Quem e o dono da produtora Godzilla?

O rei está seminu. Kondzilla, o "rei dos clipes de funk no YouTube", ainda é o maior do Brasil em assinantes e visualizações totais, mas tem metade dos acessos do início de 2018 (já chegou a 1 bilhão por mês). O canal já teve 23 clipes no top 100 semanal. Hoje tem três, contra nove da GR6.

Antes, ouvir funk era abrir o canal do Kondzilla e tocar o que tinha lá. Agora isso mudou... Por quê? O que está rolando com o Kond e o funk?

O G1 falou com empresários, produtores e o diretor-executivo da Kondzilla, Fabio Trevisan. Por trás das cifras estão dilemas da empresa de SP que deu a cara do batidão brasileiro dos últimos anos. A cena que ela ajudou a criar está mudando. Os cinco fatores mais citados foram:

  1. Funkeiros mais conhecidos, como Kevinho, Jerry Smith, Lexa e Pocahontas, hoje preferem postar em seus canais individuais
  2. Após anos de domínio paulista, o funk cresce em Belo Horizonte, Recife e especialmente no Rio, onde Kondzilla é menos presente
  3. Mesmo em SP, a concorrência aumentou quando a GR6, maior agência de MCs da cidade, passou a priorizar seu próprio canal
  4. Competidores avaliam que o canal está perdendo a "conexão com as ruas", com linguagem "limpinha" em momento em que o funk é marcado pela "ousadia"
  5. Excesso de clipes de aspirantes a celebridades de qualidade duvidosa, que pagam pela "vitrine" da Kondzilla. A produtora lucra, mas o canal perde interesse de fãs

Para Fabio, a perda de parte da audiência pode ser resultado de uma decisão que, por outro lado, também foi boa para eles: um "filtro" de palavrões, sexo e violência nos clipes. Isso ajuda a chegar a certos públicos e marcas. Mas o funk mais popular hoje não economiza no teor sexual.

Outros dilemas (entre produtora e exibidora, mídia e agenciadora, negócio paulista e nacional) mostram que o modelo de incrível sucesso trouxe armadilhas. E isso está mudando o singelo hábito do brasileiro de dar o play para dançar um funk...

Kondzilla: o fluxo diminuiu

Mesmo ainda líder, audiência no YouTube caiu pela metade desde pico de 1 bilhão em dezembro de 2017. Canal GR6, seu maior concorrente no funk, se aproxima

Fonte: YouTube / SocialBlade

Em abril de 2017, o G1 foi a uma casa de dois andares na Zona Leste de SP, onde 35 pessoas trabalhavam no canal que tinha virado o maior do YouTube do Brasil. Konrad Dantas, o Kondzilla, foi visionário ao investir na imagem vibrante do então crescente funk ostentação de SP, em 2012.

A empresa virou sinônimo de funk: maior produtora de vídeos e, ao mesmo tempo, vitrine do estilo. Todos os hits entravam lá.

"Somos mídia. A gente só produz o clipe se for lançar no nosso canal, e só lança no canal produção nossa", explicava Konrad.

Ele queria mais: tinha acabado de transformar a Kondzilla em agência (empresa que negocia shows e gravações de artistas). Entre os MCs anunciados estavam Guimê, Bin Laden e Tati Zaqui. "A Kondzilla já é muito mais que uma companhia de vídeo", ele dizia.

O produtor de vídeos de funk Konrad Dantas, o Kondzilla — Foto: Reprodução/Facebook/Kondzilla

Guerra dos tronos no funk?

Os planos grandiosos de 2017 causaram uma reviravolta. Eles deixaram com o pé atrás a GR6, maior escritório de agenciamento de artistas de funk de SP.

Na época, a GR6 lançava os clipes dos seus maiores MCs pelo canal da Kondzilla: Pedrinho, Livinho, Kevinho, João, G15...

"Eles abriram um escritório e viraram concorrência. A gente viu que tinha que ter uma coisa independente, trabalhar nossa plataforma. Pelos clipes, todo mundo achava que nossos artistas eram da Kondzilla. A gente ficava escondido", diz Rodrigo Oliveira, 33 anos, dono da GR6.

