Qual a importância ecológica do bioma Amazônica na disponibilidade e abastecimento de água no nosso país considerando os rios voadores?

Falar sobre a Amazônia com o meteorologista Hugo Ramos é falar sobre parte da vida dele, da infância até sua formação profissional. Hugo nasceu e cresceu em Belém (PA) e é bacharel em Meteorologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Está no Espírito Santo há 15 anos, trabalhando no Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), sendo dez como servidor concursado.

Hugo cresceu ouvindo histórias sobre a importância da Amazônia, estudou sobre sua relevância ecológica e climática para o mundo inteiro e, mesmo distante, vivendo aqui no Espírito Santo, mantém a relação com esse ecossistema diariamente. Além de seus pais, irmãos, parentes e amigos que ainda vivem lá, essa relação também se mantém por meio das correntes atmosféricas que trazem um presente da Amazônia para as terras capixabas: os rios voadores.

Diariamente, aproximadamente sete bilhões de litros de água evaporam da Floresta Amazônica, e parte desse volume de vapor de água é transportado por meio das correntes de vento nos altos níveis da atmosfera para outras regiões país (centro-oeste, sul e sudeste), por inúmeras vezes alcançando o Espírito Santo. “Uma umidade que vem da região amazônica e que ajuda a regularizar as chuvas por aqui”, explica Ramos.

Esse vapor d’água, na Amazônia, é formado diariamente tanto pelas águas evaporadas dos rios quanto da respiração das plantas. E é exatamente ele que aproxima o clima do Espírito Santo com a região amazônica. “Esse vapor circula pelas camadas de vento atmosféricas, o que pode resultar nas chuvas, que nos meses chuvosos (entre outubro e março) podem ser de forte intensidade. Sendo assim, parte dessas águas que deixam de cair na Amazônia são levadas por esses ventos até outras regiões, incluindo o Espírito Santo”.

O que reforça, ainda mais, a importância da Amazônia para o país inteiro, e até para outras nações do mundo. Os rios voadores influenciam diretamente na disponibilidade de água em diferentes cantos do Brasil. E isso pode significar muitas coisas, entre elas que o volume de água disponível na Amazônia pode interferir no volume de água de outras regiões, a exemplo do Sudeste. E são essas relações que tornam ainda mais cruciais entender a importância de uma floresta para um país inteiro.

Um estudo desenvolvido pelo MapBiomas aponta que o Brasil já perdeu 15% de sua superfície de água nos últimos 30 anos. Enquanto um outro levantamento, realizado pelo WWF-Brasil e a Imazon, com apoio do Google Earth Engine, mostra uma tendência de redução anual da superfície hídrica na Amazônia brasileira em 350 km² de área coberta por ambientes aquáticos. Isso significa que, todo ano, só a Amazônia perde 350 km² de áreas aquáticas.

Para Hugo Ramos, a partir do momento que se intensificou a alteração do uso do espaço amazônico por meio da devastação da floresta, também se começou a interferir na circulação do vapor d’água da Amazônia no país. “E mantendo esse movimento de queimadas, mineração e desmatamento, vamos ter uma quantidade menor dessa quantidade de água já nos próximos anos, até chegarmos num ponto onde não haverá mais regularidade, e isso já é perceptível”, pontua.

Os estudos meteorológicos no país já identificam períodos de alta e de baixa disponibilidade de chuvas em determinadas regiões mais ao sul da Amazônia. Há anos, por exemplo, com grande quantidade de chuva em períodos curtos, o que ocasionam as enchentes, cada vez mais constantes e mais devastadoras; assim como longos períodos de estiagem, promovendo a seca em determinados locais, até em regiões onde não havia estiagem antes. “Esse é um dos reflexos da alteração do clima no ecossistema amazônico, e por consequência, nas outras regiões. Se não houver mudança para recuperar e regenerar a Amazônia, a disponibilidade de água, esse presente que a floresta nos dá, poderá ser mais escasso ao passar dos anos”, avalia Ramos.

E não apenas a Amazônia precisa ser preservada e recuperada. De nada adianta manter os rios voadores chegando até o Espírito Santo se o trabalho ambiental e ecológico também não for feito por aqui. “Dependendo da alteração da vegetação, e do impacto ambiental que determinada região capixaba tenha recebido com o passar dos anos, a degradação do solo causado nesse ambiente pode impedir que haja o aproveitamento total das chuvas”, explica.

Nas últimas décadas, principalmente mais ao Norte do Espírito Santo, algumas áreas tiveram o solo muito desgastado por conta do tipo de plantio ali trabalhado, em especial por conta das monoculturas desenvolvidas nessa região. “Quando você trabalha com monocultura você cria um perfil de empobrecimento do solo. E se o solo fica pobre, com o aumento de intensificação das chuvas, essa água que chega não ficará mais mantida ali. Ela pode evaporar, escoar superficialmente e, assim, diminuir a segurança hídrica e alimentar do estado como um todo”, alerta o meteorologista.

Considerando, ainda, que com o passar dos anos há o indicativo de reduzir o volume das águas amazônicas que viajam pelo céu até chegar ao Espírito Santo, quanto mais pobre for esse solo, menos ainda ela terá condições de manter essa água em território capixaba. “E em algum determinado momento a quantidade de água que vem pelos rios voadores não será mais suficiente para atender a demanda de águas em determinados tipos de uso” finaliza Ramos. O que vai atingir diretamente a população, na distribuição de água, assim como as indústrias locais e, principalmente, a agricultura.

Reconhecer a importância da Amazônia para o Espírito Santo e o país, com um todo, é fortalecer as lutas em defesa da Floresta Amazônica e dos múltiplos ecossistemas que compõem esse bioma.