Qual e o gênero da Carta de Pero Vaz de Caminha?

Por Débora Silva em 03/01/2017

Conhecida como o primeiro documento de valor histórico do Brasil, “A Carta de Pero Vaz de Caminha” também é considerada o primeiro texto literário do nosso país.

A carta em questão foi redigida em forma de diário por Pero Vaz de Caminha, escrivão de Pedro Álvares Cabral, com o objetivo de contar ao rei D. Manoel I as primeiras impressões do que aqui foi encontrado.

Características da Carta de Pero Vaz

Pero Vaz de Caminha era um “escritor-escrivão”, que não se limitava a apenas registrar os fatos da viagem, mas também utiliza-se da forma literária, com uma linguagem transpassada por metáforas, indo além do simples registro do que encontrou sobre a terra que posteriormente viria a ser chamada de Brasil.

Qual e o gênero da Carta de Pero Vaz de Caminha?

Foto: depositphotos

Ao longo de seu texto, Pero Vaz deixou de lado as formalidades, tais como os pronomes de tratamento e a referência direta ao rei. O “escritor-escrivão” também se dirige ao leitor mais geral, descrevendo detalhadamente a nova terra e os seus habitantes.

A Carta de Pero Vaz de Caminha também faz parte da Literatura Portuguesa, e nela podemos encontrar não apenas a simples descrição objetiva, mas também momentos de subjetividade. Este relato, considerado o mais confiável sobre a chegada dos portugueses ao Brasil, apresenta elementos de uma crônica e características estilísticas da Literatura de viagem do Quinhentismo.

A história da Carta

A Carta chegou às mãos de D. Manoel e, depois, passou ao domínio da Secretaria de Estado, que a manteve com a mesma proteção de antes, uma vez que a notícia do “descobrimento” da nova terra não poderia chegar até os espanhóis. Após alguns anos, o documento foi enviado para o arquivo nacional, na Torre do Tombo do castelo de Lisboa.

Com a vinda da família Real ao Brasil, José Seabra da Silva, diretor do arquivo, solicitou uma cópia da Carta e trouxe-a consigo. A cópia foi encontrada no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro, por intermédio do padre Manuel Aires do Casal, que tinha a intenção de torná-la pública, no ano de 1817. 

Fragmento da Carta de Caminha

Confira a seguir um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha

“(…) Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia… muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos — terra que nos parecia muito extensa.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!  (…)”.

*Débora Silva é graduada em Letras (Licenciatura em Língua Portuguesa e suas Literaturas). 

Conhecida como o primeiro documento que oficializou a História pós-descobrimento da terra aqui encontrada, posteriormente batizada de Brasil, a Carta em questão foi redigida por Pero Vaz de Caminha, escrivão de Pedro Álvares Cabral, a qual registrou as primeiras impressões do que aqui foi encontrado. Tendo como destinatário D. Manoel I, também conhecido como “O Venturoso ou Bem-Aventurado”, tal documento foi redigido entre os dias 26 de abril e 02 de maio, em Porto Seguro, que somente foi interrompido pelo fato de o escrivão (Caminha) ter interrompido a atividade para dar auxílio ao capitão-mor no sentido de organizar os últimos detalhes para a partida de uma nova frota rumo à Índia.

Ao sinal de partida, apenas um ficou, mais precisamente o navio de Gaspar de Lemos, cujo destino, enviado pelo próprio Cabral, foi Lisboa – fato que fez com que esse documento chegasse às mãos da verdadeira pessoa a quem era destinado (D. Manoel). Vencida essa “guarda”, passou ao poderio da secretaria de Estado, mantendo-se sob a mesma proteção de antes, visto que a notícia do descobrimento não poderia chegar de forma alguma ao conhecimento dos espanhóis.

Passado alguns anos, o documento foi enviado para o arquivo nacional, localizado na Torre do Tombo do castelo de Lisboa. Entretanto, com a vinda da família Real ao Brasil, o diretor do arquivo, José Seabra da Silva, mandou fazer uma cópia, trazendo-a consigo. Tal cópia foi encontrada no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro por intermédio do padre Manuel Aires do Casal, cuja intenção foi imprimi-la e torná-la pública, em 1817.

Dessa forma, como a Independência ocorreu em 1822, não era de se surpreender que o documento ganhasse ainda mais notoriedade, tornando-se fonte inesgotável de estudos feitos posteriormente. No que diz respeito aos aspectos estruturais, pode-se dizer que atestamos uma nítida disparidade entre o português falado no início do século XVI e o que hoje permeia as nossas relações cotidianas, visto que alguns termos caíram em desuso e novos se incorporaram ao nosso vocabulário. Em razão disso, retratamos a seguir alguns trechos do documento em questão, só que numa versão adaptada, justamente para facilitar o entendimento. Observe:

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"Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos. Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora [...]”.

Ao estabelecermos familiaridade com o discurso propriamente dito, em alguns trechos, tais como “Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal.”,registramos que o escrivãonão se porta somente como um mero observador, ou seja, alguém que se mantém imparcial o tempo todo. Ao contrário, por meio dos recursos que utiliza, entre eles a forma engraçada de se referir às índias, comparando-as com as demais mulheres portuguesas, ele revela todo o subjetivismo presente por meio das impressões que o cercava.

Qual é o gênero da carta de Pero Vaz de Caminha?

A Carta classifica-se como um gênero epistolar por possuir, em sua estrutura formal, remetente, destinatário e mensagem. Mas, como sua mensagem foi redigida durante vários dias e o seu conteúdo foi dividido a partir dos principais acontecimentos de cada um deles, ela também se classifica como um diário.

Quais são as características da carta de Pero Vaz de Caminha?

Conteúdo da Carta Ele documenta a composição física à primeira vista do território. Além disso, narra o episódio do desembarque dos portugueses na praia, o primeiro encontro entre os índios e os colonizadores, e a primeira missa realizada no Brasil.

Qual foi a intenção da carta de Pero Vaz de Caminha?

A missão dada pelo rei Manoel a Caminha era simples e ao mesmo tempo importantíssima: relatar o que havia nas novas terras descobertas – principalmente se havia metais preciosos. É importante ressaltar que D. Manoel já sabia, desde ao menos dois anos antes, que o “Brasil” já existia.