Dentre as medidas trabalhistas instituídas no Estado Novo quais permanecem até hoje

LUCAS ALVES LEMOS HERCULANO[1]

(coautor)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo trazer ao leitor uma reflexão sobre os direitos e garantias constitucionais conquistadas pelos empregados frente às alterações emergenciais instituídas pelo Governo Federal brasileiro, em decorrência da crise econômica e social causada pela pandemia da COVID-19 no Brasil e os impactos ocasionados nas relações de trabalho e emprego.  Passaremos a discorrer sobre os direitos e garantias constitucionais dos trabalhadores e as alterações temporárias ocorridas para superação e enfrentamento das consequências trazidas pela pandemia. O artigo trará reflexões sobre a necessidade de flexibilização e as suas possibilidades, dentro do atual cenário pandêmico e suas possíveis consequências para o futuro, haja vista que o ramo do Direito do Trabalho também precisou se adequar à nova realidade, para preservar empregos e consequentemente a renda das pessoas, trazendo, assim, maior segurança jurídica nas relações empregatícias atuais, o que tornou legítima a flexibilização das normas constitucionais trabalhistas frente à atual situação ocasionada pelo coronavírus. Deve-se levar em conta que a diminuição da rigidez da lei foi relevante para a manutenção do emprego e da renda do trabalhador, porém, essa situação se justifica apenas de forma temporária, eis que a flexibilização não é por si só a solução para a crise de desemprego.

Palavras-Chave: Direito do Trabalho. Pandemia. Covid-19. Flexibilização.

ABSTRACT: This article aims to bring the reader a reflection on the constitutional rights and guarantees won by employees in the face of the emergency changes instituted by the Brazilian Federal Government, due to the economic and social crisis caused by the pandemic of COVID-19 in Brazil and the impacts caused in labor and employment relations. We will begin to discuss the constitutional rights and guarantees of workers and the temporary changes that have occurred to overcome and face the consequences brought about by the pandemic. The article will bring reflections on the need for flexibility and its possibilities, within the current pandemic scenario and its possible consequences for the future, given that the branch of Labor Law also needed to adapt to the new reality, to preserve jobs and consequently the people's income, thus bringing greater legal certainty in current employment relationships, which made the flexibilization of labor constitutional rules legitimate in view of the current situation caused by the coronavirus. It must be taken into account that the decrease in the rigidity of the law was relevant to the maintenance of the worker's employment and income, however, this situation is justified only on a temporary basis, since flexibilization is not in itself the solution to the problem. unemployment crisis.

Keywords: Labor Law. Pandemic. Covid-19. Flexibility.

INTRODUÇÃO.

No dia 26 de fevereiro do ano de 2020, o Ministério da Saúde confirmou oficialmente o primeiro caso de Covid-19 no Brasil.[2] Após esta confirmação, os brasileiros passaram a enfrentar grandes mudanças em suas vidas pessoais, profissionais e financeiras.

Uma nova realidade se iniciava. Apenas serviços essenciais não paralisaram e   brasileiros permaneceram em suas residências, incorporando ao cotidiano o uso obrigatório de máscaras e de álcool em gel.

Medidas Provisórias foram editadas na tentativa de manter empregos e movimentar a economia de um País em sofrimento.

No campo do Direito do Trabalho, institutos importantíssimos foram mitigados, como por exemplo, o direito ao lazer que acabou se curvando à necessidade de manutenção do emprego.

Por outro lado, o trabalho via modalidade home office e o teletrabalho avançaram em uma escala imprevisível e novas rotinas de trabalho passaram a substituir as anteriores. Reuniões on line começaram a ocupar o lugar das reuniões presenciais e documentos assinados digitalmente passaram a substituir documentos assinados no modelo tradicional.

Durante mais de ano, vivenciamos diversas situações inusitadas e jamais enfrentadas por trabalhadores e empregadores, ambos forçados a aceitar e aprender com a nova realidade pandêmica vivenciada.

