Com as inovações científicas das últimas décadas, passamos a considerar a ciência como uma forma de conhecimento infalível. Você já reparou que nós temos a tendência de valorizar mais um produto quando ele se anuncia como “cientificamente comprovado”? Vejamos a seguir uma lista de tópicos fundamentais para saber sobre a ciência e sobre como a filosofia se relaciona com ela. Show 1) Classificação da Ciência A palavra ciência deriva do latim “scientia” e significa “conhecimento”. A partir do momento em que as ciências tornam-se autônomas, passam a ser classificadas em ciências formais, ciências da natureza e ciências humanas. As ciências formais recebem esse nome porque seus objetos de estudo não têm existência concreta, como a matemática e a lógica. As ciências da natureza são aquelas que estudam objetos que têm existência concreta, como a biologia, a química, a física e a geografia. As ciências humanas são aquelas que estudam aspectos relacionados com o comportamento humano. Essa classificação é didática, ou seja, ajuda-nos a compreender melhor os diferentes objetos de conhecimento e a diversidade de métodos à qual precisamos recorrer para investigá-los. No entanto, essa classificação é insuficiente, pois não se refere aos objetos de conhecimento que necessitam de métodos diversos. Também temos que considerar as novas ciências que surgem e que apresentam traços das ciências humanas, das ciências da natureza e das ciências formais simultaneamente. 2) Diferenças entre senso comum e conhecimento científico: Nós entendemos que o senso comum é uma forma de conhecimento que não é bem fundamentada racionalmente. O senso comum, assim, basear-se-ia em afirmações feitas de forma acrítica e, mesmo assim, transmitidas como se fossem verdade, como é caso dos ditados populares. Mas também podemos ver isso, hoje em dia, nas análises políticas que fazemos sem considerar as outras faces da questão e a partir de generalizações. O conhecimento científico seria uma forma de conhecimento mais rigorosa, construída por meio de uma fundamentação e que se distingue do senso comum por não considerar apenas as primeiras observações. Para o surgimento de teorias científicas, o fato (ou um problema) é observado, depois se levantam hipóteses que passam por experimentações para, finalmente, estabelecer conclusões que podem ser refutadas. 3) O método científico experimental: O método científico experimental usado pelas ciências da natureza compreende as seguintes etapas: a) Observação: O cientista, ao analisar um fato, pode deparar-se com um problema que não pode ser solucionado a partir de pesquisas já feitas. Por exemplo: O cientista observa que as alfaces que nascem no lado esquerdo do seu quintal apresentam coloração roxa. b) Hipótese: Por ter feito leituras ou por acumular conhecimentos adquiridos em outras experiências, o cientista, ao analisar um problema que não tem uma resposta, levanta hipóteses. Por meio das hipóteses, ele tenta organizar os fatos observados e os recursos de que dispõe para explicá-los. Por exemplo: O cientista levanta a hipótese de que a coloração roxa foi causada por um mineral presente no solo. c) Experimentação: Depois de levantadas as hipóteses, o cientista deve fazer uma observação dos fatos a partir de um controle, ou seja, a partir de condições determinadas por ele. Por exemplo: O cientista pode analisar o solo de seu quintal e examinar as diferenças entre a composição do lado esquerdo e do lado direito. Se ele identifica a presença de dois minerais diferentes no lado esquerdo, pode fazer duas amostras de solo, contendo em cada uma um dos minerais. A seguir, pode plantar alface para descobrir qual dos dois minerais é responsável pela coloração roxa. d) Generalização: Depois de observar a variação do fenômeno que estuda, o cientista deve analisar se suas hipóteses foram mantidas ou se elas foram derrubadas pela experimentação. Se foram derrubadas, ele deve recomeçar seu método, levantar uma nova hipótese e proceder a experimentação. Se comprovada, ele deve observar uma constante que o permita generalizar, ou seja, criar uma “lei” que pode ser aplicada. Por exemplo: Se o cientista viu que, mesmo na presença dos minerais no solo, as alfaces mantêm coloração normal, ele precisa levantar outra hipótese que o permita analisar o surgimento da coloração roxa, como a temperatura do solo, e fazer um novo experimento. Se ele constata que, na presença de um mineral no solo, as alfaces adquirem coloração roxa, ele pode generalizar e dizer: “Toda alface plantada em um solo com a presença do mineral citado apresentará coloração roxa”. Depois disso, pode continuar a pesquisa e analisar se a alface roxa tem o mesmo sabor da alface com coloração normal e se a presença do mineral no solo traz riscos à saúde de quem a ingerir. 