De acordo com novo estudo, a fumaça gerada pelos incêndios florestais que ocorreram ano passado na Califórnia, em Oregon e em Washington, nos Estados Unidos, contribuiu para um aumento significativo de casos e mortes por covid-19 nesses estados. “Os incêndios florestais exacerbaram significativamente a pandemia”, afirma Francesca Dominici, bioestatística de Harvard e autora do estudo publicado na revista científica Science Advances. Se não houvesse a fumaça dos incêndios, poderiam ter sido evitados 19,7 mil casos de covid-19 e 748 mortes decorrentes da doença, segundo o estudo.
A fumaça de incêndio florestal contém milhares de compostos diferentes, mas um dos mais prevalentes é o material particulado de 2,5 mícrons de diâmetro, denominado PM2,5. Uma ameaça já conhecida para a saúde, o PM2,5 é monitorado atentamente pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), que fornece dados suficientes para avaliar o impacto sobre a população. Embora as emissões de PM2,5 provenientes de veículos e da indústria tenham sido reduzidas nos últimos anos nos Estados Unidos, a fumaça gerada por incêndios florestais tornou-se a principal fonte emissora do material particulado. Um estudo publicado recentemente mostra que, durante a ocorrência de um incêndio florestal, a fumaça pode ser responsável por cerca de metade da poluição de partículas no oeste dos Estados Unidos e por um quarto dos níveis nacionais à medida que se espalha por todo o país. Os cientistas ainda estão investigando até que ponto os incêndios florestais podem prejudicar a saúde humana, mas as primeiras pesquisas sugerem que a fumaça pode ser mais tóxica do que se pensava. Os cientistas ainda não sabem como a fumaça dos incêndios florestais deste ano, que ocorreram no estado da Califórnia, no noroeste do Pacífico e no Canadá, afetará o número de casos de covid-19, à medida que a Delta, a variante mais letal e mais transmissível do Sars-CoV-2, provoca mais uma onda da pandemia. Ao passo que os incêndios florestais de 2020 quebraram recordes de proporção, este ano, o Dixie Fire — o segundo maior incêndio da Califórnia — já queimou mais de 200 hectares. Incêndios históricos também estão ativos na Turquia e na Grécia. “A inalação de PM2,5 compromete a capacidade do nosso sistema imune de combater o vírus”, explica Dominici. “Agora o mais assustador é o fato da variante Delta ser ainda mais transmissível. As pessoas que não estão vacinadas estão mais suscetíveis à infecção por covid-19.” Os perigos do PM2,5Quando o PM2,5 entra no organismo, causa problemas de duas maneiras. De acordo com Sarah Henderson, diretora científica dos serviços de saúde ambiental do Centro de Controle de Doenças da Colúmbia Britânica, primeiro “a partícula sobrecarrega o sistema respiratório superior”. Assim como as pernas de uma lagarta, determinadas células do corpo têm pequenos pelos que estão constantemente excretando invasores para cima e para fora através do muco. “É por isso que temos que assoar o nariz”, diz Henderson. O PM2,5 pode inibir esse processo de excreção, destruindo e bloqueando algumas dessas células, ela explica, possivelmente tornando mais fácil uma infecção pelo novo coronavírus. Segundo, inalar fumaça de incêndio florestal aciona o sistema imunológico, observa Henderson. Ao contrário de fragmentos maiores de material particulado, o PM2,5 é pequeno o suficiente para penetrar profundamente nos pulmões humanos, provocando uma resposta imune do organismo. Com o sistema imunológico ocupado para combater essa invasão, o corpo fica vulnerável e o vírus da covid-19 tem maior probabilidade de gerar uma infecção. A melhor maneira de se proteger é tomar a vacina, utilizar máscaras que ofereçam proteção contra o vírus e o material particulado PM2,5, utilizar filtros de ar em casa, ou evacuar uma região quando houver muita poluição proveniente de fumaça. Acompanhando a fumaçaPara seu novo estudo, Dominici e seus colegas reuniram dados de 92 condados na Califórnia, Oregon e Washington, onde ocorreu a maioria dos incêndios do ano passado. Uma vez que a covid-19 pode levar semanas para se manifestar após a exposição ao vírus, o estudo analisou casos positivos da doença até 28 dias após a exposição à fumaça de incêndio florestal. Mais de metade dos condados (52) registrou um aumento da incidência de covid-19. Em todos os condados analisados, o PM2,5 decorrente de incêndio florestal foi associado a um aumento de 11% nos casos e 8% nas mortes decorrentes da covid-19. No entanto, esse aumento variou amplamente entre os condados. No Condado de Butte, na Califórnia, e no Condado de Whitman, em Washington, por exemplo, os casos aumentaram em 17% e 18%, respectivamente. (Veja análise por condados aqui.) Para determinar quais tipos de material particulado eram provenientes de fumaça de incêndio florestal e quais eram de outras fontes de poluição, como veículos, Dominici designou a tarefa a Loretta Mickley, da Universidade de Harvard, que estuda a poluição do ar e as mudanças climáticas. Utilizando dados de satélite, Mickley e sua equipe puderam ver onde surgiram nuvens de fumaça de incêndio florestal e para onde estavam se direcionando. Os monitores de qualidade do ar da EPA mostraram como as nuvens de fumaça estavam aumentando a poluição no nível do solo. Basicamente, os satélites indicaram onde observar, enquanto os sensores mostraram o que estava presente na fumaça, contou ela. Utilizando dados de saúde disponíveis para o público e estimando quais níveis de PM2,5 estariam presentes se não houvesse os incêndios florestais, os pesquisadores puderam modelar a porcentagem provável de aumento dos casos de covid-19. Eles consideraram outros fatores que podem influenciar as taxas de casos: temperatura, prevalência da doença localmente antes do incêndio, população de um condado e mobilidade da população, coletada pelos cientistas a partir de dados do Facebook. Dominici salienta que não podem afirmar que a exposição à fumaça de incêndio florestal resultou em algum caso específico de covid-19. Existem outros fatores influenciadores que o estudo não examinou: o uso de máscaras; uma reunião familiar com um indivíduo infectado; situação socioeconômica; condições de saúde pré-existentes de uma pessoa que testou positivo; ou se outras fontes históricas de PM2,5 já tinham predisposto uma comunidade a riscos de saúde, o que aumentaria o risco de infecção. Esses fatores podem ser responsáveis por alguns casos, mas, no geral, segundo Dominici, não negam a forte associação constatada entre picos na poluição do ar e subsequente aumento no número de casos de covid-19. Outras pesquisas corroboram com essa conexão. Em Reno, no estado de Nevada, a exposição à fumaça de incêndio florestal em 2020 levou a um aumento de 18% nos casos de covid-19, de acordo com um estudo publicado mês passado por Daniel Kiser, cientista de dados do Instituto de Pesquisa Desert. “Os níveis de poluição atmosférica que observamos durante um incêndio florestal são exorbitantes”, aponta Kiser. Dominici aponta que os números do estudo provavelmente estão subestimados, porque ela e sua equipe avaliaram apenas condados onde incêndios florestais realmente ocorreram — sendo que a fumaça pode viajar por centenas de quilômetros.
