Juíza titular do 2º Juizado Especial Cível de Brasília declarou improcedente o pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização por danos materiais e morais em razão de vício oculto no veículo adquirido pela autora. Show
Segundo a inicial, em 05/01/2018 a autora adquiriu do réu o veículo Citroen ZX Dakar, modelo 1996 e, após uma semana, foi surpreendida com defeito no veículo, consistente no superaquecimento do motor. Citado, o réu não compareceu à sessão conciliatória, impondo-se o reconhecimento dos efeitos da revelia para a presunção de veracidade dos fatos articulados na petição inicial. Inicialmente, a magistrada citou o disposto no artigo 441, do Código Civil: “A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”. No entanto, ressaltou que o referido dispositivo legal não se aplica à hipótese de vício decorrente do desgaste natural do bem. "No caso, o veículo, fabricado em 1996, foi adquirido pelo autor em 2018, ou seja, com 22 anos de uso, sendo certa a necessidade de avaliação mecânica criteriosa, de responsabilidade da adquirente do bem, antes da consolidação do contrato de compra e venda", registrou, citando entendimento jurisprudencial no mesmo sentido: "5. Vício redibitório é o defeito oculto existente na coisa, objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou que lhe diminua sensivelmente o valor. Sabe-se que não cabe alegar vício redibitório por conta de defeitos congêneres, ou seja, que decorrem do desgaste natural pelo uso ordinário da coisa. Ora, trata-se de veículo adquirido com sete anos de uso e quase 170.000 quilômetros rodados. Com efeito, em razão do tempo de uso do veículo, a ocorrência de problemas é algo esperado para bens com tais características. Daí que o comprador não podia descartar a necessidade de possível revisão no veículo, inclusive, retífica do motor, pelo desgaste natural das peças. E aqui não há informações contundentes de que tais circunstâncias foram ignoradas ou mesmo não aceitas pelo recorrente. Afinal, como o veículo possuía quilometragem exacerbada, cabia ao recorrente examiná-lo criteriosamente e avaliar as reais condições do bem, antes de fechar negócio." (Acórdão n.991456, 07062040720158070007, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 03/02/2017, Publicado no DJE: 16/02/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada, com destaque que não é do original) Sendo assim, a magistrada concluiu que, "deixando o autor de comprovar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, do CPC) e inexistindo prática de ilícito atribuído ao réu, não merece acolhimento a pretensão indenizatória deduzida" e julgou improcedente o pedido inicial. Número do processo (PJe): 0714511-15.2018.8.07.0016 IntroduçãoPor vícios redibitórios entende-se aqueles defeitos ocultos em coisas que foram recebidas por via de um contrato bilateral comutativo, ou de doações onerosas (até o limite do encargo). Tais defeitos devem caracterizar a coisa transacionada como imprópria ao uso a que se destina, ou mesmo diminuir seu valor contratado. Neste sentido, a coisa então defeituosa pode ser devolvida pelo adquirente, conquistando assim a devolução do valor pago, e, caso comprovado que o alienante soubesse do defeito antes da negociação, a devolução do valor pode acompanhar a satisfação de perdas e danos. Este é o papel garantidor do instituto em casos de vícios redibitórios. Deve-se ressalvar que o adquirente pode ficar com a coisa defeituosa, reclamando o abatimento no valor. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2011), a teoria mais aceita dentre as que procuram explicar os vícios redibitórios está a teoria do inadimplemento contratual. Para o autor, tal teoria sugere que a fundamentação da responsabilidade pelos vícios redibitórios está ancorada no princípio de garantia, “segundo o qual todo alienante deve assegurar, ao adquirente a título oneroso, o uso da coisa por ele adquirida e para os fins a que é destinada” (GONÇALVES, 2011, p., 766). Em suas palavras:
Silvio Salvo Venosa (2013), por sua vez, destaca para o princípio da boa-fé, já que a garantia dos vícios redibitórios se encontra em uma obrigação que é norteada por tal princípio, no que tange à conduta dos contratantes. Parte-se do pressuposto que sempre há boa fé no ato de um pacto contratual bilateral comutativo. Venosa explica que “o alienante deve garantir ao adquirente que ele possa usufruir da coisa conforme sua natureza e destinação” (VENOSA, 2013, p. 555). Em suas palavras:
