Quais as ferramentas de avaliação do estado nutricional podem ser utilizadas?

REVISÃO

Avaliação do estado nutricional de adultos e idosos e situação nutricional da população brasileira

Nutritional assessment of adults and elderly and the nutritional status of the Brazilian population

Kátia Acuña; Thomaz Cruz

Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA

Endereço para correspondência

RESUMO

As alterações do estado nutricional (desnutrição e obesidade) são relacionadas com sérios agravos para a saúde. O presente trabalho de revisão da literatura tem por objetivo descrever os principais métodos de avaliação do estado nutricional, com finalidade de facilitar o diagnóstico dos problemas nutricionais e acompanhar intervenções dietoterápicas. Descreve o método clínico, detalha aspectos da antropometria e os exames laboratoriais utilizados em avaliação do estado nutricional. Relaciona alguns dos principais índices múltiplos, utilizados tanto com fins diagnósticos e prognósticos. Informa a respeito da impedância bioelétrica, completando abordagem sobre os métodos convencionais, além de descrever as principais vantagens e desvantagens dos métodos não-convencionais. Finaliza com revisão sobre a situação nutricional da população brasileira, através da análise de dados obtidos em três inquéritos populacionais (1974, 1989, 1997).

Descritores: Avaliação nutricional; Estado nutricional; Desordens nutricionais; Adulto; Idoso; Inquéritos populacionais

ABSTRACT

Nutritional disorders (undernutrition and obesity) are associated to increases in morbidity and mortality. This paper consists on a review of literature with the purpose of describing the main methods of nutritional assessment, in order to facilitate the diagnosis of nutritional disorders and the follow-up of dietetics interventions. It describes the clinical method, details procedures of anthropometry and laboratory evaluation and enrolls some of the multiple indices used for diagnosis and prognosis. Information about bioelectric impedance is given. Some aspects of non-conventional methods are reminded. Nutritional status of the Brazilian population is discussed, using the analysis of data collected from three populational surveys (1974, 1989, and 1997).

Keywords: Nutritional assessment; Nutritional status; Nutritional disorders; Adult; Elderly; Population Surveys

O ESTADO NUTRICIONAL EXPRESSA o grau no qual as necessidades fisiológicas por nutrientes estão sendo alcançadas (1), para manter a composição e funções adequadas do organismo (2), resultando do equilíbrio entre ingestão e necessidade de nutrientes (1). As alterações do estado nutricional contribuem para aumento da morbi-mortalidade. Assim sendo, a desnutrição predispõe a uma série de complicações graves, incluindo tendência à infecção, deficiência de cicatrização de feridas, falência respiratória (3), insuficiência cardíaca, diminuição da síntese de proteínas a nível hepático com produção de metabólitos anormais, diminuição da filtração glomerular e da produção de suco gástrico (4).

Por outro lado, o sobrepeso e a obesidade são fatores de risco para variado número de agravos à saúde, dos quais os mais freqüentes são doença isquêmica do coração, hipertensão arterial, acidente vascular cerebral, diabetes mellitus tipo 2, colelitíase, osteoartrite (especialmente de joelhos), neoplasia maligna de mama pós-menopausa e de endométrio, esofagite de refluxo, hérnia de hiato e problemas psicológicos (5,6).

AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL

Os objetivos da avaliação do estado nutricional são: a) identificar os pacientes com risco aumentado de apresentar complicações associadas ao estado nutricional (CAN), para que possam receber terapia nutricional adequada (1,7-9); b) monitorizar a eficácia da intervenção dietoterápica (1,9).

Esta avaliação pode ser feita através de métodos convencionais e não-convencionais (9). São métodos convencionais aqueles tradicionalmente usados, por sua consolidada utilização tanto na prática clínica quanto em estudos epidemiológicos. Têm como características principais: a) praticidade; b) custo aceitável; c) refletem com certa precisão o estado nutricional do indivíduo (9). Os métodos não-convencionais são aqueles que apresentam limitações no seu uso, como equipamentos de custo elevado, dificuldades técnicas para sua execução, entre outras, que impossibilitam seu uso de forma rotineira. Geralmente são métodos mais sensíveis, utilizados como referência em pesquisas (9).

Métodos Convencionais

Nesta categoria, encontra-se um largo espectro de procedimentos, incluindo (7-9):

História clínica (1,10-12);

Exame físico para detectar deficiências nutricionais específicas (1,10,11,13);

Antropometria: peso; altura; combinações de altura e peso; medidas de dobras ou pregas cutâneas; circunferências; comprimento de segmentos; largura óssea; compleição (5,10,13-16);

Exames laboratoriais: hematócrito, hemoglobina, linfócitos totais, proteínas séricas (albumina, pré-albumina; transferrina), índice creatinina-altura, colesterol sérico, balanço nitrogenado (7,8,10,17);

Índices múltiplos: diversos índices prognósticos (7,17,18);

Impedância bioelétrica (19,20).

História Clínica

Em toda prática clínica, obter a anamnese tem um papel fundamental. Do ponto de vista nutricional, aspectos relevantes são:

Perda de peso: trata-se, provavelmente, da variável mais freqüentemente avaliada (7). Perda de peso acima de 10% é significativa (8,12). Outro fator que deve ser investigado é a maneira como a perda ocorreu, se contínua ou com recuperações, avaliando a situação nas duas últimas semanas (12,21);

Alterações do padrão alimentar: devem ser avaliadas quanto à duração (em semanas) e o tipo (quantitativa e qualitativa) (12). Neste caso, procura-se detectar a presença de disfagia ou alterações do estado mental (1);

Presença de sintomas gastrointestinais: anorexia, náusea, vômitos e diarréia (pelo menos três evacuações líquidas por dia) são considerados importantes quando estão presentes de forma contínua por mais de 15 dias (12,21);

Avaliação da capacidade funcional: está relacionada com alterações de atividades físicas habituais do paciente, podendo obrigá-lo desde a interrupção das atividades cotidianas até grau extremo de inatividade, onde o paciente permanece acamado a maior parte do tempo (12,21);