E, quando a população acreditava que o pior já havia passado, deparou-se com índices altíssimos de óbitos e uma nova realidade hospitalar consubstanciada em filas de espera para vagas nas Unidades de Terapia Intensiva Hospitalares.

Neste turbilhão de mudanças comportamentais, legislações foram editadas na tentativa de preservar o emprego e manter a economia ativa, sem a preocupação momentânea da mitigação de direitos constitucionais de trabalhadores em razão da situação emergencial nunca vivenciada anteriormente.

Porém, diversas alterações ocorridas em contratos individuais de trabalho provavelmente já estão ou serão incorporadas nas relações de emprego.

Qual será o futuro do Direito do Trabalho?  As garantias sociais constitucionais permanecem inalteradas? Como compatibilizar essas garantias à nova realidade, sem infringi-las e sem retroceder nas conquistas trabalhistas angariadas ao longo de décadas?

1.OS DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.

Na história das Constituições brasileiras, quando ainda presente a escravidão no Brasil, destacamos a Constituição Imperial de 1824 que aboliu as corporações de ofício caminhando com o liberalismo ainda módico.[3]

Já a Constituição de 1891, após edição da Lei nº 3.353/88 (Lei Áurea) reconheceu com restrições à liberdade de associação e no artigo 72, §24 garantiu o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.   

Diante de mudanças no contexto mundial, é criada a Organização Internacional do Trabalho em 1919. No Brasil, a Revolução de 1930 encerra o predomínio das oligarquias no cenário político brasileiro.

Inicia-se a era Vargas, e concomitantemente é promulgada a Constituição de 1934, a primeira constituição a ter normas específicas de Direito do Trabalho no §1º do artigo 121, revendo diversos direitos para a melhoria das condições do trabalhador, tais como a igualdade salarial entre trabalhadores de mesmo sexo, idade, nacionalidade ou estado civil; salário mínimo; jornada de trabalho de oito horas diárias; proteção a trabalho de menores; proteção ao trabalhado da gestante; indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;  regulamentação do exercício de todas as profissões e reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho. 

A referida Constituição ainda previu a inexistência de distinção entre o trabalho manual e o trabalho intelectual ou técnico, bem como entre os respectivos profissionais. 

Em 1937, foi imposta por Getúlio Vargas a Constituição de 1937 considerada um retrocesso na democracia com instituição de sindicato único vinculado ao Estado, proibição de greve e lock out.

Após o fim da era Vargas, visando restaurar a democracia, foi convocada a Assembleia Constituinte sendo promulgada a Constituição de 1946.

Márcia Naiar Cerdote Pedroso ressalta que:

Dentre os avanços, no que se refere aos direitos trabalhistas, essa é a primeira Constituição que trata da valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana”. Em seu art. 145, a nova Carta Magna dizia que “a todos é assegurado trabalho que possibilite a existência digna”, ao mesmo tempo, o “trabalho é obrigação social. [4]

A Constituição de 1946 restabeleceu o direito de greve e acrescentou diversos direitos trabalhistas tais como repouso remunerado aos domingos e feriados, férias anuais remuneradas, higiene e segurança do trabalho e estabilidade do trabalhador rural [5]

A referida Constituição manteve a não distinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho intelectual e seus respectivos profissionais e o artigo 159 previu a livre associação profissional ou sindical.

No Brasil, em 1964, o governo do Presidente João Goulard sofreu o Golpe Civil-Militar de 1964, com a instalação da ditadura que perdurou por 21 anos.

Neste cenário, entrou em vigor a Constituição de 1967. Esta Constituição manteve os direitos trabalhistas anteriormente previstos e ainda acrescentou outros, tais como, a proibição de greve nos serviços públicos, a proibição do trabalho noturno para os menores, fixando a idade mínima em 12 anos, a aposentadoria integral para a mulher com 30 anos de trabalho, o voto sindical obrigatório e a contribuição sindical.[6]

Observamos que o artigo 157 da Constituição supramencionada ainda, estabeleceu expressamente que a ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base, dentre outros princípios, na “valorização do trabalho como condição da dignidade humana”.