Ele passou a priorizar produção e veiculação próprias, no canal GR6 Explode. Já são 10 diretores da casa e R$ 2 milhões em equipamento de vídeo, ele diz. O resultado está nas paradas do YouTube.

Kondzilla x GR6: o jogo virou no Top 100 do Youtube

Há um ano, Kondzilla seguia líder disparado com mais de 20 músicas no top 100 semanal de clipes mais vistos do YouTube Brasil. Com a queda, o líder agora é o canal GR6

Fonte: YouTube Charts - Top vídeos de música

Rodrigo avalia que a Kondzilla tentou dar um passo maior que as pernas: "Queria dominar tudo, mas não conseguiu. Querer ganhar o mercado com produto é uma coisa. Mas a maioria dos artistas nem era dele."

"Tenho um grande respeito pelo Kondzilla, por tudo que ele construiu", diz Rodrigo. "No que ele faz, filmar, para mim é um dos melhores." Ele diz que tem boas relações com a equipe da empresa da Zona Leste (ainda há alguns lançamentos da GR6 no canal da outra empresa).

Mas agora os planos de dominar várias partes do mercado são dele. A sede da GR6 fica em uma casa na Zona Norte de São Paulo. "Agora a gente está construindo outra casa na frente que é duas vezes maior. Lá vai ficar nossa parte de filmes. Estamos gravando uns 90 clipes por mês."

O funkeiro MC Pikachu na produtora GR6, em São Paulo — Foto: Divulgação

Cada um no seu canal

Não é só a agência concorrente que embaçou o cenário para Kondzilla. Os artistas de funk mais famosos estão postando os clipes em seus próprios canais. O top 100 está cheio de novos hits nos canais de MCs que, antes, lançavam no Kondzilla: Kevinho, Jerry, Smith, Lexa, Pocahontas...

A soma de vídeos da Kondzilla e da GR6, que há um ano superava 30% do top 100, agora é de 12%. Ou seja, o modelo de grandes canais não é mais o único no funk. Os MCs com mais cacife já fazem como os sertanejos: cada um no seu canal.

O G1 falou com a empresária de um destes MCs. Ela pediu para não ser identificada. Ela diz: "Não tem raiva, todos os cantores são muito gratos a ele. Mas tudo que o Kondzilla faz tem muito a cara dele, um carimbo forte. Nosso motivo não foi financeiro, mas de liberdade mesmo."

"Fizemos essa mudança pois a gente quis um trabalho com a cara do artista. O canal dele tem outros conteúdos além de clipe. Fica mais fácil para ter essa relação direta com fãs", diz a empresária.

Acabou a ousadia?

O diretor mineiro Henrique Douglas dos Santos, dono do canal Doug Filmes, vê no Kondzilla um momento difícil de "quando uma coisa cresce demais e perde o 'feeling', a linguagem, a conexão com público na rua."

Doug tem 21 anos e sobe no embalo do funk de BH, uma das cenas em alta junto a Recife e Rio. Seus clipes incluem os do astro mineiro MC Rick. Criado há dois anos, o canal já produz 50 clipes por mês, com 15 funcionários e filial a ser aberta em SP.

O vídeo "Nada vai mudar" mostra MC Rick descendo uma rua da favela com dezenas de pessoas da comunidade, várias delas fazendo o "passinho malado" que se espalhou em BH. Tem 25 milhões de views e o clima da tal "conexão com a rua" que ele busca.

MC Rick no clipe de 'Nada vai mudar', da Doug Filmes — Foto: Divulgação

Rodrigo, da GR6, diz: "O que o Kondzilla faz não é só dele, é um patrimônio do funk. A GR6 também. A gente não quer perder essa vertente [popular]. A gente continua com essa vontade de mostrar o dia a dia na rua."

Grande parte das músicas e vídeos fala de sexo de maneira bem direta: dos funks "da Gaiola" do Rio ao brega-funk pernambucano, passando pelos jovens MCs mineiros e a própria cena de SP.

A questão não é só letra, mas de se conectar com a estética atual. Um exemplo de sucesso da GR6 em captar estas novidades são os vídeos de "cypher" (registro de MCs reunidos que alternam rimas improvisadas sobre um mesmo beat).