4) Leis empíricas e Leis Teóricas: As generalizações podem ter duas formas. As Leis Empíricas, também chamadas de leis particulares, são aquelas que foram criadas a partir de casos particulares, como no nosso exemplo da alface no tópico anterior. O cientista, quando procede assim, corre o risco de não conseguir estabelecer uma universalização que se aplica, de fato, a tudo aquilo que pretende abarcar. As Leis Teóricas, que podem ser chamadas apenas de teorias, são mais abrangentes e possuem um caráter unificador, que corresponde à aplicabilidade da teoria a casos particulares, e um caráter heurístico, que se refere à possibilidade de novas descobertas a partir de determinada teoria. 5) O que é Filosofia da ciência? A Filosofia da ciência é o campo de estudo acerca da ciência e de seus métodos, ou seja, a Filosofia da ciência responde a questões como “Qual é o método de investigação científica?”, “Como podemos classificar a ciência?”, “Qual a natureza das teorias científicas?”, “Uma determinada teoria explica de alguma forma a realidade?”. Além disso, a pergunta acerca da relação entre ética e ciência também pode ser feita por filósofos da ciência. Alguns pensadores importantes dessa área são Imre Lakatos, Karl Popper, Paul Feyerabend e Thomas Khun. 6) Relação entre ética e ciência Com o avanço tecnológico e com a disposição de recursos para a implementação de pesquisas, a ciência pode ser questionada em relação aos seus valores éticos. Experimentações em animais são constantemente questionadas: até que ponto a ciência pode dispor dos animais, causar dor, desenvolver em animais saudáveis alguma doença para a descoberta de alguma droga? A obtenção de células-tronco a partir de embriões e a possibilidade de clonagem são outros tópicos científicos constantemente debatidos. A neutralidade e a autonomia da ciência, ou seja, o fato de o conhecimento científico não ter outro valor a não ser o cognitivo e a liberdade de proceder pesquisas, não a eximem de um debate ético. A filosofia da ciência é o campo de estudos filosóficos focado na compreensão, no questionamento e no aprimoramento dos processos e métodos científicos, buscando sempre garantir os fundamentos para que o trabalho científico ocorra da melhor forma, proporcionando um conhecimento que seja indubitavelmente confiável. A filosofia da ciência pode discutir a importância de um método científico rigoroso, bem como elaborar conceitos que norteiem a criação desse método. Além disso, a filosofia da ciência lida com conceitos importantes para a ciência, como verdade, validade argumentativa, paradigma e com a importância da problematização, ou seja, do questionamento e da dúvida. Leia mais: Mito da caverna – alegoria que valoriza o conhecimento racional em detrimento do vulgar O que é filosofia da ciência?O filósofo, lógico e matemático inglês contemporâneo Bertrand Russell afirmou que a filosofia é a ciência dos resíduos. Essa afirmação ancora-se no fato de que a filosofia, apesar de participar de todo o conhecimento racional no início do pensamento ocidental, teve que se contentar (após a revolução científica moderna) com proporcionar as bases metodológicas e lógicas para qualquer saber que se pretenda racional. Assim, o conhecimento filosófico tornou-se o conforto racional que cientistas buscam para estabelecer suas teorias, sem se esbarrarem em preceitos que poderiam deixar seu trabalho sem uma correta fundamentação. A filosofia da ciência busca fundamentar os processos científicos por meio dos conceitos.Na esteira do que foi dito, a filosofia da ciência (mesmo a filosofia sendo uma espécie de “mãe” das ciências) busca a compreensão e o aprimoramento dos métodos e dos processos de validação científica. Enquanto a ciência ocupa-se com seu objeto específico de estudo, a filosofia ocupa-se com tentar entender se esse objeto é corretamente estudado, além de tentar aprimorar os modos do fazer científico, a fim de proporcionar à ciência a maior validade racional possível. Um dos ramos que ajuda a ciência por meio da filosofia é a epistemologia, que busca compreender como o ser humano consegue chegar ao conhecimento. A pergunta “o que é” é antiga e importante para a composição do conhecimento filosófico, pois