Porque o controle de constitucionalidade na via de exceção ocorre incidentalmente?

Autores: 

CAVALCANTE, Alano Feijão.

Introdução

Conhecido também como controle difuso ou incidenter tantum ou por via de defesa ou por via de exceção, o controle incidental de constitucionalidade é a verificação, no caso concreto, da constitucionalidade da norma por qualquer juiz ou Tribunal.

Ensina Zanotti (2010, p. 97):

O controle difuso de constitucionalidade possibilita, no exercício da jurisdição, que todos os juízes e tribunais verifiquem no caso concreto a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. Em outras palavras, possuem a competência para afastar a aplicação da lei, na hipótese desta se mostrar inconstitucional in concreto.

Isso ocorre, porque a Jurisdição no Estado Democrático de Direito não se presta a uma atuação desgarrada da Constituição Federal. Pelo contrário, deve-se pensar na Jurisdição como uma Jurisdição Constitucional, ou seja, que tem como limite e possibilidade hermenêutica a Constituição e os direitos e garantias fundamentais.

Todos os juízes e Tribunais fazem o controle da norma e sua interpretação, mas somente diante de um caso concreto e como prejudicial ao mérito.

O controle incidental tem como marco histórico o caso William Marbury e James Madison, julgado nos EUA em 1803.

Zanotti (2010, p. 98):

Além de afirmar a supremacia da Lei Suprema, o julgado possibilitou ao magistrado, em um caso concreto, negar a aplicação da lei contrária à Constituição. Para tanto, Marshall teve por fundamento o artigo VI, cláusula 2ª da Constituição americana, que consagrou a supemacy clause.

O Decreto nº 848, de 1890, inaugurou o controle incidental no Brasil, dando poderes aos juízes, desde que provocados pelas partes, controlarem a constitucionalidade das leis. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 foi a primeira a prevê-lo.

Características do Controle Incidental

Apenas diante de um caso concreto o juiz poderá se manifestar quanto à constitucionalidade da lei.

A ação possui o pedido (bem jurídico a ser tutelado), logo, para verificar este pedido, primeiramente, o juiz terá que analisar a constitucionalidade de uma lei.

 A análise de constitucionalidade é um incidente processual, resolve-se a questão prévia para o futuro julgamento. Isto é, o juiz analisará o incidente de inconstitucionalidade, caso decida pela inconstitucionalidade da lei, afastará a aplicação desta e julgará o mérito da demanda, que é o objeto principal da questão.

A inconstitucionalidade não é o pedido feito pela parte autora, mas é o fundamento jurídico mister e imprescindível para a procedência da ação. A inconstitucionalidade é a causa de pedir da ação, é uma questão prejudicial ao mérito, mas não se confunde com ele.

Conforme Zanotti (2010, p. 102):

Para decidir acerca do direito em discussão, o órgão judicial precisará formar um juízo acerca da constitucionalidade ou não da norma. Por isso, diz-se que a questão constitucional é uma questão prejudicial. Ela precisa ser decidida previamente, como pressuposto lógico e necessário da solução do problema principal.

Conforme aduzido, todos os integrantes do Poder Judiciário poderão fazê-lo, desde os juízes de 1º grau, até os integrantes das mais altas Cortes.

Barroso (2009, p. 92) aduz que:

O Superior Tribunal de Justiça, a exemplo de todos os demais órgãos judiciais do país, pode desempenhar o controle incidental de constitucionalidade, deixando de aplicar as leis e atos normativos que repute incompatíveis com a Constituição. É certo, contudo, que tal faculdade será, como regra, exercida nas causas de sua competência originária (CF, art. 105, I), ou naquelas que se julgarem mediante recurso ordinário (CF, art. 105, II). E dessas decisões, quando envolver questão constitucional, caberá recurso extraordinário. No normal das circunstâncias, não haverá discussão da matéria constitucional em recurso especial, cujo objeto, como visto, cinge-se às questões infraconstitucionais. A menos que a questão constitucional tenha surgido posteriormente ao julgamento pelo tribunal de origem.

As partes (réu e autor), terceiros, Ministério Público - MP e os Magistrados podem suscitar a inconstitucionalidade incidental da lei.

Para Didier e Cunha (2007, p. 237): “[...] pode o STF/STJ analisar matéria que não foi examinada na instância a quo, pois o prequestionamento diz respeito apenas ao juízo de admissibilidade”.

Zanotti (2010, p. 106) complementa este pensamento:

Após o juízo de admissibilidade positivo, no juízo de rejulgamento, não há qualquer limitação cognitiva (as matérias de ordem pública podem ser conhecidas de ofício pelos Ministros do STF, mesmo que não prequestionadas, como a inconstitucionalidade da norma), a não ser a própria limitação horizontal estabelecida pelo recorrente em razão do efeito devolutivo.