“Vem a GR6 e começa a experimentar mais radicalmente. Lá foi que começaram a se popularizar os vídeos de cypher, um formato do rap”, diz o jornalista e pesquisador Gabriel Albuquerque. O resultado bombou.

Passinho do 'compliance'

Em novembro de 2018, o chefão da Kondzilla deixou de ser o Kondzilla. Konrad Dantas, criador e dono da empresa com seu apelido, ficou só como diretor criativo da produtora. O que já dá muito trabalho, além de uma série que ele prepara para a Netflix. Passou o bastão "executivo".

A Kondzilla anunciou um CEO, sigla para "chief executive officer", ou diretor-executivo. O escolhido foi Fabio Trevisan, 43 anos. Ele foi executivo da Conspiração, uma das maiores produtoras do país, e tem no currículo Nestlé, Chrysler e a agência McCann em Nova York.

Fabio explica: "Entrei para cuidar da gestão. Hoje são 60 colaboradores no total da 'holding'." O termo é para falar de uma companhia que controla outras empresas, já que a Kondzilla tem setores de clipes, de outros conteúdos, roupas, licenciamento de marca, agência e gravadora.

Sobre a queda de acessos no canal, o primeiro motivo que ele cita é a tal mudança de linguagem - que, para ele, foi consciente, teve resultado positivo e não reflete uma "desconexão" com a cultura da comunidade.

"Ainda em 2017, nós estabelecemos um 'compliance'", ele diz. O termo em inglês está em alta no mundo empresarial, que significa diretrizes corporativas para seguir leis e evitar desvios. As novas regras eram para banir dos clipes da Kondzilla:

  • Armas
  • Drogas
  • Objetificação da mulher
  • Violência
  • Palavras de baixo calão

"Passamos a exigir isso do artista. Vemos a letra e também a gravação do clipe." Um exemplo foi "Deu onda", do MC G15 (de dezembro de 2016, mas já no "compliance"). Ele diz que o canal exigiu a letra "light" ("o pai te ama") e o clipe acabou sendo o mais visto do mundo em janeiro de 2017.

Mc JottaPê exibe caixinha de Tic Tac em clipe da música 'Modo Avião', produzida pela marca em parceria com Kondzilla — Foto: Divulgação

"Em função deste filtro, a gente cresceu para uma parte do público, mas também abriu um 'flanco' para os concorrentes que continuam com objetificação, armas, coisas que não estão mais aqui. Essas músicas ainda agradam outra parte da audiência", diz Fabio.

O filtro também abre para a Kondzilla portas na lucrativa invasão de marcas em clipes brasileiros. "Ajuda na parte comercial. Hoje a gente não encontra mais resistência das marcas", ele diz.

Um diretor de Belo Horizonte, que não quis se identificar, comenta esta questão do "filtro". "Se começo um canal com a música que vem da comunidade, tenho que falar a língua da comunidade. Se tiver palavrão, vai ter palavrão". diz.

"O Kond, por influência de marcas, deixou mais comercial. Eu até entendo, mas isso não é o que a rua pede. O funk é da favela. Lá na favela a gente escuta "bunda". Se você ouve o clipe cortado, falando que vai 'descer a piiiii', querendo ou não, isso prejudica", diz o diretor.

Outras conexões

Fabio fala de novos projetos da Kondzilla que, para ele, criam uma conexão maior, e não menor com a cultura da periferia.

Um exemplo é o investimento no portal Kondzilla.com, um canal só com conteúdo para o jovem de favela, relançado na sexta-feira (31). O site já existia, com base em conteúdos em texto, mas agora ganha um canal paralelo no YouTube.

Segundo Fabio, serão 15 profissionais na Kondzilla só para o novo portal, com reportagens e outros vídeos não só focados em funk, mas também empreendedorismo, diversidade, moda e educação.

Cena do teaser do novo Portal Kondzilla, que terá reportagens e bastidores de clipes com conteúdo voltado aos jovens de favelas — Foto: Divulgação / Kondzilla

'Pagou, tocou'

O último dilema que profissionais veem na Kondzilla é efeito colateral de ser fábrica e vitrine de clipes ao mesmo tempo. A produtora ganha dinheiro fazendo vídeos por encomenda. Ao crescer, o canal ficou cada vez mais visado por aspirantes ao sucesso de qualidade duvidosa.

