DOSSIÊ CENÁRIOS E PROCESSOS DAS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES HUMANAS NO BRASIL: O PAPEL DA PESQUISA ARQUEOLÓGICA • Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. 14 (2) • May-Aug 2019 • https://doi.org/10.1590/1981.81222019000200007 copiar Show
The Serra da Capivara area and the first settlements in South America: a bibliographical reviewAntoine Lourdeau Sobre o autor ResumoA área da Serra da Capivara (Piauí, Brasil) é famosa na comunidade arqueológica internacional, principalmente pela polêmica ao redor do sítio Pedra Furada e de suas datas do Pleistoceno superior, fazendo dele um dos sítios mais antigosdas Américas. Os dados oriundos deste sítio contribuem indiscutivelmente nas discussões e nos conhecimentos sobre os processos de povoamento do continente. Por outro lado, a concentração das atenções sobre ele e sobre os debatesprovocados ofuscaram numerosas pesquisas nesse local que forneceram uma impressionante quantidade de dados sobre as primeiras ocupações humanas nas mais variadas áreas de conhecimento. No presente artigo, a partir de umarevisão bibliográfica, sintetizamos os resultados dessas pesquisas quanto aos contextos e aos comportamentos dos grupos humanos que ocuparam a região durante o final do Pleistoceno superior e o Holoceno inicial. Mostramos, assim, comoa pré-história da Serra da Capivara dialoga com os grandes temas sobre o povoamento do continente americano e traz uma contribuição relevante sobre essas questões, nas escalas macrorregionais e continentais Palavras-chave AbstractThe Serra da Capivara area (Piauí, Brazil) is famous among archaeologists, mainly because of the controversy over the Pedra Furada shelter and its dates from the upper Pleistocene, making it one of the oldest sites in the Americas. The datafrom this site undoubtedly contributed to discussions about the settlement processes on the continent. On the other hand, the concentration of attention on this site and the resulting debates overshadowed numerous investigations in theSerra da Capivara, wich provided an impressive amount of data on the first human occupations in a variety of knowledge areas. This article reviews the literature to summarize the results of this research on the contexts and behaviors of thehuman groups that occupied the region during the late Pleistocene and early Holocene showing how the prehistory of Serra da Capivara dialogues with the overarching themes related to the settlement of the Americas and makes a relevantcontribution on these issues, at the macro-regional and continental levels. Keywords INTRODUÇÃOA região conhecida como Serra da Capivara cobre parte dos municípios de São Raimundo Nonato, Coronel José Dias, João Costa e Brejo do Piauí, no sudeste do Piauí. O Parque Nacional Serra da Capivara, criado em 1979, abrange a maior parte dessa área (Figura 1) (Pessis; Guidon, 2007PESSIS, Anne-Marie; GUIDON, Niède. Serra da Capivara National Park,
Brazil: cultural heritage and society. World Archaeology, Abingdon, v. 39, n. 3, p. 406-416, Sept. 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/00438240701504676. Figura 1 A unidade de relevo mais marcante é uma tortuosa linha de falésias areníticas, que se desenvolve em um eixo sudoeste-nordeste em mais de 50 km. Do ponto de vista geomorfológico, trata-se de um front de Cuesta, que delimita um pedimento ao sudeste e uma chapada ao noroeste (Figura 2). O pedimento é uma ampla planície levemente entalhada pela rede hidrográfica da bacia do rio Piauí, com um substrato de rochas pré-cambrianas (micaxisto, gnaisse, granito, calcário). O calcário apresenta-se na forma de inselbergs, que constituem relevos cársticos dispersos na planície, localmente chamados de ‘serrotes’. Figura 2 O substrato da chapada é composto de interestratificações de arenito, siltito e conglomerado de seixo do Siluriano e Devoniano, expostos no relevo ruiniforme do front de Cuesta e nos profundos canyons que recortam esse platô. Os cursos d’água, hoje intermitentes, formaram vales de orientação sul-norte, seguindo a declividade progressiva da chapada. O maior deles é o vale conhecido como Serra Branca, localizado a oeste do Parque Nacional. O desnível entre pedimento e chapada é de 200 a 250 m, mas, com a Cuesta sendo dupla, com um tabuleiro intermediário, a altura das falésias não passa de 150 m (Arnaud et al., 1984ARNAUD, Marie-Bernadette; EMPERAIRE, L.; GUIDON, Niède; PELLERIN, J. L’aire archéologique du Sud-Est du Piauí (Brésil). Paris: Recherches sur les Civilisations, 1984.; Pellerin, 2014PELLERIN, J. Unidades de relevo e formações superficiais. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história: região do Parque Nacional Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A, 2014. v. II-A, p. 58-67.). O clima atual é semiárido e a vegetação é de ‘caatinga’, com
fisionomia arbustiva decídua na chapada e no pedimento, e arbórea semidecídua nas áreas mais sombreadas do front de Cuesta e dos canyons, onde certa umidade permanece o ano todo (Emperaire, 1983EMPERAIRE, Laure. La caatinga du sud-est du Piaui (Brésil): étude ethnobotanique. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 1983. (Mémoire, n. 21).). Os dados paleoambientais locais apontam para momentos de umidade bem mais
marcada do que o atual no final do Pleistoceno e no início do Holoceno (Chaves, 2002CHAVES, Sérgio Augusto de Miranda. História das Caatingas: a reconstituição paleoambiental da região arqueológica do Parque Nacional Serra da Capivara através da Palinologia. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 1, n. 2, p. 85-103, 2002.; Santos, J., 2007SANTOS, Janaína Carla dos. O Quaternário do Parque Nacional Serra da
Capivara e entorno, Piauí, Brasil: morfoestratigrafia, sedimentologia, geocronologia e paleoambientes. 2007. Tese (Doutorado em Geociências) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.; Mota, 2017MOTA, Leidiana Alves da. Ontem lenha hoje carvão; análise antropológica do Holoceno inicial e médio da Toca do Boqueirão da Pedra Furada (Piauí Brasil): paisagem, paleoambiente e paleoetnobotânica. 2017. Dissertação (Mestrado em
Arqueologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.). Esses resultados condizem com as informações disponíveis para o Nordeste, indicando maior umidade e adensamento da vegetação em correspondência com os eventos de Heinrich, especificamente no último, ao final do Pleistoceno, e um declínio da umidade ao longo do Holoceno (Behling et al., 2000BEHLING, Hermann; ARZ, Helge W.; PÄTZOLD, Jürgen; WEFER, Gerold. Late
Quaternary vegetational and climate dynamics in northeastern Brazil, inferences from marine core GeoB 3104-1. Quaternary Science Reviews, Amsterdam, v. 19, n. 10, p. 981-994, June 2000. DOI: https://doi.org/10.1016/S0277-3791(99)00046-3. Nesse ambiente físico diversificado, centenas de sítios arqueológicos foram encontrados. A maioria é composta por abrigos com pinturas rupestres nos paredões areníticos do front de Cuesta e dos desfiladeiros da chapada. Eles estão sendo estudados desde os anos 1970, quando Niède Guidon e sua equipe começaram a pesquisar na área (Arnaud et al., 1984ARNAUD, Marie-Bernadette; EMPERAIRE, L.; GUIDON, Niède; PELLERIN, J. L’aire archéologique du Sud-Est du Piauí (Brésil). Paris: Recherches sur les Civilisations, 1984.; Guidon, 1991GUIDON, Niède. Peintures préhistoriques du Brésil: l’art rupestre du Piauí. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 1991.). Escavações arqueológicas foram realizadas inicialmente com objetivo principal de contextualizar essas produções gráficas. O desenvolvimento das escavações levou a novas temáticas de pesquisa. Uma das mais
importantes, em termos de impacto na comunidade científica, foi a problemática acerca do primeiro povoamento do continente. Em Sítio do Meio (Guidon; Andreatta, 1980GUIDON, Niède; ANDREATTA, Margarida D. O sítio arqueológico Toca do Sítio do Meio, Piauí. Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife, n. 3, p. 7-29, 1980.) e em Pedra Furada, logo em seguida (Guidon, 1981GUIDON, Niède. Las unidades culturales
de São Raimundo Nonato, sudeste del estado de Piauí. In: BRYAN, A. L. (org.). El Poblamiento de América. Mexico: UISPP, 1981. p. 101-111.), as escavações expuseram camadas arqueológicas com idades antigas, incompatíveis com a então predominante teoria do povoamento das Américas. Segundo esse modelo, a presença humana no continente não passava de 13.000 anos, quando, em Pedra Furada, encontravam-se vestígios antrópicos passando dos 30.000 anos antes do presente
(Guidon; Delibrias, 1986GUIDON, Niède; DELIBRIAS, G. Carbon-14 dates point to man in the Americas 32.000 years ago. Nature, London, v. 321, p. 769-771, June 1986. DOI: https://doi.org/10.1038/321769a0. Um importante conjunto de dados sobre os primeiros períodos da pré-história brasileira foi revelado na Serra da Capivara desde o final dos anos 1990 (Guidon et al., 1994GUIDON, Niède; PARENTI, Fabio; LUZ, Maria de Fátima da; GUÈRIN, Claude; FAURE, Martine. Le plus ancien peuplement de l’Amérique: le paléolithique