O fato é que tal garantia ofertada frente aos possíveis vícios intrínsecos e ocultos às coisas, voltada aos contratos onerosos, faz-se possível no direito brasileiro em duas leis específicas do ordenamento jurídico pátrio, a saber: no próprio Código Civil de 2002 (10.406/02), sua principal base de aplicabilidade jurídica no direito privado; e, especificando e disciplinando o direito consumerista nacional, no Código de Defesa do Consumidor de 1990 (8.078/90). Abaixo, procurar-se-á observar e analisar os efeitos de sentidos propostos por esses dispositivos específicos que regem e disciplinam os critérios e procedimentos para que se busque o acesso a tal garantia. Vícios redibitórios no Código Civil de 2002Como destaca Silvio Salvo Venosa, é o próprio Artigo 441 do Código Civil de 2002 que se encarrega de conceituar, “entre nós”, o instituto dos vícios redibitórios no ordenamento jurídico brasileiro (VENOSA, 2013, p. 556). No dispositivo lê-se:
Nota-se que o dispositivo é taxativo com relação à possibilidade de se enjeitar coisa de contrato comutativo devido a vícios ou defeitos ocultos na hora da contratação. Percebe-se que todo o conceito trabalhado na primeira parte deste ensaio é trazido no corpo do dispositivo, como colocou Sílvio Salvo Venosa. Além do mais, deve-se destacar ainda que toda a seção ‘V’, do título ‘V’, do Capítulo ‘I’, do Código Civil, é destinada a disciplinar a questão “dos Vícios Redibitórios” (BRASIL, 2002), o que demonstra a importância que foi dada ao tema pelo legislador. Na Seção ‘V’, iniciando-se do supracitado 441, indo até o Artigo 446, o tema é trazido de forma clara, disciplinando as possibilidades de aplicabilidade da garantia ofertada pelo referido instituto. No Artigo 442, pode-se notar a possibilidade que é dada ao adquirente pelo dispositivo em ficar com a coisa, negociando então o abatimento do valor pago ulteriormente com o alienante, sugerindo então as duas alternativas de ações possíveis: a ação redibitória, para rejeitar a coisa; e a ação quanti minoris ou estimatória, para conservar a coisa, solicitando abatimento no valor. Já no Artigo 443, nota-se que fica clara a questão do reforço à boa-fé na relação contratual, como se analisou na Introdução deste ensaio, já que o dispositivo traz o seguinte imperativo ao alienante:
O Artigo 444, por sua vez, reforça a garantia do instituto, ao prever que, citando a letra da lei, “a responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição” (BRASIL, 2002). Este dispositivo é de relevância ímpar para o mercado nacional, já que enquadra a possibilidade fática, por exemplo, da compra e venda de semoventes. Há de se lembrar que o Brasil é grande referência na agropecuária e no comércio local de animais para esporte e domesticação, o que reforça a segurança jurídica para este mercado. E por fim, os Artigos 445 e 446 disciplinam acerca da decadência do direito de redibição ou abatimento no preço em favor do adquirente, em caso de vícios na coisa contratada. A letra da lei diz:
Nota-se que os prazos decadenciais se iniciam a partir da tradição. Entretanto, se o adquirente estava na posse do bem, o prazo é contado “da alienação, reduzido à metade” (BRASIL, 2002). Com relação a bens móveis, conta-se trinta dias para se ajuizar a ação, e com relação à bens imóveis, um ano. Gonçalves (2011) explica que podem os contraentes “ampliar convencionalmente o referido prazo” (GONÇALVES, 2011, p. 769), prática comum, por exemplo, em venda de veículos, situação em que se amplia o prazo de garantia para um, dois, ou mais anos. Abaixo, decisão de Tribunal referente à aplicabilidade da garantia aqui estudada, ancorada basicamente no Código Civil:
Vícios Redibitórios no Código de Defesa do ConsumidorNo que tange ao direito consumerista, o instituto dos vícios redibitórios é mais abrangente, reforçando o caráter protecionista do Estado à hipossuficiência do consumidor. Se o alienante for um comerciante, está em pauta, no que tange à garantia em casos de vícios, o Código de Defesa do Consumidor e suas medidas protetoras às relações de consumo. Não à toa já que se trata, sobretudo, de um instituto que traz uma garantia de direitos, e com isso, uma proteção jurídica para o consumo no país. O Artigo 12 reforça esse caráter, sobretudo quando determina expressamente que o produtor, o fabricante, o construtor brasileiro e estrangeiro e o próprio importador respondam
