Como era a vida dos operários no Brasil no início do século 20?

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No Brasil, o movimento de greves operárias teve início no começo do século XX a partir de uma sucessão de lutas visando mudanças nas relações entre trabalhadores e empregadores, além de melhorias no que se refere à garantias, salários e condições de trabalho.

A partir do aumento do número de pessoas em áreas urbano-industriais, diversas cidades do Brasil ramificaram-se em bairros operários. A maior parte dos integrantes do operariado era de estrangeiros que tinham imigrado ao país. A vida nos bairros operários refletia a remuneração que os trabalhadores da classe recebiam: precariedade em setores básicos, jornadas de trabalho fatigantes e falta de garantia jurídica aos trabalhadores como aposentadoria, férias, descanso semanal.

Um dos problemas mais visíveis ocorria nas fábricas, onde era empregada mão de obra infantil por salários muito abaixo dos oferecidos aos adultos. Diversas crianças acabaram tendo partes do corpo multiladas ao utilizar o maquinário sem o devido treinamento e, além disso, não tinham garantias como seguro acidentes no ambiente de trabalho ou convênio médico.

Influenciada pelas lutas operárias que ocorriam ao redor do mundo, a luta operária brasileira manifestou-se a partir dos ideais anarquistas e socialistas difundidos na Europa - capitaneados pelos imigrantes presentes no Brasil. Com a massa operária unida, os grupos manifestavam-se publicamente a favor da conquista de melhores condições. Visavam resultados imediatos como melhor remuneração, entre outros.

Organizados, os trabalhadores acabaram por fundas várias associações sindicais e jornais – alavancando a causa dos operários e tornando o movimento mais coeso e forte. Ao exemplo de atitudes políticas do operariado em outras nações, greves e protestos eclodiram em muitos Estados brasileiros, notavelmente em São Paulo, cidade que conglomerava a maior parte das indústrias.

Um marco ocorreu no ano de 1907, quando a capital paulista passou por uma paralisação devido a uma greve que tinha os seguintes objetivos: conquista da jornada de trabalho de oito horas, assistência médica, fim do trabalho de crianças e do trabalho noturno para mulheres e o direito a férias. Organizada por trabalhadores dos setores metalúrgico, de construção civil e alimentício, essa manifestação influenciou outras categorias profissionais, chegando a outras cidades e Estados.

De acordo com matéria publicada no portal Klick Educação, “sob a direção dos anarquistas, operários de vários ramos da indústria, funcionários das estradas de ferro e do Liceu de Artes e Ofícios paralisaram suas atividades exigindo jornada diária de oito horas. O movimento estendeu-se para o interior. Houve piquetes, reprimidos com violência”.

Fontes:
http://www.klickeducacao.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR-1231-9062-,00.htmlhttp://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/imigrantes-anarquistas-patria-nem-patrao-435180.shtml
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702007000200017&script=sci_arttext

Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/historia/greves-operarias/

Na transição do modelo de produção escravocrata para aquele do trabalho assalariado, os operários enfrentaram uma série de opressões, formas de controle e obstáculos à sua organização. Ao lado das antigas relações paternalistas e de compadrio, do caráter degradante associado ao trabalho braçal e das rivalidades étnicas e de nacionalidade, novas ondas migratórias aumentavam a competição pelo emprego e a demanda por moradia num Rio de Janeiro que se remodelava. A essas mudanças podemos acrescentar ainda a tentativa de imposição de normas de conduta e valores burgueses, interferindo no espaço de lazer, nas relações familiares e até mesmo amorosas do trabalhador.

É nesse cenário de transformações, contradições e conflitos que se situa o estudo de Sidney Chalhoub sobre o cotidiano dos integrantes dessa nova classe na capital brasileira da chamada belle époque. Fruto da dissertação de mestrado defendida por ele em 1984, na Universidade Federal Fluminense (UFF), o livro Trabalho, lar e botequim já se tornou um clássico na área de história social. Com três edições lançadas desde 1986, ele acaba de ganhar uma nova tiragem pela Editora da Unicamp. Ao todo, o título já ultrapassou a marca de seis mil exemplares comercializados. Considerando que se trata de uma obra acadêmica, ele já pode ser considerado um best-seller da área.

Ao realizar essa pesquisa, Chalhoub trocou as lentes empregadas pelo historiador tradicional e, em vez de focalizar em seu estudo grandes nomes e heróis, concentrou-se em figuras desconhecidas, esquecidas em boletins de ocorrência empoeirados pelo tempo. De fato, o autor empregou como fontes de pesquisa processos criminais de homicídios e jornais da época, buscando assim desvendar as relações cotidianas dos operários, como aquelas de trabalho, afetivas, de moradia. Compreender o dia a dia dos trabalhadores nesses diferentes domínios, longe dos movimentos sindicais, poderia, a seu ver, ajudar a entender as características e os limites desses movimentos.