du Nordeste brésilien. Bulletin de la Société Préhistorique Française, France, t. 91, n. 4/5, p. 246-250, 1994., 1998). No entanto, esses dados foram pouco levados em consideração nas sínteses macrorregionais e continentais. Por ser o mais antigo e ter sido o objeto de uma detalhada monografia (Parenti, 2001PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil): stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. Paris:
Editions Recherche sur les Civilisations, 2001.), Pedra Furada é o principal sítio que reteve o interesse nessas sínteses, participando dos debates sobre o povoamento das Américas há mais de 30 anos (Dillehay, 1999DILLEHAY, Tom D. The late Pleistocene cultures of South America. Evolutionary Anthropology, Hoboken, v. 7, n. 6, p. 206-215, May 1999. DOI: https://doi.org/10.1002/(SICI)1520-6505(1999)7:6<206::AID-EVAN5>3.0.CO;2-G. Um esforço de síntese dos aportes das pesquisas nas
últimas décadas, na região, foi realizado recentemente (Pessis et al., 2014PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história: região do Parque Nacional Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A, 2014. 2 v.). Em paralelo, as pesquisas de campo sobre os períodos antigos tiveram nova dinâmica, com a realização do programa de pesquisa franco-brasileiro intitulado “Espaços e tempos
dos primeiros homens do Piauí”, a partir de 2008 (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a, 2014b, 2014c, 2016; Lahaye et al.,
2013LAHAYE, Christelle; HERNANDEZ, Marion; BOËDA, Eric; FELICE, Gisele D.; GUIDON, Niède; HOELTZ, Sirlei; LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina; PESSIS, Anne-Marie; RASSE, Michel; VIANA, Sibeli. Human occupation in South America by 20,000 BC: the Toca da Tira-Peia site, Piauí, Brazil. Journal of Archaeological Science, Amsterdam, v. 40, n. 6, p. 2840-2847, June 2013. DOI:
https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.02.019. A presente contribuição é decorrente desse novo impulso de pesquisas e perspectivas. A partir de uma revisão bibliográfica, propomos sintetizar os dados adquiridos na Serra da Capivara sobre os mais antigos momentos de presença humana. Discutiremos também a maneira como se integram com as grandes temáticas sobre os primeiros povoamentos do continente, avaliando as contribuições dessa riquíssima área arqueológica para nosso conhecimento acerca das ocupações iniciais da América do Sul. Para tal projeto, estruturamos nosso texto ao redor de três questões centrais nessa temática: 1) a cronologia dos povoamentos; 2) os dados paleoantropológicos (a partir dos restos esqueletais humanos); 3) as características dos comportamentos humanos na diacronia. A faixa cronológica escolhida aqui abrange os primeiros indícios de atividade antrópica, no Pleistoceno final e no Holoceno inicial, até aproximadamente 8.000 anos antes do presente1 1 Salvo menção contrária, todas as datas aqui apresentadas são dadas em ‘Antes do Presente’ (AP) (o presente sendo o ano de 1950, por convenção) e ‘calibradas’, quando se tratam de datas radiocarbônicas. Neste artigo, a calibração das datas publicadas não calibradas foi feita pelo programa OxCal, usando a curva SHCal 13. . O POVOAMENTO PLEISTOCÊNICOUM POVOAMENTO ANTERIOR À TRANSIÇÃO PLEISTOCENO-HOLOCENO2 2 Seguindo os trabalhos da Comissão Internacional de Estratigrafia (do inglês International Commission on Stratigraphy - ICS), considera-se aqui como data convencional do final do Pleistoceno aquela de 11.700 anos antes do presente (em idade calibrada) (Walker et al., 2009).Na abundante bibliografia sobre o primeiro povoamento, o modelo Clovis First prevaleceu durante toda a segunda metade do século XX. Segundo ele, os primeiros americanos eram compostos por grupos de caçadores de mamíferos de grande porte originários da Sibéria e caracterizados por uma ponta de projétil acanelada (a ponta
Clóvis). Esses grupos se desenvolveram na América do Norte entre 13.300 e 12.800 cal AP (Haynes, 2002HAYNES, Gary. The early settlement of North America: the Clovis Era. New York: Cambridge University Press, 2002.; Waters; Stafford Júnior, 2007WATERS, Michael R.; STAFFORD JÚNIOR, Thomas Wier. Redefining the Age of Clovis: implications for the peopling of the Americas. Science, Washington, v. 315, n. 5815,
p. 1122-1126, Feb. 2007. DOI: https://doi.org/10.1126/science.1137166. Nas duas últimas décadas, no entanto, com novos descobrimentos (entre outros fatores), a situação inverteu-se. O modelo Clovis First não é mais
satisfatório para explicar a variedade e a antiguidade dos dados arqueológicos, antropológicos e genéticos disponíveis nas Américas (Bonnichsen et al., 2005BONNICHSEN, Robson; LEPPER, Bradley T.; STANFORD, Dennis; WATERS, Michael R. (ed.). Paleoamerican origins: Beyond Clovis. College Station: Texas A&M University, 2005.; Graf et al., 2013GRAF, Kelly E.; KETRON, Caroline V.; WATERS, Michael R. (ed.).
Palaeoamerican Odyssey. College Station: Texas A&M University, 2013.). Uma idade mais antiga do que 13.000 anos para a chegada do homem no continente é agora amplamente aceita. Discussões permanecem quanto, por exemplo, ao processo de povoamento (Braje et al., 2017BRAJE, Todd J.; DILLEHAY, Tom D.; ERLANDSON, Jon M.; KLEIN, Richard G.; RICK, Torben C. Finding the first Americans. Science, Washington, v. 358, n. 6363, p. 592-594, Nov.
2017. DOI: https://doi.org/10.1126/science.aao5473. Quatro sítios da Serra da Capivara enquadram-se dentro da faixa cronológica entre 18.000 e 14.000 cal AP. Trata-se de um abrigo e um sítio a céu aberto do front de Cuesta – Sítio do Meio e Vale da Pedra Furada –, de um sítio em maciço calcário – Tira-Peia –, junto com outro possível sítio em caverna calcária – Garrincho. Sítio do Meio foi o primeiro lugar da Serra da Capivara onde foram encontrados testemunhos antrópicos ‘pré-Clovis’ (Guidon; Andreatta, 1980GUIDON, Niède; ANDREATTA, Margarida D. O sítio arqueológico Toca do Sítio do Meio, Piauí. Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife, n. 3, p. 7-29, 1980.). Esse abrigo com pinturas rupestres apresenta, na parte interna, a sequência estratigráfica sintetizada no
Quadro 1 e na Figura 3. Nas camadas datadas entre 17.500 e 15.000 cal AP5 5 Entre 12.640 ± 120 e 14.300 ± 400 AP não calibrado. , foi encontrada uma centena de peças líticas lascadas de origem antrópica (Aimola et al., 2014AIMOLA, Giulia;
ANDRADE, Camila; MOTA, Leidiana; PARENTI, Fabio. Final Pleistocene and early Holocene at Sitio do Meio, Piauí, Brazil: stratigraphy and comparison with Pedra Furada. Journal of Lithic Studies, United, Kingdom, v. 1, n. 2, p. 5-24, Sept. 2014. DOI: https://doi.org/10.2218/jls.v1i2.1125. Quadro 1 Figura 3 O sítio a céu aberto Vale da Pedra Furada está localizado nas proximidades do abrigo Pedra Furada (Felice, 2002FELICE, Gisele Daltrini. A controvérsia sobre o sítio arqueológico Toca do Boqueirão da Pedra Furada, Piauí - Brasil. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 1, n. 2, p. 143-178, 2002.; Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a). Apresenta uma sequência estratigráfica com alternância de camadas arenosas (C8, C6, C4, C2) e de camadas com clastos (seixos rolados e placas de arenito) (C7, C5, C3) (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a). A camada C3, datada entre 19.500 e 15.000 cal AP6 6 Três datas por 14C entre 12.700 ± 90 e 13.740 ± 60 AP não calibradas; 17.500 ± 2.000 BC por LOE (Boëda et al., 2014a). , é composta de quatro níveis de clastos maiores, todos com material lítico (C3a, b, c, d), totalizando 150 peças lascadas antrópicas, algumas delas com microtraços de uso. No sítio Tira-Peia, no maciço calcário do
Antero, outros indícios de presença humana desse período foram publicados (Lahaye et al., 2013LAHAYE, Christelle; HERNANDEZ, Marion; BOËDA, Eric; FELICE, Gisele D.; GUIDON, Niède; HOELTZ, Sirlei; LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina; PESSIS, Anne-Marie; RASSE, Michel; VIANA, Sibeli. Human occupation in South America by 20,000 BC: the Toca da Tira-Peia site, Piauí, Brazil. Journal of Archaeological Science, Amsterdam, v. 40, n. 6, p. 2840-2847, June 2013. DOI:
https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.02.019. Finalmente, no que diz respeito à faixa de tempo entre 18.000 e 14.000 cal AP, encontram-se, na bibliografia, referências relativas ao sítio Garrincho. Trata-se de uma caverna cárstica com preenchimentos sedimentares holocênico e pleistocênico, separados por um assoalho estalagmítico, datado em 11.500 cal AP8 8 10.020 ± 290 AP não calibrado (Peyre et al., 1998).