Artigo de Revisão • • https://doi.org/10.1590/S1806-37132004000200015 copiar
A primeira idéia que se forma na mente das pessoas e do pesquisador é associar a poluição do ar aos grandes centros urbanos, com a imagem de poluentes sendo eliminados por veículos automotores ou pela chaminé de suas fábricas. Entretanto, uma parcela considerável da população do planeta convive com uma outra fonte de poluição, que atinge preferencialmente os países em desenvolvimento: a queima de biomassa. Este artigo tem como objetivo chamar a atenção do pneumologista, da comunidade e das autoridades para os riscos à saúde da população exposta a essa fonte geradora de poluentes, seja em ambientes internos, seja em ambientes abertos. O presente trabalho caracteriza as principais condições que levam à combustão de biomassa, como a literatura tem registrado os seus efeitos sobre a saúde humana, discutindo os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, e finaliza com a apresentação de dois estudos recentes que enfatizam a importância da queima de um tipo específico de biomassa, a palha da cana-de-açúcar, prática comum no interior do Brasil, e sua interferência no perfil de morbidade respiratória da população exposta. Biomassa; poluição do ar; cana-de-açúcar; fumaça; queima de vegetação; doenças respiratórias
The first thought that comes to mind concerning air pollution is related to urban centers where automotive exhausts and the industrial chimneys are the most important sources of atmospheric pollutants. However a significant portion of the earth’s population is exposed to still another source of air pollution, the burning of biomass that primarily affects developing countries. This review article calls the attention of lung specialists, public authorities and the community in general to the health risks entailed in the burning of biomass, be it indoors or outdoors to which the population is exposed. This review describes the main conditions that lead to the burning of biomass and how the literature has recorded its effects on human health discussing the psychopathological mechanisms. Finally two recent studies are presented that emphasize an important type of biomass burning that of the sugar cane straw. This is a common practice in several regions of Brazil changing the respiratory morbidity standards of the population exposed. air pollution; biomass; sugar cane; smoke; vegetation fires; respiratory disease
ARTIGO DE REVISÃO Queima de biomassa e efeitos sobre a saúde Marcos Abdo Arbex(TE SBPT); José Eduardo Delfini Cançado(TE SBPT); Luiz Alberto Amador Pereira, Alfésio Luís Ferreira BragaI; Paulo Hilário do Nascimento Saldiva IPrograma de Pediatria Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade Santo Amaro, SP. Endereço para correspondência RESUMO A primeira idéia que se forma na mente das pessoas e do pesquisador é associar a poluição do ar aos grandes centros urbanos, com a imagem de poluentes sendo eliminados por veículos automotores ou pela chaminé de suas fábricas. Entretanto, uma parcela considerável da população do planeta convive com uma outra fonte de poluição, que atinge preferencialmente os países em desenvolvimento: a queima de biomassa. Este artigo tem como objetivo chamar a atenção do pneumologista, da comunidade e das autoridades para os riscos à saúde da população exposta a essa fonte geradora de poluentes, seja em ambientes internos, seja em ambientes abertos. O presente trabalho caracteriza as principais condições que levam à combustão de biomassa, como a literatura tem registrado os seus efeitos sobre a saúde humana, discutindo os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, e finaliza com a apresentação de dois estudos recentes que enfatizam a importância da queima de um tipo específico de biomassa, a palha da cana-de-açúcar, prática comum no interior do Brasil, e sua interferência no perfil de morbidade respiratória da população exposta. Descritores: Biomassa, poluição do ar, cana-de-açúcar, fumaça, queima de vegetação, doenças respiratórias. Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho: BC- Black Carbon CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CVF - Capacidade vital forçada DPOC- Doença pulmonar obstrutiva crônica EPA - Environmental Protection Agency (USA) FEF25-75%- Fluxo expiratório forçado a 25% - 75% da CVF IC95% - Intervalo de confiança para 95% de probabilidade IVAS - Infecção de vias aéreas superiores IVAI - Infecção de vias aéreas inferiores LPAE - Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental OMS - Organização Mundial da Saúde PM - Material particulado PM10 - Material particulado com diâmetro aerodinâmico menor que 10 ¼m PM2,5 - Material particulado com diâmetro aerodinâmico menor que 2,5 ¼m OR- Razão de chance (Odds ratio) TSP - Partículas totais em suspensão VEF - Volume expiratório forçado VEF1 - Volume expiratório forçado no primeiro segundo WHO -World Health Organization Introdução Desde o início do século passado, estudos na literatura médica têm documentado uma significativa associação entre poluição atmosférica decorrente da emissão de combustíveis fósseis e aumento de morbi-mortalidade em humanos nos países desenvolvidos. Esses efeitos foram observados inclusive para níveis de poluentes no ar considerados como seguros para a saúde da população exposta (1). Entretanto, poucos estudos voltavam-se para os efeitos deletérios produzidos pela queima de biomassa (qualquer matéria de origem vegetal ou animal utilizada como fonte de energia). Em 1985, um boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS) (2) questionava qual seria a gravidade e a extensão dos danos produzidos pela poluição do ar em conseqüência da combustão de biomassa em áreas rurais dos países em desenvolvimento. A incineração de biomassa é a maior fonte doméstica de energia nos países em desenvolvimento (3). Aproximadamente metade da população do planeta, e mais de 90% das casas na região rural dos países em desenvolvimento, permanecem utilizando energia proveniente da queima de biomassa, na forma de madeira, carvão, esterco de animais ou resíduos agrícolas, o que produz altos índices de poluição do ar em ambientes internos, onde permanecem as mulheres que cozinham e as crianças. Essa situação provoca um aumento do risco de infecção respiratória, a maior causa de mortalidade infantil nos países em desenvolvimento (3,4). A queima deliberada ou acidental de vegetação, apesar do grande avanço tecnológico experimentado pela humanidade, ou até justamente por causa dele, torna-se por vezes incontrolada, atingindo grandes extensões de florestas, savanas ou outras vegetações menos densas. O fogo é um problema crescente no que resta das florestas tropicais do planeta e a poluição devida à fumaça gerada tem um importante impacto sobre a saúde das populações expostas. Esse impacto inclui aumento de mortalidade, de admissões hospitalares, de visitas à emergência