Por que o ciclo menstrual sincroniza

Por que o ciclo menstrual das mulheres se alinha?

Embora não exista uma explicação científica, esse alinhamento pode estar ligado ao feromônios

Por que o ciclo menstrual sincroniza

Formado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008). Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pel...

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Por que o ciclo menstrual sincroniza

Foto: Reprodução/Shutterstock

Desde a minha infância, sempre questionei o porquê de minha mãe e minha irmã menstruarem juntas. Achava isso, de certa forma, maluco. Como poderia haver esse alinhamento? Contudo, a ginecologia me trouxe algumas respostas, ainda não tão concretas, mas que me fizeram entender como isso era possível.

A resposta provável para isto tudo são os feromônios. Algumas de vocês já devem devem ter ouvido falar sobre eles em relação à atração sexual. Tratam-se de odores exalados naturalmente por todos os seres humanos, mas que não são perceptíveis pelo olfato humano. Eles podem influenciar no funcionamento do organismo de outras pessoas.

Ainda que não haja comprovação científica de que são eles os responsáveis pelo alinhamento menstrual, existem estudos demonstrando que mulheres que inalam o suor de uma outra mulher passam a ficar menstruadas na mesma época.

A única maneira de se evitar isso é fazer uso de anticoncepcional com pausa (a menstruação vem após a parada do anticoncepcional) ou não conviver com outras mulheres, o que não faz o menor sentido já que trata-se de um processo natural e que não causa qualquer prejuízo.

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Você morou junto com outras mulheres e seus ciclos menstruais entraram em sincronia? No trabalho, suas colegas começaram a menstruar nos mesmos dias que você? A sua menstruação coincide com a das suas amigas mais próximas?

Apesar de muita gente achar que isso é possível, ciclos não são astros para se alinharem e hormônios não são vírus para serem espalhados pelo ar. Um novo estudo da Universidade de Oxford realizado em parceria com o aplicativo de fertilidade Clue mostrou que, ao contrário do senso comum, quanto mais as mulheres convivem, maiores são as chances de seus períodos menstruais acontecerem em dias diferentes.

A pesquisa investigou 360 pares de mulheres que viviam juntas e analisou três ciclos menstruais consecutivos de cada dupla – esse foi o estudo sobre o assunto com a maior amostragem de participantes já feito. A partir de 1.500 respostas, os pesquisadores perceberam que mais de 75% das duplas menstruaram em datas mais distantes de suas amigas no terceiro mês que no primeiro. Ou seja, com o passar do tempo os ciclos foram se afastando.

“Faz parte da natureza de duas séries matemáticas que continuam se repetindo: a série divergirá à medida que os números crescerem. É de se esperar que a cada seis meses mais ou menos, os períodos menstruais vão se sincronizar. Mas isso não significa que diferença está ficando menor”, afirma a cientista do aplicativo Clue, Marija Vlajic, em entrevista ao The Guardian.

A sincronia menstrual não tem nada de pacto de sangue, conexão uterina, mística, muito menos de científica: é pura coincidência das probabilidades.

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Existe uma crença de que quando várias pessoas que moram ou trabalham juntas acabam sincronizando seus ciclos menstruais. Já ouviu falar nisso? E… será que é verdade?

Em 1971, a pesquisadora Martha K. McClintock publicou na revista Nature o artigo “Menstrual Synchrony and Suppression”, analisando que a “sincronia e supressão entre um grupo de mulheres que vivem juntas em um dormitório de faculdade sugerem que a interação social pode ter um forte efeito no ciclo menstrual”.

Ela estudou 135 mulheres, nas idades de 17 a 22 anos, todas residentes de um dormitório em uma universidade para mulheres. Por três vezes durante o ano acadêmico, cada mulher informou quando havia sido sua última e penúltima menstruação, além de com quais pessoas elas passavam mais tempo e, assim, fizeram o cruzamento desses dados. O resultado observado foi que houve uma sincronização significativa entre amigas próximas e colegas de quarto.

No próprio artigo, McClintock reconhece que essa sincronia pode ser justificável por diferentes fatores e não necessariamente por passarem tempo juntas. Ela menciona, por exemplo, o fato das mulheres normalmente terem costumes similares de alimentação e períodos de estresse semelhantes uma vez que moravam no mesmo dormitório. Assim, foram realizados mais experimentos, e o método foi ajustado para dar conta desses elementos. O resultado da pesquisa afirma que, apesar de ser um estudo preliminar, “a evidência para sincronia e supressão do ciclo menstrual é alta, indicando que em humanos há alguma forma de processo interpessoal psicológico que afeta o ciclo menstrual”.

Diversos outros estudos foram realizados a partir daí. Em 1998, McClintock sugere a hipótese – baseada em estudos de laboratório – de que o alongamento ou encurtamento dos ciclos era causado por feromônios de base ovariana que aceleravam ou retardavam o aumento do hormônio luteinizante e, portanto, encurtavam ou aumentavam os ciclos menstruais. Além da biopsicóloga, outros pesquisadores se debruçaram sobre o tema, estudando colegas de quarto, companheiras de trabalho, atletas, entre outros grupos e casais compostos por mulheres. “No entanto, a literatura fornece evidências longe de serem conclusivas para a existência de sincronia menstrual”, diz Anna Ziomkiewicz, no estudo “Menstrual Synchroni: fact or artifact?”