Não podemos deixar de destacar que este artigo da Carta Magna representa a concepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, possuindo na época o Brasil como membro das Nações Unidas juntamente com mais 57 Estados.

Durante o governo do ex-presidente José Sarney, foi promulgada no dia 05 de outubro de 1988 a Constituição Federal vigente, conhecida por “Constituição Cidadã”.

Maurício Godinho Delgado, afirma que:

A nova constituição firmou largo espectro de direitos individuais, cotejados a uma visão e normatização que não perdem a relevância do nível social e coletivo em que grande parte das questões individuais deve ser proposta. Neste contexto é que ganhou coerência a inscrição que produziu de diversificados painéis de direitos socio trabalhistas, ampliando garantias já existentes na ordem jurídica, a par de criar novas no aspecto normativo dominante.[7]

A sétima Constituição Brasileira, após décadas de lutas, conquistas, retrocessos e avanços no campo social, prevê no Capítulo II – Dos Direitos Sociais - Do Título II dos Direitos e Garantias Fundamentais diversos direitos trabalhistas que são grandes conquistas dos trabalhadores. Este Capítulo consolida diversos direitos anteriormente previstos dando-lhes, inclusive, o status de Garantias Fundamentais.

Estes Direito Sociais são normas de ordem pública, com a característica de imperativas. São invioláveis, devendo ser respeitadas nas relações de trabalho e de emprego.

Conforme aqui historiado, os direitos sociais são grandes conquistas de uma sociedade que enfrentou diversos desafios, buscando sempre a dignidade do trabalhador e uma relação mais justa entre empregadores e empregados.

A flexibilização destes direitos sem o enfraquecimento das garantias constitucionais é uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo legislador brasileiro, inclusive as ocorridas na recente reforma trabalhista.

Asociedade atualnão é a mesma de 1988.

Luís Roberto Barroso, pondera:

Democracia, direitos fundamentais, desenvolvimento econômico, justiça social e boa administração são algumas das principais promessas da modernidade. Estes os fins maiores do constitucionalismo democrático, inspirado pela dignidade da pessoa humana, pela oferta de iguais oportunidades às pessoas, pelo respeito à diversidade e ao pluralismo, e pelo projeto civilizatório de fazer de cada um o melhor que possa ser.[8]

Hoje temos uma sociedade informatizada que, vivenciando uma pandemia, incorporou no seu cotidiano flexibilizações de seus direitos trabalhistas para evitar o desemprego. Porém, a história da dificuldade de conquistas trabalhistas constitucionais jamais poderá ser esquecida.

2.AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELAS LEI 14.020/20 E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS EDITADAS EM 2020 E 2021 – MUDANÇAS PROVISÓRIAS OU PERMANENTES.

Antes de iniciar o assunto dissertado neste tópico, devemos rememorar que em 2017, quando entrou em vigor em 13 de novembro daquele ano, a Lei 13.467/2017[9], também popularmente conhecida como “Reforma Trabalhista”, muitos críticos das referidas mudanças na legislação, chegaram a comentar bravamente que era o fim do Direito do Trabalho no Brasil, com fortes tendências de que o setor empresarial havia sido considerado favorecido com as novas alterações trazidas na legislação trabalhista, que, repetimos, para muitos críticos da Reforma, poderia aniquilar com os Direitos e Garantias Fundamentais dos trabalhadores.

Por ironia do destino ou não, longe do que muitos críticos da “Reforma Trabalhista” previam que o Direito do Trabalho nunca esteve tão atual, haja vista que depois de quase 03 (três) anos da vigência da Lei 13.467/2017, a população mundial se deparou com uma pandemia jamais prevista na história, que fez com que o mundo, e consequentemente o Brasil, freassem a economia com a reclusão de pessoas em suas residências para fins de se evitar o contágio da nova doença, qual seja, da COVID-19.