por carvões presos na concreção (Peyre et al., 1998PEYRE, Evelyne; GUÉRIN, Claude; GUIDON, Niède; COPPENS, Yves. Des restes humains pléistocènes dans la Grotte du Garrincho, Piauí, Brésil. CRAS. Sciences de la Terre et des Planètes, Paris, v. 327, n. 5, p. 335-360, Sept. 1998. DOI:
https://doi.org/10.1016/S1251-8050(98)80055-4. Antes da intervenção arqueológica, em 1986, o
proprietário do sítio tinha aberto uma cisterna na entrada da caverna, zona na qual o assoalho estalagmítico não era presente. Na vistoria do sedimento retirado, foram encontrados fauna atual não fossilizada, fauna fóssil mineralizada, 12 peças líticas lascadas e um parietal humano (Peyre et al., 1998PEYRE, Evelyne; GUÉRIN, Claude; GUIDON, Niède; COPPENS, Yves. Des restes humains pléistocènes dans la Grotte du Garrincho, Piauí, Brésil. CRAS. Sciences de la
Terre et des Planètes, Paris, v. 327, n. 5, p. 335-360, Sept. 1998. DOI: https://doi.org/10.1016/S1251-8050(98)80055-4. No início dos anos 2000, outros conjuntos de restos humanos foram encontrados na parte externa do sítio, em dois pequenos abrigos ao lado da entrada da caverna: um conjunto de 29 dentes de criança a 75 cm de profundidade (Figura 4), junto com artefatos líticos, e um fragmento de crânio a 1,10 m de profundidade, associado a um raspador de sílex (Felice, 2006FELICE, Gisele Daltrini. Contribuição para estudos geoarqueológicos e paleoambientais: proposta metodológica (estudo de caso: Maciço Calcário do Garrincho, Piauí, Brasil). 2006. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.; Peyre et al., 2009PEYRE, Evelyne; GRANAT, Jean; GUIDON, Niède. Dentes e crânios humanos fósseis do Garrincho (Brasil) e o povoamento antigo da América. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 8, p. 62-69, dez. 2009.). O sedimento de onde provém o fragmento de crânio foi datado em 14.100 ± 1.800 AP por termoluminescência e 24.000 ± 3.000 AP por LOE (Santos, J. et al., 2005SANTOS, Janaína Carla dos; FELICE, Gisele Daltrini; BRITO, Silvio Luiz Miranda; BARRETO, Alcina Magnólia Franca; SUGUIO, Kenitiro; LAGE, Maria Conceição Soares Meneses; TATUMI, Sonia Hatsue. Dados sedimentológicos e geocronológicos do sítio arqueológico Toca do Gordo do Garrincho, Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO ESTUDO DO QUATERNÁRIO, 10., 2005, Guarapari. Anais [...]. Guarapari: ABEQUA, 2005. 1 CD-ROM.; Felice, 2006FELICE, Gisele Daltrini. Contribuição para estudos geoarqueológicos e paleoambientais: proposta metodológica (estudo de caso: Maciço Calcário do Garrincho, Piauí, Brasil). 2006. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.). A idade recuada desses restos também se encontra corroborada, segundo Peyre et al. (2009)PEYRE, Evelyne; GRANAT, Jean; GUIDON, Niède. Dentes e crânios humanos fósseis do Garrincho (Brasil) e o povoamento antigo da América. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 8, p. 62-69, dez. 2009., pelas suas morfologias arcaicas. Figura 4 Em síntese, cinco restos humanos ou conjuntos de restos provêm de Garrincho, três deles sendo associados a três datações absolutas do Pleistoceno final. No entanto, cabe salientar as incertezas da data radiocarbônica de 14.200 cal AP, uma vez que as medidas provêm do carbono dos ácidos da lavagem de pré-tratamento (Taylor, 1987TAYLOR, Royal Ervin. Radiocarbon dating: an Archaeological perspective. Orlando: Academic Press, 1987.). Quanto às duas outras datas, por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) e Termoluminescência (TL), elas foram divulgadas em um curto trabalho inédito (Santos, J. et al., 2005SANTOS, Janaína Carla dos; FELICE, Gisele Daltrini; BRITO, Silvio Luiz Miranda; BARRETO, Alcina Magnólia Franca; SUGUIO, Kenitiro; LAGE, Maria Conceição Soares Meneses; TATUMI, Sonia Hatsue. Dados sedimentológicos e geocronológicos do sítio arqueológico Toca do Gordo do Garrincho, Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO ESTUDO DO QUATERNÁRIO, 10., 2005, Guarapari. Anais [...]. Guarapari: ABEQUA, 2005. 1 CD-ROM.), sem apresentar a maioria dos parâmetros experimentais utilizados, nem as medidas de fading, e sem mencionar os limites da datação por TL de sedimento não aquecidos (Mercier, 2008MERCIER, Norbert. Datation des sédiments quaternaires par luminescence stimulée optiquement: un état de la question. Quaternaire, Paris, v. 19, n. 3, p. 195-204, 2008.). Tal lacuna não permite avaliar a fiabilidade dessas datas. Em conclusão, os restos humanos de Garrincho apresentam um bom potencial de serem antigos, provavelmente plenamente pleistocênicos, em particular os dois dentes encontrados dentro da caverna, abaixo do assoalho estalagmítico. No entanto, até o momento, infelizmente, essas atribuições cronológicas permanecem não totalmente conclusivas. UMA PRESENÇA HUMANA ANTECEDENDO O ÚLTIMO MÁXIMO GLACIALOs modelos propondo o Último
Máximo Glacial (UMG) (aproximadamente 20.000 AP) como limite inferior para a chegada do homem nas Américas, que tendem a predominar atualmente na bibliografia, não contemplam a totalidade do registro arqueológico existente no continente. Indícios de uma presença humana mais remota existem tanto na América do Norte (Bourgeon et al., 2017BOURGEON, Lauriane; BURKE, Ariane; HIGHAM, Thomas. Earliest human presence in North America dated to the last glacial maximum:
new radiocarbon dates from bluefish caves, Canada. PLOS ONE, San Francisco, v. 12, n. 1, p. 1-15, Jan. 2017. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0169486. A área da Serra da Capivara contém a maior concentração de sítios americanos pré-UMG conhecidos até hoje, como o Pedra Furada, o Sítio do Meio, o Vale da Pedra Furada, o Tira-Peia e, possivelmente, a caverna das Moendas. Pedra Furada é o mais famoso dos sítios pleistocênicos da região, por ser objeto de publicações há 40 anos e ter proporcionado as datas mais antigas (Guidon; Delibrias, 1986GUIDON, Niède; DELIBRIAS, G. Carbon-14 dates point to man in the Americas 32.000 years ago. Nature, London, v. 321, p. 769-771, June 1986. DOI:
https://doi.org/10.1038/321769a0. Figura 5 Datações por termoluminescência foram realizadas em 39 blocos das estruturas de combustão (29 de PF1, dez de PF2), com objetivo de determinar a idade da queima dos mesmos (Michab, 1999MICHAB,
Mostafa. Apport de la thermoluminescence à l’étude chronologique de deux sites brésiliens du pléistocène. 1999. Tese (Doutorado em Quaternário) – Muséum National D’Histoire Naturelle, Paris, 1999.; Valladas et al., 2003VALLADAS, Héléne; MERCIER, Norbert; MICHAB, M.; JORON, Jean Louis; REYSS, Jean Louis; GUIDON, Niède. TL age-estimates of burnt quartz pebbles from the Toca do Boqueirão da Pedra Furada (Piauí, Northeastern Brazil). Quaternary
Science Reviews, Amsterdam, v. 22, n. 10/13, p. 1253-1257, May 2003. DOI: https://doi.org/10.1016/S0277-3791(03)00029-5. Três sítios ocupados no intervalo entre 18.000 e 14.000 cal AP apresentam também evidências arqueológicas anteriores ao UMG. Em Vale da Pedra Furada, a camada C5 é datada de 22.500 AP14 14 20.600 ± 2.400 BC por LOE (Boëda et al., 2014a). e proporcionou 17 artefatos líticos lascados. A camada C7, mais espessa, apresentou três níveis arqueológicos, com total de 123 artefatos lascados, alguns com marcas de uso e concentrações de carvão. Os dois primeiros níveis foram datados entre 27.600 e 22.300 cal AP15 15 Cinco datas por 14C entre 20.090 ± 120 e 18.660 ± 260 AP não calibradas; quatro datas por LOE entre 25.600 ± 2.600 e 21.400 ± 2.800 BC (Boëda et al., 2014a). (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a). Em Sítio do Meio, na camada arenosa, entre a base rochosa do interior do abrigo e o
espesso nível de desabamento, datada entre 29.000 e 24.000 cal AP (Quadro 1), encontrou-se mais de 1.500 artefatos líticos, alguns com marcas de uso, assim como um alinhamento de blocos de arenito delimitando uma concentração de peças lascadas (Boëda et al., 2016BOËDA, Eric; ROCCA, Roxane; DA COSTA, Amélie; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; SANTOS, Janaina
C.; LUCAS, Lívia; FELICE, Gisèle; LOURDEAU, Antoine; VILLAGRAN, Ximena; GLUCHY, Maria; RAMOS, Marcos Paulo; VIANA, Sibeli; LAHAYE, Christelle; GUIDON, Niède; GRIGGO, Christophe; PINO, Mario; PESSIS, Anne-Marie; BORGES, Carolina; GATO, Bruno. New data on a Pleistocene archaeological sequence in South America: Toca do Sítio do Meio, Piauí, Brazil. PaleoAmerica, London, v. 2, n. 4, p. 286-302, Oct. 2016. DOI:
https://doi.org/10.1080/20555563.2016.1237828. Em Tira-Peia, a camada C7 continha seis artefatos lascados e foi datada por LOE ao redor de 22.000 AP16 16 20.000 ± 1.500 BC por LOE (Lahaye et al., 2013). . Abaixo dessa camada, 13 peças líticas lascadas foram descobertas na C8 e
duas na C9 (Lahaye et al., 2013LAHAYE, Christelle; HERNANDEZ, Marion; BOËDA, Eric; FELICE, Gisele D.; GUIDON, Niède; HOELTZ, Sirlei; LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina; PESSIS, Anne-Marie; RASSE, Michel; VIANA, Sibeli. Human occupation in South America by 20,000 BC: the Toca da Tira-Peia site, Piauí, Brazil. Journal of Archaeological Science, Amsterdam, v. 40, n. 6, p. 2840-2847, June 2013. DOI:
https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.02.019. Um último sítio poderia testemunhar uma ocupação pré-UMG na região. Trata-se de Moendas, um sumidouro que formou uma ampla caverna cárstica no maciço calcário de mesmo nome, integralmente fechada por sedimentos e blocos caídos no início da escavação. Encontraram-se numerosos restos de megafauna pleistocênica, vestígios arqueológicos e três esqueletos humanos incompletos (Guidon et al.,
2009GUIDON, Niède; PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela. Pesquisas arqueológicas na região do Parque Nacional Serra da Capivara e seu entorno (Piauí - 1998-2008). Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, n. 8, p. 1-61, 2009.). O esqueleto 3 compõe-se de fragmentos de ossos cranianos e de membros de um indivíduo masculino adulto (Almeida; Neves, 2009ALMEIDA, Tatiana F. de; NEVES, Walter A. Remanescentes ósseos humanos da Toca
do Serrote das Moendas: cura, inventário e descrição sumária. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 8, p. 86-93, 2009.). Dois dentes de cervídeo (Blastocerus dichotomus), achados à proximidade desses restos humanos, foram datados por Ressonância Paramagnética Eletrônica (do inglês Electron Paramagnetic Resonance - EPR) de 29.000 ± 3.000 e 24.000 ± 1.000 AP, e a camada concrecionada, que cobre a estratigrafia nesse lugar, possui datas por LOE de 46.000 ± 1.500 e
21.000 ± 3.000 AP (Kinoshita et al., 2014KINOSHITA, Angela; SKINNER, Anne R.; GUIDON, Niède; IGNACIO, Elaine; FELICE, Gisele Daltrini; BUCOD, Cristiane de A.; TATUMI, Sonia; YEE, Márcio; FIGUEIREDO, Ana Maria Graciano; BAFFA, Oswaldo. Dating human occupation at Toca do Serrote das Moendas, São Raimundo Nonato, Piauí-Brazil by electron spin resonance and optically stimulated luminescence. Journal of Human Evolution, Amsterdam, v. 77, p. 187-195, Dec. 2014. DOI:
https://doi.org/10.1016/j.jhevol.2014.09.006. Como no resto do continente, esses sítios pré-UMG são alvo das críticas mais exacerbadas. Nas sínteses continentais, os sítios da Serra da Capivara são, na maioria dos casos, simplesmente ignorados. Sendo o mais antigamente publicado, Pedra Furada é o sítio mais comentado da
região18 18 Por exemplo, por Meltzer et al. (1994). . Mais recentemente, as discussões também incluíram Vale da Pedra Furada e Tira-Peia (Dias; Bueno, 2014DIAS, Adriana Schmidt; BUENO, Lucas M. R. More of the same. Antiquity, Cambridge, v. 88, n. 341, p. 943-945, Sept. 2014. DOI:
https://doi.org/10.1017/S0003598X00050869. A queda do modelo Clovis first deixou espaço para uma reorganização da maneira de pensar os povoamentos americanos na pré-história. A hipótese predominante atualmente, a de um povoamento pré-Clovis, mas pós-UMG – idade induzida pelos estudos genéticos (Raghavan et al.,
2015RAGHAVAN, Maanasa; STEINRÜCKEN, Matthias; HARRIS, Kelley; SCHIFFELS, Stephan; RASMUSSEN, Simon; DEGIORGIO, Michael; ALBRECHTSEN, Anders; VALDIOSERA, Cristina; ÁVILA-ARCOS, María C.; MALASPINAS, Anna-Sapfo; ERIKSSON, Anders; MOLTKE, Ida; METSPALU, Mait; HOMBURGER, Julian R.; WALL, Jeff; CORNEJO, Omar E.; MORENO-MAYAR, Víctor; KORNELIUSSEN, Thorfinn S.; PIERRE, Tracey; RASMUSSEN, Morten; CAMPOS, Paula F.; DAMGAARD, Peter Barros de; ALLENTOFT, Morten E.; LINDO, John;
METSPALU, Ene; RODRÍGUEZ-VARELA, Ricardo; MANSILLA, Josefina; HENRICKSON, Celeste; SEGUIN-ORLANDO, Andaine; MALMSTRÖM, Helena; STAFFORD JÚNIOR, Thomas; SHRINGARPURE, Suyash S.; MORENO-ESTRADA, Andrés; KARMIN, Monika; TAMBETS, Kristiina; BERGSTRÖM, Anders; XUE, Yali; WARMUTH, Vera; FRIEND, Andrew; SINGARAYER, Joy; VALDES, Paul; BALLOUX, Francois; LEBOREIRO, Ilán; VERA, Jose Luis; RANGEL-VILLALOBOS, Hector; PETTENER, Davide; LUISELLI, Donata; DAVIS, Loren G.; HEYER, Evelyne; ZOLLIKOFER, Christoph
P. E.; PONCE DE LEÓN, Marcia S.; SMITH, Colin I.; GRIMES, Vaughan; PIKE, Kelly-Anne; DEAL, Michael; FULLER, Benjamin; ARRIAZA, Bernardo; STANDEN, Vivien; LUZ, Maria F.; RICAUT, Francois; GUIDON, Niède; OSIPOVA, Ludmila P.; VOEVODA, Mikhail I.; POSUKH, Olga L.; BALANOVSKY, Oleg; LAVRYASHINA, Maria; BOGUNOV, Yuri; KHUSNUTDINOVA, Elza; GUBINA, Marina; BALANOVSKA, Elena; FEDOROVA, Sardana; LITVINOV, Sergey; MALYARCHUK, Boris; DERENKO, Miroslava; MOSHER, M. J.; ARCHER, David; CYBULSKI, Jerome;
PETZELT, Barbara; MITCHELL, Joycelynn; WORL, Rosita; NORMAN, Paul J.; PARHAM, Peter; KEMP, Brian M.; KIVISILD, Toomas; TYLER-SMITH, Chris; SANDHU, Manjinder S.; CRAWFORD, Michael; VILLEMS, Richard; SMITH, David Glenn; WATERS, Michael R.; GOEBEL, Ted; JOHNSON, John R.; MALHI, Ripan, S.; JAKOBSSON, Mattias; MELTZER, David J.; MANICA, Andrea; DURBIN, Richard; BUSTAMANTE, Carlos D.; SONG, Yun S.; NIELSEN, Rasmus; WILLERSLEV, Eske. Genomic evidence for the Pleistocene and recent population history of
Native Americans. Science, Washington, v. 349, n. 6250, p. aab3884, Aug. 2015. DOI: https://doi.org/10.1126/science.aab3884. Nossa posição aqui é de considerar como válidas as ocupações pleistocênicas atestadas pelos sítios da Serra da Capivara. Como apresentado anteriormente, subsistem dúvidas quanto a alguns casos. As datas mais antigas, ao redor de
100.000 anos, não apresentam, por enquanto, fiabilidade suficiente para serem levadas em consideração. Outrossim, por ser a única manifestação tão antiga na região, a fase PF1 de Pedra Furada (entre 50.000 e 35.000 anos) precisaria ser documentada mais em detalhe. Mas, a partir de cerca de 30.000 anos, existe inegável convergência de dados consolidados em diferentes sítios e diferentes ambientes da região para apoiar presença humana pleistocênica. Junto com outros sítios, como Santa Elina, no
Mato Grosso (Vialou et al., 2017VIALOU, Denis; BENABDELHADI, Mohammed; FEATHERS, James; FONTUGNE, Michel; VIALOU, Águeda Vilhena. Peopling South America’s centre: the late Pleistocen site of Santa Elina. Antiquity, Cambridge, v. 91, n. 358, p. 865-884, Aug. 2017. DOI: https://doi.org/10.15184/aqy.2017.101. QUEM SÃO? OS RESTOS ESQUELETAISVESTÍGIOS PALEOANTROPOLÓGICOS ANTIGOS ENCONTRADOS NA SERRA DA CAPIVARAOs vestígios ósseos humanos encontrados nos sítios arqueológicos da Serra da Capivara foram objeto de uma síntese recente (Strauss et al., 2018STRAUSS, André; OLIVEIRA, Rodrigo Elias; GRATAO, Marina; COSTA, Amélie da; FOGAÇA, Emílio; BÖEDA, Eric. Human skeletal remains from Serra da Capivara, Brasil: review of the available evidence and report on new findings. In: HARVATI, Katerina; JÄGER, Gerhard; REYES-CENTENO, Hugo (ed.). New perspectives on the peopling of the New World. Tübingen: Kerns Verlag, 2018. p. 153-171.). Para o período que nos interessa aqui, referem-se a restos esqueletais localizados nos seguintes sítios: Cerca do Elias, Paraguaio, Coqueiros, Antonião, Garrincho e Moendas. Mencionam-se em outras fontes vestígios humanos em Boa Vista II (Guidon, 1981GUIDON, Niède. Las unidades culturales de São Raimundo Nonato, sudeste del estado de Piauí. In: BRYAN, A. L. (org.). El Poblamiento de América. Mexico: UISPP, 1981. p. 101-111.) e Sítio do Meio (Melo, 2007MELO, Patrícia Pinheiro de. A transição do Pleistoceno ao Holoceno no Parque Nacional Serra da Capivara-Piauí-Brasil: uma contribuição ao estudo sobre a antiguidade da presença humana no sudeste do Piauí. 2007. Tese (Doutorado em História com concentração em Arqueologia brasileira) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.). Nenhum resto humano foi encontrado até hoje para os primeiros momentos de ocupação da região. A validação da datação do esqueleto 3 das Moendas fica
condicionada a um melhor conhecimento do contexto de deposição e dos processos pós-deposicionais. Os restos do Garrincho (fragmentos de duas calotas, uma série de dentes, conforme a Figura 4 – e dois dentes isolados) apresentam uma convergência de probabilidades quanto a uma data do final do Pleistoceno. A análise desses vestígios evidenciou traços interpretados como arcaicos: importante espessura dos fragmentos
cranianos, grande formato e forte achatamento dos dentes (Peyre et al., 1998PEYRE, Evelyne; GUÉRIN, Claude; GUIDON, Niède; COPPENS, Yves. Des restes humains pléistocènes dans la Grotte du Garrincho, Piauí, Brésil. CRAS. Sciences de la Terre et des Planètes, Paris, v. 327, n. 5, p. 335-360, Sept. 1998. DOI:
https://doi.org/10.1016/S1251-8050(98)80055-4. Para a transição Pleistoceno-Holoceno e para o Holoceno inicial, os dados são mais numerosos. Restos humanos associados a esse período foram encontrados em seis sítios arqueológicos da Serra da Capivara (Figura 6). As principais características desses achados encontram-se resumidas no Quadro 2. Figura 6 Quadro 2 Apesar de várias tentativas, nenhuma datação absoluta foi obtida diretamente a partir dos ossos, por falta de preservação do colágeno (Strauss et al., 2018STRAUSS, André; OLIVEIRA, Rodrigo Elias; GRATAO, Marina; COSTA, Amélie da; FOGAÇA, Emílio; BÖEDA, Eric. Human skeletal remains from Serra da Capivara, Brasil: review of the available evidence and report on new findings. In: HARVATI, Katerina; JÄGER, Gerhard; REYES-CENTENO, Hugo (ed.). New perspectives on the peopling of the New World. Tübingen: Kerns Verlag, 2018. p. 153-171.). No entanto, na maioria dos casos, as informações publicadas quanto ao contexto estratigráfico dos restos permitem apoiar essas idades da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno antigo. A datação sempre foi obtida a partir de um carvão encontrado contra os ossos ou a uma distância de até algumas dezenas de centímetros. Mas em todos os casos, esse carvão provinha de uma estrutura de combustão associada aos vestígios ósseos ou fazendo parte da estrutura funerária. Um ponto fraco dessas determinações cronológicas, no entanto, é a existência de uma única data associada a cada resto ou conjunto de resto. Isso não permite controlar a eventualidade de datas aberrantes decorrentes da intrusão de carvão mais antigo. Contudo, a repetição das datas dentro de uma faixa de tempo relativamente restrita, no início do Holoceno, dá uma coerência a esse conjunto de dados. Outro elemento indicador dessa atribuição cronológica: os vestígios líticos associados aos contextos arqueológicos desses ossos humanos podem ser atribuídos, na maioria dos casos, ao Tecnocomplexo Itaparica, conhecido no Centro e no Nordeste do Brasil durante a transição Pleistoceno-Holoceno e o Holoceno inicial (Lourdeau, 2015LOURDEAU, Antoine. Lithic technology and prehistoric
settlement in central and northeast Brazil: definition and spatial distribution of the Itaparica technocomplex. PaleoAmerica, London, v. 1, n. 1, p. 52-67, 2015. DOI: https://doi.org/10.1179/2055556314Z.0000000005. Encontra-se, então, na Serra da Capivara, uma das maiores concentrações existentes no continente de vestígios humanos datados entre 12.000 e 9.500 cal AP, com três esqueletos semicompletos (quatro, se considerarmos o sepultamento 1 do Paraguaio) e um número mínimo total de sete a oito indivíduos29 29 Com exceção do indivíduo de Lapa Vermelha IV (‘Luzia’), datado da transição Pleistoceno-Holoceno (Feathers et al., 2010; Fontugne, 2013), os restos humanos da região de Lagoa Santa datam de depois de 9.500 anos AP não calibrados (Hubbe; Neves, 2016), sendo, então, mais recentes do que os remanescentes da Serra da Capivara aqui apresentados, com exceção do Sítio do Meio e do Paraguaio. . CONTRIBUIÇÃO DESSES RESTOS EM CONSIDERAÇÕES EXTRARREGIONAISExistem debates quanto aos processos de migração de populações ao longo da pré-história antiga das Américas, antes da chegada das populações do extremo Norte, provavelmente mais recente. São numerosas as hipóteses formuladas nas publicações (Schmitz, K., 2004SCHMITZ, Kamille R. A review of bioarchaeological thought on the Peopling of the New World. In: BEATON, C. Michael; GEOFFREY, A. Clark; YESNER, David R.; PEARSON, Georges A. (ed.). The settlement of the American continent: a multidisciplinary approach to human biogeography. Tucson: University of Arizona Press, 2004. p. 64-75.). Quanto ao número de migrações, dois modelos de povoamento tendem a polarizar as discussões. Segundo uma parte dos especialistas, ocorreram duas levas de povoamento sucessivas entre o final do Pleistoceno e o Holoceno médio, com substancial troca de população. Outra parte defende um único momento de chegada, ocorrida na época da colonização inicial do continente. A primeira hipótese é sustentada por estudos morfológicos dos crânios pré-históricos. Existe uma diferença entre os restos da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial e os restos a partir do Holoceno médio, esses últimos sendo
morfologicamente semelhantes aos das populações ameríndias atuais (Hubbe et al., 2010HUBBE, Mark; NEVES, Walter A.; HARVATI, Katerina. Testing evolutionary and dispersion scenarios for the settlement of the new world. PLOS ONE, San Francisco, v. 5, n. 6, p. 1-9, June 2010. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0011105. Os dados genéticos apontam, no entanto, para um único grande momento de entrada no continente durante a pré-história.