ela busca pela essência de algo, possibilitando assim a enunciação do conceito que delimita o que é perguntado. Não podemos dizer, a rigor, que a filosofia é uma ciência por diferenças existentes entre o método e os objetos de estudo de uma e outra. Enquanto a ciência, entendendo-a a partir da concepção moderna, busca conhecer objetos bem delimitados (cada ciência responsabiliza-se por conhecer um objeto diferente, por exemplo a biologia, que estuda a vida, e a sociologia, que estuda as formações sociais), a filosofia é ampla em relação à possibilidade de estudos. A filosofia pode dedicar-se a tentar conhecer absolutamente tudo o que é de formação humana ou racional, desde a moral, a ética e a política, até a lógica, os fundamentos das ciências, os fundamentos da matemática, as técnicas, as artes etc. Pesquisadores de cuidados de saúde que trabalham em laboratório de ciências da vida.A filosofia surgiu muito antes das ciências. Enquanto as ciências, como as conhecemos hoje, datam do período da Modernidade, mais ou menos no século XVI, a filosofia teria surgido no século VI a.C. O que há em comum entre essas duas áreas é a busca por um conhecimento que seja válido, racional, que fuja do senso comum e que seja passível de validação, seja pela razão (no caso da filosofia), seja pelas demonstrações e pesquisas empíricas (no caso da ciência). Nessa relação entre as duas áreas do conhecimento, é importante ressaltar que a filosofia é uma espécie de “mãe” das ciências, por ser a primeira a questionar o conhecimento tradicional e de senso comum em busca de respostas mais racionais. Veja também: Cinismo: filosofia não sistemática baseada na libertação das convenções sociais Diferenças e semelhanças entre filosofia e ciênciaPor serem áreas distintas do conhecimento, filosofia e ciência possuem suas diferenças, porém, não podemos considerá-las como áreas completamente antagônicas. Como foi dito, por meio da filosofia, as ciências encontraram caminho para formarem-se como uma busca de conhecimento racional, amparando-se na necessidade de estabelecer-se algum tipo de validação do que é conhecido. A filosofia ampara-se na racionalidade para pautar e validar o produto de seu conhecimento, assim como a ciência. No entanto, em relação ao rigor metodológico, a ciência vai além. O método científico procura não somente pautar-se na racionalidade, como também provar empiricamente, por meio de testes rigorosamente controlados, que as suas suspeitas são verdadeiras. Nesse sentido, enquanto a filosofia lida apenas com conceitos e com argumentos, a ciência lida com a prática. Além disso, a filosofia é uma área ampla do saber que pode questionar e investigar os mais diversos ramos de nossa sabedoria, além de fornecer fundamentos para várias ciências. A filosofia é considerada a “mãe” das ciências.Contribuições da filosofia para a ciênciaA filosofia é uma espécie de conhecimento geral e fundamental sobre a racionalidade. Ela tenta entender, questionar e fundamentar as mais diversas áreas do saber, tanto de maneira ampla e geral quanto de maneira mais específica, debruçando-se, às vezes, ao fornecer fundamentos para uma determinada ciência. As regras, os fundamentos e os conceitos racionalmente organizados de uma determinada ciência encontram-se no âmbito da “filosofia” daquela ciência. Por isso temos a filosofia da matemática, do direito, da educação, da história, da ciência, entre tantas outras “filosofias”. Apesar de parecer que a filosofia entra apenas como uma palavra comum deslocada de seu sentido original para designar os fundamentos encontrados por aquela ciência, há o trabalho de filósofos (não necessariamente com graduação em filosofia) que se dedicam a buscar as mais profundas raízes teóricas que amparam a constituição dessas ciências. Além do que foi apresentado, a filosofia busca compreender processos gerais do conhecimento e do raciocínio, formulando uma espécie de teoria do conhecimento (também conhecida como epistemologia). A epistemologia busca compreender os traços que demonstram os modos como o conhecimento ocorre na formação da mente humana. De Platão aos filósofos contemporâneos, várias teorias epistemológicas foram formuladas. Podemos destacar as teorias modernas, que se centraram em tentar entender se o conhecimento ocorre na mente de maneira empírica (por meio da experiência prática) ou de maneira completamente cognitiva e racional. O primeiro grupo ficou conhecido como empirista, enquanto o segundo foi chamado de racionalista. |