O que alerta Almeida (2022), aplicado ao racismo

O que se pode dizer diante de uma guerra e suas tragédias?

Falar sobre a invasão do território da Ucrânia pela Rússia não é tarefa simples, mesmo para os mais experientes e sofisticados analistas.

O peso geopolítico do conflito, a velocidade das informações e a ampla aceitação por parte da mídia de reflexões maniqueístas faz com que os esforços para captar as complexidades do evento sejam muitas vezes vistos como tentativas de justificação da guerra.

A ocultação das múltiplas motivações da guerra acaba por ser uma aposta na impotência política e, por consequência, na inevitabilidade do sofrimento humano. É preciso dizer que há uma economia política que organiza este conflito, e que esta guerra é, essencialmente, contra os pobres e contra os trabalhadores. São em geral estas pessoas que se tornam refugiadas, que são levadas a atirar em estranhos e que tem de um dia para o outro suas vidas destroçadas. O que está realmente em jogo aqui é o expansionismo capitalista, a concorrência entre Estados e os intrincados conflitos de classe que ocorrem em nível nacional e internacional.

Termos como "loucura", "descontrole" ou "senilidade" nada explicam sobre a destruição de um país e de milhares de vidas. A crueldade está em jogar no campo do irracional um evento que está diretamente ligado à lógica destrutiva da mercadoria que governa o nosso mundo, uma lógica que se ampara no poderio militar.

Todos os governos e seus respectivos líderes estão bastante cientes do horror que estão promovendo e das consequências funestas de seus atos sobre populações civis.

Tampouco é correto considerar esta guerra como mera continuidade da antiga Guerra Fria. Esta guerra é uma guerra do presente, da crise em que todos estamos metidos e das disputas geopolíticas contemporâneas. Não fossem tempos tão confusos talvez fosse desnecessário lembrar o óbvio: a Rússia não é a União Soviética, Biden não é Roosevelt e, muito menos, Putin é Lênin.

Assim como é muito atual o espetáculo de racismo e humanismo seletivo demonstrado não apenas no cenário de guerra —em que se evidencia a diferença no tratamento dado a refugiados brancos e não brancos— mas também na cobertura racista da imprensa mundial. Esta guerra, como sói acontecer em conflagrações deste tipo, destampou a fossa onde o mundo dito "civilizado" jogou alguns dos piores dejetos que a humanidade já produziu.

"Uma civilização que prefere fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais é uma civilização moribunda", diz Aimé Cesaire em "Discurso sobre o colonialismo". É uma "decadence sans elegance", tão bem refletida em grande parte da cobertura jornalística, que já não consegue disfarçar seu desprezo por pessoas que não têm olhos azuis ou a surpresa pelo fato de que sejam pessoas brancas a se matar no sagrado solo da Europa. Daí seguem-se explicações baseadas em delírios de "orientalismo", descrições fantasiosas de "choque de civilizações" e o mais descarado racismo.

O que alerta Almeida (2022), aplicado ao racismo

Um bombeiro combate incêndio em um armazém bombardeado em Chaiky, na região de Kiev. Reuters/Serhii Nuzhnenko - 3.mar.2022

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Imagem de vista aérea mostra um edifício residencial destruído por bombardeios, no assentamento de Borodyanka, na região de Kiev. REUTERS/Maksim Levin - 3.mar.2022

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Um veículo blindado destruído é visto em uma rua no assentamento de Borodyanka,na região de Kiev. REUTERS/Maksim Levin - 3.mar.2022

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Uma mulher é vista perto de um prédio da administração ferroviária da Ucrânia danificado por bombardeios recentes perto de uma estação de trem central em Kiev. REUTERS/Gleb Garanich - 3.mar.2022

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Moradores locais são vistos em frente a prateleiras parcialmente vazias em um supermercado em Kiev. REUTERS/Mykhailo Markiv - 3.mar.2022

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Um soldado ucraniano segura um lançador antitanque na linha de frente, a nordeste de Kiev,. AFP/Aris Messinis - 3.mar.2022