Evidenciada a partir do estudo genético das populações autóctones atuais (Zegura et al., 2004ZEGURA, Stephen L.; KARAFET, Tatiana M.; ZHIVOTOVSKY, Lev A.; HAMMER, Michael F. High-resolution SNPs and microsatellite haplotypes point to a single, recent entry of Native American Y chromosomes into the Americas. Molecular Biology and Evolution, Oxford, v. 21, n. 1, p. 164-175, Jan. 2004. DOI:
https://doi.org/10.1093/molbev/msh009. Devido à ausência de DNA preservado, nenhum resto do Holoceno inicial da Serra da Capivara contribuiu para os estudos genéticos30 30 Foi sequenciado o DNA do indivíduo Enoque65 da Toca do Enoque, situada nas proximidades da Serra da Capivara, datado diretamente por radiocarbono em 3.335 ± 20 AP, ou seja, [3.640-3.480] cal AP (Raghavan et al., 2015). . No entanto, o crânio de Coqueiros foi utilizado nessa última pesquisa craniométrica (Galland, 2013GALLAND, Manon. Le premier peuplement des Amériques: application de la morphométrie géométrique 3D à la variation crâniense actuelle et fossile. 2013. Tese (Doutorado em Paleontropologia) – Museu Nacional de História Natural, Paris, 2013.). SEQUÊNCIA ARQUEOLÓGICA DA SERRA DA CAPIVARA: OS COMPORTAMENTOS HUMANOS NO TEMPO LONGOSe os indícios de presença humana anteriores a 8.000 anos ficam, ao todo, relativamente discretos na Serra da Capivara quanto aos restos esqueletais, eles se apresentam, ao contrário, de forma exuberante pelas manifestações culturais encontradas nas pesquisas arqueológicas. O PLEISTOCENOTecnologia líticaComo mencionado, os vestígios líticos dos sítios pleistocênicos da Serra da Capivara ainda são alvos de discussões (Meltzer et al., 1994MELTZER, David J.; ADOVASIO, James M.; DILLEHAY, Tom D. On a Pleistocene human occupation at Pedra Furada, Brazil. Antiquity, Cambridge, v. 68, n. 261, p. 695-714, Dec. 1994. DOI:
https://doi.org/10.1017/S0003598X00047414. Os vestígios líticos dos sítios pleistocênicos da Serra da Capivara podem ser entendidos através de um elemento fundamental: os seixos. Esse tipo de suporte, usado em diferentes contextos da pré-história e de várias maneiras (Boëda, 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.), é central aqui. Nos sítios do front de Cuesta, os seixos compõem a quase totalidade da matéria-prima utilizada durante o Pleistoceno (Parenti, 2001PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil): stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 2001.; Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a, 2016). De quartzo e, em proporção menor, de quartzito, eles são de origem marinha e provêm do conglomerado do topo da escarpa. No entanto, essa constância no tipo de material inicial utilizado não significa ausência de variabilidade dos esquemas operatórios, nem limitação estrita em termos de categoria de instrumentos obtidos a partir desses seixos. Os blocos rolados foram utilizados seja como núcleos, seja como suportes de instrumentos (Figura 7). O estudo tipológico dos vestígios líticos de Pedra Furada evidenciou uma produção bastante estável ao longo do Pleistoceno (Parenti, 2001PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil): stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 2001.). Instrumentos são feitos sobre os seixos por algumas retiradas unifaciais ou bifaciais que produzem o gume. Podem ser divididos em diferentes grandes categorias: ‘rostres’32 32 O ‘rostre’ é definido como “Um gume com uma parte sobressaindo da linha geral. O rostre pode ser mais ou menos saliente e de morfologia variada relacionando-se a diferentes tipos de instrumentos [...]” (Boëda et al., 2014b, p. 59). , bicos, peças convergentes, com gume transversal, denticulados (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.b). A debitagem dos seixos permite obter lascas corticais ou semicorticais, que podem ser retocadas marginalmente. Essa debitagem pode ser realizada por percussão unipolar ou bipolar sobre bigorna. Existem diferenças na composição dos conjuntos, interpretadas em termos diacrônicos. A variação mais clara nesse sentido é a diminuição da proporção do trabalho bifacial a favor do trabalho unifacial ao longo do tempo, passando de quase 1 por 2, na fase PF1, a 1 por 4, na fase PF3 (Parenti, 2001PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil): stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 2001.). Além disso, as peças convergentes só se encontram na fase PF3 (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.b). Figura 7 As grandes linhas desse sistema técnico mantêm-se em Vale da Pedra Furada e Sítio do Meio, mas com especificidades em cada sítio (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.;
RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a, 2016BOËDA, Eric; ROCCA, Roxane; DA COSTA, Amélie; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; SANTOS, Janaina C.; LUCAS, Lívia; FELICE, Gisèle; LOURDEAU, Antoine; VILLAGRAN, Ximena; GLUCHY, Maria; RAMOS, Marcos Paulo; VIANA, Sibeli; LAHAYE, Christelle; GUIDON, Niède; GRIGGO, Christophe; PINO, Mario;
PESSIS, Anne-Marie; BORGES, Carolina; GATO, Bruno. New data on a Pleistocene archaeological sequence in South America: Toca do Sítio do Meio, Piauí, Brazil. PaleoAmerica, London, v. 2, n. 4, p. 286-302, Oct. 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/20555563.2016.1237828. Em Sítio do Meio, a densidade de vestígios lascados é mais importante do que nos dois anteriores, com mais de 1.500 peças líticas encontradas em 4 m2 (Boëda et al., 2016BOËDA, Eric;
ROCCA, Roxane; DA COSTA, Amélie; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; SANTOS, Janaina C.; LUCAS, Lívia; FELICE, Gisèle; LOURDEAU, Antoine; VILLAGRAN, Ximena; GLUCHY, Maria; RAMOS, Marcos Paulo; VIANA, Sibeli; LAHAYE, Christelle; GUIDON, Niède; GRIGGO, Christophe; PINO, Mario; PESSIS, Anne-Marie; BORGES, Carolina; GATO, Bruno. New data on a Pleistocene archaeological sequence in South America: Toca do Sítio do Meio, Piauí, Brazil. PaleoAmerica, London, v. 2, n. 4, p.
286-302, Oct. 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/20555563.2016.1237828. Apesar da aparência ‘arcaica’ dessas
indústrias, alegada em algumas publicações, as produções líticas pleistocênicas da Serra da Capivara não podem ser reduzidas a atividades expedientes, onde o lascamento seria ditado por necessidades imediatas de gumes cortantes, sem outras considerações. Os estudos disponíveis evidenciam um sistema técnico baseado em padrões nos modos de fazer e nos objetivos do lascamento. O investimento maior encontra-se, provavelmente, na etapa de seleção da matéria-prima. Entre as variedades de quartzo
disponíveis na região, aquela de melhor qualidade para o controle do lascamento foi sistematicamente preferida. As dimensões e os formatos de seixos selecionados para o lascamento correspondem também a padrões bem estabelecidos. Finalmente, a recorrência de determinadas categorias de instrumentos, com estrutura volumétrica claramente identificável, evidencia a existência de conceitos específicos (Boëda et al., 2014aBOËDA, Eric; CLEMENTE-CONTE, Ignacio;
FONTUGNE, Michel; LAHAYE, Christelle; PINO, Mario; DALTRINI, Gisele Felice; GUIDON, Niéde; HOELTZ, Sirlei; LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina; PESSIS, Anne-Marie; VIANA, Sibeli; DA COSTA, Amélie; DOUVILLE, Eric. A new late Pleistocene archaeological sequence in South America: the Vale da Pedra Furada (Piauí, Brasil). Antiquity, Cambridge, v. 88, n. 341, p. 927-941, Sept. 2014a. DOI:
https://doi.org/10.1017/S0003598X00050845. O sítio Tira-Peia, para o qual dispomos de descrições prévias quanto à tecnologia lítica, demostra que esse sistema técnico
existe também no ambiente calcário, apesar de diferenças de matéria-prima. Nessa área, os seixos são de origem fluvial, provindo da planície de drenagem do rio Piauí. O arenito silicificado é mais comum. Nos níveis do final do Pleistoceno (C6 e 7), no entanto, parece haver uma evolução das produções líticas. As matérias-primas diversificam-se com as primeiras ocorrências do uso do sílex na região, e o grau de modificação dos suportes iniciais aumenta. Surge uma verdadeira ‘façonagem’ dos
volumes. O lascamento não se limita mais à instalação dos gumes. A quantidade reduzida do material encontrado não permite, no entanto, uma caracterização em detalhe dessa indústria (Lahaye et al., 2013LAHAYE, Christelle; HERNANDEZ, Marion; BOËDA, Eric; FELICE, Gisele D.; GUIDON, Niède; HOELTZ, Sirlei; LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina; PESSIS, Anne-Marie; RASSE, Michel; VIANA, Sibeli. Human occupation in South America by 20,000 BC: the Toca da Tira-Peia site,
Piauí, Brazil. Journal of Archaeological Science, Amsterdam, v. 40, n. 6, p. 2840-2847, June 2013. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.02.019. Um momento análogo de mudança técnica ao final do Pleistoceno detecta-se também no front de Cuesta, em Sítio do Meio, nos níveis mais antigos do terceiro conjunto estratigráfico, logo acima da camada de desabamento (Quadro 1)
(Aimola et al., 2014AIMOLA, Giulia; ANDRADE, Camila; MOTA, Leidiana; PARENTI, Fabio. Final Pleistocene and early Holocene at Sitio do Meio, Piauí, Brazil: stratigraphy and comparison with Pedra Furada. Journal of Lithic Studies, United, Kingdom, v. 1, n. 2, p. 5-24, Sept. 2014. DOI: https://doi.org/10.2218/jls.v1i2.1125. Organização do espaço interno dos sítios: as estruturasApesar de os níveis arqueológicos pleistocênicos da Serra da Capivara não apresentarem solos de ocupação strito sensu, é possível observar estruturas em vários deles. Elas permitem abordar a questão da organização interna desses sítios. Em Pedra Furada, numerosas estruturas de combustão – ‘fogueiras’ – foram encontradas. Parenti (2001)PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil): stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 2001. elaborou uma tipologia delas em função da presença ou
não de blocos e de sua disposição. Um total de 17 estruturas com carvão tem organização clara de blocos de arenito e de seixos de quartzo e quartzito delimitando uma área circular ou elipsoidal, alguma delas com marcas de queima nos blocos (Figura 7). Três delas apresentam-se em uma superfície levemente côncava e uma inclui blocos erguidos. Encontram-se também outras concentrações de interpretação menos evidente: 27