e de utilização de medicamentos, devidas a doenças respiratórias e cardiovasculares, além de diminuição da função pulmonar (4). Apesar dos anos de estudos científicos e da atenção da mídia em relação ao desmatamento e às queimadas, acidentais ou intencionais, a incidência e o efeito dos incêndios florestais têm sido ignorados. As grandes queimadas em Bornéu (1983 e 1997), Tailândia (1997), Indonésia (1997), Roraima (1997-1998), Mato Grosso (1998) e Pará (1998) despertaram a atenção para o problema, mas as medidas tomadas para prevenir ou controlar tais incêndios ainda são insuficientes (5). O processo de combustão, seus produtos e suas repercussões fisiopatológicas A combustão é um processo químico pelo qual um material reage rapidamente com o oxigênio do ar produzindo luz e calor intenso e, no caso da biomassa, se faz em três estágios:ignição (ignition), combustão com chama (flaming),ecombustão com ausência de chama (smoldering). Cerca de 80% da combustão de biomassa ocorre nos trópicos. Ela é a maior fonte de produção de gases tóxicos, material particulado e gases do efeito estufa no planeta (6), influencia a química e a física atmosférica, produz espécies químicas que mudam significativamente o pH da água da chuva (7,8), e afeta o balanço térmico da atmosfera pela interferência na quantidade de radiação solar refletida para o espaço (9,10). A Tabela 1 apresenta uma descrição sucinta dos principais poluentes gerados no processo de queima da biomassa. Como pode ser observado na Tabela 2, estudos mostram que a exposição dos seres vivos a muitos desses elementos pode produzir, a curto e a longo prazo, efeitos deletérios à saúde. Dentre esses elementos, o material particulado decorrente da combustão de biomassa, seja em ambientes internos, seja em ambientes abertos, é o poluente que apresenta maior toxicidade e que tem sido mais estudado. Ele é constituído em seu maior percentual (94%) por partículas finas e ultrafinas (Figura 1), ou seja, partículas que atingem as porções mais profundas do sistema respiratório, transpõem a barreira epitelial, atingem o interstício pulmonar e são responsáveis pelo desencadeamento do processo inflamatório (11-13) (Figura 2). Shi et al.(14) sugerem que os efeitos adversos do material particulado à saúde podem ser atribuídos à produção de agentes oxidantes intracelulares, que seriam a resposta inicial e que agiriam como um fator estimulante da inflamação, como mostra a Figura 3. Turn et al. (15) mostraram que as queimadas emitem poluentes que atuam não só localmente como também podem afetar regiões distantes de onde foram originadas, através do transporte a longas distâncias, o que aumenta as proporções do impacto sobre os indivíduos. Queima de biomassa em ambientes internos e agravos à saúde A poluição do ar em ambientes internos existe desde os tempos pré-históricos, quando os humanos iniciaram sua movimentação para regiões com clima temperado, há aproximadamente 200 mil anos atrás. O clima mais frio provocou a necessidade de uso de abrigos e cavernas e a utilização de fogo para aquecimento, preparo de alimentos e iluminação. Ironicamente, o fogo, que foi o que possibilitou aos humanos aproveitar os benefícios dos abrigos, provocava uma exposição a altos níveis de poluição, como ficou evidenciado pelo carvão encontrado em cavernas pré-históricas. Fuligens encontradas em cavernas no sul da África indicam que a raça humana utiliza o fogo há 1,5 milhões de anos(16). Os efeitos sobre a saúde, decorrentes da exposição por longos períodos à fumaça produzida pela queima de biomassa em ambientes fechados, têm sido associados com infecções respiratórias agudas em crianças, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pneumoconiose, catarata e cegueira, tuberculose pulmonar e efeitos adversos na gestação. Esses efeitos foram bem documentados em países em desenvolvimento, onde mulheres acompanhadas de seus filhos permanecem várias horas cozinhando em fogões em locais sem abertura para eliminar a fumaça para o exterior. Enquanto nos países desenvolvidos a DPOC está relacionada principalmente ao tabagismo, nas regiões em desenvolvimento, onde o tabagismo no sexo feminino não é freqüente, estudos epidemiológicos transversais e caso-controle indicam que a exposição à fumaça proveniente da queima de biomassa é o principal fator de risco para DPOC. Padmavati et al.(17,18), na Índia, mostraram uma relação entre exposição aos poluentes em ambientes internos e DPOC conduzindo ao cor pulmonale. Na Índia, a incidência de cor pulmonale crônico é similar entre homens e mulheres, apesar do fato de que 75% dos homens e somente 15% das mulheres são tabagistas. Análises comparando a incidência de cor pulmonale crônico em mulheres e em homens revelaram que a patologia era mais comum em mulheres jovens e a média de idade das pacientes era 10 a 15 anos menor que a média da idade dos pacientes do sexo masculino. Em 18 necropsias em mulheres que nunca fumaram, mas estiveram expostas a poluentes provenientes da combustão de biomassa, todas apresentaram enfisema pulmonar, 11 bronquiectasias, 5 bronquite crônica, e 2 apresentaram tuberculose (18). A prevalência de cor pulmonale crônico era menor nos estados do sul em relação aos estados do norte, fato que os autores atribuíram a uma maior ventilação no interior das residências da região sul, área com temperaturas mais altas no verão e que não necessitavam de aquecimento no inverno menos rigoroso que o da região norte. Estudo subseqüente confirmou esses achados (28, 19). Máster (20) avaliou habitantes de vilas localizadas nas regiões montanhosas da Nova Guiné que utilizavam a queima de biomassa para aquecimento na maioria das noites do ano. Dos indivíduos entrevistados com idade maior que 40 anos, 78% apresentavam tosse, diminuição difusa do murmúrio vesicular, estertores crepitantes e distúrbio ventilatório, principalmente obstrutivo. Estudo anatomopatológico com amostras provenientes de indivíduos expostos mostrou enfisema centrolobular, espessamento pleural, fibrose pulmonar, hipertrofia de glândulas mucosas e deposição de pigmento antracótico. Anderson, na Nova Guiné(21,22), encontrou em adultos com idade superior a 45 anos uma alta prevalência de sintomas respiratórios, em proporções semelhantes em homens e mulheres, e mostrou que em 20% dos homens e 10% das mulheres havia obstrução ao fluxo aéreo, com uma relação entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo e a capacidade vital forçada (VEF1/ CVF) menor que 60%. O autor chamou a atenção ainda para o fato de que indivíduos com quadro clínico compatível com DPOC apresentavam fibrose pulmonar intersticial difusa e bronquiectasias. No Nepal, a prevalência de bronquite crônica é similar entre homens e mulheres (18,9%), apesar de o tabagismo ser substancialmente mais comum entre os homens (23,24). A prevalência de bronquite crônica é também considerável em Ladakh, Índia e no Paquistão, onde a incidência de mulheres fumantes é mínima(25,26). Estudos caso-controle realizados em hospitais demonstraram que indivíduos sujeitos à exposição à fumaça proveniente da combustão de biomassa apresentam mais freqüentemente quadro de obstrução ao fluxo aéreo, em relação a grupos controles(27-29). Esse fato se repete em estudos realizados em comunidades(19,30,31). Os estudos realizados em hospitais mostraram obstrução grave em associação positiva e significante com o nível de exposição aos poluentes, com razão de chance (OR) que variava entre 1,8 e 9,7, enquanto que um estudo realizado na comunidade mostrou OR de 2,5(31). Regalado et al.