Demanda metabólica: procura-se investigar situações que causam aumento de requerimentos nutricionais, como infecções, trauma, queimaduras, fraturas, sepsis, gravidez, lactação (10,21);

Antecedentes médicos: cirurgias prévias com localização de ressecções intestinais, doenças crônicas e suas complicações (1,10,11);

Uso de medicamentos: pode afetar o estado nutricional de várias formas: a) diminuindo o apetite: furosemida, hidroclotiazida, digitálicos etc.; b) alterando ou diminuindo o paladar: AAS, anfetaminas etc.; c) aumentando o apetite: anti-histamínicos, drogas psicotrópicas, corticosteróides (22); d) alterando a absorção de nutrientes (e.g. o uso de anticoncepcionais orais interfere na absorção de folato) (9,10);

História social: nela há aspectos importantes a serem investigados, pois podem influenciar a compreensão sobre a doença e incluem fatores de risco que podem afetar a aderência ao tratamento: a) ocupação; b) escolaridade; c) condições de habitação; d) nível socioecômico; e) uso de substâncias, como álcool, tabaco, drogas ilícitas e cafeína (1,11);

História dietética: refere-se a uma revisão dos padrões usuais de ingestão de alimentos utilizando técnicas especiais, sendo a mais conhecida o recordatório alimentar de 24 horas (método qualitativo que investiga tudo o que o paciente ingeriu nas últimas 24 horas) (1,11).

EXAME FÍSICO

O exame físico direcionado para detectar deficiências nutricionais deve ser minucioso, com o objetivo de identificar sinais de carências específicas de nutrientes.

A inspeção geral proporciona muitas informações úteis, como: a) sinais de depleção nutricional: perda de tecido subcutâneo na face, tríceps, coxas e cintura; b) perda de massa muscular nos músculos quadríceps e deltóide, lembrando que repouso prolongado leva a atrofia muscular; c) presença de edema em membros inferiores, região sacral e ascite; d) coloração de mucosas: palidez da anemia (1,10,11,13).

Cabe lembrar que Detsky e cols. (23) propuseram um modelo de questionário-padrão que investigava aspectos da história clínica e de exame físico, denominado Avaliação Subjetiva Global (ASG). A ASG permite a classificação em três categorias: A = Bem nutrido; B = Moderadamente (ou suspeito de ser) desnutrido; e C = Gravemente desnutrido (tabela 1). A partir de então, a ASG tem sido extensamente estudada na literatura, sendo validada ao se a comparar com outros métodos (24) e modificada para atender a situações clínicas diversas, como as de pacientes com nefropatia, neoplasia, hepatopatia, HIV positivos e geriátricos (25).

ANTROPOMETRIA

A antropometria é uma técnica desenvolvida por antropologistas no final do século XIX, usando medidas simples para quantificar diferenças na forma humana (26,27), porém a era moderna da antropometria nutricional se iniciou durante a primeira guerra mundial com a preocupação com a eficiência física dos soldados (27).

Antropometria é o método não-invasivo de baixo custo e universalmente aplicável, disponível para avaliar o tamanho, proporções e composição do corpo humano (5).

A idade deve ser estabelecida, pois tanto as medidas recomendadas quanto os padrões de referência são considerados com base na mesma (5,11). Outro fator que deve ser considerado é o gênero, pois existem diferenças expressivas entre o tamanho de homens e mulheres (5).

A antropometria permite a obtenção de muitas informações, porém peso, altura, suas combinações e pregas cutâneas são os métodos antropométricos mais utilizados em estudos epidemiológicos (15).

Altura

A altura representa o maior indicador do tamanho corporal geral e do comprimento dos ossos (14). Adultos são geralmente medidos em pé (28). Quando a estatura não pode ser medida por dificuldade de permanecer em pé ou problemas sérios de coluna, no adulto jovem a envergadura dos braços é equivalente à altura (13,14). Outra possibilidade é a utilização da medida altura do joelho (28). A altura é então estimada utilizando fórmulas (13): homem (cm) = 64,19 – (0,04 x idade) + (0,02 x altura do joelho em cm); mulher (cm) = 84,88 – (0,24 x idade) + (1,83 x altura do joelho em cm).

Peso

O peso corresponde à soma de todos os componentes de cada nível da composição corporal. É uma medida aproximada das reservas totais de energia do corpo, e mudanças no peso refletem alterações no equilíbrio entre ingestão e consumo de nutrientes (13).

Três considerações sobre o peso são importantes:

Porcentagem de alteração de peso (%AP): é estabelecido comparado o peso usual (PU), que é aquele que o indivíduo usualmente apresenta quando está saudável, com o peso atual (PA), medido no momento da avaliação, utilizando a fórmula (12): %AP = (PA – PH)/PH x 100;

Peso ideal (PI): é padrão de referência para faixa etária e gênero, sendo o americano obtido através do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES I 1971–1974; NHANES II 1976–1980) realizados pelo National Center of Health Statistics, NCHS. A OMS preconizou utilizar as Tabelas de Crescimento do NCHS (28). Anjos (29) critica a utilização de tabelas de peso ideal, considerando a grande variação da estatura média das populações adultas do mundo;

Porcentagem do peso corporal ideal (PCI%): é calculado através da fórmula: PA/PI x 100. Albert & Callaway (10) consideraram 80% do PCI% como altamente indicativo de desnutrição; já Starlings & Hark (11) consideraram PCI% abaixo de 70% como desnutrição grave e acima de 120% como obesidade; Waitzberg (30) considerou redução moderada entre 61 a 80% e grave <60%.

Combinações peso e altura

Peso e altura representam as variáveis antropométricas mais comumente disponíveis em estudos epidemiológicos (15). As suas combinações medem peso corporal corrigido pela altura (15), porém não conseguem distinguir adiposidade de massa muscular e edema (28).

