No futebol, assim como na sociedade, o preconceito ainda existe e machuca. Mas, torcedores de Atlético-MG, América-MG e Cruzeiro têm tido iniciativas importantes para dar fim ao preconceito dentro dos estádios. Show
Bandeirinha do Mineirão estampa cores da bandeira LGBTQIA+ — Foto: Reprodução/ Mineirão Um dos primeiro movimentos no estado foi a "Galo Queer", onde torcedores LGBTQIAQ+ do Atlético-MG começaram a se organizar. Depois, em 2019, veio as "Marias de Minas", ideia que partiu do Yuri Senna, torcedor fanático do Cruzeiro, que se viu sozinho e acuado depois de um episódio de homofobia, no Mineirão. - Meu namorado me abraçou por trás para me acalmar, e neste momento fizeram uma foto. Fizeram um vídeo e dois dias depois do jogo começou a circular essa foto, esse vídeo em tons de ameaça, usando a gente como chacota. Ameaças de morte, inclusive, de que a gente não podia voltar pro estádio nem eu nem meu namorado. Ali, foi um verdadeiro inferno na nossa vida porque ali começaram a tirar nosso direito de torcedor, nossa liberdade de estar no estádio - disse Yuri. Mais recentemente, foi a vez de torcedores do América se organizarem. O "Fora da Toca". Um coletivo para torcedores do América-MG LGBTQIAQ+, que se reúnem para assistirem juntos aos jogos do Coelho, no Independência e lutar contra o preconceito no estádio. - Como o futebol reflete a sociedade, se a gente conseguir isso dentro do estádio, a gente vai conseguir na sociedade - disse Thiago. Times se manifestamNesta terça-feira, Atlético-MG, América-MG e Cruzeiro fizeram publicações em apoio ao Dia do Orgulho LGBTQIAP+. No Dia do Orgulho LGBTQIA+, O Contra-Ataque mapeou as torcidas que se organizaram pra ter representatividade no estádio e nas redes sociaisPor Cadumorita, Dora Scobar, Gabriel Paes, Paulo Castro, Rafaela Dionello, Raphael Dafferner, Maria Sofia Aguiar e Thomaz Cintra
Essa frase não foi dita por um, nem dois, mas por vários dos entrevistados para essa pauta. Mas o quê, exatamente, isso quer dizer?
O futebol é um meio explicitamente machista e homofóbico, mas as pessoas não se dão conta disso. Pensam que gritar “bicha” para o goleiro adversário faz parte do jogo, é apenas mais um xingamento. Acontece que não é: se o jogador em campo releva o grito, mas o torcedor do teu lado na arquibancada se ofende, tem algo de muito errado aí. E é exatamente desse mal estar que começam a surgir as torcidas LGBTs contemporâneas no futebol brasileiro. Depois dos anos 70, com a Coligay e a FlaGay, que não estão mais em atividade, só em 2013 outro coletivo LGBT foi criado: a Galo Queer. De lá pra cá, teve muito clube saindo do armário. Data de fundação das torcidas LGBTQIA+ no futebol brasileiro. [Arte: Sko] Outros coletivos LGBTQIA+ foram criados em 2013, como Corinthians Livre, Cruzeiro Maria, Timbu Queer e Vitória Livre. Não as colocamos na arte porque elas foram desativadas. E se você é da Geração Z e está acostumado a falar sobre diversidade, saiba que há pouquíssimo tempo atrás a gente nem pensava em falar sobre o assunto. Emerson Sheik dá um selinho no amigo Izac, mas deixa claro no post: “Para você que pensou em fazer piadinha boba com a foto, da uma pesquisada no meu Instagram todo antes, só para não ter dúvida” (Foto: Instagram/10emerson10)Isso aqui é um feed do Instagram em 2013. Na foto, o ídolo do Corinthians Emerson Sheik, autor dos dois gols do título da Libertadores em 2012, comemora uma vitória do Timão postando esse momento de um selinho com o melhor amigo. Sim, um selinho bobo, desses que a Hebe dá em todo mundo desde que a Rita Lee pregou essa moda nela, em 1997. Um texto da ESPN da seção “Olha isso…” conta que o atacante “não tem medo do preconceito” e é “conhecido pelo lado polêmico”. No post, o atacante deixa claro que é heterossexual. Por quê?