(30), no México, mostraram que a queima da biomassa como fonte de energia estava associada a um decréscimo de 4% na relação VEF1/CVF nos indivíduos expostos e que uma concentração de 1000 µg/m3 de material particulado nas cozinhas estava associada a uma redução de 2% no VEF1. Na Índia, a população que utilizava biomassa como fonte de energia apresentava CVF menor em relação àquela que utilizava gás ou querosene(19). Pandey et al.(23,24) relataram uma relação exposição-resposta com diminuição da VEF1 e da CVF à medida que aumentava o número de horas de exposição aos poluentes. Menezes et al.(32), em estudo transversal realizado em área urbana no sul do Brasil para determinar a prevalência de bronquite crônica e a sua relação com fatores de risco, entrevistaram 1053 indivíduos com idade acima de 40 anos e encontraram uma associação significante entre a doença e altos níveis de poluição em ambientes internos. A exposição a poluentes nos estudos apresentados foi usualmente estimada por questionários que avaliavam as horas de exposição diária e o número de anos de exposição. Um estudo caso-controle considerou a medida hora-anos: anos de exposição multiplicado pela média de horas de exposição diária. O risco de bronquite crônica isolada e de bronquite crônica associada a obstrução crônica de vias aéreas aumentou linearmente com as hora-anos de exposição à fumaça de biomassa. A OR para exposição superior a 200 hora-anos comparada à não exposição era de 15, com intervalo de confiança (IC) de 95% 5.6-40, para bronquite crônica e 75 (IC 95%, 18-306) para bronquite crônica associada a obstrução crônica de vias aéreas(29). Poucos estudos quantificaram o nível do material particulado nas cozinhas, mas estes confirmaram uma alta concentração desse poluente(33,30,31). Narboo(25) demonstrou a relação entre o número de horas dispendido na cozinha e o nível individual do monóxido de carbono exalado. Essas e outras evidências levaram à inclusão da poluição em ambientes internos por combustão de biomassa na relação de fatores de risco para o desenvolvimento da DPOC apresentada na Global Strategy for The Diagnosis, Management, and Prevention of Chronic Obstrutive Lung Disease (GOLD). Em 1991, Narboo et al.(25,34) mostraram em Ladakh, Índia, indivíduos com quadro clínico-radiológico compatível com pneumoconiose. No entanto, não havia indústrias ou minas no local. Dois fatores foram aventados para explicar o desenvolvimento da patologia respiratória: exposição à poeira proveniente das tempestades de areia, comuns na primavera, e exposição ao material particulado proveniente de combustão da biomassa utilizada para aquecer as residências, desprovidas de ventilação, para enfrentar o rigoroso frio da região. Investigações clínicas e radiológicas (35) em 449 habitantes de três vilas sujeitas a tempestades de areia com intensidades leve, moderada e grave mostraram prevalências de pneumoconiose de 2,0%, 20,1% e 45,3%, respectivamente. Os radiogramas de tórax mostravam características radiológicas indistinguíveis dos padrões radiológicos encontrados em indivíduos portadores de pneumoconiose que trabalhavam em minas ou indústrias. A concentração de poeira em cozinhas sem chaminé variava entre 3,22 e 11,30 mg/m3, com uma média de 7,50 mg/m3. Estudos estatísticos detalhados estabeleceram que a ocorrência de pneumoconiose era conseqüência não só das tempestades de areia, como também da exposição aos produtos originados pela queima da biomassa, e da idade. Outras duas doenças comumente associadas à exposição ocupacional, a antracose e a fibrose pulmonar intersticial difusa, têm sido encontradas freqüentemente em necropsias de pacientes sujeitos à exposição à fumaça de biomassa em ambientes internos (36,37). A infecção respiratória aguda de vias aéreas inferiores (IRVI) é a mais importante causa de mortalidade em crianças com idade abaixo de cinco anos, provocando aproximadamente 2 milhões de mortes anualmente nessa faixa etária. Dezesseis estudos epidemiológicos, sendo onze tipo caso-controle e cinco de coorte, realizados nos últimos vinte anos, em paises em desenvolvimento, mostraram uma associação entre exposição à poluição proveniente da queima da biomassa em ambientes internos e infecções respiratórias agudas de vias aéreas inferiores em crianças. Para caracterizar a IVRI foram utilizados critérios da OMS e/ou evidências radiológicas, e em quase todos os estudos foi avaliada a intensidade da exposição, incluindo o tipo de fogão e de combustível(38-46), se as crianças permaneciam em contato com a fumaça durante o preparo de alimentos(47,48), e se as mães carregavam os filhos nas costas enquanto cozinhavam(49-51). Armstrong e Campbell(50), por exemplo, mostraram que o risco de pneumonia em associação com a exposição à fumaça estava aumentado nas meninas, mas não nos meninos. Os autores sugerem que a diferença é conseqüência da maior exposição das meninas e não em virtude de diferenças biológicas entre os sexos. No mais recente estudo sobre o tema, Ezzatti e Kammen(52,53) acompanharam 345 crianças na região rural do Quênia (93 com idade menor que cinco anos) em 55 residências em ranchos de gado, que utilizavam biomassa como fonte de energia em fogões sem chaminés. Os autores avaliaram a exposição individual de adultos e crianças e combinaram-na com uma avaliação de sintomas pesquisados semanalmente, utilizando os critérios da OMS para IVRI. Este foi o primeiro estudo a avaliar a relação entre exposição a particulados e incidência de IVRI em crianças (menores que cinco anos) e adultos. Foi altamente significativo o aumento do risco de doença relacionada a altos níveis de exposição. Os autores não ajustaram os resultados para a variável nível socioeconômico. A incidência de IVRI nas crianças deste estudo foi consideravelmente mais alta, quando comparada a estudos prévios que avaliaram populações similares. Detalhada revisão do tema foi publicada por Smith et al.