sentindo fortes cólicas causadas pelo cansaço da longa viagem ou pelo jantar na noite anterior [imagem 5].
- Casa do Grito: não existia na época; o casebre retratado no quadro foi construído por volta de 1884, portanto muito tempo depois da proclamação da independência.
- Ele próprio: Pedro Américo não poderia estar no quadro. Ele nasceu em 1843, muito tempo
depois da independência, em 1822. Quando a pintura foi realizada, entre 1885 e 1888, sequer existiam testemunhas do Sete de Setembro.
[5] D. Pedro vestia trajes simples e confortáveis para viajar, e não a fardeta azul de botões dourados, calça branca, luvas brancas etc. Ele e sua comitiva subiram a serra montados em mulas e jumentos, e não em garbosos cavalos. A viagem foi penosa para o príncipe que estava doente com cólicas intestinais e, portanto, dificilmente, se manteria ereto erguendo uma espada.
A idealização do fato histórico
“A realidade inspira, mas não escraviza o pintor”, disse Pedro Américo sobre sua obra. De fato, ela não tem a intenção de ser uma fotografia do passado. A arte não é um retrato fidedigno e indelével da História. Trata-se de imagem idealizada que faz uma representação heroica do passado e exalta a monarquia (naquele momento, em franco declínio, às vésperas da proclamação da República).
Além disso, Pedro Américo era um artista formado segundo as convenções da arte europeia e vivendo em um ambiente marcado pelo nacionalismo e militarismo do século XIX.
Seu quadro recebeu essas influências que transparecem no caráter militarista e majestoso da composição: soldados perfilados, espadas erguidas, uniformes de gala, garbosos cavalos com belos arreios e selas – elementos que dignificam e dão imponência ao episódio retratado.
O Príncipe é a figura de destaque: no centro e na parte mais elevada, ele ergue a espada passando a ideia de líder vitorioso, como se ele fosse o único responsável pela independência. É dele que parte o “grito”, praticamente uma ordem militar que é imediatamente acatada por todos que o acompanham.
Aliás, o nome da tela O grito do Ipiranga já é indicativo da visão autoritária e personalista sobre o fato retratado, diferente do quadro de François-René Moreaux, A proclamação da independência, de 1844.
A casa de pouso, o carroceiro e outras figuras populares fazem um tímido contraponto à atmosfera militar e ufanista do quadro.
São figuras secundárias, decorativas, que assistem à cena. Não são protagonistas e, sequer partidárias. Estão inertes. A independência não mudou suas vidas, o que não deixa de ser verdade. Talvez essa seja a principal mensagem de O grito do Ipiranga.
Fonte
- BASTOS, Lucia. Nem as margens ouviram. O Grito do Ipiranga não teve qualquer repercussão na época. Revista de História, 16/09/2009.
- CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983.
- OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles & MATTOS, Claudia Valladão de. O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999.
- _____________. A invenção do grito. Revista de História, 19/09/2007.
- SHLICHTA, Consuelo Alcioni B. D. Independência ou morte (1888), de Pedro Américo: a pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação. Anpuh, XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009.
- CARVALHO, José Murilo de. Os esplendores da imortalidade. Folha Online. Brasil 500. 26.12.1999.
Saiba mais
- As heroínas baianas da Independência do Brasil
- Independência não se faz no grito
- 8 questões para reavaliar o 7 de Setembro e a independência do Brasil
- Independência do Brasil por Moreaux: o olhar romântico de um francês
- Sete de Setembro, independência do Brasil
- Conselho de Estado decide pela independência do Brasil
- Primeira declaração formal de independência do Brasil
- Dia do Fico: início do processo de independência
- Independência da Bahia
- Encontre 9 erros na pintura “Independência ou Morte” (jogo para imprimir)
- Que figura é esta? Brasil-1808 a 1831 (jogo digital)
- Duas décadas a caminho da Independência (infográfico)
- Na trilha da Independência (jogo para imprimir)