Por isto, no adulto temos as seguintes combinações:

Peso-altura: para determinar se o peso de um adulto é apropriado para a altura, precisa ser comparado com padrões de referência. Os mais comuns são as tabelas do Metropolitan Life Insurance, que distribuem o peso ideal pela altura, considerando o gênero e a compleição (1,28);

Índice de massa corporal ou corpórea (IMC): foi criado por Quetelet (15), sendo, por isso, também denominado de índice de Quetelet (28). Sua utilização na prática clínica foi proposta há três décadas (28). É considerado por diversos autores o melhor indicador de massa corporal no adulto (28), porém outros autores (13,29) chamam atenção para três limitações do IMC: 1) relação com a proporcionalidade do corpo, pessoas com as pernas curtas para a sua altura terão IMC aumentado; 2) relação com a massa livre de gordura, especialmente em homens, pois atletas e indivíduos musculosos podem ter IMC na faixa da obesidade; 3) relação com a estatura, que, apesar de baixa, pode ser significativa, especialmente em menores de 15 anos (13,16,28). Em 1995, um Comitê de Especialistas da OMS modificou os pontos de corte do IMC (31) para emagrecimento (5) e, em 1998, para obesidade (6), preconizando sua utilização tanto para diagnóstico de desnutrição (4,5) quanto de obesidade (6), sendo os seguintes: magreza grau III (grave): IMC < 16,0; magreza grau II (moderada): 16,0 < IMC < 16,99; magreza grau I (leve): 17,0 < IMC < 18,49; faixa normal: 18,5 < IMC < 24,99; pré-obesidade (aumentado): 25,0 < IMC < 29,99; obesidade grau I (moderado): 30,00 < IMC < 34,99; obesidade grau II (grave): 35,0 < IMC < 39,99; obesidade grau III (muito grave): IMC >40,00. Anjos (29) sugeriu, ainda, que, apesar de o IMC não indicar a composição corporal, a facilidade de sua mensuração e sua relação com morbi-mortalidade parecem ser motivos suficientes para sua utilização como indicador do estado nutricional em estudos epidemiológicos em associação ou não com outras medidas antropométricas. A curva de morbi-mortalidade tem sido identificada como um "U", assimétrico, com o menor risco na parte horizontal com IMC de 20 a 30kg/m2. Os dois extremos do IMC estão associados com maior risco de morbi-mortalidade, porém de causas de morte diferentes (29). O IMC baixo está associado com morte por tuberculose, câncer pulmonar e doença pulmonar obstrutiva crônica (29), sendo que o IMC = 12kg/m2 é considerado limite mínimo para sobrevivência humana (29). O IMC alto, com morte por doenças cardiovasculares, diabetes e, para homens, câncer de cólon (29). Pode ser calculado utilizando a fórmula: IMC = peso (kg)/altura (m)2 (5) ou através do normograma proposto por Bray (16). Quanto à eficiência do IMC no diagnóstico de obesidade, observa-se controvérsia na literatura. Desta forma, Garrow & Webster (36) concluíram que o IMC pode ser considerado conveniente e de fácil execução no diagnóstico de obesidade. Porém Smalley e cols. (37), considerando a grande variação individual da gordura corporal determinada pelo IMC e a estimada por densitometria, sugeriram o uso cauteloso do IMC como indicador de obesidade. Recentemente, Acuña e cols. (38), ao estudar o estado nutricional de pacientes hospitalizados, encontraram uma concordância fraca entre IMC e o Índice Sugestivo de Desnutrição (ISD) proposto por Waitzberg (30), e concluem que o Índice de Massa Corporal não é um bom parâmetro para avaliar o estado nutricional de adultos hospitalizados, sendo um indicador de proporções corporais. Esclarecendo melhor, uma pessoa magra pode estar bem nutrida e uma pessoa obesa pode estar desnutrida.

Circunferências

À medida em que se torna necessário avaliar de forma mais completa a composição corporal, dados antropométricos adicionais devem ser obtidos (1). As circunferências são afetadas pela massa gorda, massa muscular e tamanho ósseo (16). É possível medir uma grande variedade de circunferências corporais (14), porém as principais circunferências utilizadas na prática clínica são (1):

Circunferência do braço (CB): é muito utilizada, pois a sua combinação com a medida da prega cutânea do tríceps (PCT) permite, através da aplicação de fórmulas, calcular a circunferência muscular do braço (CMB) e a área muscular do braço (AMA), área de músculo sem osso (1), que são correlacionadas com a massa muscular total, sendo utilizadas para diagnosticar alterações da massa muscular corporal total e, assim, o estado nutricional protéico (1,5,13,14,16,28);

Circunferência da cintura: sua medida não deve ser feita sobre roupas, o sujeito permanece em pé, com os pés juntos, os braços estendidos lateralmente e o abdome relaxado (14). A medida deve ser tomada em plano horizontal com fita inelástica no ponto mais estreito do tronco (14). É indicador de adiposidade profunda (14);

Circunferência do quadril: deve ser medida com paciente trajando roupas leves e soltas, em pé, com os braços levantados para os lados e os pés juntos. O examinador senta ao lado do sujeito para melhor visualizar o nível da extensão máxima dos glúteos, dispondo a fita antropométrica em plano horizontal, que deve ser estendida sobre a pele sem comprimir as partes moles (5);

Relação da cintura para o quadril (RCQ): é calculada dividindo a medida da circunferência da cintura (cm) pela do quadril (cm) (1,16). É fortemente associada à gordura visceral, sendo um índice aceitável de gordura intra-abdominal (16). É a medida de adiposidade mais freqüentemente utilizada, permitindo diferenciar a obesidade ginecóide e andróide (1). Uma RCQ de 1,0 ou mais para homens e de 0,8 ou mais para mulheres é indicativo de obesidade andróide e risco aumentado de doenças relacionadas com a obesidade (1);

Circunferência da panturrilha: fornece a medida mais sensível de medir massa muscular no idoso, sendo superior à circunferência do braço (5);

Perímetro cefálico: muito utilizado para acompanhar o desenvolvimento de crianças menores de três anos (1).

Pregas Cutâneas

A gordura subcutânea corresponde a 50% da gordura armazenada do corpo, e pode refletir de maneira acurada o conteúdo de gordura corporal total, baseado no fato de que a espessura da gordura é relativamente constante (7,18). A medida das pregas ou dobras cutâneas (PC) apresenta duas vantagens: 1) fornecer uma maneira relativamente simples e não-invasiva de estimar a gordura corporal; 2) caracterizar a distribuição da gordura subcutânea (14).