(54), que concluíram que a relação entre a exposição à fumaça da combustão de biomassa e a IVRI pode ser considerada como causal. Entretanto, o risco quantitativo ainda não está bem caracterizado. Em um único estudo que relacionou mortalidade perinatal (natimortos e mortes na primeira semana de vida) com a queima de biomassa, foi encontrada uma associação (OR de 1,5 IC 95%: 1,0-2,1 p = 0,05), com ajuste para uma ampla variedade de fatores, apesar de a exposição não ter sido diretamente quantificada. Todavia, o achado, com uma significância estatística marginal, é semelhante aos estudos com poluição atmosférica a céu aberto(55). Estudo conduzido na Guatemala mostrou que o peso dos recém-natos provenientes de residências que utilizavam biomassa como combustível era 63 g (IC 95%: 0,4-127, p = 0,049) menor em relação aos recém-natos provenientes de residências que utilizavam combustíveis "limpos". Esta estimativa foi ajustada para fatores confundidores, mas a exposição aos poluentes não foi diretamente quantificada(56). Os trabalhos que relacionam combustão de biomassa em ambientes internos e asma são conflitantes. Estudo caso controle em escolares em Nairobi, Quênia, mostrou um aumento do número de indivíduos asmáticos em residências em que havia exposição à fumaça de madeira(57). Estudo caso controle avaliando indivíduos entre onze e dezessete anos, realizado no Nepal, e utilizando o ISAAC (International Study of Asthma and Allergies in Children) encontrou OR de 1,81 (1.04-4.8) para asma ao comparar os indivíduos que utilizavam biomassa como fonte de energia e os que usavam gás ou querosene(58). Estudo transversal avaliando 1058 indivíduos entre quatro e seis anos na Guatemala, também utilizando o ISAAC, encontrou OR de 1.81 (IC 95%; 1,04-3,12) para sibilos em qualquer época e OR de 2.35 (IC 95%; 1,08-5,13) para sibilos nos últimos doze meses da avaliação(59), entre crianças expostas à queima de biomassa. Todavia, há estudos em que a mesma associação não foi encontrada(26,33,60). Estudos recentes sugerem uma associação da queima da biomassa em ambientes internos e tuberculose pulmonar(61-63). Essa associação, se confirmada, representa uma substancial implicação na saúde publica. A exposição à fumaça originada pela queima da biomassa poderia explicar a significativa diferença de prevalência da tuberculose encontrada na Índia entre as zonas rural e urbana, uma vez que 59% dos casos de tuberculose são provenientes da zona rural, onde a utilização de biomassa como combustível é maior, e 23% dos casos provenientes da zona urbana. A exposição ambiental ao material particulado pode ser um potencializador do binômio miséria/tuberculose, até este momento explicado somente pela má nutrição, aglomeração de pessoas e acesso inadequado aos serviços de saúde. A Índia tem o maior número de indivíduos cegos em relação a qualquer outro país do planeta. Além disso, um em cada três episódios de catarata do planeta ocorre na Índia. A catarata é responsável por 80% dos casos de cegueira naquele país. Irritação ocular, hiperemia conjuntival, e lacrimejamento são sinais e sintomas universalmente relatados em conseqüência de exposição à fumaça, mas podem ser alterações preliminares capazes de no futuro conduzirem à cegueira(64). Uma análise de aproximadamente 170 mil indivíduos na Índia mostrou um OR de 1,32 (IC 95%; 1,16-1,50) quando avaliou cegueiras completas ou parciais, comparando pacientes que utilizavam preferencialmente biomassa e pacientes que utilizavam outros tipos de combustível, após analisar as condições sócio-econômicas, condições de residência, e variáveis geográficas. Porém não foram avaliados tabagismo e estado nutricional(65). Até o presente momento, os dados coletados não indicam associação entre o risco de câncer e altos níveis de exposição à fumaça da queima de biomassa. Apesar da fumaça proveniente desse processo ser potencialmente carcinogênica, ainda assim seu poder carcinogênico é menor do que a fumaça proveniente da queima dos combustíveis de veículos automotivos(16). Os estudos abordando poluição do ar em ambientes internos e seus efeitos sobre a saúde, nos países em desenvolvimento, evidenciaram uma associação importante, apesar de apresentarem limitações metodológicas, como por exemplo: falta de uma melhor determinação da exposição à poluição; caráter observacional dos estudos; e elementos confundidores, via de regra, não avaliados adequadamente. Mas apesar das limitações desses estudos epidemiológicos, a evidência da relação causal entre a poluição do ar em ambientes internos e a DPOC e a IVRI é consistente, especialmente quando vista em conjunto com os conhecimentos prévios adquiridos em relação à poluição tabágica e à poluição atmosférica urbana (não esquecendo as diferentes composições dos poluentes), e com as evidências dos estudos em animais. Diversos estudos realizados nos Estados Unidos da América focalizaram a relação entre queima de madeira em lareiras e sintomas e/ou medidas de função pulmonar. A maioria dos estudos concentrou-se em crianças com menos de cinco anos devido à maior susceptibilidade desse grupo etário, decorrente de um menor volume pulmonar e do incompleto desenvolvimento de seu sistema imune. Além disso, a ausência de tabagismo ativo e a falta de exposição ocupacional não atuariam como fatores de confusão nesse grupo. A Tabela 3 (66-72) apresenta os estudos que estudaram o problema de forma mais consistente em ambientes internos. Outros estudos (Tabela 4)(73-78) avaliaram os efeitos sobre a saúde em comunidades em que a fumaça da queima de madeira contribui para o aumento da poluição, porém não é a única fonte de material particulado na atmosfera. A fumaça produzida pela queima de biomassa em ambientes internos interfere no mecanismo muco-ciliar e diminui as propriedades antibacterianas dos macrófagos pulmonares, os quais têm diminuído seu poder de fagocitose(79,80). Dois estudos toxicológicos em animais sugerem que a exposição à fumaça de madeira pode conduzir a um aumento da suscetibilidade a infecções respiratórias. Em um estudo financiado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América (USEPA), Selgrade comparou o efeito da exposição a um aerosol com Streptococcus zooepidemicus, agente que causa infecção respiratória grave, sobre três grupos de ratos que foram previamente expostos a uma das três situações: ar puro, poluentes gerados a partir da queima de óleo de caldeira, ou poluentes gerados a partir da queima de madeira. Duas semanas após a exposição, 5% dos ratos expostos ao ar puro ou à fumaça do óleo de caldeira morreram enquanto que entre os ratos expostos à fumaça da queima da madeira, a mortalidade foi de 26%. Judith Zelikoff et al., da Universidade de Nova York, expuseram ratos a uma concentração de 800 µg/m3 de fumaça proveniente da queima de madeira de carvalho por uma hora. Em seguida, os mesmos ratos foram expostos ao Staphylococcus aureus por instilação intratraqueal. Um grupo controle, não exposto à fumaça também recebeu o mesmo tratamento. A bactéria mostrou-se mais virulenta nos ratos expostos à fumaça e os autores sugeriram que a fumaça suprime a atividade dos macrófagos(81). Queima de biomassa em ambientes abertos e agravos à saúde Se os estudos