O homem que se diz “macho” e forte, na verdade apresenta uma masculinidade tão frágil, que se houver algum elemento dentro desse ciclo social de virilidade, que historicamente não pertence ao grupo, ele se descontrola e parte para a agressão física ou verbal, porque é a única forma que ele encontra de brigar pelo seu território. É por isso que torcidas LGBTs surgiram: num contexto onde é insuportável — e perigoso — estar ao lado de alguém assim dentro de um estádio.
Após o jogo, Nathalia foi pra casa e fez a página da Galo Queer no Facebook na intenção de se colocar como uma torcida anti-homofobia. Ela conta que a página recebeu dezenas de ameaças, dos mais variados tipos e, por isso, nunca tiveram a oportunidade de marcarem um lugar na arquibancada.
Logo em seguida da Galo Queer, separada por três dias, nasceu a Palmeiras Livre com o mesmo intuito da colega mineira: “Porque paixão pelo Palmeiras não tem nada a ver com intolerância.” ‘BICHA’ é um livro que analisa o cenário de homofobia no esporte mais popular do país e a luta de pessoas que querem mudar essa realidade: sejam elas jogadores profissionais, torcedores ou atletas amadores.
Intolerância nada mais é do que falta de vontade em respeitar diferenças. Então, como funciona a cabeça de uma pessoa homofóbica?Segundo a psicóloga Caroline Palombello, podemos imaginar que temos várias gavetas que usamos para organizar conceitos, crenças, construção de sentidos e, basicamente, “tudo que possa nos ajudar a organizar quem nós somos e como pensamos”, ela explica. A Gabi Moreira, então repórter da ESPN, deu um pito no torcedor palmeirense que chamou o time do São Paulo de “bichas” (Vídeo: ESPN Brasil)Nada como três anos e um pouquinho de terapia. (Imagem: Galo Queer) Mas nem tudo está perdido: se houver disposição para o diálogo, uma pessoa homofóbica pode mudar a cabeça — lembrando que homofobia não é opinião! Em 2015, um torcedor mandou um xingamento por mensagem para a Galo Queer. Três anos depois, se arrependeu e pediu desculpas. Segundo o sociólogo Maurício Rodrigues, em entrevista para o livro Bicha! Homofobia estrutural no futebol:
A torcida Coral Pride, que batalha pela representatividade LGBTQIA+ dentro do Santa Cruz, surgiu também com ajuda das redes sociais, conforme compartilhou June, uma das fundadoras do coletivo, em entrevista ao Contra-Ataque. Imagem: Arquivo Coral Pride Sobre as torcidas e coletivos LGBTs criados nesta década, João Abel afirma:
Quem deu uma bicuda nas portas do armárioA revolta de Stonewall é um grande símbolo da luta LGBT. Foi a primeira grande manifestação da população LGBT contra a invasão da polícia de Nova Iorque ao bar Stonewall. Ela acontece no 28 de junho de 1969, quando as pessoas que estavam no bar decidem resistir contra a violência policial. (Fonte: MST)A Coligay foi a primeira torcida organizada LGBT que surgiu no Brasil, em 1977. O Grêmio vivia uma seca de oito anos sem títulos e o intuito dos torcedores que se juntaram na Coligay era apoiar o clube no estádio, cantando e incentivando até o fim. Empurrado pelos torcedores, incluindo os LGBTs, o clube gaúcho foi campeão no mesmo ano e a torcida se tornou um amuleto a cada partida do time em seu estádio. Torcedores da Coligay em uma partida em 1977. (Imagem: Acervo Coligay)Também no final da década de 70, foi criada a torcida Maré Vermelha. Ela representava o clube Internacional de Santa Maria, um modesto time do interior do Rio Grande do Sul. Um dos poucos registros fotográficos da Maré Vermelha, no século passado.Outra torcida criada na década de 70 foi a FlaGay. O grupo estreou em um Fla-Flu no qual o Fluminense venceu o jogo por 3x0 e o resultado enfureceu os torcedores do Flamengo, que atacaram a FlaGay e a acusaram de ser a responsável pela derrota do time. Dirigentes foram culpados por terem deixado aquela “praga” entrar no estádio. Jornal estampa a fala de um dirigente do flamengo, que atribuiu a má fase do time à presença da torcida LGBT no estádio.Por pura sorte, ou fama de pé fria, a FlaGay não teve o mesmo sucesso que a Coligay. E não é surpreendente que décadas depois desse episódio, o torcedor machista continua sendo supersticioso a ponto de creditar a má gestão de um clube ao tipo de torcedor que ele não quer ver no estádio a seu lado.