Uma grande variedade de PC pode ser medida (14,16), porém as mais utilizadas na prática clínica são (28):

Prega cutânea do tríceps (PCT): a região do tríceps é o local mais freqüentemente utilizado, pois se considera que seja o mais representativo da camada subcutânea de gordura (18,28). Pode ser comparada a padrões de referência com determinação do percentil (28). Os padrões mais comuns de comparação são os propostos por Jelliffe (41), que são baseados em militares europeus e mulheres americanas de baixa renda, e por Frisancho (42), baseado nas medidas aferidas em homens e mulheres americanos brancos que participaram do National Health and Nutrition Survey (NHANES) 1971–1974. Porém, Thuluvath & Triger (43) realizaram estudo comparando medidas de PCT e CMB em 125 pacientes com doença hepática crônica com as tabelas de Jelliffe e Frisancho, e demonstraram que ambas apresentam problemas de confiabilidade (21), de forma que os autores fazem a pergunta: How valid are our reference standards of nutrition? (Quão válidos são nossos padrões nutricionais de referência?) (43);

Somatório de pregas cutâneas: existem várias equações utilizando a soma de diversas combinações de PC, mas devem ser selecionadas baseadas na idade, gênero, etnia e nível de atividade física (16).

Outras Medidas

Outras medidas em antropometria não incluídas nos protocolos de medidas recomendadas pela OMS (5) consistem na medição de segmentos (e.g. envergadura do braço) e diâmetros ósseos (14,16). A avaliação do tamanho do esqueleto é feita utilizando equipamentos apropriados denominados antropômetros ósseos e compassos de diferentes tamanhos (14,16). Sua principal utilidade consiste em permitir a determinação da compleição física ou porte, que pode ser pequeno, médio e grande (15).

EXAMES LABORATORIAIS

Vários exames bioquímicos são as medidas mais objetivas do estado nutricional (1), usados para detectar deficiências subclínicas e para confirmação diagnóstica (28), com a vantagem de possibilitar seguimento de intervenções nutricionais ao longo do tempo (17).

Os exames laboratoriais de uso mais freqüente na prática clínica são descritos a seguir. Cabe lembrar que uma série de dosagens sangüíneas para estudar componentes nutricionais específicos, como minerais (e.g. cálcio), ferro, vitaminas, tem sua indicação específica, não sendo considerados como métodos convencionais (17,28).

Hematológicos

Os parâmetros hematológicos mais utilizados em avaliação nutricional são hematócrito (HT), hemoglobina (HG) e linfócitos totais (LINF) (17).

Os valores de hematócrito e hemoglobina são dependentes da idade e gênero (28).

A contagem total de linfócitos (CTL) expressa condições imunológicas e também os valores normais variam conforme o autor. Para Weinsier e cols. (44), a normalidade compreende valores iguais ou maiores que 1.500/mm3, depleção moderada de 1.200 a 1.500/mm3 e grave abaixo de 1.200/mm3. Segundo Seltzer e cols. (45), o risco maior de complicações associadas com estado nutricional ocorre quando a CLT for inferior a 1.500/mm3, concordando com os valores preconizados pela FELANPE (46). Bottoni e cols. (17) consideraram os seguintes valores: a) depleção leve: 1.200 a 2.000/mm3; b) depleção moderada: 800 a 1.199/mm3; c) depleção grave: < 800/mm3.

Avaliação do Estado Protéico

As proteínas são essenciais para as funções reguladoras (e.g. hormônios e enzimas) e estruturais (e.g. colágeno e elastina) (28).

As proteínas séricas mais freqüentemente avaliadas para determinação do estado nutricional são albumina, transferrina e pré-albumina (7).

Albumina

É a proteína mais abundante do plasma e dos líquidos extracelulares (17), sendo uma das mais extensamente estudadas, com aproximadamente 19.000 citações no Index Medicus nos últimos trinta anos (8).

Tem importância preponderante na determinação da pressão colóido-osmótica do plasma, exercendo função de proteína de transporte (cálcio, ácidos graxos de cadeia longa, medicamentos etc.) (17).

A concentração sérica de albumina depende de muitos fatores (1,8,17,27): a) síntese hepática: depende da função do hepatócito e da ingestão e absorção de substratos protéicos, encontrando-se diminuída no hipotireoidismo quando há níveis circulantes excessivos de cortisol durante estresse e em doença parenquimatosa hepática; b) perdas anormais de albumina: doença renal (síndrome nefrótica), eclâmpsia, enteropatia perdedora de proteína e queimaduras; c) catabolismo aumentado: estresse, hipermetabolismo, síndrome de Cushing e algumas neoplasias; d) trocas entre os compartimentos: alteradas em situações patológicas, com seqüestro para o extravascular (e.g. trauma, infecção); d) volume de distribuição: afetado pelo estado de hidratação.

Apesar da limitação decorrente da meia vida prolongada, interferindo na detecção de alterações agudas do estado nutricional, e de sofrer alterações por diversas outras razões não-nutricionais (1,8,17,27), os níveis séricos de albumina são fortemente relacionados com aumentos na morbidade (tempo de internação prolongado, cicatrização deficiente de feridas) e da mortalidade (27).

Por isso, é uma das variáveis mais freqüentemente utilizadas para compor índices prognósticos (17), sendo também considerada o melhor índice isolado de predição de complicações (7,48).

Em relação aos valores da albumina, observa-se variação em relação à idade (28) e também aos valores preconizados por diferentes autores conforme apresentado na tabela 2.

Transferrina

É uma beta globulina transportadora de ferro no plasma (7), sendo uma proteína de vida média intermediária (aproximadamente oito dias) entre a albumina e as proteínas de rápido turnover (7,17).

Apesar do fato de que a vida média mais curta seja, teoricamente, uma vantagem sobre albumina, estudos clínicos não observaram diferenças significativas (7).

Por isto, alguns autores afirmam que sua medição habitual, sem finalidade de pesquisa, não apresenta vantagem sobre a dosagem da albumina (10) e outros já não incluem a transferrina na avaliação do estado protéico (8).