avaliando poluição em ambientes fechados por queima de biomassa são pródigos em demonstrar efeitos adversos, o mesmo não acontece em relação à poluição em ambientes abertos. A própria OMS reconhece que a intensidade e a gravidade dependem de uma série de fatores, como: características dos poluentes, características da população exposta, exposição individual, suscetibilidade do individuo exposto e fatores de confusão (4).A fumaça decorrente da queima de biomassa em ambientes abertos produz efeitos adversos indiretos sobre a saúde, como a redução da fotossíntese, o que provoca diminuição das culturas agrícolas, ou o bloqueio dos raios ultravioletas A e B, o que provoca um aumento de microorganismos patogênicos no ar e na água, além do aumento de larvas de mosquitos transmissores de doenças(82-84). Em 1997, em decorrência do fenômeno El Niño, os estados de Kalimatan (Bornéu) e Sumatra (Indonésia) foram afetados por incontroláveis incêndios florestais, que tiveram duração de aproximadamente dois meses (entre julho e setembro) e resultaram em um episódio de grande poluição do ar, com impactos sobre a população em uma ampla região do sudoeste asiático, como na Indonésia, Malásia, Cingapura, sul da Tailândia, Brunei, e sul das Filipinas. Aproximadamente 1.500 focos de incêndio provocaram a queima de 550 mil hectares de florestas e uma área total de queima de biomassa de 4,5 milhões de hectares. A névoa decorrente desse processo cobriu 3 milhões de hectares, afetando uma população de 300 milhões de pessoas e provocando um gasto com saúde de 4,5 bilhões de dólares. Isso despertou a atenção das autoridades sanitárias de todo o mundo(85). Segundo a Secretaria Central de Estatística da Indonésia, entre setembro e outubro de 1997, em oito províncias do país, num total de aproximadamente 12,5 milhões de habitantes, houve aumentos nos atendimentos por asma brônquica, bronquite crônica e infecção respiratória aguda, atingindo 1.802.340 casos. As patologias respiratórias motivaram 36.462 visitas ao pronto socorro, 15.822 internações, e 2.446.352 dias de trabalho perdidos. Em várias províncias, o Total de Partículas em Suspensão (TSP) excedeu o limite de 260 µ/m3, considerado como aceitável, entre três e quinze vezes. Encontrou-se grande concentração de material particulado com diâmetro que variava entre 0,5 µm e 5 µm em áreas próximas às regiões mais afetadas pelo incêndio(86). Na Malásia houve aumento de crises agudas de asma em crianças e a função pulmonar em escolares decresceu durante o período agudo(87). O Ministério da Saúde de Cingapura monitorou a qualidade do ar em quinze estações durante o episódio da névoa em 1997. O Pollutant Standard Index (PSI) ficou acima de 100 por doze dias com pico de 138. A relação entre o PSI e o material particulado com diâmetro aerodinâmico menor que 10 µm (PM10) é a seguinte: 100 de PSI corresponde aproximadamente a 150 µg/m3 de PM10(88). Foram encontradas 94% de partículas com diâmetros inferiores a 2,5µg/m3 na névoa. Na última semana de setembro, quando os níveis de material particulado atingiram o pico, a vigilância sanitária de Cingapura relatou um aumento de 30% em atendimentos ambulatoriais relacionados a patologias respiratórias. Um aumento nos níveis do PM10 de 50µg/m3 para 150 µg/m3 foi significativamente associado a um aumento de 13%, 19% e 26% em infecção respiratória aguda, asma e rinite respectivamente(89). Na região central de Kalimantan, Bornéu, uma das áreas mais afetadas pela névoa, por um período de seis meses a partir de julho de 1997, o número de pacientes hospitalizados com pneumonia em setembro foi 33 vezes maior do que nos doze meses prévios. Relatórios do Hospital Distrital de Jambi (Sumatra) mostram que no mês de setembro houve aumento de internações por bronquite, laringite aguda e bronquiectasias, de 1,6, 8,0 e 3,9 vezes, respectivamente, em relação à média histórica. Em Jambi (Sumatra), uma amostra de 539 indivíduos respondeu a um questionário com o objetivo de avaliar os efeitos da poluição do ar sobre a população. Relataram algum tipo de sintoma 532 indivíduos (99,7%), e 491 (91,1%) referiram sintomas respiratórios. Os sintomas relatados foram considerados de média intensidade, mas a maioria dos entrevistados relatou mais de um sintoma e 85,9% relataram mais de 10 sintomas. Os entrevistados com idade acima de 60 anos referiram sintomas graves e relataram piora significativa na qualidade de vida(90). O sul da Tailândia foi coberto pela fumaça oriunda do incêndio durante dois meses, entre setembro e outubro de 1997. Houve um substancial aumento da morbidade respiratória, o que provocou aumento das internações hospitalares e de consultas ambulatoriais. A diferença percentual entre as internações hospitalares e consultas ambulatoriais da região sul (afetada) e da região norte (controle) foi de 26:18 para todas as consultas por doenças respiratórias, 33:18 para todas as admissões por doenças respiratórias, 36:18 para admissão por pneumonia, 40:28 para admissão por DPOC e 12:9 para admissão por asma. Os relatórios mensais mostraram que a morbidade por doenças respiratórias aumentou durante o episódio da névoa em aproximadamente 45 mil visitas ambulatoriais e 1.500 admissões hospitalares no sul da Tailândia. Modelos de análise de regressão demonstraram uma significativa associação entre a admissão hospitalar por doença respiratória e níveis mensais de PM10. Uma elevação de 10 µg/m3 na média mensal de PM10 significou aumentos no número de admissões hospitalares da ordem de 85%, 28%, 13% e 13% para doença respiratória em geral, pneumonia, DPOC e asma brônquica, respectivamente(91). Tan et al.(92) avaliaram a contagem de leucócitos em 30 voluntários (militares) sem doença prévia, utilizando amostras de sangue periférico, e compararam o período da névoa (29/09 a 27/10/1997) com o período após a névoa (21/11 a 5/12/1997) em Cingapura. O resultado mostrou que durante o período de maior poluição do ar houve um aumento relevante no número de leucócitos devido a um aumento no percentual de polimorfonucleares. Este efeito foi mais agudo em relação ao PM10 (efeitos associados às concentrações do poluente no dia do evento e um dia antes) do que em relação ao dióxido de enxofre (efeito associado à concentração do poluente três a quatro dias antes do evento). Os autores sugerem que a poluição atmosférica causada pela queima de biomassa está associada a um aumento na contagem de glóbulos brancos no sangue periférico, em virtude de um aumento na liberação dos precursores dos polimorfonucleares pela medula óssea, e que essa resposta pode contribuir para a patogênese da morbidade cárdio-respiratória associada a episódios agudos de poluição do ar. Eeden et al.