Dessa forma, a pandemia mostrou que o Direito do Trabalho se encontra plenamente vigente em nosso país e ainda é um dos temas mais atuais, tendo grande importância no atual cenário econômico do Brasil, eis que a pandemia da COVID-19 evidenciou a fragilidade e a vulnerabilidade do nosso sistema de saúde pública e do sistema econômico que não é assunto deste trabalho, mas que deve ser citado.

Isto porque, as inseguranças socioeconômicas causadas pelos efeitos da pandemia da COVID-19, trouxeram, ainda que momentaneamente a necessidade de flexibilização das normas trabalhistas, diante do cenário de calamidade pública em que se encontrou o Brasil, desde meados do início do ano passado.

A confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, ocorreu em 26 de fevereiro de 2020 na Capital do Estado de São Paulo[10], fazendo com que,  mediante recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), medidas de saúde pública e sanitárias fossem implementadas tanto pelo governo federal como pelos governos estaduais, distrital e municipais, uma vez que a matéria referente à saúde é de competência concorrente entre esses entes públicos, nos termos do disposto no artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal de 1988.

Dessa forma, a Administração Pública não teve outra alternativa senão atender sem precedentes e de forma imediata as recomendações das autoridades sanitárias e médicas nacionais e internacionais e principalmente da OMS, para evitar o contágio da doença que se alastra pelo mundo,  desde quando se tomou conhecimento do primeiro caso na província de Wuhan na China em dezembro de 2019, objetivando a preservação do bem maior do ser humano, que é a vida e a saúde, direitos inclusive previstos na Constituição Federal vigente.

Portanto, através do Decreto Legislativo nº 6/2020[11], o Governo Federal reconheceu o coronavírus como doença grave e infecciosa, decretando no Brasil estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020.

Dentre as diversas consequências negativas trazidas pela pandemia da COVID-19, podemos citar a necessidade de inúmeros estabelecimentos comerciais fecharem suas portas, causando várias rupturas de contratos de trabalho que estavam vigentes.

Com a decretação do estado de calamidade pública e dos impactos ocasionados pela pandemia da COVID-19 na economia brasileira, houve a necessidade de intervenção do Estado nas relações empregatícias, com a finalidade da manutenção do emprego e da renda da população. Sendo assim, foram realizadas pelo Governo Federal medidas emergências objetivando, principalmente, a estabilidade econômico-financeira no país.

O Governo Federal editou a princípio duas Medidas Provisórias, sendo a primeira a MP 927/2020, de 22 de março de 2020, que perdeu sua vigência em julho de 2020, não sendo convertida em lei. Também foi editada a MP 936/2020, em 1 de abril de 2020, esta posteriormente convertida na Lei 14.020/2020,[12] de 6 de julho de 2020. 

As Medidas Provisórias editadas tiveram como principal o objetivo a preservação e a manutenção do emprego e da renda no país. Logo, outra opção não se deu ao Governo Federal, senão editá-las, com força de lei naquele momento.

Outrossim, é necessário lembrar que tanto as Medidas Provisórias, como a própria Lei 14.2020/20, foram instituídas em decorrência do estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e que se findou em 31 de dezembro de 2020.

No entanto, é evidente que os prejuízos causados pela COVID-19 no setor econômico ainda permanecem. Por essa razão, o Governo Federal editou outras Medidas Provisórias no ano de 2021 para instituir um Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, objetivando enfrentar as consequências da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus no âmbito das relações de trabalho.

Assim foram editadas em 27 de abril de 2021 duas novas Medidas Provisórias, quais seja a 1.045 e 1.046/2021, que vieram complementar e reiterar o quanto já disposto nas Medias Provisórias anteriores, bem como na Lei 14.020/20.

Ainda cabe destacar que as Medidas Provisórias 1.045 e 1.046 estão vigentes desde a data que foram publicadas, e vigoram por até cento e vinte dias, sendo que deverão ser convertidas ou não em lei por ato do Presidente da República.