A declaração incidental de inconstitucionalidade possui o efeito inter partes e ex tunc, logo a declaração de inconstitucionalidade, apenas, será para aquele caso, para aquelas partes processuais, portanto a lei somente deixará de valer para aquele processo, por conseguinte para as demais pessoas a lei continuará em pleno vigor. E terá efeitos ex tunc, isto é, a declaração incidental de inconstitucionalidade retroagirá ao seu nascedouro, tornando inválidos os atos que a lei teve como base;

O controle difuso vale para toda e qualquer lei ou norma.

Barroso (2009, p. 84): “[...] em relação a normas emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive anteriores à Constituição”.

Portanto, este controle terá como objeto leis ou atos normativos Federais, Estaduais, Distritais e Municipais, anteriores ou posteriores a Constituição Federal de 1988.

Controle Incidental nos Tribunais

No controle incidental, os Tribunais também possuem competência para declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, desde que, no caso concreto, nos processos de competência originária do Tribunal ou por via recursal. Mas somente o Órgão Especial (art. 93, XI, CF)[1] ou Pleno podem declarar a inconstitucionalidade, por previsão do artigo 97 da CF[2], que estabelece a cláusula de reserva de plenário.

Logo, quando uma Câmara ou Turma do Tribunal se deparar com um controle incidental, remeterá o processo imediatamente ao Órgão Especial ou ao Pleno para que este decida por maioria absoluta, pois somente este possui competência para decidir. Feito isto, o processo volta à Turma ou Câmara para que esta possa decidir o mérito da demanda.

Zanotti (2010, p. 110):

Ocorre, nesse momento, a cisão funcional de competência, cabendo, de um lado, ao Pleno ou Órgão Especial se manifestar somente sobre o incidente de inconstitucionalidade, e, por outro lado, ao final desse incidente, à Turma ou Câmara dar seguimento ao procedimento e se manifestar sobre o caso concreto.

A Súmula Vinculante nº 10 do STF entende que: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”[3].

Portanto, em respeito à cláusula de reserva de plenário, quando o Tribunal for declarar a inconstitucionalidade, no caso concreto, essa competência será do Órgão Especial ou do Pleno.

Mas há exceções, vejamos: quando já houver decisão do Órgão Especial ou do Pleno do Tribunal; somente será de competência do Órgão Especial ou do Pleno para fixar o precedente, logo, quando já houver precedente, as Turmas e Câmaras aplicarão este entendimento; nos casos de declaração de constitucionalidade; quando houver decisão vinculante sobre a matéria, por exemplo, nas súmulas vinculantes ou nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade; quando a matéria for de competência originária do Órgão Especial ou do Pleno; e quando as Turmas Recursais dos Juizados Especiais declararem a inconstitucionalidade.

Este incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais se caracteriza da seguinte forma: pode haver nos recursos ou nas ações originárias; o Ministério Público integra obrigatoriamente; as Súmulas 513 e 293 do STF dizem que essa decisão é irrecorrível, salvo embargos de declaração; a decisão do incidente não faz coisa julgada; e pelo art. 97 da CF, a inobservância do procedimento gera incompetência absoluta, vejamos:

Súmula nº 513 do STF: A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito.

Súmula nº 293 do STF: São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria constitucional submetida ao plenário dos tribunais. 

Observe-se como se dá o procedimento deste incidente: é suscitado o incidente de inconstitucionalidade nas Turmas ou Câmaras; as Turmas ou Câmaras aceitam ou não, neste caso, julgarão o recurso, naquele remetem para o Órgão Especial ou Pleno; a decisão vincula as Turmas ou Câmaras; publicado o acórdão sobre o incidente, o processo volta às Turmas ou Câmaras e retoma seu julgamento; e a decisão é subjetivamente complexa, pois o Órgão Especial ou Pleno decidem o incidente, enquanto as Turmas ou Câmaras julgam o mérito.

A natureza jurídica do incidente de inconstitucionalidade

Há entendimentos diversos, mas um não exclui o outro.

Para Didier e Cunha (2007, p. 432):

Trata-se de instrumento de controle difuso; todavia, este incidente é exemplo de processo objetivo, o que significa dizer que o Tribunal, quando for decidir se a lei é constitucional ou não, decidirá a questão abstratamente, em tese (como se estivesse em uma ADI). Tanto é verdade que ele somente vai analisar tal questão apenas uma vez, pois essa decisão vincula o tribunal para as causas similares futuras.

Afirma Lenza (2010, p. 226): “O artigo 97 da Constituição é uma condição de eficácia da própria declaração de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público”.

Por conseguinte, é um método de controle incidental que examinará a constitucionalidade da norma em abstrato, sendo uma condição de eficácia da declaração de inconstitucionalidade.

Por fim, poderá haver intervenção do amicus curiae, conforme art. 482, §3º, do CPC, vejamos:

 Art. 482.  Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.

(...)

§ 3o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999

Controle Incidental no STF

Cabe ao Supremo Tribunal Federal fazer o controle incidental de constitucionalidade, não se confundindo com outra competência deste Tribunal, que é o de fazer o controle abstrato das leis em face da Constituição Federal.