Neste sentido, quanto aos prazos decadências, o CDC, amparando a hipossuficiência do consumidor, disciplina também a questão dos possíveis vícios aparentes, coisa que o Código Civil, como visto anteriormente, não faz. Nota-se a especificidade protetiva às relações de consumo que foi trazida pelo legislador. Para os vícios aparentes, em produto não durável, como por exemplo produtos alimentícios, o prazo para se ajuizar uma ação amparada no CDC é de trinta dias. Em produto durável, o prazo é de noventa dias, contados a partir da tradição ou término da execução do serviço. Já se tratando de vícios ocultos, mesmo os prazos sendo os mesmos, a contagem só inicia no momento em que os vícios ocultos se fizerem evidentes, como se lê no Artigo 26 e parágrafos do Código de Defesa do Consumidor de 1990. Abaixo, decisão de Tribunal referente à aplicabilidade baseada no CDC/90 em caso fático de responsabilidade solidária frente a vícios redibitórios presentes em automóvel:
Considerações FinaisObservou-se neste ensaio que os vícios redibitórios são defeitos ocultos em coisa que se recebeu mediante firmamento de contrato comutativo, ou mesmo em doação onerosa. Pôde-se notar que há duas ações possíveis neste caso: a ação redibitória, quando se procura rejeitar a coisa contratada, rescindindo o contrato e pedindo de volta o valor pago; e a ação estimatória, quando se busca conservar a coisa, mesmo estando defeituosa, pedindo, entretanto, o abatimento do valor pago. Do mesmo modo, percebeu-se que, apesar de ser disciplinado mormente no Código Civil de 2002, o instituto garantidor de direito de se enjeitar a coisa defeituosa, ou pedir abatimento no preço, faz-se presente de forma mais protecionista e específica no Código de Defesa do Consumidor de 1990, que regula as relações consumeristas no país. Mas, e se hipoteticamente o alienante desconhecia o defeito do produto, ele poderia se eximir da responsabilidade? Como visto, não. Ele não poderá se eximir da responsabilidade. O sentido do instituto aqui estudado é justamente amparar o adquirente desses vícios porventura ocultos na coisa transacionada, mesmo o alienante não sabendo de sua existência. Como visto, caso o alienante já soubesse do vício, caberia ao adquirente ainda a possibilidade de indenização por perdas e danos. O instituto que aqui brevemente foi analisado trata de um conjunto de dispositivos legais presente no ordenamento jurídico pátrio, o qual, indubitavelmente, é garantidor da segurança jurídica para os cidadãos nos casos de contratos onerosos pactuados em solo nacional. Referência BibliográficasBRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências, Brasília-DF, set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 14 mar. 2018. ______. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil, Brasília-DF, jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 14 mar. 2018. FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 15. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado. Volume I. São Paulo: Saraiva, 2011. SÃO PAULO. TJ-SP -Apelação n. 3000085-91.2013.8.26.0223, Relatora: Mônica de Carvalho, data de julgamento: 13 de março de 2018, 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá, data da publicação: 13 de março de 2018. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br>. Acesso em: 14 mar. 2018. ___________. TJ-SP –Apelação Cível n. 0006573-90.2011.8.26.0609, Relator: Azuma Nishi, data de julgamento: 1 de março de 2018, 1ª Vara Cível da Comarca de Taboão da Serra, data da publicação: 1 de março de 2018. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br>. Acesso em: 14 mar. 2018 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13° Ed. São Paulo: Atlas, 2013. Por que se diz que o vício redibitório é um problema de fato e a evicção um problema de direito?O foco do problema: no vício redibitório, o problema está no objeto, enquanto na evicção, está na titularidade do bem. A responsabilidade do alienante: na evicção ela pode ser excluída, diminuída ou até mesmo reforçada, desde que expressa em contrato; já no vício redibitório não existe tal previsão.
Qual é a diferença entre vício redibitório e evicção?A primeira grande diferença entre vício redibitório e evicção consiste no foco do problema. No primeiro caso, de vício redibitório, por exemplo, o problema está no objeto. Já no segundo caso, de evicção, o problema está na titularidade daquele bem.
Por que o vício redibitório e a evicção são considerados garantias do vendedor?Se o vendedor não sabia sobre o vício redibitório, ele deverá devolver o valor recebido (ou o abatimento proporcional) mais os custos do contrato. No entanto, se o vendedor sabia do vício e ocultou do comprador, além de devolver o valor recebido, ele responderá por perdas e danos.
Quanto à evicção e aos vícios redibitórios?CC/01, Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
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