A abrangência do conceito de diversidade ganha proporção no contexto do brasil

Este ensaio tem como foco a concepção de currículo nacional comum no contexto da educação brasileira e como objetivo contribuir para a reflexão acerca do conceito de diversidade em um “possível” currículo comum para o imenso e complexo sistema educacional de nosso país. Argumento neste ensaio que um novo documento oficial sobre currículo – Base Nacional Curricular Comum (BNCC), não é necessário, pois o Brasil já possui inúmeros documentos oficiais com a função de orientar um currículo comum para as escolas das redes de ensino esparramadas no território nacional. Diferentemente da proposta de um “novo” currículo, defendo a ideia de que o maior desafio para o governo federal está em tornar a base curricular já existente acessível à diversidade humana (docentes brasileiros, estudantes com características diferentes e gestores, funcionários e familiares) presente nas escolas brasileiras. Esse argumento, necessariamente, implica uma abordagem da base curricular nacional que transcende meramente o âmbito dos conteúdos disciplinares, como a proposta em curso faz. Com a finalidade de clarificar teoricamente o conceito de diversidade inicio delineando o panorama político-ideológico da globalização da economia representada pelo Fórum Econômico Mundial de Davos e pela aliança democrática conservadora, ambos interessados em influenciar reformas em sistemas educacionais de forma que estes se tornem capazes de responder às demandas das agendas das elites dominantes. A seguir, problematizo o termo diversidade relacionando-o à condição humana, a partir da qual identifico elementos e dimensões constitutivas do conceito de diversidade. Depois, trato da diversidade humana no Brasil, país de dimensões continentais e diferenças regionais significativas. Discuto, então, o sentido (ou a falta dele) do lançamento pelo governo federal de um “novo” currículo de base comum no Brasil. Finalmente, apresento considerações sobre o currículo nacional relacionando-o às tensões e demandas escolares. Palavras Chave: Diversidade Humana, Currículo Nacional de Base Comum, Política Pública,

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com uma educação básica que conduz à emancipação e assegura os direitos 
humanos de grupos vulneráveis, a emergência e consolidação do termo diversidade 
na educação está diretamente relacionada às relações de poder, interesses das classes 
dominantes e, principalmente, de manutenção de privilégios sociais dessas classes em 
detrimento das classes subalternas. Com o background das relações de poder entre gru-
pos privilegiados e sem privilégios, passo agora ao exercício da definição do conceito 
de diversidade.
O que é diversidade? Em busca de alguns consensos 
Nesse contexto histórico de circuitos relacionais complexos e desordenados, repleto 
de incertezas, metamorfoses e transformações (MORIN, 2007) que marcam e excluem 
seres humanos com base em características individuais, problematizar e definir o conceito 
de diversidade na esfera da educação implica admitir a complexidade que está implícita 
nesse desafio porque, de acordo com Buch (2008, p. 1),
in recent years, the term diversity has grown in use. The term regularly appears in the 
popular media, professional magazines, trade books, and scholarly literature. Neverthe-
less, there is no single, agreed upon definition of diversity. To some it means tolerance, 
acceptance, or perhaps an attitude. To others, diversity may mean inclusion, numbers, 
or racial and gender differences. Still others see diversity as a code word for affirmative 
action or laws designed to ensure representation of minority groups.7 
Essa citação permite a identificação de três elementos que precisam ser cuidadosa-
mente considerados em uma proposta de construção teórica da definição do conceito 
de diversidade e que, portanto, devem ser considerados quando se trata de refletir sobre 
as implicações de um currículo comum para uma nação tão diversa como é o continente 
brasileiro. Esses elementos são: 
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 17, p. 299-319, jul./dez. 2015. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 305
O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos
1. A emergência e o rápido crescimento no uso do termo diversidade 
A política de inclusão social e educacional do governo do partido dos trabalhado-
res, por meio de programas como o Fome Zero e o Programa Educação Inclusiva: direito à 
diversidade (SOARES, 2010), provocou a incorporação de inúmeros termos que (retori-
camente) representam um compromisso político com os grupos vulneráveis no Brasil. 
Entre estes, o termo diversidade, que gradualmente foi incorporado ao discurso dos edu-
cadores e projetos pedagógicos das escolas, passa a fazer parte do cotidiano escolar 
expandindo seu uso nas redes de ensino. 