Sendo assim, as alterações trazidas tanto pelas Medidas Provisórias 927/2020 e 936 /2020, sendo esta última convertida na Lei 14.020/20, bem como pelas Medidas Provisórias 1.045/2021 e 1.046/2021 foram necessárias diante da circunstância anormal que não só no Brasil, como o mundo passou a se enfrentar.

Diante do cenário pandêmico, o Governo Federal permitiu que houvesse, dentre as várias e relevantes alterações trazidas pelas citadas Medidas Provisórias, a suspensão dos contratos de trabalho e a redução salarial e da jornada de trabalho, sem que fosse necessária a participação dos sindicatos, ou seja, por intermédio de um simples acordo individual escrito assinado entre empregado e empregador, podendo convencionar a redução de salário e jornada de trabalho de acordo com o disposto na Medida Provisória 936/2020, atual Lei 14.020/2020 e Medida Provisória 1.045/2021.

Já a Medida Provisória 1.046/2021, permitiu a antecipação das férias individuais, mesmo que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido e inclusive de férias futuras, o que certamente será um problema não só para a organização dos empregados como para os próprios empregadores ao concederem períodos futuros, sem a certeza de que o empregado permanecerá no emprego para fazer jus ao período.

Porém, é nítido que as referidas medidas foram estabelecidas para manter a segurança jurídica, além de ser um incentivo às empresas e aos trabalhadores para que estes não perdessem seus postos de trabalho e a economia brasileira continuasse a se movimentar.

No entanto, é necessário lembrar, que, embora as alterações tenham acontecido de forma emergencial e sem precedentes, os direitos trabalhistas reconhecidos constitucionalmente, conforme já explanado, são frutos de uma longa luta social e não podem ser mitigados, ou seja, flexibilizados, indiscriminadamente. Percebe-se, porém, que no momento das referidas edições das mencionadas Medidas Provisórias, não houve por parte da Administração Pública o total respeito aos direitos constitucionais garantidos aos trabalhadores.

De outra sorte, no que concerne à flexibilização das relações de trabalho, Sergio Pinto Martins afirma:

São formas de flexibilização do salário a remuneração variável, em que o empregado pode receber uma importância fixa mensal, mas depende dos fatores ligados à produção, como comissões sobre vendas, de bônus pela produtividade atingida ou então participação nos lucros ou resultados da empresa, decorrente do incremento que ajudou a conseguir para esta.[13]

E mais, continua o doutrinador, conceituando a flexibilização como: “o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários.”

Logo, podemos concluir que a flexibilização tem por objetivo ajustar as normas do trabalho às alterações decorrentes das flutuações econômicas, das evoluções tecnológicas ou quaisquer outras mudanças que requeiram uma imediata adequação da norma jurídica. É exatamente o que aconteceu com as necessidades emergenciais em nosso país, trazidas pelo avanço da pandemia da COVID-19.

E, considerando o momento e a situação vivida no Brasil, pode ser justa e legítima a alteração momentânea ou redução a um direito trabalhista, desde que este venha a beneficiar a figura do trabalhador e garantir a estes outros benefícios decorrentes da supressão, ainda que temporária, de algum direito reconhecido constitucionalmente.

Por linhas gerais, devemos ressaltar que o Governo Federal também garantiu outros direitos aos empregados, como é o caso da estabilidade provisória de emprego.

Além da garantia provisória de emprego, ainda que de forma involuntária, as medidas emergenciais impostas pelo Governo Federal, trouxeram outras vantagens aos empregados, que, por gerenciamento e poder direção de seus empregadores, puderam adotar outras modalidades de trabalho, como o home office, que se difere do contrato de teletrabalho.

Conforme palavras de Paulo Sergio João e Natalia Biondi Gaggini:

Contrato de emprego por meio de teletrabalho não é sinônimo de prática de home office e vice-versa. Isto pode parecer preciosismo, mas em direito é importante que a situação jurídica a que se faz referência seja exatamente a que se enquadra ao fenômeno tratado, conforme observado nas primeiras linhas. No caso, apesar de ambos identificarem a prestação de serviços remota, o teletrabalho é modalidade de contrato, enquanto o home office é a forma de cumprimento de jornada de trabalho.[14]

Ainda que não seja tema central do presente artigo, cumpre lembrar que a figura do home office adotado por empresas bem antes da pandemia é uma forma de flexibilização do cumprimento da jornada de trabalho, sem a alteração da modalidade de contrato.