Pré-albumina

É uma proteína de transporte de hormônios tireoideanos que existe na circulação, formando um complexo com a proteína transportadora de retinol (7,8,17). Tem uma vida média de 2 a 3 dias (7,8,17), porém estudos não mostraram vantagem sobre a albumina (7), sendo considerada por outros autores como não confiável como índice de estado nutricional (8).

Índice Creatinina-Altura

Trata-se de método para avaliar a massa muscular corpórea baseando-se no fato de que 98% da creatinina está localizada nos músculos (17).

É calculado a partir da dosagem da creatinina na urina de 24 horas, a qual deve ser rigorosamente coletada, impossibilitando seu uso em pacientes com insuficiência renal ou em uso de diuréticos, como na falência cardíaca ou hepática (8,17,49).

A dependência de uma coleta de urina acurada e completa, e a exigência de dieta desprovida de carne, podem dificultar a realização deste exame na prática clínica (49).

Balanço Nitrogenado

Permite monitorizar a adequação de terapia nutricional (17), avaliando o grau de equilíbrio entre a ingestão e a excreção urinária de nitrogênio (7,17). Quando a ingestão é suficiente para cobrir as perdas, obtém-se um balanço positivo (e.g. fase anabólica sucessiva a um evento catabólico, crescimento, atletas). Se, ao contrário, as perdas superam as introduções, verifica-se balanço negativo (e.g. trauma, sepse, queimaduras, fístulas etc.) (17). Pelas dificuldades técnicas, sua precisão somente se viabiliza em pacientes internados em unidades metabólicas (17).

Colesterol Sérico

A hipocolesterolemia (abaixo de 150mg/dl) tem sido estudada como índice prognóstico em desnutrição, com detecção de aumento da mortalidade e tempo de permanência hospitalar (8,17). Níveis aumentados de colesterol são fator de risco para doença coronariana (28).

Índices Múltiplos

Vários índices com múltiplos parâmetros foram criados na literatura com o objetivo de aumentar a sensibilidade e especificidade no diagnóstico de alterações do estado nutricional (7). São conhecidos como índices prognósticos pela capacidade de tentar prever as complicações associadas à nutrição, porém podem também ser usados como instrumentos diagnósticos (7,17,18). Os mais conhecidos são (7,17,18,47):

Índice prognóstico nutricional (PNI): proposto pelo grupo de Mullen da Universidade da Pensilvânia (58). Utilizaram a seguinte fórmula: PNI (% risco) = 158 – (16,6 x ALB) – (0,78 x PCT) – (0,2 x TRS) – (5,8 x DCH); onde: ALB = albumina sérica (g/dl); PCT = prega cutânea do tríceps em mm; TRS = transferrina sérica (mg/dl); DCH = hipersensibilidade cutânea retardada (0 = reatividade nula; 1 = diâmetro do ponto < 5mm; 2 = diâmetro do ponto > 5mm). São considerados de baixo risco os pacientes com PNI <40%; de risco intermediário aqueles com PNI entre 40% e 50%, e de alto risco os que apresentem PNI > 50%. A crítica a este índice está em utilizar dois parâmetros que não são independentes um do outro (ALB e TRS) (17);

Índice prognóstico hospitalar (HPI): proposto pelo grupo de Blackburn e cols. (48), utilizando a seguinte fórmula: HPI = (0,91 x ALB) – (1 x DCH) – (1,44 x SEP) + (0,98 x Dx) – 1,09; onde: DCH = hipersensibilidade cutânea retardada (grau 1 = resposta positiva a um ou mais antígenos; grau 2 = resposta negativa a todos os antígenos); SEP = sepse (1 = presente; 2 = ausente); Dx = diagnóstico (1 = presença de neoplasia; 2 = ausência de neoplasia);

Avaliação nutricional instantânea (INA): proposta por Seltzer e cols. (45) ao avaliar retrospectivamente 500 internações consecutivas. Utiliza a dosagem de albumina < 3,5g/dl e o número de linfócitos totais < 1.500mm3;

Índice sugestivo de desnutrição (ISD): proposto por Waitzberg (30), visando a obtenção de índice de fácil utilização na prática clínica, combinando variáveis laboratoriais e antropométricas. O ISD é calculado pela somatória dos valores ponderais conferidos a sete parâmetros nutricionais aferidos, considerando-se como desnutrido o paciente cujo resultado da somatória for igual ou maior que três (17). As variáveis utilizadas e respectivos pontos de corte são apresentados na tabela 3;

Índice de Risco Nutricional (IRN): proposto por Buzby e cols. (58). No seu cálculo utilizaram a seguinte equação: IRN = (1,489 x albumina sérica, g/l) + 41,7 x (peso atual/peso usual). Permite a seguinte classificação: a) não-desnutrido, IRN > 100; b) desnutrição leve, IRN de 97,5 a 100; c) desnutrição moderada, IRN de 83,5 a 97,4; d) desnutrição grave, IRN abaixo de 83,5. O peso usual foi definido como o peso estável seis meses antes da admissão hospitalar (61).

Vários autores enfatizam a ausência de padrão-ouro para diagnóstico de desnutrição (2,21,31, 43,53,57,60). Smith & Mullen (7) opinam que o melhor método é a maneira organizada de abordagem multifatorial, utilizando os seguintes critérios: história, exame físico, peso, CMB, PCT e proteínas séricas. Jeejeebhoy e cols. (2) afirmam que, quando o diagnóstico de desnutrição é feito pela presença de um único parâmetro, 22% da população normal poderia ser classificada como anormal e 80% dos pacientes hospitalizados seria erroneamente classificado como desnutridos. Afirmam que este diagnóstico deve se basear em pelo menos três critérios (2).

Impedância Bioelétrica

É um método rápido, não-invasivo e relativamente barato para avaliar a composição corporal (17). Este método utiliza a passagem de uma corrente elétrica de baixo nível através do corpo do paciente e a impedância (Z), ou oposição ao fluxo da corrente, é medida (16,20). Mede a massa magra (livre de gordura) pelas diferenças de condutibilidade elétrica, sendo considerada uma técnica ainda pouco utilizada, mas atrativa para uso em pacientes hospitalizados e inquéritos populacionais (18).