2. O termo diversidade, esvaziado em seu significado, tornou-se jargão e retórica
O uso indiscriminado do termo diversidade não foi, paralelamente, acompanhado 
pela sua problematização ou aprofundamento teórico. Enquanto as diretrizes internacio-
nais ou políticas nacionais identificam em seus textos os grupos em desvantagem social 
(mulheres, negros, analfabetos, pessoas com deficiência etc.) que deveriam ser foco de 
atenção, hoje o crescimento desses grupos e de suas demandas específicas já não permite 
a mesma clareza de foco. Por exemplo, quem, de fato, está incluído na “diversidade” 
definida pelas políticas públicas brasileiras? Há grupos cujas demandas são mais pre-
mentes? Há grupos que ainda não foram contemplados suficientemente pela política? 
Quais são os grupos que, por sua organização civil avançada, já conseguem assegurar 
alguns direitos ou até mesmo privilégios? 
Com certeza há e haverá sempre “alguém de fora”, excluído ou ainda de uma posi-
ção socioeconômica ou culturalmente mais vulnerável, como, por exemplo, o grupo de 
mulheres-mães de pessoas com deficiência, cujas demandas não são ainda visíveis ou 
contempladas. O levantamento de trabalhos científicos sobre as experiências vividas por 
mulheres-mães de pessoas com deficiência mostra que as pesquisas nessa área ainda são 
escassas e, portanto, necessárias, particularmente, porque se trata de uma população 
com alto risco de vulnerabilidade pela família e por profissionais que atuam nas áreas 
de saúde, educação e reabilitação, entre outras. A invisibilidade das demandas especí-
ficas desse grupo resulta das frequentemente urgentes demandas sociais, educacionais 
e de tratamento (médico e terapêutico) relativas8 aos seus filhos e filhas com deficiên-
cia (OLIVEIRA et al., 2015). 
3. Sintonia conceitual entre diversidade e outros conceitos 
Há inúmeros outros conceitos relevantes, tais como os citados acima: tolerância, 
aceitação, atitude, inclusão, gênero e raça, que estão associados ao termo diversidade 
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 17, p. 299-319, jul./dez. 2015. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>306
Windyz Brazão Ferreira
porque esse termo sempre “insinua” o reconhecimento da diferença, o direito de ser 
diferente e enseja o respeito à diferença. Embora haja sintonia conceitual entre esses ter-
mos/conceitos, isso per se não assegura a definição do termo diversidade, o que contribui 
para manter aqueles que são chamados de “diferentes” em um vácuo teórico-concei-
tual e, consequentemente, social. 
Em um país de dimensões continentais e intensas diferenças culturais regionais, 
a ausência de problematização e teorização acerca do conceito de diversidade e seu uso 
contínuo como retórica apenas gera especulações em torno das especificidades das 
demandas dos grupos aos quais esse termo se refere, assentando, dessa forma, um solo 
para disputas: 
 » qual das diversidades humanas está mais ou menos representada? 
 » como assegurar equidade na distribuição, por exemplo, dos recursos financeiros, 
materiais e humanos para garantir o direito de todos? 
 » quais são os outros conceitos/termos que se vinculam a cada grupo social de forma 
significativa porque representa suas demandas? 
A “diversidade humana” em terra brasilis...
A abrangência do conceito de diversidade ganha proporção no contexto do Bra-
sil por ser esse país um território continental, caracterizado pela diversidade humana 
em suas cinco regiões, nas quais é possível encontrar diferenças climáticas, econômi-
cas, sociais e culturais. Mais importante ainda, a cultura em cada uma das cinco regiões 
brasileiras traz a marca da colonização europeia (portugueses, espanhóis, ingleses, holan-
deses, entre outros), da herança indígena e dos escravos africanos. 
Para além do período colonial, em períodos distintos, a história brasileira está 
recheada de (i)migrações, grupos humanos que vieram do além mar e se assentaram 
em diferentes regiões, tais como, italianos e alemães no Sul, japoneses e árabes na região 
Sudeste, e holandeses e ingleses cuja presença é visível nas regiões Norte e Nordeste. 
Como consequência, a multicultura brasileira reflete a rica pluralidade que se manifesta 
na miscigenação de seu povo, na cor da pele, nos costumes, na culinária, vestimentas, 
folclore, comportamento etc. Todavia (e infelizmente) se reflete também nas relações 
de poder e nas desigualdades entre os privilegiados e os “outros” – as denominadas de 
forma depreciativa “minorias”.
Para além da cultura e da imagem “acolhedora, alegre, festiva e não racista” do bra-
sileiro, o Brasil é reconhecido mundialmente pela desigualdade entre grupos sociais e 
pela corrupção dos governantes, que historicamente mantêm o país no descompasso 
político e econômico, condições que estão na base dos fortes movimentos sociais cujas 
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O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos
bandeiras estão centradas na promoção e defesa de direitos humanos e melhores condi-
ções de vida. Cada grupo possui suas características culturais, lutas por direitos distintos 
e demandas específicas, entre os quais o movimento dos negros e comunidades quilom-
bolas, dos indígenas,