De uma forma ou de outra, seja através da modalidade do home office, ou a transmutação do contrato de trabalho normal, ou presencial para contrato de teletrabalho, ambas utilizadas por grande parte das empresas desde os primórdios da pandemia no Brasil, mudou de forma positiva a rotina dos empregados, que puderam utilizar suas residências como seus postos de trabalho, podendo, assim, além de deixar de gastar horas a fio nos trânsitos das grandes metrópoles, aumentar o  convívio familiar, e consequentemente aumentar sua produção nas mais diversas atividades empresariais.

Os empregados ganharam também, de certa forma, maiores autonomias em suas vidas privadas, podendo, otimizarem seus tempos e ao mesmo tempo produzirem mais, o que sem sombra de dúvidas é o interesse e o que querem seus empregadores.

Desta feita, temos que, mesmo diante do atual cenário ocasionado pela pandemia da COVID-19, que ainda é alarmante e assombra todo o nosso país, mesmo com a atuação da Administração Pública com as Medidas Provisórias para se evitar a elasticidade do contágio, a flexibilização das normas trabalhistas se mostra como a única solução momentânea, indispensável e necessária para manter o equilíbrio econômico e, ainda, diminuir o impacto causado pela suspensão das atividades econômicas e laborativas no Brasil.

Outrossim, sabemos que, na medida em que a vacinação contra a COVID-19 e o restabelecimento gradativos das atividades normais e com o fim da estabilidade provisória que foi garantida aos trabalhadores que tiveram seus contratos de trabalhos suspensos ou reduzidos em suas jornadas e salários, tem-se que todas as garantidas fundamentais do trabalhador devem retornar ao seu status quo, haja vista ser apenas um período de exceção do afastamento de tais direitos fundamentais.

Assim, quanto às alterações trazidas pelas Medidas Provisórias 927 e 936 ambas de 2020, sendo esta última convertida na Lei 14.020/20, e Medidas Provisórias 1.045 e 1.046 de 2021, temos que essas mudanças não devem ser permanentes, ainda que a grande maioria das empresas brasileiras já queiram adotá-las para sempre, como é o caso da figura do home office, em decorrência das vantagens pecuniárias que trouxeram aos empregadores.

No momento, o que se deve refletir é sobre a necessidade de resolução com parcimônia em razão da delicadeza e complexidade do tema, que ainda está aberto e, por óbvio não se esgotará nesse trabalho e nem nos próximos tempos.

3.A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS EMPREGADOS.

A princípio, torna-se necessário trazermos à baila o conceito de flexibilização dos direitos empregatícios. Segundo Sérgio Pinto Martins temos que “a flexibilização do direito do trabalho vem a ser um conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.”[15]

Amauri Mascaro Nascimento, por sua vez, conceitua a flexibilização no Direito do Trabalho como:

Flexibilização do direito do trabalho é a corrente de pensamento segundo a qual necessidades de natureza econômica justificam a postergação dos direitos dos trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as limitações à jornada diária de trabalho, substituídas por um módulo anual de totalização da duração do trabalho, a imposição pelo empregador das formas de contratação do trabalho moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo do empregador.[16]

Constata-se pelas definições acima que a flexibilização das normas trabalhistas, advém e se justifica através da necessidade de se adaptar as relações vividas entre empregado e empregador com a realidade, justificando-se assim, as possibilidades de alterações dos direitos dos trabalhadores em face da situação econômica transitoriamente enfrentada.

Portanto, o conceito de flexibilização das normas trabalhistas, é coerente com as consequências trazidas pela pandemia do novo coronavírus, justificando as medidas impostas pelo Governo, que flexibilizaram direitos constitucionalmente garantidos aos trabalhadores com a finalidade de adaptar as relações empregatícias à realidade vivida no Brasil visando manter os empregos e a renda da população.