conjuntos de blocos esparsos associados a carvões e sete concentrações de carvão sem blocos (Parenti, 2001PARENTI, Fabio; FONTUGNE, Michel; GUIDON, Niède; GUÉRIN, Claude; FAURE, Martine; DEBARD, Evelyne. Chronostratigraphie des gisements archéologiques et paléontologiques de São Raimundo Nonato. In: EVIN, J.; OBERLIN, C.; DAUGAS, J.-P.; SALLES J. F. (org.). 14C et Archéologie. Paris: Sociéte Préhistorique Française, 2000. p. 327-332.). Em
Vale da Pedra Furada, estão também mencionadas possíveis estruturas de combustão nas camadas 6base, 7b e 7c (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.a). Em Sítio
do Meio, pelo menos uma estrutura de combustão data do final do Pleistoceno (Melo, 2007MELO, Patrícia Pinheiro de. A transição do Pleistoceno ao Holoceno no Parque Nacional Serra da Capivara-Piauí-Brasil: uma contribuição ao estudo sobre a antiguidade da presença humana no sudeste do Piauí. 2007. Tese (Doutorado em História com concentração em Arqueologia brasileira) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.). Outra estrutura foi
descrita nos níveis mais antigos (1ª unidade estratigráfica, Quadro 1). Ela delimita uma área por placas de arenito posicionadas de maneira perpendicular (em forma de L), área que continha uma grande quantidade de objetos lascados e carvões (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e
da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.c, 2016BOËDA, Eric; ROCCA, Roxane; DA COSTA, Amélie; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; SANTOS, Janaina C.; LUCAS, Lívia; FELICE, Gisèle; LOURDEAU, Antoine; VILLAGRAN, Ximena; GLUCHY, Maria; RAMOS, Marcos Paulo; VIANA, Sibeli; LAHAYE, Christelle;
GUIDON, Niède; GRIGGO, Christophe; PINO, Mario; PESSIS, Anne-Marie; BORGES, Carolina; GATO, Bruno. New data on a Pleistocene archaeological sequence in South America: Toca do Sítio do Meio, Piauí, Brazil. PaleoAmerica, London, v. 2, n. 4, p. 286-302, Oct. 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/20555563.2016.1237828. As remontagens entre os objetos de pedra lascada dão também indicações quanto à organização espacial dos níveis arqueológicos. Forneceram resultados relevantes em Tira-Peia (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.c). Permitiram observar que, a cada momento de uso do sítio, foi ocupada uma área bem circundada, que muda de localização de uma camada para a outra. A quantidade reduzida de artefatos em cada camada sugere ocupações curtas. Assim, o sítio pode ser interpretado como um lugar de escalas breves, mas repetidas. Deve-se notar, no entanto, que não foi realizada, ainda, uma abordagem espacial sintética de cada nível arqueológico pleistocênico da Serra da Capivara, juntando, por exemplo, as localizações das estruturas, aquela de cada categoria de resto lítico em função de sua matéria-prima com a das eventuais remontagens. Elementos relativos à subsistênciaOs modos de subsistência das populações pleistocênicas da região ficam amplamente desconhecidos. Nenhum resto orgânico preservou-se nos sítios publicados com ocupação pleistocênica claramente atestada, inclusive em Tira-Peia, apesar de sua localização ser em uma zona calcária, mais favorável à fossilização e à preservação dos restos faunísticos. Isso não significa que não existem restos ósseos do Pleistoceno superior na região. Mas, de forma geral, onde se tem indícios antrópicos claros não há ossos e vice-versa. Existem casos de associação estratigráfica entre restos paleontológicos e artefatos líticos em Antonião (Guérin et al., 2002GUÉRIN, Claude; FAURE, Martine; SIMÕES, Paulo R.; HUGUENEY, Marguerite; MOURER-CHAUVIRE, Cécile. Toca da Janela da Barra do Antonião, São Raimundo Nonato, PI. In: SCHOBBENHAUS, Carlos; CAMPOS, Diogenes de Almeida; QUEIROZ, Emanuel Teixeira de; WINGE, Manfredo; BERBERT-BORN, Mylène (org.). Sítios geológicos e paleontológicos do Brasil. Brasília: DNPM, 2002. v. 1, p. 131-137.; Santos, M. C., 2012SANTOS, M. G. C. M. dos; ROCHA, J. S. Relatório da análise tipológica do material lítico dos sítios arqueológicos do Sudeste do Piauí. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 3, p. 103-200, 1982.; Bélo, 2012BÉLO, Pétrius da Silva. Alterações antrópicas em restos fósseis da megafauna: tafonomia do sítio arqueológico e paleontológico “Toca da Janela da Barra do Antonião”, área arqueológica do Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí, Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade Federal Pernambuco, Pernambuco, 2012.), Pena (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE, 2014. p. 11-36.b; Griggo et al., 2018GRIGGO, Christophe; DE SOUZA, Iderlan; BOËDA, Éric; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; LOURDEAU, Antoine; GUIDON, Niède. La faune du Pléistocène supérieur - Holocène ancien de la Toca da Pena (Piauí, Brésil) - étude paléontologique. Quaternaire, Paris, v. 29, n. 3, p. 205-216, 2018.) e Lagoa do Quari (Parenti et al., 2003PARENTI, Fabio; GUÉRIN, Claude; MENGOLI, Davide; FAURE, Martine; NATALI, Luca; CHAVES, Sergio Augusto de Miranda; FERRARI, Sonia; VALENÇA, Lucia Manfra. Sondagens na Lagoa do Quari, São Raimundo Nonato, Piauí: campanha 2002. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 3, p. 129-145, 2003.). No entanto, essas ocorrências não são acompanhadas de datação direta do Pleistoceno34 34 Resultados prometedores quanto à cronologia de um setor de Antonião, com datações por LOE de até 40.000 AP para o mais profundo conjunto arqueológico, foram publicados recentemente (Lahaye et al., 2019). Espera-se a divulgação anunciada das evidências arqueológicas associadas a essas datas. , sendo difícil avaliar a parte da ação antrópica nessas acumulações ósseas, onde a deposição natural é também atestada. As evidências mais claras de interação entre homem e megafauna pleistocênica foram encontradas em Antonião. Os estigmas de atividades humanas antigas foram observados e descritos em 27 ossos fossilizados de fauna extinta (Bélo, 2012BÉLO, Pétrius da Silva. Alterações antrópicas em restos fósseis da megafauna: tafonomia do sítio arqueológico e paleontológico “Toca da Janela da Barra do Antonião”, área arqueológica do Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí, Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade Federal Pernambuco, Pernambuco, 2012.). Consistem em marcas de cortes e de impacto e fraturas em ossos de Paleolama, Hippidion (Figura 8), Eremotherium, Catonyx, Toxodon, Macrauchenia e Xenorhinotherium. Tais marcas podem ser relacionadas a diferentes atividades de butchering das carcaças, como remoção de tecidos, desmembramento e acesso à medula (Bélo, 2012BÉLO, Pétrius da Silva. Alterações antrópicas em restos fósseis da megafauna: tafonomia do sítio arqueológico e paleontológico “Toca da Janela da Barra do Antonião”, área arqueológica do Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí, Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade Federal Pernambuco, Pernambuco, 2012.). Figura 8 Em síntese, não há dúvidas quanto à contemporaneidade das primeiras ocupações humanas com os últimos representantes da megafauna pleistocênica. Esses últimos perduraram até o início do Holoceno, como
atestado no Serrote do Artur (Faure et al., 1999FAURE, Martine; GUÉRIN, Claude; PARENTI, Fabio. Découverte d’une mégafaune holocène à la Toca do Serrote do Artur (aire archéologique de São Raimundo Nonato, Piauí, Brésil). Comptes Rendus de I’Académie des Sciences: series IIA – Eart and Planetary Science, Paris, v. 329, n. 6, p. 443-448, Sept. 1999. DOI:
https://doi.org/10.1016/S1251-8050(00)80069-5. A traceologia
dos instrumentos líticos de Vale da Pedra Furada e do Sítio do Meio também deu elementos indiretos, podendo ser relacionados parcialmente à subsistência (Boëda et al., 2014BOËDA, Eric. Deve-se recear as indústrias sobre seixo? Análise comparativa entre as indústrias pleistocênicas da Ásia Oriental e da América do Sul. In: LOURDEAU, A.; VIANA, S. A.; RODET, M. J. (org.). Indústrias líticas na América do Sul: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: UFPE,
2014. p. 11-36.a, 2016BOËDA, Eric; ROCCA, Roxane; DA COSTA, Amélie; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; SANTOS, Janaina C.; LUCAS, Lívia; FELICE, Gisèle; LOURDEAU, Antoine; VILLAGRAN, Ximena; GLUCHY, Maria; RAMOS, Marcos Paulo; VIANA, Sibeli; LAHAYE, Christelle; GUIDON, Niède; GRIGGO, Christophe; PINO, Mario; PESSIS, Anne-Marie; BORGES, Carolina; GATO, Bruno. New data on a Pleistocene archaeological sequence in South
America: Toca do Sítio do Meio, Piauí, Brazil. PaleoAmerica, London, v. 2, n. 4, p. 286-302, Oct. 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/20555563.2016.1237828. Contextualização macrorregionalDada a relativa escassez e a descontinuidade dos dados sobre as ocupações humanas do Pleistoceno na América do Sul, contrastando com a riqueza de informações ora exposta, a contextualização dos sítios da Serra da Capivara em uma escala macrorregional não é uma tarefa
fácil. Trata-se de uma concentração de evidências arqueológicas pleistocênicas ímpar no continente. O sítio que oferece as melhores possibilidades de comparação é Santa Elina, no Mato Grosso (Vialou et al., 2017VIALOU, Denis; BENABDELHADI, Mohammed; FEATHERS, James; FONTUGNE, Michel; VIALOU, Águeda Vilhena. Peopling South America’s centre: the late Pleistocen site of Santa Elina. Antiquity, Cambridge, v. 91, n. 358, p. 865-884, Aug. 2017. DOI:
https://doi.org/10.15184/aqy.2017.101. A TRANSIÇÃO PLEISTOCENO-HOLOCENO E O HOLOCENO INICIALA partir da transição Pleistoceno-Holoceno, a ocupação humana na região aumenta de maneira marcada. Baseando-se na frequência por milênio de datas por radiocarbono obtidas na Serra da Capivara, é nítido esse aumento progressivo mais rápido depois de 13.000 AP, até o oitavo e o nono milênios, com pico de maior ocorrência registrado antes de uma diminuição do número de datas no Holoceno médio (Figura 9) (Lourdeau; Pagli, 2014LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história: região do Parque Nacional Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A, 2014. v. II-B, p. 551-635.). Até o momento, vestígios de ocupações entre 12.700 e 8.000 AP foram encontrados em 24 sítios arqueológicos (Apêndice 1). Acumulou-se uma considerável quantidade de informações quanto a esse período. Apresentamos, a seguir, uma síntese dos principais dados relativos ao início do Holoceno na Serra da Capivara. Figura 9 Características dos sítiosComo no Pleistoceno, as implantações correspondentes a esse período distribuem-se em abrigos nos relevos ruiniformes do front de Cuesta e, com mais escassez, nos serrotes calcários do pedimento. A densificação da ocupação do front de Cuesta aparece de maneira nítida, com uma intensificação da presença humana longe, no interior dos vales secundários (no Desfiladeiro da Capivara, no Baixão da Pedra Furada, no Baixão do Perna, entre outros). Os vales do revés da Cuesta que dissecam a chapada em sentido sul-norte estão também ocupados. É o caso, em particular, da Serra Branca, na parte oeste da região, que concentra um quarto dos abrigos da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial. A colonização dessas novas zonas pode ser interpretada como uma expansão territorial das populações pré-históricas da Serra da Capivara. Porém, é importante ponderar essa interpretação pelo fato de que o sedimento mais antigo data desse período em muitos dos abrigos. Ocupações mais antigas poderiam ter ocorrido sem terem sido preservadas. Como no período anterior, as principais testemunhas de organização interna desses sítios são as estruturas de combustão, as quais são geralmente numerosas nos abrigos. A densidade importante de carvões e de cinzas constitui, às vezes, camadas mais ou menos espessas que pontuam a estratigrafia. Na sequência de Pedra Furada, os tipos de estruturas descritos nos níveis pleistocênicos perduram, mas aparecem também fogueiras em cova (Parenti, 2001PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de Pedra Furada (Piauí, Brésil): stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. Paris: Editions Recherche sur les Civilisations, 2001.). O mesmo é observado em Sítio do Meio, onde escavou-se uma impressionante estrutura de combustão de 98 x 68 cm, com uma dúzia de blocos erguidos em posição vertical sobre uma grande laje (Figura 10), a qual foi datada de 9.760 AP35 35 8.800 ± 50 AP não calibrado (Melo, 2007). . Alguns casos de ordenamento de pisos de ocupação são mencionados nas publicações. No Fundo do Baixão da Pedra Furada, encontrou-se um pavimento produzido com blocos de arenito, agrupados em um conjunto contínuo, associado a uma data de 8.130 AP36 36 7.380 ± 40 AP não calibrado (Guidon et al., 2009) (Guidon et al., 2009GUIDON, Niède; PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela. Pesquisas arqueológicas na região do Parque Nacional Serra da Capivara e seu entorno (Piauí - 1998-2008). Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, n. 8, p. 1-61, 2009.). Comportamentos técnicosUma síntese sobre as indústrias líticas da Serra da Capivara foi apresentada recentemente para toda a sequência cronológica da pré-história em duas publicações (Lourdeau; Pagli, 2014LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história: região do Parque Nacional Serra da
Capivara, Brasil. São Paulo: A&A, 2014. v. II-B, p. 551-635.; Pagli et al., 2016PAGLI, Marina; LUCAS, Lívia de Oliveira e; LOURDEAU, Antoine. Proposta de sequência tecnocultural da Serra da Capivara (Piauí) do Pleistoceno Final ao Holoceno recente. Cadernos do CEOM, Chapecó, v. 29, n. 45, p. 243-267, sem. 2016. DOI:
http://dx.doi.org/10.22562/2016.45.10. Esse período é marcado por elementos de continuidade e de mudança em relação às indústrias do Pleistoceno. Quanto às matérias-primas, seixos de quartzo e de quartzito continuam sendo amplamente usados, mas o painel se diversifica. Sílex, calcedônia e arenito silicificado, em formas de blocos ou seixos, passam a ocupar papel fundamental para a produção dos instrumentos de pedra. As novidades mais marcantes quanto às produções de pedra lascada dizem respeito à estruturação dos instrumentos e aos modos de produção, com investimento particular nos métodos de ‘façonagem’. O objeto classicamente destacado para evocar essa mudança técnica é a peça façonada unifacialmente, também chamada de lesma ou plano-convexo (Figuras 11A a 11C). Com ela, percebe-se o desenvolvimento da ‘façonagem’ unifacial, que afeta, de maneira mais ou menos intensa, a face superior do suporte original em toda sua periferia, criando, assim, um volume novo, com características próprias, alongado e globalmente simétrico no eixo longitudinal. As análises estruturais dessas peças sugerem que se trata de um suporte de vários instrumentos e que tem uma longa vida útil. Figura 10 Figura 11 A mudança corresponde à reelaboração inteira do sistema técnico, e não somente à introdução desse novo suporte de instrumento. O conjunto técnico baseia-se na complementaridade funcional entre essas peças façonadas unifacialmente e diferentes outros instrumentos, os quais, por sua vez, são produzidos sobre lascas retocadas e apresentam certa padronização volumétrica. A lateralização desses objetos é bastante marcada, com um gume no lado mais comprido, oposto a um dorso abrupto (Figuras 11D e 11E). A ‘façonagem’ bifacial aparece também para a produção de pontas de projétil (Figura 11G). Essas ocorrências são raras, indicando que a aquisição dos recursos cárneos não dependia da produção de armas de pedra. Essa reelaboração do sistema técnico não corresponde a uma renovação total. Existem elementos de continuidade com as produções anteriores. O seixo perdura enquanto suporte, não somente como matéria-prima, mas também como volume (Figura 11F). Instrumentos continuam sendo produzidos sobre esses suportes, selecionados entre as formas disponíveis no entorno dos abrigos. Os mesmos tipos de instrumentos continuam sendo produzidos, como os ‘rostres’ ou as peças convergentes. Existem diferenças na representação respectiva de cada um. Os instrumentos com gume longitudinal lateral passam a ser mais comuns do que os com gume transversal, em concordância com as tendências do instrumental sobre lascas. Os conceitos e métodos de debitagem evoluem pouco. As lascas provêm principalmente de curtas séries de retiradas, geralmente unidirecionais, sem preparação preliminar dos núcleos. A percussão unipolar direta com pedra é a técnica mais utilizada, completada pela percussão bipolar sobre bigorna. Existem indícios de mudanças técnicas ao longo desse período, entre 12.700 e 8.000 anos AP. Os sítios João Leite e Cerca do Elias apresentam peças façonadas unifacialmente assimétricas, com gume lateral e debitagem laminar associados a contextos da transição Pleistoceno-Holoceno. Esses elementos de diversidade poderiam revelar um primeiro período de reorganização do sistema técnico, antes de sua consolidação e fixação a partir do início do Holoceno antigo. Esses comportamentos técnicos perduram até 8.000 a 7.000 AP, momento a partir do qual se observa uma nova mudança importante dos modos de produção e da estruturação dos instrumentos. A bibliografia sobre a Serra da Capivara menciona descobertas surpreendentes referentes à sua antiguidade, considerando a sequência arqueológica macrorregional. Fragmentos de cerâmica associados a carvões datados de 10.03037 37 8.960 ± 70 AP
não calibrado. e 8.130 AP38 38 7.380 ± 40 AP não calibrado. foram encontrados nas escavações do Sítio do Meio e do Fundo do Baixão da Pedra Furada, respectivamente (Guidon; Pessis, 1993GUIDON, Niède; PESSIS, Anne-Marie. Recent discoveries on the holocenic levels of sítio do Meio rock-shelter, Piauí Brasil. Clio. Série Arqueológica, Recife, v. 1, n. 9, p. 77-80,
1993.; Guidon et al., 2002GUIDON, Niède. Contribuição ao estudo da paleogeografia da área do Parque Nacional Serra da Capivara. Clio. Série Arqueológica, Recife, n. 15, p. 45-60, 2002.). No Sítio do Meio, uma lâmina de machado polida foi associada a um carvão datado em 10.330 AP39 39 9.200 ± 60 AP não calibrado. (Guidon; Pessis,
1993GUIDON, Niède; PESSIS, Anne-Marie. Recent discoveries on the holocenic levels of sítio do Meio rock-shelter, Piauí Brasil. Clio. Série Arqueológica, Recife, v. 1, n. 9, p. 77-80, 1993.). Mais descobertas e mais dados contextuais seriam necessários para confirmar idades tão remotas para essas invenções técnicas, mas, se considerarmos as descobertas feitas na Amazônia ou em Minas Gerais, essa cronologia não seria inconsistente (Roosevelt
et al., 1991ROOSEVELT, Anna C.; HOUSLEY, Rupert A.; SILVEIRA, Maura Imazio da; MARANCA, S.; JOHNSON, R. Eighth millenium pottery from a prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science, Washington, v. 254, n. 5038, p. 1621-1624, Dec. 1991. DOI: https://doi.org/10.1126/science.254.5038.1621. Comportamentos de subsistênciaPoucos dos níveis arqueológicos da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial continham restos vegetais e ósseos. Quanto ao mundo vegetal, macrorrestos de cabaça, coco de maniçoba, sementes de abóbora e de algodão foram identificados no Sítio do Meio (Melo, 2007MELO, Patrícia Pinheiro de. A transição do Pleistoceno ao Holoceno no Parque Nacional Serra da Capivara-Piauí-Brasil: uma contribuição ao estudo sobre a antiguidade da
presença humana no sudeste do Piauí. 2007. Tese (Doutorado em História com concentração em Arqueologia brasileira) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.). Pólens encontrados em coprólitos humanos de Pedra Furada demostram um amplo conhecimento da diversidade e das propriedades das plantas desde 9.000 anos atrás, com fins tanto alimentares (Phaseolus sp., Anacardium sp., Cucurbitaceae, Convolvulaceae, Palmae) quanto terapêuticos (Borreria
sp., Sida sp., Terminalia sp.) (Chaves, 2002CHAVES, Sérgio Augusto de Miranda. História das Caatingas: a reconstituição paleoambiental da região arqueológica do Parque Nacional Serra da Capivara através da Palinologia. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, v. 1, n. 2, p. 85-103, 2002.; Chaves; Reinhard, 2006CHAVES, Sérgio Augusto de Miranda; REINHARD, Karl J. Critical analysis of coprolite
