Os autores agradecem Leonor Bertone pela revisão da tradução. Show
1Uma das marcas da atenção que Élisée Reclus deu, durante toda deu a sua vida, à América do Sul é o artigo que ele publicou na Revue des Deux Mondes,15 de dezembro de 1867, intitulado “Guerra do Paraguai”. 2Quando Élisée Reclus escreveu este artigo, a situação militar desta guerra, que opôs Paraguai à “Tríplice Aliança” (Argentina, Brasil, Uruguai) estava bloqueada e ele explica aos leitores franceses a situação estranha na qual se encontravam os beligerantes. Ele analisa as dissensões na Tríplice Aliança, a força do Paraguai e a fraqueza do Brasil. Ao reler o texto fica claro a posição de Reclus que vê no Paraguai uma espécie de reencarnação da França revolucionária em guerra contra a totalidade a Europa dos reis. Ele vê no Brasil um espelho tropical do Império de Napoleão III, que o condenou ao exílio, sendo este um prisma que enviesa um tanto a sua análise. Todavia, seria obviamente injusto e ridículo criticar Reclus por conta de erros em suas previsões sobre o desfecho da guerra, que era então muito incerto, quando – ao contrário – pode-se admirar e ressaltar a precisão de suas análises geopolíticas sobre a situação das potências envolvidas. 3Na introdução do artigo tem-se logo uma excelente análise da situação, embora Reclus esclareça que tenha apenas “a informação que dão sobre o Paraguai nos jornais deste país e de poucos estrangeiros que conseguiram cruzar as linhas militares” (pp. 955-956). Deixa claramente ver aonde vão as suas simpatias, em favor do Paraguai e contra “o império escravagista” do Brasil, para o qual ele previu dificuldades financeiras e crise política:
4“Há mais de um ano, estávamos falando aqui da guerra sem fim que desencadeou o arrogante ultimato mandado pelo Brasil ao Governo de Montevidéu no dia 18 de maio de 18641. Desde a terrível batalha de Tuyuti, a mais letífera de todas aquelas que derramaram sangue no solo da América do Sul, a situação dos beligerantes não se modificou e o grande Império brasileiro permanece impotente frente ao pequeno Paraguai, cuja população mal é igual à de dois departamentos franceses. Apesar dos boletins de vitória que o telégrafo nunca deixa de transmitir na chegada de navios transoceânicos, os imperiais e a os argentinos, seus aliados, apenas conquistaram pântanos onde eles estabeleceram o seu acampamento, ao passo que Lopez e os seus soldados não abandonaram o enorme território que arrancaram da província de Mato Grosso. 5Em vão o Brasil obstina-se contra a pequena república; já perdeu mais de 40 000 homens e foi forçado a armar escravos; ele gastou mais de 600 milhões de francos e agora deve recorrer ao expediente fatal do papel-moeda; depois de quarenta anos de aparente prosperidade, o jovem império que se deu o nome de gigante da América do Sul está entrando em um período de crise formidável e ameaçadora até para o futuro das suas instituições políticas e sociais. Sua existência como unidade nacional está em perigo, e não é impossível que, após a guerra atual, a restauração do equilíbrio nos estados do continente se faça à custa do império escravagista. Por isso, é importante estudar cuidadosamente e expor claramente os principais acontecimentos de uma guerra cujas consequências podem ser graves ” (pp. 934-935). Uma situação militar travada6Quando Élisée Reclus escrevia a situação militar era estranha e provavelmente única: a frota de alto mar brasileira estava trancada em um trecho de rio, entre duas fortalezas paraguaias. Este foi o resultado – inesperado – do plano de batalha das forças da Tríplice Aliança, após o fracasso de sua ofensiva terrestre:
Figura 1 Mapa das operações militares 7Para implementar este plano, os Aliados tinham tentado um desafio ousado:
8No início, a tentativa de tomar os fortes de Curuzú e Curupaiti, nas margens do Paraná, foi um sucesso, mas foi, porém, dispendiosa em termos de perdas humanas:
9Mas foi pelo menos uma vitória naval? É o que disseram então - e ainda dizem - fontes brasileiras:
10Esta não é a opinião de Élisée Reclus, que vê em vez disso um impasse naval:
Figura 3 As operações navais e terrestres no rio Paraná 11De acordo com esta análise, portanto, seria o Paraguai que teria ganho esta batalha por aprisionar a frota brasileira neste trecho do Paraná:
12E Élisée Reclus se pergunta, parecendo se deliciar:
Figura 4 Bateria paraguaia Bateria paraguaya dirigida por los comandantes Autor: Jose Ignacio Garmendia - Museo Saavedra (Arg.). Paraguay de antes, Guerra del 70 13Sua conclusão é, portanto e logicamente, uma situação de impasse militar, apesar da desproporção das forças:
14As indicações “para o Norte como no Sul” e da saída pela Bolívia indicam algumas das novas especificidades desta guerra distante Originalidade desta guerra15Observando as imagens da guerra, quadros e gravuras, mas também fotografias, então uma novidade, se percebe primeiro similaridades com outros conflitos contemporâneos, principalmente a Guerra de Secessão dos Estados Unidos (1861-1865). O traço mais óbvio são os uniformes, praticamente copiados ou talvez comprados nos estoques disponíveis com o fim da guerra (figura 5). Como os uniformes americanos tinham se inspirado de uniformes europeus aparecem no Paraguai roupas exóticas, como os chapéus dos bersaglieri italianos ou as amplas calças vermelhas dos zouaves das unidades norte-africanas do exército francês. 16Esta guerra tinha, porém, outros aspectos específicos. O primeiro é que ela ocorreu muito longe das bases dos Aliados, porque depois da primeira tentativa dos paraguaios de levar a guerra em território brasileiro, as operações se restringiram rapidamente no seu território, e quando Reclus escreve “mais de 40.000 homens estavam acampados nas florestas e nos pântanos do Paraguai, a 3 000 quilômetros de navegação de Rio de Janeiro” (p. 942). Isso para quem tinha sido transportado por barco via o Rio de la Plata, as tropas brasileiras enviadas para abrir uma segunda frente no Norte tiveram mais dificuldade ainda para chegar no campo de batalha, a pé, e levaram um ano para chegar no local:
17Embora as operações fossem concentradas principalmente no rio, a guerra ocorria, por conseguinte, em um vasto território, e o Paraguai, privado da sua principal via de acesso, estava usando um caminho tortuoso para obter suprimentos, pela Bolívia, “a estrada pavimentada pela primeira vez em 1865 entre Paraguai e Bolívia, via Corumbá e Santa Cruz de la Sierra, está cada vez mais frequentada por caravanas” (p. 956). 18A guerra, nesta fase das operações, tinha se tornado principalmente uma questão de logística:
19Juntamente com a história das batalhas, Reclus, portanto, tem o cuidado de descrever uma guerra de logística, menos gloriosa, mas crucial para o futuro, e não esconde os piores aspectos do conflito, como o sofrimento dos feridos e dos doentes. Os horrores da guerra20Como na maioria das guerras empreendidas até então – ai incluindo as guerras de Napoleão na Europa – muitas das mortes não eram causadas pelos combates, mas pelas doenças que atacavam os soldados acampados em precárias condições de higiene:
21De fato, as consequências da epidemia foram, sem dúvida, exacerbadas pela negligência dos Aliados, que não tomavam as precauções que, por exemplo, os exércitos europeus tiveram de aprender depois de muitos desastres sanitários. Mais uma vez a inexperiência dos beligerantes tem um aspecto positivo, porque mostra que o continente teve menos guerras do que o Velho Mundo – se pagava caro:
22Esta epidemia contribuiu para o isolamento dos combatentes e, certamente, para a impopularidade da guerra, novamente por descuido das autoridades militares:
23A menção de hospitais de campanha mostra que um esforço tinha sido feito, mas devemos lembrar que, até na Europa foi apenas após a Guerra da Criméia (1853-1856), graças à ação determinada de Florença Nightingale, que foram organizados serviços médicos um pouco mais eficientes. Mesmo para os feridos que escapavam da cólera, a falta de medicamentos eficazes (sulfamidas foram disponíveis apenas durante a Segunda Guerra Mundial e antibióticos depois dela) era a causa principal dessa terrível mortalidade, junto com a ignorância da medicina sobre a importância da assepsia. A assistência aos feridos se resumia praticamente a amputar membros esmagados por balas ou fragmentos de bombas, a aplicar curativos nas feridas, esperando que a gangrena não se alojasse nelas. Figura 6 Atendimento aos feridos El practicante Carlos Faba, del cuerpo médico, atiende a los oficiales de la legión militar Sebastián Casares y Julio Muzzio, heridos en combate. La Guerra del Paraguay p.96/6 - Miguel Angel de Marco - Editorial Planeta Argentina SAIC 1998). Paraguay de antes, Guerra del 70, http://www.meucat.com/main.php?LOJA=album&SCR=1280 24Outro fator agravou o sofrimento dos soldados aliados pois os paraguaios incapazes de expulsá-los de seus territórios praticaram uma política de terra arrasada:
25E, claro, eles também recorreram ao recurso clássico dos povos cujo território é invadido, a guerrilha, para usar o termo usado desde a Guerra Civil Espanhola, onde outro povo hispânico infernizou a vida das tropas de um império vizinho. Reclus observa claramente o fenômeno, provavelmente lembrando o precedente das Guerras da Vendée, onde cercas vivas e estradas tortuosas foram usadas para frear o avanço do inimigo.