Além disso, é preciso lembrar, o uso de processos criminais em estudos que não tratassem diretamente da temática dos delitos e dos crimes, embora não fosse inédito, não era nada usual. Com efeito, de acordo com a historiadora Glaucia Fraccaro, professora da PUC-Campinas, a grande contribuição do livro estaria em mostrar que “o historiador inventa suas fontes, de acordo com a necessidade do ofício”. Ela explica assim que, se antigamente os historiadores pesquisavam um jornal, necessariamente o foco do estudo era a imprensa, ou se levantavam certidões de casamento, o tema do estudo era a junção de pessoas em determinado lugar e em determinada época. Conforme comenta, “quando Chalhoub se propõe a estudar a sociedade através de processos criminais e notícias de primeiras páginas, nós damos um novo significado à pesquisa e passamos a buscar diversas interpretações a partir daquela fonte, que antes era estática e objetiva".

Vale também destacar que a outra fonte na qual o historiador se apoiou, os jornais, na época ainda eram muito marcados pela literatura. Dessa maneira, uma notícia de primeira página continha mais que somente as suas informações centrais, reunindo ainda depoimentos diversos – alguns ambíguos, outros apresentando versões diferentes de um mesmo acontecimento –, o que acabava por ampliar a possibilidade de análise daqueles que utilizavam esse tipo de fonte.

Segundo Chalhoub, essa pluralidade de relatos foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, tendo colaborado ainda para evidenciar pontos de reconhecimento nos personagens da narrativa. Afinal, diferentemente das grandes figuras históricas, de imagem mitificada, os personagens cotidianos permitem uma maior identificação com o leitor, capaz de reconhecer neles características boas e ruins.

        Além disso, ao se debruçar sobre o cotidiano dos trabalhadores nos idos de 1900, Chalhoub investiga a questão social do trabalho e confronta ideias recorrentes sobre a população operária do país. Segundo Fraccaro, o pesquisador tem como marca de sua trajetória o empenho por formar um campo da história narrada com base na experiência coletiva. “Ele faz oposição, desde a década de 1980, a uma desqualificação dos trabalhadores”, conta. Entre as ideias recorrentes às quais ele se opõe estariam aquelas de que nosso povo não tem cultura ou não consegue se organizar politicamente. “Existem mitos sociais criados por intelectuais liberais, na maior parte dos casos, ou uma tradição marxista-ortodoxa – à qual o Cecult [Centro de Pesquisa em História Social da Cultura] se opõe desde o começo –, que desprezam as organizações sociais e desvalorizam a cultura e o saber popular”, diz Fraccaro. Ao propor uma história que valoriza a pesquisa em fontes, o historiador se volta para a produção de conhecimento empírico, a fim de superar ideias recorrentes (e negativas) como essas sobre o povo brasileiro.

Desse modo, aproximando o leitor dos trabalhadores do início do século passado, Chalhoub parte do universo de pessoas anônimas e comuns para investigar o período histórico retratado e os obstáculos enfrentados pelos integrantes dessa nova classe. Atualmente, num momento de forte polarização política e de perda de direitos trabalhistas, esse livro parece ganhar nova importância. Afinal, estudar os conflitos e embates do passado, assim como os limites dessas lutas, pode nos ajudar a refletir sobre antigos e novos rótulos, impasses e obstáculos aos movimentos dos assalariados, terceirizados e tantas outras situações atuais de precarização do trabalho.

‘Os historiadores do futuro terão muito o que estudar sobre as barbaridades que virão’, diz Chalhoub

Como era a vida dos operários no Brasil no início do século 20?
Sidney Chalhoub, autor de “Trabalho, lar e botequim”

Autor do clássico Trabalho, lar e botequim, o pesquisador Sidney Chalhoub costuma empregar uma fórmula de Jean-Paul Sartre para definir a história social. Segundo ele, esta seria “o estudo daquilo que as pessoas fazem com o que fazem delas”. Nesse contexto, o historiador investigaria como diferentes grupos de excluídos enfrentariam estruturas e obstáculos diversos que sustentam a desigualdade, a exploração e outras injustiças. Considerando o cenário do Brasil atual, avalia Chalhoub, os historiadores terão muito o que estudar no futuro. Nesta entrevista, o autor conta como a investigação que originou Trabalho, lar e botequim se modificou ao longo do processo de levantamento de dados, e como ele aprendeu, com este e outros estudos, que não se pode pesquisar trabalho livre e trabalho escravo isoladamente. “O que se entendia por trabalho livre, ou mesmo por liberdade, dependia da existência da escravidão”, esclarece.


Por que você escolheu usar processos criminais como fonte para essa pesquisa?