Aspectos Peculiares do Idoso

O idoso (60 ou mais anos) (5) apresenta peculiaridades relacionadas com o processo de envelhecimento, como: a) redução progressiva da altura, de um a dois cm por década; b) ganho progressivo de peso e IMC até em torno de 65 a 70 anos, diminuindo a partir de então; c) alterações da composição corporal, com redistribuição de gordura, que diminui a nível periférico e aumenta no interior do abdome, e redução da massa magra (5,13,62). Alguns autores consideram que a desnutrição pode ser difícil de distinguir das alterações resultantes do processo natural do envelhecimento (62,63), porém se não for detectada, pode resultar em agravamento de condições clínicas e aumento da mortalidade (62).

A população idosa é particularmente propensa a problemas nutricionais devido a fatores relacionados com as alterações fisiológicas e sociais, ocorrência de doença crônica, uso de várias medicações, problemas na alimentação (comprometendo a mastigação e deglutição), depressão e alterações da mobilidade com dependência funcional (62,64,65).

Perda de peso involuntária, redução do apetite e caquexia são comuns na população geriátrica (66,67). Anorexia é a principal causa de desnutrição no idoso, de etiologia multifatorial, que engloba doença sistêmica, iatrogenia e fatores psicossociais (67,68). Os receptores gustativos e olfativos têm sua função diminuída com o envelhecimento, comprometendo a qualidade estimulante do apetite contida nos alimentos (68). Também se observa lentificação do esvaziamento gástrico, com o aumento da saciedade (estado que se segue a uma refeição no qual a fome encontra-se inibida) e da saciação (processo de regulação que ocorre durante a alimentação, que inibe a ingestão de mais alimento) (68). Estas alterações decorrentes do processo fisiológico de envelhecimento comprometem a ingestão de nutrientes, podendo levar à desnutrição (68).

Muitos pesquisadores, durante os últimos 25 anos do século passado, tentaram desenvolver instrumentos válidos para identificar os idosos desnutridos ou em risco aumentado de complicações relacionadas ao estado nutricional (63,69), porém observa-se na literatura pertinente uma falta de consenso em relação aos critérios diagnósticos de desnutrição, inexistindo um padrão-ouro (63,69-71).

Além do mais, aspectos peculiares relacionados ao envelhecimento obrigam a avaliação mais profunda, com análise de fatores de risco (67,70).

A saúde bucal deve ser observada, pois a perda dos dentes e outras afecções da cavidade oral causando dor e dificuldade para mastigar e deglutir estão associadas com desnutrição (65,72). Esta avaliação se reveste de importância, pois medidas preventivas e procedimentos odontológicos simples podem resolver o problema (72), além do que a habilidade de mastigar comida eficientemente, não influencia a capacidade de digestão com as dietas modernas (73).

Outro aspecto relevante na avaliação do idoso compreende verificação do nível funcional através da quantificação das atividades da vida diária (básicas e instrumentais), permitindo a classificação funcional: a) I, fisicamente incapaz ou dependente; b) II, fisicamente frágil; c) III, fisicamente independente; d) IV, fisicamente apto/ativo; e) V, atleta (74,75). Dependência para comer encontra-se relacionada com aumento da mortalidade (67). O nível de independência funcional é um forte preditor de complicações (76).

A antropometria de idosos apresenta peculiaridades, como: a) possibilidade de estimar o peso utilizando fórmulas que aplicam variáveis antropométricas, quando o mesmo não pode ser medido: peso (homens) = (0,98 x CP) + (1,16 x altura do joelho) + (1,73 x CB) + (0,37 x prega subescapular) – 81,69; peso (mulheres) = (1,27 x CP) + (0,87 x altura do joelho) + (0,98 x CB) + (0,4 x prega subescapular) – 62,35; b) estimar a altura utilizando a medida da altura do joelho aplicada a fórmulas e a altura em posição sentada; c) a circunferência da panturrilha (CP) é considerada a medida mais sensível de massa muscular no idoso, sendo superior à circunferência do braço (CB) (5,13).

A Avaliação Subjetiva Global (ASG) tem sido utilizada na população geriátrica, sendo considerada um instrumento útil na avaliação do estado nutricional em idosos (63,69).

Vários instrumentos têm sido desenvolvidos em uma tentativa de identificar os idosos desnutridos ou em risco nutricional.

The Nutrition Screening Initiative (NSI) é um questionário de dez perguntas auto-aplicável, desenvolvido para ser utilizado na atenção primária à saúde com o objetivo de despertar a consciência sobre problemas nutricionais, porém tem se mostrado de eficiência limitada, não sendo capaz de predizer mortalidade (62,70).

A Miniavaliação Nutricional (MAN) foi desenvolvida para avaliar o risco de desnutrição em idosos e identificar aqueles que possam se beneficiar de intervenção precoce (77). A versão original é composta por 18 itens que englobam antropometria, avaliação dietética, avaliação clínica global e autopercepção de saúde e estado nutricional (quadro 1), podendo ser utilizado tanto para triagem como para avaliação, e deve ser aplicado por profissional de saúde (62,69). Vários estudos têm validado a MAN, mostrando que é capaz de predizer o aumento do tempo de internação, a alta para asilos e mortalidade (62,69,71,78).

Porém, a maioria dos autores considera como padrão-ouro as medidas antropométricas e exames laboratoriais (linfócitos totais, albumina, colesterol sérico, hemoglobina e transferrina) (67,69,72,79,80).

Métodos Não Convencionais

Com a evolução dos conhecimentos sobre composição corporal, a tentativa de organização dos vários métodos de pesquisa desenvolvidos na área resultou na criação de um modelo em cinco níveis: I – Atômico; II – Molecular; III – Celular; IV – Sistema tecidual; V – Todo o corpo (5).