26Ele observa, porém, que outros inimigos podem aparecer:
27Uma caricatura paraguaia, da época, leva ainda mais longe a lógica da resistência ao afirmar que os brasileiros pensavam que “não é de estranhar que os paraguaios nos batam, uma vez que até os animais selvagens declararam guerra à nossa bonita esquadra” (Figura 7). Figura 7 Até os animais selvagens resistem El Centinela - 20 de Junio 1867 - No es estraño que los Paraguayos nos den carrera de baqueta, pues tambien los animales selvaticos han declarado la guerra á nuestra bien ponderada escuadra. Paraguay de antes, Guerra del 70, http://www.meucat.com/main.php?LOJA=album&SCR=1280 Dissensões na Tríplice Aliança28As dificuldades dos Aliados, de acordo com Reclus, não se resumiam aos assuntos militares, às análises sobre as operações e sobre seus fundos estratégicos, ele detecta também falhas significativas na Aliança, começando pelos conflitos militares. Algumas delas estavam relacionadas com as rivalidades inerentes a qualquer coalizão, e a história está cheia, e ainda hoje, de exemplos neste campo, desde as guerras da Grécia antiga até as do Afeganistão:
29Os problemas, no entanto, foram piores do que o habitual, uma vez que “Qualquer ação conjunta entre os líderes aliados se tinha tornado impossível: a frota se recusou a cooperar com as forças terrestres; imperiais e argentinos se rejeitavam mutuamente a culpa de cada desastre” (p. 938). As tensões foram naturalmente agravadas pelos reveses sofridos pelos Aliados, com graves consequências políticas:
30Essas falhas foram bem exploradas pelo Presidente do Paraguai, que tentou, sem sucesso, usar a solidariedade das repúblicas de língua espanhola, em uma reunião com o general argentino:
31Um dos elementos de tensão apontados por Élisée Reclus é que os argentinos e uruguaios eram, ao contrário dos brasileiros, beneficiários da guerra:
32Essas tensões não afloraram durante a guerra e Reclus observou que “apesar do ódio entre os dois povos e dos rancores surdos que se acumulam entre os dois governos de Rio de Janeiro e de Buenos Ayres o Tratado de Aliança permanece”, mas ele prevê que poderiam ressurgir ou até mesmo levar à guerra (951 p.):
33Este não foi o caso, pelo menos não abertamente, mas Reclus não hesita em falar de “ódio”, e observou que a opinião expressa nos jornais era menos favorável para a Aliança que os governos:
34Afloram aqui os medos recorrentes de países de língua espanhola frente ao imperialismo brasileiro ... Figura 8 Realidades da Aliança El Centinela - 24 de Octubre 1867. Paraguay de antes, Guerra del 70, http://www.meucat.com/main.php?LOJA=album&SCR=1280 35Em comparação com as dissensões dos Aliados, o Paraguai – de acordo com Élisée Reclus - está, ao invés, em uma situação bastante confortável, que lhe permite encarar o futuro com otimismo “desde que o exército da república tenha alimentos, roupas e armas, ele pode resistir indefinidamente a todas as forças do Brasil, porque recebe ordenado e não requer nenhum” (p. 957). 36Em termos de armas o país não tem preocupações, uma vez que as produz em abundância, graças à sua mobilização e à ajuda de técnicos estrangeiros:
37A mobilização geral não afeta apenas os homens, as mulheres também desempenham um papel crucial, alimentar a população:
38O seu papel, no entanto, não se limita a comida, elas também galvanizam o entusiasmo dos combatentes:
39Levado por seu entusiasmo pela causa do Paraguai, Reclus chega a exaltar a ação das damas da alta sociedade (o que pode surpreender o leitor a um sorriso, para um anarquista elas não são entre os seus grupos sociais favoritos) e a nobre resposta do Marechal López, outro herói improvável:
Figura 10 As mulheres da alta sociedade oferecem as suas joias En ofrenda del bello sexo del Paraguay de todas sus joyas y alhajas para la defensa de la Patria. Asunción, 8 de Setiembre de 1867. El Centinela - 12 de Setiembre 1867, Paraguay de antes, Guerra del 70, http://www.meucat.com/main.php?LOJA=album&SCR=1280 A memória da Revolução Francesa40Esta indulgência para com o Paraguai tem provavelmente a sua fonte – é a nossa hipótese – na assimilação que Élisée Reclus faz provavelmente entre o Paraguai e a França revolucionária, atacada por todos os poderes do Antigo Regime que a rodeavam e que não somente resistiu aos seus ataques, mas levou a guerra aos seus territórios e derrubou muitos reis e príncipes. Sente-se que ele sonha que a República do Paraguai possa fazer o mesmo com o Império do Brasil... A assimilação começa com uma observação sobre o “entusiasmo nacional” que deve animar o Paraguai, que “prova” que ele não é uma ditadura:
41O paralelo continua com a menção ao “bloqueio”, que faz parte do vocabulário usado para referir-se à França submetida ao “bloqueio continental” imposto pela Marinha britânica e que, como Paraguai, teve que encontrar nos recursos do seu solo o que ela não podia mais importar (incluindo a açúcar de beterraba, em substituição da cana-de-açúcar das Índias Ocidentais: “Além disso, o bloqueio no Paraná obrigou o Paraguai a gerar novas indústrias” (p 956). 42Aqui é difícil não pensar no precedente francês do “levante em massa” da Revolução, que chamou os cidadãos às armas, e os enviou em batalhões formados para a fronteira. Neste caso, em agosto 1792 um exército de 150 000 prussianos e também de austríacos tinham entrado na França, sendo o início das operações militares catastrófico, pois o inimigo tomou Longwy e Verdun, abrindo a estrada para Paris. Mas as tropas francesas vieram de Sedan e Metz, fizeram a sua junção na Champagne e, no dia 20 de setembro, pararam a invasão estrangeira no planalto de Valmy, que ficou como o símbolo da força da Revolução. Figura 11 Batalha de Valmy, 20 de setembro 1792, por Horace Vernet http://www.histoire-image.org/pleincadre/index.php?i=1058 43Esta guerra deixou uma marca duradoura na memória nacional francesa graças às canções patrióticas dos voluntários do Exército no Reno (o simétrico fluvial do Paraná), que cantavam no batalhão vindo de Marselha e que se tornou o hino nacional francês, a Marselhesa. 44Desse entusiasmo positivo é muito fácil passar à antipatia que os paraguaios tinham pelos brasileiros, vistos como o inimigo hereditário:
45A menção da “raça Português” lembra a do “sangue impuro” dos invasores na Marselhesa. Este tipo de deslize ocorreu também no Paraguai, cercado por inimigos poderosos como evidenciado pelas figuras 11 e 12 mas provavelmente Reclus nem era ciente deles. Figura 12 Os três macacos, o Imperador, Tamandaré e Polidoro El Centinela, 1867, Paraguay de antes, Guerra del 70 http://www.meucat.com/main.php?LOJA=album&SCR=1280 Figura 13 Como caçar os Negros Así se cazan los negros Cabichuí n°34, 1867 Fraqueza do Brasil46Élisée Reclus, implicitamente compara o Paraguai com a França revolucionária, e faz uma ilação ao comparar o Império brasileiro ao Segundo Império Francês, ao qual ele tem boas razões de odiar uma vez que ele foi exilado por ter se rebelado, como muitos republicanos, contra o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte, em dezembro de 1851. Depois de ficar por um tempo em Londres e na Irlanda viveu na Louisiana e na Nova Granada (hoje Colômbia) antes de retornar a Paris, enfraquecido por febres tropicais. 