(93), utilizando o mesmo grupo de indivíduos, demonstraram que houve aumento das citocinas circulantes, o que confirmou a hipótese levantada pelo estudo de Tan et al.. Antes do episódio do sudoeste asiático, eram poucos e não devidamente valorizados os estudos que avaliavam a exposição da população à queima de biomassa a céu aberto. Relatos de efeitos adversos provocados por eventos de queima descontrolada de vegetação remontam à década de 1960, quando Greemburg et al.(94) relataram um episódio ocorrido em Nova York nove anos antes, em 3/11/1952, quando a fumaça proveniente da queima de uma floresta "apagou o sol". Nesse dia houve um aumento de mortalidade de 20% em relação à média diária observada no mês. Em 1987, um incêndio de grandes proporções na Califórnia (EUA) elevou os níveis de TSP e PM10 a valores de até 1000 e 237 µg/m3, respectivamente. Esse fato causou um aumento na procura de atendimentos de pronto-socorro por asma, DPOC, laringite, sinusite e outras infecções respiratórias da ordem de 40%, 30%, 60%, 30%, e 50%, respectivamente(95). Indivíduos portadores de patologias respiratórias crônicas mostram-se mais susceptíveis aos efeitos da poluição gerada pela queima de vegetação. Durante incêndios florestais ocorridos em 1994, em Cingapura, foi registrado um aumento de 20% na procura de atendimentos em pronto-socorros por crianças asmáticas em comparação às médias anuais(96). Em relação aos adultos, a fumaça proveniente da queima de palha e resíduos agrícolas produziu em indivíduos portadores de obstrução de vias aéreas, de intensidade moderada a grave, exacerbações de sintomas, como dispnéia, desconforto respiratório, tosse e sibilos (97). Existem evidências de que não apenas os indivíduos com patologias prévias são afetados pelos poluentes do ar. Os bombeiros que atuam em incêndios florestais compreendem um grupo ocupacional de indivíduos com alta exposição à queima de biomassa. Estudos realizados com esses bombeiros indicam uma associação entre exposição ao material particulado e efeitos agudos sobre o sistema respiratório, além de irritação nos olhos, nariz e garganta, e diminuição de parâmetros da função pulmonar (CVF, VEF1, e fluxo expiratório forçado a 25% - 75% da CVC - FEF25-75)(98-101). Estudos prospectivos mostraram que esses efeitos podem ser reversíveis após o individuo se afastar da exposição à fumaça. Devemos considerar, entretanto, que a polícia florestal é uma parcela da população hígida, sem doenças prévia, e, em princípio, bem mais saudável que a média da população em geral. Portanto, é razoável supor que efeitos similares podem ser observados na população geral em exposições semelhantes ou menores. Queima da palha de cana-de-acúcar e agravos à saúde no Brasil Todos os estudos relacionados à queima de vegetação a céu aberto dizem respeito a episódios fortuitos. Existe, porém, uma região do planeta em que a queima da biomassa se faz de maneira programada. Na década de 1970, durante a crise do petróleo, o governo brasileiro implementou um programa chamado Proálcool com o objetivo de produzir um combustível alternativo, renovável, e não poluente: o etanol, derivado da cana-de-açúcar. Esse programa culminou com uma grande produção de veículos movidos a álcool a partir da década de 80, e com um grande incremento da cultura da cana-de-açúcar. Em 1996, somente cinco estados da federação não produziam cana-de-açúcar (Acre, Amapá, Pará, Rio Branco e Rondônia), sendo São Paulo o maior produtor, com aproximadamente 65% do total da produção nacional. Com a crescente utilização do álcool como combustível em veículos automotores houve uma melhora na qualidade do ar nos grandes centros urbanos. Existe, porém, um contraponto: a cana-de-açúcar é uma cultura agrícola singular, uma vez que, por razões de produtividade e de segurança, sua colheita é realizada após a queima dos canaviais, o que gera uma grande quantidade de elemento particulado negro denominado "fuligem da cana". Esse material particulado modifica as características do ambiente nas regiões onde a cana-de-açúcar é cultivada, colhida e industrializada. Essas regiões são laboratórios naturais onde a população fica exposta, por aproximadamente seis meses ao ano, aos poluentes provenientes da queima de biomassa. O Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (LPAE) do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo foi pioneiro em nosso país na avaliação dos efeitos tóxicos dos poluentes emitidos pela queima de combustíveis fósseis nos grandes centros urbanos e seus efeitos sobre os seres humanos (102-104). Foi também o pioneiro na avaliação dos efeitos tóxicos da combustão do álcool, da mistura álcool/gasolina e na sua posterior comparação com os efeitos tóxicos da combustão da gasolina e da mistura chumbo/gasolina. (105,106). A potencial gravidade da situação foi eloqüente o suficiente para que o LPAE enveredasse por um novo caminho de pesquisa: estimar os efeitos da poluição do ar causada pela queima de biomassa. Foram definidas duas regiões do Estado de São Paulo para sediar estes estudos: Araraquara e Piracicaba , que estão entre os maiores produtores de cana-de-açúcar do planeta. Relatórios da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB)(107,108), emitidos em 1986 e em 1999, sobre a qualidade do ar em Araraquara, mostravam um importante aumento da poeira total em suspensão e do PM10 no período da safra da cana-de-açúcar, em comparação com o período de não safra. Do ponto de vista médico, o interesse pelo problema reside no fato de que muitos pacientes com doenças crônicas do aparelho respiratório, principalmente bronquite crônica, enfisema, e asma, referem agravamento dos seus sintomas no período do ano que coincide com a queimada da cana. Mas não é só. Indivíduos hígidos, na mesma época do ano, referem, com freqüência, irritação em vias aéreas superiores com ardor no nariz e na garganta. A presença na atmosfera de resíduos grosseiros resultantes da combustão da cana-de-açúcar aparece, para a população em geral, como a evidência de que os sintomas respiratórios dependem ou são agravados pela poluição ambiental gerada pelas queimadas. Entretanto, o problema não é tão simples quanto aparenta. Não se pode, por exemplo, descartar a possibilidade de que alterações climáticas sejam as responsáveis pelo agravamento dos sintomas respiratórios em uma parcela de indivíduos da população. Franco(109), em 1992, formulou algumas considerações a respeito da relação entre a queima da cana-de-açúcar e agravos à saúde: 1. durante a época das queimadas dos canaviais há uma piora na qualidade do ar na região; 2. a queimada dos canaviais não é o único fator de agravamento da qualidade do ar, mas em conseqüência da extensão da área plantada e da duração das queimadas, final de abril a início de novembro, as descargas de gases e de outros poluentes na atmosfera da região ganham um significado importante e não podem ser menosprezadas; 3. a população de risco, que tem sua qualidade de vida e de saúde agravada em condições atmosféricas adversas, é bastante significativa; 4. a maioria das pessoas que compõem a população de risco