O resultado é a "poluição" do canal por clipes de gente que investiu no vídeo, mas com música que não agrada. Entre megahits, tem clipes com baixa repercussão, críticas e até indignação. É o caso de Loreto Mcallister, com 30 mil likes e 240 mil "dislikes". Há até playlists depiores funks do canal. Veja exemplos abaixo.

Quem e o dono da produtora Godzilla?

3 clipes #fail de Kondzilla

Nesta questão existe uma vantagem específica da maior concorrente. “A GR6 só produz clipes dos seus artistas. Está certo que eles contratam a rodo. Mas seu canal só vai soltar clipes dos seus MCs, portanto há uma preocupação maior”, explica Gabriel Albuquerque.

Mas o problema existe para outras empresas com o modelo do Kondzilla. Doug conta que é procurado por muitos artistas iniciantes que querem o espaço de seu canal. Ele poderia só ficar com o dinheiro e lançar o clipe lá. "Mas ia queimar o filme do artista e do canal", ele diz.

A saída da Doug Filmes foi criar uma assessoria artística e de marketing para artistas iniciantes, e um canal paralelo para estes lançamentos.

A solução é engenhosa: se chega um cantor sem noção querendo aparecer no canal, é possível até comprar um clipe e o espaço, mas ele vende a noção junto, através da assessoria de marketing. "A gente está matando esse problema na raiz, todos ficam felizes", diz Doug.

Paredão aberto

Já em 2017, Konrad planejava o novo canal extra-clipes para jovens da favela: "A ideia é expandir num vertical de jovens de comunidade. Eu quero ser o maior comunicador com jovens de comunidade do Brasil. Quero ser e vou ser", afirmava.

A queda de audiência nos clipes não significa que ele deixou de ter força para este objetivo.

"Obviamente a empresa ainda é enorme e um ator muito significativo na rede de música pop periférica do Youtube. Talvez o mais forte e hegemônico porque não é questão apenas de números. É a marca, o seu simbolismo", analisa Gabriel Albuquerque.

Mas fica cada vez mais claro que o cenário também abriu para quem quer quiser construir e expandir sua marca - seja GR6, Doug ou outros produtores e MCs de todo o Brasil...

Clipe de 'Só sarradão, sarradona', dos MCs Matheuzinho e G6 com DJ Dede, do canal Lifestyle On — Foto: Divulgação

É o caso de Thiago Wesley Rodrigues, o TH, dono do canal Lifestyle ON. A empresa de 2016 já tem 17 funcionários e sede na Zona Sul de São Paulo. Já gravaram com Ruanzinho, Dede, 2K e outros, tanto para os canais dos cantores quanto para o deles, com 500 mil seguidores.

"Foi o crescimento da Kondzilla que diversificou o mercado e abriu para muitas pessoas produzirem. Agora tem muita gente produzindo e mais espaço para todo mundo", diz Thiago.

Ele vê opções em modelos de negócios e conteúdo - com base no Kondzilla - para seguir ou para mudar. "O Kondzilla criou uma estética forte. Quando a gente quer fazer algo diferente, tem que ser muito bom e provar que vai funcionar, e isso é bom, aumenta o nível."

Quem é o dono da produtora Godzilla?

Konrad Dantas, mais conhecido pelo nome artístico KondZilla (Guarujá, 13 de setembro de 1988) é um diretor de criação, produtor e empresário brasileiro.

O que aconteceu com o KondZilla?

O rompimento de Portuga com a GR6 e sua união com Kondzilla foi uma revolução no funk de SP, e marcou um momento de expansão e disputa das duas empresas. Houve até uma "guerra de contratação de MCs". Antes disso, a GR6 e a Kondzilla eram parceiras.

Qual o patrimônio do KondZilla?

Mais de 1 milhão de reais de faturamento mensal.

Quanto custa para fazer um vídeo com o KondZilla?

Na casa de dois andares trabalham 35 funcionários, fixos e freelancers, gravando ao menos dois vídeos simultaneamente. Cada produção custa a partir de R$ 50 mil.