O silêncio ensurdecedor dos clubes de futebol parece ter chegado ao fimE o que acontece quando a gente inclui os clubes nessa pauta da diversidade? Não são eles que deveriam tomar a frente no cuidado com todos os seus torcedores? Antes de discutir o que os clubes podem fazer pela causa, a gente precisa entender o que eles não fizeram até agora. “Em 2019, o Bahia lançou uma camisa e depois uma campanha que era “Levante a Bandeira”, que colocaram bandeirolas coloridas no estádio. Ali eu senti, por parte do clube e de outras iniciativas, que tinha um espaço diferenciado que estava sendo construído pra que de repente a gente propusesse algo tão ousado”, conta Onã Rudá, fundador da LGBTricolor. Imagem: Instagram @lgbtricolor / Foto: @celomalaquias no InstagramQuase ninguém foi tão além quanto o Bahia. Em 2020, um levantamento feito pel’O Contra-Ataque mostrou que 17 dos 20 times com as maiores torcidas do Brasil se posicionaram no dia do Orgulho LGBT e no da Luta Contra LGBTfobia. Nessas datas, artes, notas de repúdio e os mesmos posts comemorativos de sempre preenchem a timeline das páginas dos clubes. Gráfico mostra a adesão de clubes, por ano, às datas que falam sobre diversidade. (Arte: João Abel) Para Luiz Sérgio, integrante da Fiel LGBT e representante da SCCPride, isso não representa o pensamento e atitudes práticas dos clubes:
As torcidas representam seus times dentro e fora dos estádios e as LGBT têm a mesma função. O obstáculo é o de serem reconhecidas assim como as outras, e isso não apenas no Corinthians, como em grande parte dos clubes do Brasil, segundo Luiz Sérgio:
A essencialidade das torcidas LGBT vai além de tornar a comunidade parte do clube, dos torcedores e do futebol. Ela também é necessária para que o tema deixe de se tornar “inapropriado” entre os jogadores e os integrantes dos times.
Imagens: Instagram @lgbtricolor Como em um país que, atualmente, cerca de 10% da população brasileira se considera LGBT, não há nenhum jogador que se declare parte desse grupo?A resposta pode ser encontrada em um campeonato de outro país. No ano passado, na Premier League, um atleta, que não se identificou, enviou uma carta ao The Sun dizendo que se considera homossexual, porém não se sente confortável para se assumir publicamente ao clube.
Na ocasião, o jogador disse que se descobriu homossexual com 19 anos de idade, mas que assumir sua orientação sexual em público seria um enorme risco para sua carreira. Essa intensa vivência sem poder ser quem ele é acabou ainda por prejudicar até mesmo sua saúde mental, mostrando ainda mais como ser LGBTQIA + no meio do futebol, mesmo escondido, prejudica o atleta. Na carta, o atleta conta que já pensou diversas vezes em se assumir publicamente ou até mesmo contar a alguns companheiros de equipe — até hoje, apenas familiares e alguns amigos muito próximos sabem -, mas ele sempre chega na mesma conclusão: “Por que arriscar tudo?”. A Fundação Justin Fashanu, que leva o nome do primeiro e único jogador do campeonato inglês a se assumir homossexual, além de ter apoiado o autor da carta e mais 4 futebolistas profissionais na Inglaterra, foi a responsável por revelar ao The Sun o depoimento do atleta. A morte precoce de um jovem brilhanteA história do futebol nos leva até a Inglaterra, em 1981. O time da vez era o poderoso Nottingham Forest, então bi-campeão da Copa do Campeões da Europa (atual Liga dos Campeões). O clube inglês fez uma contratação histórica que ficaria marcada para todos os tempos: Justin Fashanu o primeiro atleta negro a ser contratado por 1 milhão de libras. Infelizmente, essa não é uma história com final feliz. Olha o tamanho da manchete. Depois falam que gays é que são escandalosos.Fashanu não conseguiu repetir o sucesso que fez no Norwich City e tinha dificuldades de relacionar com seus companheiros de time. Um dos grandes motivos era que o jovem frequentava boates e bares gays e isso incomodava seus colegas. Até mesmo sua própria família tinha a mesma opinião e seu irmão, que também era jogador e não queria “manchar” a imagem, lhe ofereceu 75 mil libras para que jamais revelasse sua orientação sexual. Sem conseguir estabilizar a carreira na bola, o jogador peregrinou por vários clubes pequenos pelos EUA, Canadá, Escócia, Nova Zelândia e na Inglaterra, mas não se firmou em nenhum deles. Pendurou as chuteiras e decidiu seguir a carreira de treinador de futebol. Morando em Baltimore, nos EUA, Justin foi acusado por um jovem de 17 anos por estupro em 1997, depois de uma festa. Com medo de um julgamento maldoso e injusto, decidiu voltar para Inglaterra enquanto ocorriam as investigações e se escondeu por um mês. Cansado da perseguição, do racismo e da homofobia, decidiu colocar fim na própria vida, aos 37 anos de idade. A denúncia de estupro foi arquivada poucos dias depois de sua morte, por falta de provas.