Sidney Chalhoub:A ideia inicial da pesquisa que originou o livro era investigar o que havia acontecido com os negros no Rio de Janeiro nas décadas posteriores à Abolição. Mas, por falta de imaginação e por inexperiência, tive dificuldade de localizar fontes que permitissem entender a marginalização dos descendentes de escravos. Fontes oficiais, como os recenseamentos, não computavam dados raciais durante a primeira metade do século XX, dificultando a obtenção de dados demográficos básicos. Fui então aos processos criminais, com a suposição de que, pelo fato de os negros serem mais visados pela polícia e pela justiça criminal, deveria haver aí documentação de interesse. Mas mesmo nos processos criminais a anotação sobre a raça dos envolvidos não aparecia regularmente. No entanto, fiquei fascinado com a leitura dos processos criminais. Em especial os de homicídio. À época, homicídios eram na maioria esmagadora dos casos resultantes de conflitos familiares, entre amigos, vizinhos. Era um momento de crise comunitária, por assim dizer. Logo as pessoas tendiam a falar muita coisa nos depoimentos, permitindo um estudo detalhado do cotidiano delas. O livro é o que consegui fazer analisando os processos de homicídio.


Como a questão da liberdade concedida aos antigos escravos, pela Abolição ou mesmo antes dela, influenciou na formação da figura do trabalhador livre?

Sidney Chalhoub:A escravidão no Brasil foi muito diferente da escravidão em outros lugares, especialmente da norte-americana. No Brasil, a dinâmica era a chegada constante de novos africanos pelo tráfico negreiro, africanos esses que substituíam os trabalhadores escravos que morriam ou recebiam a liberdade. Nos Estados Unidos, ao contrário, chegaram sempre menos africanos pelo tráfico, e em 1807 o tráfico acabou de vez. A população escrava norte-americana aumentava pela reprodução natural, mortalidade mais baixa do que a brasileira e quase nenhuma alforria. O resultado é que o sistema escravista brasileiro produziu sempre um número grande de libertos e de negros livres descendentes de libertos, constituindo uma importante população negra livre. No entanto, ser negro livre no Brasil era arriscado. Havia a ameaça constante de escravização, de ser preso “suspeito de ser escravo”. Isso tornava a liberdade muito precária, tolhia os movimentos e a vida dos negros livres. Essa precariedade da liberdade é o tema do meu último livro A força da escravidão. Com Trabalho, lar e botequim, e mais ainda com o livro seguinte, Visões da liberdade, aprendi que não era possível pensar trabalho escravo e trabalho livre como coisas estanques. O que se entendia por trabalho livre, ou mesmo por liberdade, dependia da existência da escravidão, só adquire significado tendo a escravidão como o fundamento da discussão.


Como a história social nos ajuda a entender a classe trabalhadora?

Sidney Chalhoub:Defino história social numa fórmula sartriana: é o estudo daquilo que as pessoas fazem com o que fazem delas. Então há uma “opção preferencial” pelos pobres e excluídos de todos os tipos, mulheres, negros e por aí vai. A ideia é estudar como esses grupos excluídos, minorias ou não, lidam com as estruturas de reprodução de desigualdades que lhes tiram perspectivas e impõem cenários de superexploração, violência, perseguição policial, encarceramento etc. Do jeito que a coisa caminha no Brasil, no momento, os historiadores do futuro terão muito o que estudar sobre as barbaridades que virão nos próximos anos. A nós, diante do que se anuncia, caberá ser solidário e defender os direitos das pessoas mais vulneráveis contra as violências ainda maiores que passarão a sofrer.

Como era a vida dos operários no Brasil no início do século 20?
SERVIÇO

Título: Trabalho, lar e botequim - O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque

Autor: Sidney Chalhoub

ISBN: 978-85-268-0985-7

Reimpressão: 2ª - 2018

Edição: 3ª

Ano: 2012

Páginas: 368

Dimensões: 14 x 21 cm

R$ 60,00

Como era as condições de trabalho dos operários no início do século XX?

Os operários eram submetidos a condições desumanas de trabalho. As fábricas geralmente eram quentes, úmidas, sujas e escuras. As jornadas de trabalho chegavam a 14 ou 16 horas diárias, com pequenas pausas para refeições precárias.

Como era a vida dos operários no Brasil?

As principais reivindicações dos operários giravam em torno da melhoria das condições de trabalho (menor jornada de trabalho, assistência ao trabalhador doente e acidentado) e pela melhoria das condições de vida (moradia, educação, alimentação e saúde).

Como era o Brasil no início do século 20?

Brasil no Século 20. O século 20 começou com o Brasil em recuperação econômica, adotando um modelo agrário, fortemente sustentado com exportação de café, borracha, algodão e cacau. Os Estados Unidos substituíram a Grã-Bretanha como a maior potência econômica do Planeta.

Quais as duas principais ideias presentes entre os operários no Brasil no início do século XX?

As principais teorias sociais difundidas no Brasil foram o socialismo científico e o anarquismo. As principais lutas reivindicativas do operariado brasileiro se concentraram em torno das melhores condições de trabalho, menor carga horária de trabalho e assistência trabalhista.