evidence of medicinal plant use, Piauí, Brazil. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, Amsterdam, v. 237, n. 1, p. 110-118, July 2006. DOI: https://doi.org/10.1016/j.palaeo.2005.11.031. No que diz respeito à fauna consumida, em Coqueiros, 15 espécies de vertebrados estão associadas a estruturas de combustão e ao sepultamento. Trata-se, principalmente, de tatus (Dasypus sp., Tolypeutes tricinctus, Euphractus sexcinctus), rato rabudo (Thrichomys apereoides), cágado (Mesoclemmys sp.), cutia (Dasyprocta sp.), mocó (Kerodon rupestris) e seriema (Cariama cristata) (Barbosa, 2017BARBOSA, Maria de Fatima Ribeiro. Associações funcionais entre o homem pré-histórico e a fauna holocênica na Serra da Capivara. 2017. Tese (Doutorado em Arqueologia) - Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, 2017.). No Sítio do Meio, foram encontrados, associado a fogueiras do Holoceno inicial, principalmente restos de tatu (Dasypodidae), mocó (Kerodon rupestris), rato (Trichomys sp.), gambá (Didelphidae) e cervídeos (Cervidae) (Melo, 2007MELO, Patrícia Pinheiro de. A transição do Pleistoceno ao Holoceno no Parque Nacional Serra da Capivara-Piauí-Brasil: uma contribuição ao estudo sobre a antiguidade da presença humana no sudeste do Piauí. 2007. Tese (Doutorado em História com concentração em Arqueologia brasileira) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.). Todos os táxons identificados referem-se a espécies atuais. Esses dados apontam para um amplo espectro alimentar, ou seja, para a exploração de toda a variabilidade dos recursos naturais disponíveis. Comportamentos simbólicosOs grafismos rupestres encontrados em grande quantidade na região constituem os testemunhos mais ricos dos comportamentos simbólicos das populações pré-históricas da Serra da Capivara. Existe uma rede de evidências apontando para datas que recuam pelo menos ao Holoceno inicial para parte deles. As dificuldades de datação absoluta dificultam uma integração na mesma temporalidade daquela dos vestígios encontrados dentro dos sedimentos. Remete-se à pletórica bibliografia existente sobre a arte rupestre da região40 40 Por exemplo, ver Guidon (1991) e Pessis (2013). . Trataremos aqui mais especificamente dos sepultamentos, que abrem discussão sobre as relações entre vivos e mortos. Existem inumações da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial em cinco sítios: Coqueiros, Antonião, Sítio do Meio, Boa Vista II e Paraguaio41 41 Na publicação referente a Antonião (Peyre, 1994), a morte acidental do indivíduo, sem intenção sepulcral da deposição, é mencionada como uma possibilidade. No entanto, a boa preservação do esqueleto, a ausência de indícios de morte violenta e de doenças, sua posição, bem como o arranjo de cinza a seu redor advogam para uma interpretação funerária com muita probabilidade. Não dispomos de informação publicada sobre o sepultamento de Boa Vista II. No que diz respeito ao Sítio Paraguaio, levamos em consideração aqui somente a sepultura 2, por questões de datação frisadas acima. A origem sepulcral dos restos de Cerca de Elias, ainda que provável, não é comprovada. (Quadro 2 e Apêndice 1). Para três enterramentos, a preservação do esqueleto e a documentação publicada permitem entender o modo de deposição, bastante similar nos três casos. Trata-se de enterramentos primários de adultos em decúbito lateral fletido. Os sepultamentos são sempre associados a estruturas de combustão. Os sedimentos circundando os corpos são ricos em cinzas. Pedras são dispostas ao redor. Em Coqueiros e Antonião, o corpo foi deitado sobre lajes em uma superfície levemente côncava. Em Paraguaio, sobre seixos dentro de uma cova. Em Coqueiros e Paraguaio, a estrutura funerária estava delimitada por pedras, blocos de arenito e seixos de quartzo, respectivamente. Somente em Coqueiros existe um enxoval bem caracterizado: 21 peças líticas, entre as quais duas pontas de projétil. O sepultamento de Sítio do Meio diverge desse padrão. Trata-se de restos de uma criança, dos quais somente os dentes se conservaram. O enxoval encontra-se mais rico do que nas sepulturas de adultos. Compõe-se de um fino colar de mais de mil pequenas sementes, em diferentes fieiras, e de uma placa de pigmento de ocre com marcas de uso. Um elemento recorrente desses comportamentos funerários do Holoceno inicial é o uso de fogueiras no ritual de enterramento. Nos sítios em contexto arenítico, onde o solo é ácido, a forte proporção de cinzas no sedimento dos sepultamentos permitiu uma boa conservação dos ossos. Contextualização macrorregionalO aumento de sítios na Serra da Capivara depois da transição Pleistoceno-Holoceno coincide com uma tendência idêntica em todo o Brasil central (Bueno et al.,
2013BUENO, Lucas; DIAS, Adriana Schmidt; STEELE, James. The late Pleistocene/Early Holocene archaeological record in Brazil: a geo-refenced database. Quaternary International, Amsterdam, v. 301, p. 74-93, July 2013. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2013.03.042. PERSPECTIVASA convergência do grande potencial arqueológico da Serra da Capivara e de um esforço de pesquisa considerável na área produziu a quantidade de dados brevemente sintetizados neste artigo. Com uma concentração ímpar de sítios pleistocênicos e um abundante registro arqueológico para a transição Pleistoceno-Holoceno e o Holoceno inicial, a região é um local privilegiado para abordar, no tempo longo, os processos de povoamento e os comportamentos humanos associados. Os elementos de continuidade e de mudança entre Pleistoceno final e Holoceno inicial oferecem, por exemplo, uma oportunidade de estudar a emergência do Tecnocomplexo Itaparica e sua relação com o substrato cultural anterior. Com o presente artigo, esperamos ter contribuído para realçar a quantidade de informações que se tem na área para estudar os primeiros povoamentos. Esses dados vão bem além dos níveis pleistocênicos de Pedra Furada e são ausentes da maioria das sínteses macrorregionais ou continentais sobre a pré-história antiga. Direções futuras das pesquisas poderão tratar da integração desses dados com os inúmeros grafismos rupestres da região, cuja parte poderia datar do Holoceno inicial ou mais. Esse estudo e outros, como o das fontes e das modalidades de abastecimento das matérias-primas, combinados com os elementos já conhecidos, contribuirão para o entendimento dos processos de ocupação do espaço e da construção dos territórios ao longo dos milênios. AGRADECIMENTOSSou grato a Claide de Paula Moraes e a Lucas Bueno, pelo convite para publicar neste número da revista e pelo incentivo a tratar do presente assunto. Como trabalho de síntese, este artigo apoiou-se sobre as produções de numerosos pesquisadores, que convém agradecer aqui, especificamente a Niède Guidon, que dedicou sua vida à Serra da Capivara. Sou também grato a Anne-Marie Pessis, Gisele Felice, como a todos os funcionários da FUMDHAM. A Michel Rasse e Eric Boëda, responsáveis sucessivos da missão arqueológica franco-brasileira no Piauí. As discussões a propósito das datações com Christelle Lahaye, Michel Fontugne, Christine Hatté e Hélène Valladas foram fundamentais. Agradeço a André Strauss e a Christophe Griggo, por terem disponibilizado publicações que estavam no prelo; a Patrícia Pinheiro de Melo e a Pétrius da Silva Bélo, por terem permitido o uso de figuras suas; e a Lívia Lucas e a Claide de Paula Moraes, pela releitura do texto. Esta publicação foi realizada no âmbito do projeto “O povoamento inicial da América a partir do contexto arqueológico brasileiro”, financiado pelo programa de cooperação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Comité Français d’Évaluation de la Coopération Universitaire et Scientifique avec le Brésil (CAPES-COFECUB) (n. 840/15). AGRADECIMENTOSSou grato a Claide de Paula Moraes e a Lucas Bueno, pelo convite para publicar neste número da revista e pelo incentivo a tratar do presente assunto. Como trabalho de síntese, este artigo apoiou-se sobre as produções de numerosos pesquisadores, que convém agradecer aqui, especificamente a Niède Guidon, que dedicou sua vida à Serra da Capivara. Sou também grato a Anne-Marie Pessis, Gisele Felice, como a todos os funcionários da FUMDHAM. A Michel Rasse e Eric Boëda, responsáveis sucessivos da missão arqueológica franco-brasileira no Piauí. As discussões a propósito das datações com Christelle Lahaye, Michel Fontugne, Christine Hatté e Hélène Valladas foram fundamentais. Agradeço a André Strauss e a Christophe Griggo, por terem disponibilizado publicações que estavam no prelo; a Patrícia Pinheiro de Melo e a Pétrius da Silva Bélo, por terem permitido o uso de figuras suas; e a Lívia Lucas e a Claide de Paula Moraes, pela releitura do texto. Esta publicação foi realizada no âmbito do projeto “O povoamento inicial da América a partir do contexto arqueológico brasileiro”, financiado pelo programa de cooperação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Comité Français d’Évaluation de la Coopération Universitaire et Scientifique avec le Brésil (CAPES-COFECUB) (n. 840/15). REFERÊNCIAS
Apêndice 1Apêndice 1 Datas de Publicação
Histórico
O que diz a arqueóloga Niède Guidon a respeito da ocupação do Nordeste brasileiro?Segundo Niède, o material arqueológico resgatado até agora no Piauí – alvo de controvérsias entre os estudiosos – indica que o homem chegou à região há cerca de 100 mil anos. A pesquisadora acredita que o Homo sapiens deve ter vindo da África por via oceânica, atravessando o Atlântico.
Qual é a discordância de guidão em relação a essa teoria?Olá, A teoria de Niede Guidon é de que a chegada do homem à América ocorreu muito antes do que especulam os arqueólogos no cenário internacional, que é a média de 15 mil anos antes, sendo que ela encontrou artefatos que datam até 58 mil anos atrás.
Qual é a importância de Niède Guidon para a Arqueologia brasileira?Ela preside a fundação responsável pelo único parque das Américas considerado pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, o Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato (PI). E foi ela quem descobriu partes do esqueleto mais antigo do Brasil, que data de 13 mil anos atrás.
Qual é a importância dos estudos de Niède Guidon sobre a ocupação da América?Uma das descobertas de Niède Guidon abalou o consenso sobre o povoamento das Américas. Até hoje, a teoria predominante é a de que o homem chegou ao continente a partir do Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, há 15 mil anos.
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