O Brasil tem um presidente que afirmou diversas vezes ser contra homossexuais. É o país que mais mata pessoas trans e travestis do planeta. Qual a segurança que um homem gay tem hoje de sair do armário em um dos contextos mais machistas?
O estádio não é um lugar de todo mundo
Um novo boom de criação de torcidas LGBTs se deu em 2019, muito em razão do contexto repressivo que vivemos desde a eleição do Bolsonaro, em 2018. Esses torcedores não passaram a acompanhar o time nessa época: sempre estiveram no estádio, só não têm a oportunidade de marcar presença junto de um grupo. Por isso, a atuação nas redes sociais é fundamental para a manutenção da pauta da diversidade nos clubes de futebol e nove torcidas LGBTs surgiram de lá pra cá. Desde que a pandemia começou, ao menos mais nove torcidas LGBTs foram criadas, o que nos mostra como é importantíssima a ferramenta das redes sociais para reforçar o direito de apoiar e viver o cotidiano dos clubes que esses torcedores têm. A Canarinhos Arco-íris é uma articulação nacional de todos os coletivos de torcedores LGBTQIA+ brasileiros. São elas: LGBTricolor (Bahia) Furacão LGBT (Athletico-PR) Vozão Pride (Ceará) Paraná LGBTQ+ (Paraná) Palmeiras Livre (Palmeiras) Marias de Minas (Cruzeiro) Coral Pride (Santa Cruz) Frasqueira LGBT (ABC) Coxa LGBTQ+ (Coritiba) Orgulho Rubro Negro LGBT (Vitória) Fiel LGBT (Corinthians) Papão Livre (Paysandu) Vasco LGBTQ+ (Vasco). Esse movimento é importantíssimo para espalharmos a mensagem e o calor dessas torcidas LGBTs por aí e ganharmos força para exigir cada vez mais ações afirmativas por parte dos clubes, pois isso deveria ser apenas mais um braço na atuação de cada instituição no futebol brasileiro. Enquanto isso, resistimos. O Contra-Ataque celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ e resiste para que o esporte seja cada dia mais inclusivo. Para contribuir com o nosso jornalismo independente, apoie-nos: Qual a maior torcida LGBT do Brasil 2022?Veja os primeiros 20 colocados do ranking:. 1) Flamengo: 21,8%. 2) Corinthians: 15,5%. 3) São Paulo: 8,2%. 4) Palmeiras: 7,4%. 5) Vasco: 4,2%. 6) Grêmio: 3,2%. 7) Cruzeiro: 3,1%. 8) Inter: 2,2%. Qual a torcida com mais LGBT do Brasil?Gaivotas Fiéis foi um projeto de torcida LGBT, tendo sido fundada pelo jornalista Felipeh Campos.
Qual foi a primeira torcida LGBT no Brasil?A Coligay foi uma torcida organizada do Grêmio que existiu entre 1977 a 1983. Criada por Valmor Santos, gerente da boate Coliseu, seu nome é uma mistura do nome da casa noturna com o termo "gay". Integrada somente por homossexuais, foi a primeira torcida do tipo no Brasil.
Qual é a torcida organizada mais violenta do Brasil?Top 10 torcidas mais violentas do mundo. Atlético Nacional. ... . Al-Masry. ... . Galatasaray. ... . Millwall. ... . PAOK. ... . Partizan. ... . Palmeiras. A terceira torcida, é uma brasileira, a do Palmeiras. ... . Newell´s Old Boys. Já o segundo time que possui uma das torcidas mais violentas, seria o Newell´s Old Boys da Argentina.. |