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Movimentação de refugiados em estação de trem em Lviv. The New York Times/Ivor Prickett - 3.mar.2022

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Crianças a bordo de um trem evacuando pessoas de Kiev, Ucrânia. The New York Times/Lynsey Addario - 3.mar.2022

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Taria, 27, sai de uma barraca onde mora com seus dois filhos em uma estação de metrô, onde muitos deles residem há cerca de uma semana, em Kiev. The New York Times/Lynsey Addario - 3.mar.2022

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Construções antitanque são vistas em Kiev. REUTERS/Gleb Garanich - 3.mar.2022

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Um homem do serviço ucraniano verifica um homem escondido em uma trincheira depois que um avião de guerra russo sobrevoou a cerca de 80 quilômetros a nordeste de Kiev. AFP/Aris Messinis - 3.mar.2022

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Um soldado ucraniano se afasta de uma fogueira na linha de frente, a nordeste de Kiev. AFP/Aris Messinis - 3.mar.2022

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Uma mulher chora enquanto tenta embarcar em um trem gratuito para a Polônia em uma estação de trem em Lviv, no oeste da Ucrânia. AFP/Daniel Leal - 3.mar.2022

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Trantin Kirill, diretor do zoológico, alimenta Khoras, um elefante macho de 17 anos no zoológico da cidade de Kiev, Ucrânia. REUTERS/Gleb Garanich - 3.mar.2022

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Uma mulher aguarda dentro de um ônibus enquanto os evacuados da cidade de Irpin chegam em Kiev, Ucrânia. REUTERS/Mikhail Palinchak - 3.mar.2022

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O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky gesticula durante sua coletiva de imprensa em Kiev. AFP/Sergei Supinsky - 3.mar.2022

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Mulher cozinha para soldados ucranianos na linha de frente, a nordeste de Kiev. AFP/Aris Messinis - 3.mar.2022

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Moradores locais reagem em frente ao prédio em chamas após o bombardeio em Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia, . AFP/Sergey Bobok - 3.mar.2022

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Foto divulgada pelo Serviço de Emergência do Estado da Ucrânia mostra fumaça subindo de um depósito de petróleo, que se diz ter sido atingido por bombardeios, em Chernihiv. AFP/Serviço de Emergência do Estado da Ucrânia - 3.mar.2022

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Menina segura pelúcia do Ursinho Pooh enquanto famílias, que fugiram da Ucrânia devido à invasão russa, chegam a um campo de refugiados na capital da Moldova, Chisinau. AFP/Nikolay Doychinov - 3.mar.2022

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Uma vista mostra um edifício residencial danificado por bombardeios recentes, enquanto a invasão russa da Ucrânia continua, em Chernihiv. REUTERS/Roman Zakrevskyi - 3.mar.2022

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Voluntário olha segura um bebê enquanto o ajuda a embarcar em um trem que se prepara para partir de uma estação em Lviv, no oeste da Ucrânia, a caminho da Polônia. AFP/Daniel Leal - 3.mar.2022

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Veículo militar queimado em Borodyanka, a noroeste de Kiev. AFP/@StahivUA / ESN - 3.mar.2022

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Veículos militares russos destruídos são vistos em uma rua no assentamento de Borodyanka, na região de Kiev, capital da Ucrânia. Reuters/Maksim Levin - 3.mar.2022

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Manifestação em Berlim contra a guerra na Ucrânia . AFP/John MacDougall - 3.mar.2022

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Pessoas cruzam a fronteira da Ucrânia em direção à Moldávia, fugindo de guerra. Xinhua/Wang Qing - 3.mar.2022

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Refugiados ucranianos fazem fila em estação na Hungria. Reuters/Marton Monus - 3.mar.2022

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Lojas da marca H&M fecham as portas na Rússia em protesto contra guerra na Ucrânia. Reuters/Alexey Malgavko - 3.mar.2022

Jean-Paul Sartre, em prefácio escrito para "Condenados da Terra", de Frantz Fanon, nos alerta que Europa e Estados Unidos (que ele chama de "monstro supereuropeu") teriam que encarar "o inesperado espetáculo do strip-tease de seu humanismo". Um "humanismo racista", vez que, segundo o filósofo, "o europeu não pôde fazer-se homem senão fabricando escravos e monstros".