Isto porque, flexibilização de direitos é adequar-se à nova realidade, ou seja, as mudanças são justificadas de acordo com a situação econômica e social enfrentadas naquele determinado momento. Mas é necessário que sejam apenas passageiras, distintas de uma desregulamentação.

Arnaldo Süssekind faz a distinção entre flexibilização e desregulamentação:

A desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade.[17]

Logo, cabe destacar que a flexibilização não pode ser confundida com a desregulamentação do Direito do Trabalho. Pois na primeira, há uma intervenção do Estado, ao passo que a desregulamentação se retira a proteção do Estado. Portanto, as Medidas Provisórias editadas pelo Governo Federal tanto no ano de 2020 como em 2021, bem como a Lei 14.020/2020, são medidas para enfrentamento situações emergenciais, tratando-se de flexibilização e não de desregulamentação do Direito do Trabalho.

Isto porque percebe-se, ainda que de forma indireta, a intervenção do Estado nas relações empregatícias, em especial quanto ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda pago diretamente pelo Ministério da Economia, com a finalidade de preservar o emprego e a renda,  garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública, conforme disposto nos incisos de I à III do artigo 2º da Lei 14.2020/20.

Logo, ainda que a flexibilização dos direitos constitucionais dos empregados se justificasse como forma de enfrentamento das consequências monetárias trazida pela pandemia da COVID-19 no Brasil, em especial ao desemprego em massa, temos que nos lembrar que os direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal brasileira são normas de ordem pública, inseridas na Constituição Federal no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, ou seja, aos direitos sociais previstos aos trabalhadores foi atribuído o mesmo status de direitos fundamentais. 

Dessa forma, a flexibilização dos direitos garantidos aos empregados somente tem respaldo legal nas estritas hipóteses e respeitadas as formas permitidas pelo poder constituinte originário.

A Constituição Federal de 1988 garante uma série de direitos aos trabalhadores. No entanto, não admitir uma possibilidade de flexibilização dos direitos constitucionais previstos aos empregados no atual momento, seria uma forma bastante radical e que traria certamente um outro grande problema para o nosso país, qual seja o aumento do desemprego.

As modificações elencadas pelo Governo Federal com a finalidade de conservar o emprego e a renda, através das regras dispostas principalmente na Lei 14.020/2020 e na Medida Provisória 1.045/2021, como redução da jornada de trabalho e do salário, a suspensão do contrato pelo período previsto em lei e, ao mesmo tempo, o recebimento pelos trabalhadores de um auxílio proporcional ao valor do seguro-desemprego, foi, ao nosso ver, uma forma de equacionar momentaneamente a problemática causada pela pandemia e que era necessária para se evitar um maior prejuízo nas relações empregatícias no país.

Caso contrário, estaríamos vivendo não só uma crise sanitária, mas também uma crise econômica ainda maior.

Desta feita, como a finalidade principal do Direito do Trabalho é harmonizar a relação entre empregado e empregador, a elaboração e implementação das políticas públicas neste momento, foram um incentivo à diminuição do desemprego.

Cabe destacar que a flexibilização não é por si só a solução para a crise de desemprego, mas deve-se levar em conta que a diminuição da rigidez da lei, através das alternativas impostas pela Administração Pública para a manutenção do emprego, foram relevantes e convenientes no momento, devendo, porém, ser passageiras e sem a perda dos direitos e garantias conquistados pelos empregados durante anos de história e conquistas vividas.

4.CONCLUSÃO.

Procuramos demonstrar que durante mais de 100 anos, após sete Constituições Federais e enfrentando diversas questões políticas, sociais e econômicas, os direitos dos trabalhadores foram conquistados aos poucos, através de muitas lutas de uma sociedade inquieta, buscando acompanhar a evolução da humanidade com o reconhecimento do trabalho digno e valorizado.