Os métodos não-convencionais são citados a seguir (9,18):

Provas funcionais: a) para avaliar função muscular: têm sido usadas em pesquisas com resultados promissores (81); b) a imunidade celular: através de testes de hipersensibilidade cutânea retardada;

Densitometria computadorizada, analisando as diferentes densidades dos compartimentos corpóreos;

Hidrodensitometria ou pesagem hidrostática: pesar o indivíduo embaixo d'água;

Isótopos marcados pela medição da água corporal total;

Análise da ativação de nêutrons in vivo: através do bombardeamento de nêutrons;

Ressonância magnética: pela análise de imagens de alta resolução.

Na tabela 4, são apresentadas as bases técnicas que fundamentam cada um deles, e, na tabela 5, as principais vantagens e desvantagens dos métodos não-convencionais.

SITUAÇÃO NUTRICIONAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

No Brasil, ao contrário do que se observa nos Estados Unidos e em alguns países europeus, a realização de inquéritos populacionais de representatividade nacional não ocorre de forma sistemática (82), de forma que os dados disponíveis referem-se aos resultados de duas pesquisas com representatividade nacional sobre o perfil nutricional da população brasileira (83-85):

Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF), realizado em 1974–1975 pelo IBGE com assessoria da FAO, com o objetivo de caracterizar as condições de saúde, o estado nutricional e a estrutura socioeconômica das famílias. A amostra atingiu 55.000 famílias;

Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), realizada em 1989 pelo IBGE conveniado com o INAN e o IPEA, com os mesmos objetivos do ENDEF, atingindo 14.000 famílias.

A PNSN foi desenhada para ser representativa de toda a população brasileira. Entretanto, ocorreu a limitação de não ser representativa de alguns grupos com risco expressivo de desnutrição: internos em instituições, habitantes do Norte rural, os índios e a população de rua (85).

Mais recentemente, realizou-se a Pesquisa sobre Padrão de Vida (PPV), realizada em 1997 pelo IBGE, porém somente nas regiões Nordeste e Sudeste (86).

Vários autores (33,37,83-85) fizeram comparações entre o estado nutricional de adultos avaliado pelos ENDEF e PNSN.

Coitinho e cols. (83) consideraram adultos indivíduos com 18 anos ou mais. O critério utilizado foi o índice de massa corporal (IMC) com os seguintes pontos de corte: a) baixo peso, IMC < 20,0; b) normal, IMC de 20,0 a 24,99; c) sobrepeso, IMC de 25,0 a 29,99; d) obesidade, IMC > 30,0. Nas amostras, encontraram 15,9% de baixo peso, distribuído de forma semelhante para os dois sexos: 15,4% para homens e 16,5% para mulheres. O problema afetou principalmente idosos com renda domiciliar per capita menor que meio salário mínimo, atingindo mais de 25%, em comparação com cerca de 10% de idosos, cuja renda excedeu dois salários mínimos per capita. A maior prevalência de baixo peso foi encontrada no Nordeste com 20% e a menor, na região Sul com 10%.

Em outra parte da população estudada (83), 24,6% apresentaram sobrepeso e 8,3% obesidade. O excesso de peso afetou proporcionalmente mais mulheres (38%) que homens (27%). Em geral, observou-se que, quanto maior a renda, maior a prevalência de graus variados de excesso de peso. Contudo, este problema se mostrou também grave entre as pessoas de baixa renda, com prevalência de 16% para homens e de 30% para mulheres. Em todas as regiões o problema de excesso de peso foi considerado grave. A situação mais crítica foi na região Sul, com 34% em homens e 43% em mulheres. Neste estudo, foi observado que a situação nutricional de adultos mudou muito nos 15 anos entre uma pesquisa e outra (83), com redução de 36% na prevalência de baixo peso e o grande aumento da prevalência de excesso de peso: 100% de aumento para homens e 70% de aumento para mulheres, com redução do número de indivíduos antropometricamente normais.

Monteiro e cols. (34) consideraram adultos indivíduos com idades entre 25 e 64 anos. Na falta de critério universalmente aceito, adotaram como distribuição de referência para o IMC a distribuição encontrada na população americana entre 20 a 29 anos, estimada pela pesquisa denominada National Health and Nutrition Survey II 1976–1980 (NHANES II) (34). Consideraram como tendo magreza os indivíduos que apresentassem valores de IMC inferiores ao percentil 5 da referência (homens com IMC < 19,4; mulheres com IMC < 17,9). Encontraram prevalência de 10,9% de magreza em homens na zona rural e 6,8% na zona urbana e em 5,0% das mulheres na zona rural e 2,6% na zona urbana. Estudo comparativo entre os inquéritos de 1974 e de 1989 revelou declínio pronunciado e generalizado na proporção de indivíduos com baixo índice de massa corporal (34).

Em outro estudo, Monteiro e cols. (33) realizaram um estudo comparativo entre o ENDEF e PNSN, considerando desnutrição e obesidade. Adultos foram considerados os indivíduos na faixa etária entre 25 e 64 anos. O IMC foi o critério utilizado para classificação, sendo considerados desnutridos aqueles que apresentassem IMC < 18,5 e obesos IMC > 30,0. Os autores observaram que a prevalência de adultos desnutridos reduziu substancialmente, mas a de obesidade dobrou. Ocorreu inversão da razão entre desnutrição e obesidade: em 1974, a desnutrição excedia a obesidade em uma vez e meia, enquanto em 1989 a obesidade excedeu a desnutrição em mais de duas vezes. Este fato mostrou que, no Brasil, o problema da escassez tem sido rapidamente substituído pelo problema do excesso alimentar, que ocorreu em todos os estratos econômicos com aumento proporcional mais elevado nas famílias de baixa renda. A este fenômeno denomina-se transição nutricional (33).

Segundo dados mais recentes obtidos pela PPV, a prevalência de obesidade na população masculina aumentou nas duas regiões estudadas, sendo o aumento bem maior na região Nordeste que na Sudeste (86). Um achado peculiar desta pesquisa foi o declínio da obesidade observado entre as mulheres da região Sudeste do maior quartil de renda (82). A queda foi de 13,2% em 1999 para 8,2% em 1997, fato ainda não observado em nenhum país em desenvolvimento (86).