Já Aimé Cesaire constata que o que não se perdoa ao nazista "não é seu crime contra o homem, mas contra o homem branco" e "o ter aplicado à Europa processos colonialistas a que só árabes da Argélia, "coolies" da Índia e negros da África estavam subordinados".

E termina Cesaire dizendo que: "nunca o Ocidente, no próprio momento em que mais se deleita com esta palavra, esteve tão longe de poder assumir as exigências de um humanismo verdadeiro: um humanismo à medida do mundo".

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Militares ucranianos andam em local atacado pelos russos na capital, Kiev. Sergei Supinsky- 26.fev.2022/AFP/

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Soldados ucranianos em Kiev, após ataque das tropas russas . Sergei Supinsky- 26.fev.2022/AFP/

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Edifício residencial foi danificado por bombardeio em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia. Sergey Bobok- 26.fev.2022/AFP/

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Prédio atingido por míssil em Kiev, a capital da Ucrânia. Daniel Leal - 26.fev.2022/AFP/

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Prédio atingido por míssil em Kiev; capital ucraniana impôs toque de recolher à população. Daniel Leal - 26.fev.2022/AFP/

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Depósito de petróleo em chamas após ser atingido durante bombardeio na região de Kiev, na Ucrânia. Maksim Levin - 27.fev.2022/Reuters/Maksim Levin

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Homem caminha em frente a um prédio destruído após ataque com mísseis russos na cidade de Vasylkiv, perto de Kiev. Dimitar Dilkoff - 27.fev.2022/AFP/

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Pessoas fazem fila em frente a supermercado; ao fundo, fumaça sobre a cidade de Vasilkiv, na Ucrânia. Dimitar Dilkoff - 27.fev.2022/AFP/

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Cratera causada por bombardeios nos arredores de Kiev, na Ucrânia. Genya Savilov - 28.fev.2022/AFP/

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Mísseis atingiram o centro de Kharkiv, a segunda maior cidade do país da Ucrânia localizada a 450 km da capital Kiev. Sergey Bobok - 01.mar.2022/AFP/

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Carro destruído em Kharkiv; ataque com míssil na cidade atingiu áreas residenciais e o prédio oficial do governo. Sergey Bobok - 01.mar.2022/AFP/

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A praça central da cidade também foi destruída; segundo balanço do Ministério do Interior ucraniano, ao menos dez pessoas morreram e outras 35 ficaram feridas em ataque com míssil. Sergey Bobok - 01.mar.2022/AFP/

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Forças militares russas atingiram uma torre de televisão em Kiev, na Ucrânia; o ataque interrompeu a transmissão de canais do país. Carlos Barria - 01.mar.2022/Reuters/

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Torre de televisão é atingida pelas forças russas; ataque deixou pelo menos cinco mortos, segundo o Ministério do Interior ucraniano. Carlos Barria - 01.mar.2022/Reuters/

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Torre de televisão atingida por ataque russo fica próxima ao Memorial do Holocausto Babi Yar, local em que os nazistas mataram mais de 30 mil judeus em dois dias, em 1941. Carlos Barria - 01.mar.2022/Reuters/

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Tropas russas atingiram a infraestrutura dos serviços de segurança da Ucrânia em Kiev. Genya Savilov - 01.mar.2022/AFP/

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Danos na entrada de um prédio após o bombardeio pelas forças russas na Praça da Constituição em Kharkiv; autoridades da Ucrânia disseram que o ataque destruiu áreas residenciais e o prédio da administração regional. Sergey Bobok - 02.mar.2022/AFP/

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Região na Ucrânia destruída por bombardeio russo. Genya Savilov - 01.mar.2022/AFP/

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Bombeiros caminham na Praça da Constituição, em Kharkiv, na Ucrânia, após bombardeio das forças russas. Sergey Bobok - 02.mar.2022/AFP/