Não basta, porém, a conquista destes direitos e se faz necessário à sua manutenção e proteção, demonstrando a importância do Direito do Trabalho para a sociedade. Desde 1988, os direitos sociais são previstos expressamente em nosso ordenamento constitucional dentre os direitos fundamentais.

O grande desafio enfrentado desde o início da pandemia da Covid-19 consistiu em conciliar a manutenção do emprego em meio a uma grave crise econômica sem suprimir direitos sociais fundamentais.

O estado de calamidade pública justificou a edição de Medidas Provisórias que flexibilizaram direitos trabalhistas importantes, permitindo, inclusive, o gozo de férias de períodos ainda não adquiridos.

Devemos ressaltar que as recentes alterações legislativas trabalhistas ocorridas em decorrência da pandemia da COVID-19 devem ser tratadas como uma flexibilização e não desregulamentação.

O futuro do Direito do Trabalho, como todo futuro, é incerto, mas há diversos caminhos que poderão ser seguidos, desde o mais árduo até o mais confortável.

O caminho a ser tomado dependerá de nós. Devemos aproveitar as inovações tecnológicas impostas para uma sociedade privada do convívio social, como o trabalho home office, reuniões on line, escritórios 100% remotos, para beneficiar empregados e empregadores, sem, contudo, retroceder face aos avanços sociais conquistados ao logo de décadas.

Não devemos esperar que a sociedade volte a ser a existente no ano de 2019, porque aquela não se existe mais. A sociedade após início da pandemia enfrenta uma economia fragilizada com o crescimento do desemprego em um mercado de trabalho modificado.

Este é o grande desafio do Direito do Trabalho. Aplicar as normas jurídicas existentes em nosso ordenamento jurídico às inovações trabalhistas resultantes da pandemia do Covid-19 sem, contudo, diminuí-las ou extirpá-las, garantindo sempre a preservação das garantias fundamentais.

E, como o estado pandêmico persiste e ainda gera muitas incertezas futuras, concluímos que admitir a flexibilização das normas constitucionais trabalhistas como foi realizada, garantiu a manutenção do emprego para muitas pessoas no país, diante da grave situação sanitária vivenciada. Todavia, a flexibilização permanente é perigosa.

É bem de ver que a edição da Medida Provisória nº 1046/2021, renovando em menos de um ano, a possibilidade de antecipação de férias individuais ainda que o seu período aquisitivo não tenha transcorrido, bem como possibilitando que empregados e empregadores negociem a antecipação de períodos futuros de férias por meio de acordo individual escrito, volta a colocar em risco direitos sociais arduamente conquistados.

Ressaltamos que as flexibilizações de direitos nas relações do trabalho devem ser realizadas com parcimônia e cautela, sob pena de configurar até um retrocesso jurídico e social.

O Direito do Trabalho deverá acompanhar as mudanças comportamentais apresentadas pela sociedade e que estão sendo incorporadas nas relações profissionais, mas sempre respeitando e protegendo os direitos constitucionais fundamentais.

4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BARROSO. Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. Saraiva: São Paulo. 2020.

BRASIL. Decreto Legislativo nº 6/2020. Disponível em: < https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DLG&numero=6&ano=2020&ato=b1fAzZU5EMZpWT794>.

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NOTAS:


[1] Mestrando em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito do Trabalho Lato Sensu pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

[4] PEDROSO, Márcia Naiar Cedorte Pedroso. O direito do Trabalho no constitucionalismo brasileiro. Revista Latino-Americana de História, São Leolpoldo, vol. 1, nº. 3, p. 447-467, março de 2012. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/view/96>. Acesso: 23 de abril de 2021.

[7] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p.127.

[8] BARROSO. Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. Saraiva: São Paulo. 2020, p.103.

[13] MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. São Paulo: Atlas, 2015. P. 93.

[15]MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 83. 

[16] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20ª ed. São Paulo: LTr, 2005. P. 120.

[17] SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2ª.ed. Rio de Janeiro: editora Renovar, 2004. P. 52.