Será feito o controle incidental tanto na sua competência originária como na recursal, respeitado a cláusula de reserva de plenário, art. 97 da CF. Mas há uma peculiaridade, os arts. 176 e ss do Regimento Interno do STF preveem que os órgãos fracionários remeteram ao Pleno e este fará o julgamento do incidente e do mérito, conjuntamente.

No recurso extraordinário é necessário o prequestionamento, conforme Súmulas 282 e 356 do STF, vejamos:

Súmula nº 282 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

Súmula nº 356 do STF: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. 

Senado Federal no Controle Incidental

Quando ocorrer a declaração de inconstitucionalidade no STF pela via incidental, transitado em julgado a decisão, o Senado Federal será comunicado para suspender a execução da lei, conforme o art. 52, X, da CF e art. 178 do Regimento Interno do STF:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

(...)

Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição.

A comunicação ao Senado Federal pelo STF é discricionária.

Tem como finalidade dar efeitos erga omnes e ex nunc a decisão.

A suspensão da execução ataca a eficácia da norma.

A suspensão do Senado Federal possui algumas características: é feito por resolução; só ocorre no controle incidental; torna os efeitos erga omnes e ex nunc; a suspensão da norma é discricionária pelo Senado Federal; se o Senado Federal decidir suspender a execução da norma deve respeitar a decisão do STF, sob pena de Ação Direta de Inconstitucionalidade na Resolução; o Senado Federal não possui prazo para se manifestar; a resolução que suspender a execução da lei não pode ser revogada por outra resolução; a suspensão do Senado Federal pode ser de lei ou ato normativo Federal, Estadual, Distrital ou Municipal; e a suspensão da execução da lei pelo Senado Federal é irrecorrível, afastado até alguma futura Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Constitucionalidade ou Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Teoria da abstrativização ou objetivação do controle difuso: visa retirar a análise do caso concreto no controle incidental no STF e dar a este controle as normas instrumentais do controle concentrado, por exemplo, a modulação dos efeitos da decisão.

Conclusão

Com o presente estudo, conclui-se que o Controle Incidental ou Difuso veio para ficar, pois põe uma diretriz a legislação infraconstitucional.

Este estudo teve como norte a análise da Constituição Federal, da legislação e da doutrina.

Abordaram-se os aspectos gerais, analisando o controle nos Tribunais, Incidente de Inconstitucionalidade, controle no Supremo Tribunal Federal, bem como o papel do Senado Federal, ou seja, foi estudado o procedimento e julgamento do Controle Difuso, feito por todos os juízes e Tribunais do país, desde que haja um caso concreto e de forma prejudicial ao mérito.

Diante da análise destes argumentos, conclui-se que o Controle Incidental corrobora com a simplificação e eficiência do Poder Judiciário, tornando-o mais célere e assegurando o cumprimento da Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Antecedentes Históricos do Controle Difuso de Constitucionalidade das leis. Disponível em: http://www1.jus.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=5838. Acesso em: 03 de mai de 2012.

BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 mai. 2012.

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

DIDIER Jr.; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Bahia: Podivm. 2007. 3v.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

NOVELINO, Marcelo. Teoria da constituição e controle de constitucionalidade. Bahia: Podivm. 2008.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. Ed. São Paulo: Método, 2007.

ZANOTTI, Bruno Taufner. Controle de constitucionalidade para concursos. Bahia: Podivm. 2010.

Notas:


[1] Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

[2] Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

[3] BRASIL. STF Súmula Vinculante nº 10 - Sessão Plenária de 18/06/2008 - DJe nº 117/2008, p. 1, em 27/6/2008 - DO de 27/6/2008, p. 1. Violação da Cláusula de Reserva de Plenário - Decisão de Órgão Fracionário de Tribunal - Declaração da Inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo do Poder Público. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/0010vinculante.htm>. Acesso em: 25 mai. 2012.

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40196&seo=1

O que é controle de constitucionalidade por via de exceção?

Também conhecido como controle por via de exceção, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição.

O que é o controle incidental de constitucionalidade?

O controle incidental, também chamado de controle concreto ou controle por via de exceção, tem por finalidade principal assegurar a proteção de direitos subjetivos da parte: com a declaração de inconstitucionalidade, um direito da parte é assegurado (objeto da ação).

O que é via incidental?

Via incidental – pelo sistema de via incidental, ou de exceção ou de defesa conforma também é conhecido, o controle será exercido como questão prejudicial e premissa lógica do pedido principal, ou seja, deve ser analisado qual é o fundamento da pretensão do autor, como temos o exemplo da ação constitucional o mandado ...

Qual é a principal finalidade do controle difuso incidental?

O controle difuso é incidental, pelo fato de que ele recai apenas no caso judicial tido como referencia para o questionamento da constitucionalidade da lei. ...Já o controle de constitucionalidade difuso ocorre via incidental, ou seja, no meio de um caso concreto sob judice.