Conforme a World Health Organization, o crescente aumento da prevalência da obesidade se caracteriza como uma pandemia global, constituindo-se em grave problema para o âmbito da Saúde Pública (6). Dados relacionados com sobrepeso e obesidade demonstram que um terço da população adulta em vários países apresenta este problema (87).

Outro aspecto importante levantado pelos inquéritos populacionais, foi a diferença entre peso e altura dos brasileiros, observada nas diferentes regiões (88).

As tabelas de peso e altura mais atuais foram elaboradas a partir dos dados coletados pela Pesquisa de Padrões de Vida, PPV (89).

A altura é um dos indicadores que permite avaliar o estado nutricional da população em suas diversas faixas etárias (89). Os diferenciais da altura ocorrem em situações variadas de condições de vida. Assim sendo, estatura mais elevada significa, entre outros fatores, alimentação rica em proteínas e sais minerais e, de outra parte, condições sanitárias mais adequadas (11). A PPV (89) demonstra a altura mediana na faixa etária de um a 26 anos e o IMC a partir de 20 anos. Estes dados, comparados com a PNSN (83,90), revelam um crescimento de dois centímetros em todas as idades. A região Sudeste apresentou as alturas medianas superiores em todas as idades. A altura 8cm mais elevada de homens na zona urbana comparados aos da zona rural foi observada (89).

Nas tabelas de altura de um a 26 anos (90), com dados obtidos da PNSN, é possível citar como exemplo que a mediana das alturas de homens de 25 anos na região Sul é de 171,6cm, na região Nordeste é de 167,9cm e na região Norte é de 165,0cm.

A estatura reduzida e o baixo peso corporal seriam indicativos de ocorrência de desnutrição nos períodos iniciais do ciclo vital (88). Mais importante ainda, um dos aspectos mais comprometedores da desnutrição se refere à diminuição da capacidade mental (88).

Anjos (29) relata que os dados da PNSN confirmam o fato de que, mesmo no segmento da população de melhores condições de renda, a mediana da estatura dos adultos brasileiros não alcança a estatura de populações do Primeiro Mundo.

Entretanto, apesar das diferenças regionais, Monteiro e cols. (35) constataram tendência positiva secular de crescimento. A referida tendência é contínua desde a década de 50 do século XX, mas tem se acelerado mais recentemente; esteve presente em todas as regiões do país e em todos os estratos da população. Ressaltaram, porém, a larga distância que separa o padrão de crescimento observado nas regiões Norte e Nordeste, no terço mais pobre da população, do padrão esperado quando são apropriadas as condições de vida.

CONCLUSÕES

A avaliação do estado nutricional, de grande importância na prática clínica, não dispõe de padrão-ouro para diagnóstico das desordens nutricionais. O melhor método depende dos objetivos da avaliação. Desta forma, em estudos populacionais, a OMS preconiza a utilização do IMC. Já em pacientes hospitalizados com a possibilidade de realizar exames laboratoriais, a utilização de índices múltiplos permite detectar desnutrição subclínica. Com a finalidade de pesquisa, os métodos não-convencionais desempenham papel importante, mas têm custo elevado para realização rotineira. A ASG é um bom instrumento para ser utilizado em triagem. O idoso apresenta aspectos peculiares que obrigam a realização de avaliação mais complexa com análise de fatores de risco, como determinação do nível funcional, avaliação da saúde bucal e investigação sobre depressão. Vários instrumentos foram desenvolvidos para avaliar o estado nutricional de idosos, dentre eles, a Miniavaliação Nutricional (MAN) merece destaque, pois engloba antropometria, avaliação dietética, avaliação clínica global e autopercepção de saúde e estado nutricional.

Os inquéritos populacionais realizados no Brasil encontraram uma prevalência de baixo peso em torno de 15,0%, distribuído de forma semelhante para os dois sexos. O problema afetou principalmente idosos com renda domiciliar per capita menor que meio salário mínimo, atingindo mais de 25%, em comparação com cerca de 10% de idosos cuja renda excedeu dois salários mínimos per capita. A prevalência de sobrepeso foi de aproximadamente 25,0% e de obesidade foi de 8,3%, demonstrando que o problema da escassez tem sido rapidamente substituído pelo excesso alimentar, fenômeno denominado transição nutricional. Segundo a World Health Organization, o crescente aumento da prevalência da obesidade se caracteriza como uma pandemia global, também observada no Brasil.

  • Endereço para correspondência

    Kátia Acuña

    Caixa Postal 152, Correio Central

    69908-970 Rio Branco, AC

    e.mail:

  • Recebido em 04/07/03

    Revisado em 08/12/03 e 04/03/04

    Aceito em 10/03/04

    Endereço para correspondência Kátia Acuña Caixa Postal 152, Correio Central 69908-970 Rio Branco, AC e.mail:

    Quais as ferramentas para avaliação nutricional?

    Existem várias ferramentas de triagem nutricional vali- dadas e reconhecidas internacionalmente6,7; entre elas: Nutritional Risk Screening (NRS), Malnutrition Screening Tool (MST), Mini Nutrition Assessment Short Form (MNA- SF), Malnutrition Universal Screening Tool (MUST) e Short Nutritional Assessment Questionnaire ( ...

    Quais ferramentas podem ser utilizadas na prática clínica para avaliar o estado nutricional de um indivíduo?

    Diversos métodos de triagem estão disponíveis na literatura, mas os mais utilizados na prática clínica são a Triagem de Risco Nutricional (NRS-2002), a Mini-Avaliação Nutricional (MAN) e a Avaliação Subjetiva Global (ASG).

    Quais são os instrumentos necessários para estabelecer um diagnóstico do estado nutricional?

    Métodos Convencionais Exame físico para detectar deficiências nutricionais específicas (1,10,11,13); Antropometria: peso; altura; combinações de altura e peso; medidas de dobras ou pregas cutâneas; circunferências; comprimento de segmentos; largura óssea; compleição (5,10,13-16);

    Quais são as avaliações nutricionais?

    Para avaliação nutricional de adultos, considera-se medidas antropométricas, exame físico e bioquímico e avaliação dietética, sendo a antropometria uma medida de suma importância para identificar o estado nutricional desses indivíduos.