Zeimkiewcz afirma em seu artigo que os estudos que se seguiram, nos últimos 30 anos, não encontram embasamento para a hipótese levantada por McClintock e, aponta também erros de pesquisas anteriores:

“O fenômeno foi questionado por estudos teóricos, metodológicos e empíricos de acompanhamento. Usando um modelo matemático, Wilson (1992) mostrou que a sincronia menstrual deve ser esperada em metade dos casos estudados, sem que nenhuma causa externa a produza. A probabilidade de ocorrência desse fenômeno deve ser maior no início de um período de observação e diminuir para os valores esperados nas observações subsequentes. Ele também encontrou três erros metodológicos que apareceram em estudos anteriores e podem aumentar a probabilidade de observar a sincronia quando de fato ela não ocorreu: (1) um período de observação muito curto, (2) métodos incorretos de calcular as diferenças de início masculino e (3) exclusão de assuntos específicos da análise.”

A própria Anna Ziomkiewicz conduziu uma pesquisa com 200 estudantes poloneses que moravam no mesmo dormitório. O resultado foi resumido em uma frase: “mulheres não sincronizaram seus ciclos menstruais”.

Sincronia ou sobreposição de ciclos?

Uma série de artigos publicadas no início dos anos 2000, no Journal of Comparative Psychology, pelos pesquisadores Schank, Weller e Weller e Graham mostra as discussões em torno do tema. Schank afirma que não há evidência de que ciclos menstruais se sincronizem e sua principal crítica diz que “muitos pesquisadores que estudam a sincronia estão examinando uma pontuação de sincronia (na qual quanto mais próximos estão os ciclos, menor é a pontuação). Uma pontuação de sincronia baixa, então, não é sincronia real. Além disso, Schank aponta que as pontuações de sincronia aumentam em cada artigo que ele analisa, o que significa que as mulheres se tornam menos sincronizadas com o tempo em todas as populações de estudo existentes.”

O artigo “Do Women in Groups Bleed Together? On Menstrual Synchrony”, de Kate Clancy, publicado em 2011 no site Scientific American, ajuda a entender melhor a posição de Schank:

“Em ambos os artigos de Schank e sua carta (Schank 2000; Schank 2001; Schank 2002), bem como o artigo de Strassmann (1999) e outros de Wilson (Wilson 1992; Wilson et al. 1991), os autores apontam vieses estatísticos metodológicos adicionais . Aquelas que realizam pesquisas de sincronia menstrual falham em controlar os vieses de memória ou sincronia aleatória e aumentam a diferença inicial no início do ciclo, o que cria uma aparência mais forte de sincronização posterior. Além disso, Strassmann aponta que aqueles que controlam essas questões não encontram evidências de sincronia (Strassmann 1999). Finalmente, a maioria das críticas à pesquisa de sincronia também aponta que a sincronia é muito difícil de conseguir quando os ciclos menstruais naturais são altamente variáveis – o que é verdade que são.”

Mas a gente percebe que essa sincronia acontece entre nossas amigas e colegas de trabalho. Não há mesmo algum fundo de verdade nas observações de sincronia de McClintock? De acordo com Shanck o que acontece é, na verdade, uma sobreposição de ciclos e não uma sincronia.

“A crença popular na sincronia menstrual origina-se de uma percepção equivocada sobre a diferença entre o início da menstruação para duas mulheres”, ele diz. “Dada uma duração de ciclo de 28 dias (não a regra – mas um exemplo), o máximo que duas mulheres podem estar fora de fase é de 14 dias. Em média, os inícios [dos ciclos] ocorrerão com 7 dias de intervalo. Metade do tempo eles deveriam estar ainda mais próximos (Wilson 1992, Strassmann 1997). Dado que a menstruação geralmente dura 5 dias, não é surpreendente que amigas comumente experimentem menstruações sobrepostas, o que é considerado uma confirmação pessoal da sincronia menstrual” (Strassmann 1999: 579).

O que ele quer dizer é que, eventualmente, mulheres de um mesmo grupo irão menstruar num mesmo período, mas que isso tem a ver com as chances matemáticas de uma sobreposição dos cliclos e não por uma sincronia menstrual.

O curioso é que acreditamos na sincronia da menstruação como algo que vai muito além de cálculos matemáticos ou pesquisas científicas. O estudo de McClintock – que deu a partida na discussão – foi publicado nos anos 70, e encontrou grande acolhida no crescente movimento feminista e de certa forma isso é percebido até hoje. Mais do que estudo sobre as causas da sincronia do ciclo menstrual, a pesquisa de McClintock parece ser usada para algo que transcende seus dados, uma narrativa de espécie aproximação quase que mística entre grupos de mulheres é criada em torno desse estudo.

Talvez seja muito mais legal acreditar que de alguma forma nosso corpo reconhece que estamos entre iguais e nossos ciclos se sincronizem, mas precisamos aceitar a realidade de que muito provavelmente isso não passa de coincidência.

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Referências:

CLANCY, Kate. Do Women in Groups Bleed Together? On Mesntrual Synchrony. Scienfic American, 2011. Disponível em: https://blogs.scientificamerican.com/context-and-variation/menstrual-synchrony/. Acesso em 18.06.2021.

MCCLINTOCK, M. K. (1971). Menstrual Synchrony and Suppression. Nature, 229(5282), 244–245. doi:10.1038/229244a0. Disponível em: https://sci-hub.se/https://www.nature.com/articles/229244a0. Acesso em 18.06.2021.

Ziomkiewicz, A. (2006). Menstrual synchrony: Fact or artifact? Human Nature, 17(4), 419–432. doi:10.1007/s12110-006-1004-0. Disponível em: https://sci-hub.se/10.1007/s12110-006-1004-0. Acesso em 18.06.2021.

Editado por Bruna Rangel e revisado por Júlia Zacour