demanda um número muito maior de consultas, atendimentos ambulatoriais, medicação, e internações. Isso onera não só os serviços médicos, mas a economia das famílias. Considerando a escassez de trabalhos correlacionando os efeitos da queimada da cana-de-açúcar e a dimensão da população de risco e dos ônus médico, social e econômico dessa condição, o nosso grupo de pesquisa decidiu abordar a questão. Um estudo epidemiológico de série temporal, com o objetivo de avaliar a associação entre o material particulado coletado durante a queima de plantações de cana-de-açúcar e um indicador de morbidade respiratória em Araraquara foi desenvolvido entre 26 de maio e 31 de agosto de 1995. O número diário de pacientes que necessitaram inalações em um dos principais hospitais da cidade foi quantificado, e utilizado para estimar a morbidade respiratória. Encontrou-se uma associação positiva significante e dose-dependente entre o número de terapias inalatórias e o peso do sedimento, utilizado como medida do material particulado gerado pela queima da cana-de-açúcar. Um aumento de 10 mg no peso do sedimento esteve associado a um risco relativo de terapêutica inalatória de 1,09 (IC 95%: 1,01-1,18). Nos dias mais poluídos, o risco relativo de terapêutica inalatória foi de 1,20 (1,03-1,39). Esses resultados indicam que a queima das plantações da cana-de-açúcar pode causar efeitos deletérios à saúde da população exposta(110,111). O LPAE prosseguiu os estudos analisando a influência da poluição atmosférica proveniente da queima da palha da cana-de-açúcar sobre as doenças respiratórias na cidade de Piracicaba. Nesta cidade, havia condições propícias para o desenvolvimento de um trabalho visando avaliar as contribuições tanto da poluição gerada pela queima de biomassa como aquela derivada da queima de combustíveis fósseis sobre a saúde humana. Lara(112) coletou, entre abril de 1997 e março de 1998, material particulado, separando-o em frações fina e grossa. Ele foi então analisado e quantificado para black carbon (BC), Al, Si, P, S, Cl, K, Ca, Ti, V, Cr, Mn, Fe, Ni, Cu, Zn, Br, Pb(112). No mesmo período quantificaram-se as internações hospitalares diárias por doenças respiratórias, em crianças e adolescentes (abaixo de 13 anos de idade), e em idosos (maiores de 65 anos de idade) através de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). A análise dos componentes principais absoluta identificou que a queima de biomassa e a re-suspensão do material erodido do solo (Fator 1) são responsáveis por 80% do material particulado fino (PM2,5). O risco relativo de internações hospitalares por doenças respiratórias em crianças e adolescentes foi significativamente associado à variação interquartil do PM10, PM2,5, BC, Al, Si, Mn, K, e S. Um aumento de 10,2µg/m3 no PM2,5 associa-se a um aumento de 21,4% (95% CI 4,3;38,5) nas internações por doenças respiratórias em crianças e adolescentes. Em idosos, o risco relativo de internações hospitalares por doenças respiratórias está também significativamente associado à variação interquartil do PM10, BC, e K. Quando se compararam os períodos de queima e de não queima da palha da cana-de-açúcar, o efeito foi 3,5 vezes maior no período da queima, o que mostra o impacto desta sobre a saúde da população na cidade de Piracicaba (113). Conclusões As mudanças físicas e biológicas ocorridas no ambiente devidas à atividade humana resultaram em um enorme impacto sobre a saúde. A extensão dessas mudanças, que repercute nos dias de hoje, e ainda compromete o futuro, não está totalmente estabelecida. Por exemplo, emissões passadas de monóxido de carbono e outros gases geradores do efeito estufa, e a depleção da camada de ozônio na estratosfera, ainda são problemas atuais com os quais nos defrontamos. Da mesma forma, a contínua modificação dos sistemas ecológicos que sustentam a vida humana poderá representar no futuro uma ameaça à saúde de forma global. Devido aos efeitos dos gases estufa, a temperatura da superfície terrestre aumentou aproximadamente 1,2°C desde 1850, sendo 0,5°C entre 1978 e os dias de hoje, o que leva a um contínuo aquecimento da superfície dos oceanos, o que provoca mudanças de direção nas correntes marinhas profundas, com dramáticas mudanças climáticas regionais, acarretando problemas como escassez de água e alimentos. Entre as razões do contínuo desenvolvimento da espécie humana encontra-se a proteção à saúde. Porém, ainda há uma lentidão na avaliação e implementação de medidas saneadoras quando se trata da relação ambiente e saúde, muito especialmente quando se trata de queima de biomassa. Segundo a American Lung Association(114), mais de 800 novos estudos científicos que associam os efeitos do material particulado em suspensão no ar, proveniente da queima de combustíveis fósseis, sobre a saúde humana, foram publicados entre 1997 e 2001. Entretanto, a literatura é extremamente parcimoniosa ao avaliar os efeitos sobre a saúde humana da combustão de biomassa, seja em ambientes internos, modalidade de obtenção de energia utilizada por três bilhões de indivíduos no planeta, seja por queima de vegetação a céu aberto, em relação à qual ainda hoje não existem estimativas precisas do número de pessoas expostas aos poluentes liberados. Ainda hoje não se consegue determinar a causa do início do fogo em vegetação em 50% dos episódios, o que torna a queima de vegetação a céu aberto na Ásia, na América, na África e em outras partes do mundo um fenômeno recorrente. Estimativas mostram que, no ano 2000, 351 milhões de hectares de vegetação do planeta foram afetados pelo fogo. A população atingida pelos produtos gerados pela combustão de biomassa, via de regra, corresponde aos indivíduos com maior grau de pobreza, e com menor possibilidade de acesso aos serviços de saúde, o que certamente faz piorar a sua já precária qualidade de vida. Os dados apresentados nesta revisão devem ir além de simplesmente identificar as populações mais afetadas pela queima de biomassa e descrever os complexos mecanismos de impactos sobre a saúde, mas também devem enviar uma mensagem aos pesquisadores, no sentido de expandir o limitado conjunto de conhecimentos e, dessa forma, possibilitar a criação de programas efetivos de intervenção com o objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida aos indivíduos expostos.
Endereço para correspondência Av. Dr. Arnaldo, 455, 1° Andar, Sala 108, Cerqueira César CEP 01246-903, São Paulo, SP Recebido para publicação, em 12/9/03. Aprovado, após revisão, em 12/2/04. Este estudo foi financiado pelo LIM05-FMUSP e UNISA.
Trabalho realizado no laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Endereço para correspondência Av. Dr. Arnaldo, 455, 1° Andar, Sala 108, Cerqueira César CEP 01246-903, São Paulo, SP Tel: (16) 236-5228 E-mail: * Trabalho realizado no laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
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