47Essa hostilidade ao regime aparece ao longo do texto, primeiro pelo fato de que ele chama, na maioria das vezes, o Brasil como “o Império” (a palavra é repetida uma dúzia de vezes, geralmente ligada a adjetivos depreciativos “escravagista”, “empobrecido”), raramente elogiosos (“grande”, “poderoso” – mas muitas vezes para enfatizar a desproporção com o Paraguai – e raramente neutros (“jovem”). Da mesma forma os brasileiros se tornam “os Imperiais”, a guerra foi desencadeada por seu “ultimato arrogante”, etc. Reclus opina “Deve-se os olhos para a evidência e reconhecer que o primeiro a cansar desta guerra sem fim foi o poderoso império e não a imperceptível república” (p. 950) e “o peso da guerra cai quase inteiramente sobre o Brasil, não é de estranhar que já mostre sinais de uma grande fadiga” (p. 961). Figura 14 Soldados brasileiros ajoelham-se ante a estátua de Nossa Senhora da Conceição Procissão em 30 de maio de 1868, autor desconhecido Salles, Ricardo. Guerra do Paraguai: memórias & imagens. Rio de Janeiro, Edições Biblioteca Nacional, 2003 (p.117), http://olapaazul.com/tag/hino-nacional/ 48Para explicar essa fadiga, o peso da guerra que ameaça o Império, ele sugere várias razões. Em primeiro lugar, o fraco apoio da população brasileira naquela guerra distante
49Na verdade, a guerra despertou interesse apenas no início, quando se alistaram em massa os “ Voluntários da Pátria” (um nome que foi dado àruas em todo o Brasil), e no final, para os desfiles da vitória. Figura 15 Desfile da vitória, março de 1870 Desfile militar em 1° de março de 1870, depois da vitória sobre a Guerra do Paraguai, Ângelo Agostini. Bolsa do Rio XXI, 2000 50A segunda razão é financeira, a guerra custa muito caro e ameaça seriamente as finanças do país:
51Mas o principal problema não é esse, mas o recrutamento forçado que teve de ser utilizado para compensar o declínio do número de voluntários desde que a guerra se arrastava:
52Pior, era necessário incorporar os escravos no exército para reconstituir os batalhões após as batalhas sangrentas do início da campanha:
Figura 16 Liberação de escravos para a guerra Patriotismo do senhor de escravos, Semana Illustrada, 11 de novembro de 1866. http://confrariadospoetasdejaguarao.blogspot.com.br/ 53E para muitos deles – pelo menos aqueles que sobreviveram – o retorno da guerra foi difícil, eles obviamente não desejavam voltar para a fazenda (Figura 17) e os seus abusos. Muitos deles se estabeleceram no final da guerra no Rio de Janeiro, ocupando o Morro da Favela, cujo nome tornou-se sinônimo de moradia precária. Figura 17 A difícil volta dos escravos após a guerra Ricardo Salles, Guerra do Paraguai, Memórias e imagens, Biblioteca nacional 2003 54Para este recrutamento tinha sido necessário que o governo desse o exemplo e forçasse um pouco a mão dos donos de escravos, relutantes em doar para a defesa da Pátria:
55In fine, Reclus reconhece a eficácia militar destas medidas, mas sublinha o seu custo moral e político:
Pronósticos56Com base nestas análises – e das suas óbvias simpatias e antipatias – Reclus arrisca prognósticos, dos quais alguns mais tarde se revelaram errados. Todavia criticar Reclus que escreve no calor do momento é fácil quando se tem a grande vantagem sobre ele de saber o fim da história. Outros foram não apenas justos, mas quase proféticos. Se pode sorrir ao ler a pergunta ”Depois de ter sido por um longo período a glória e a esperança do Brasil [a sua frota] será destinada a transportar um dia para o Rio de Janeiro a bandeira do Paraguai? “ (p. 948). A idéia parece estranha hoje, mas devemos lembrar a marcha triunfal dos exércitos franceses em toda a Europa após Valmy para entender o que Reclus imagina quando ele escreve:
57Parece que ele tinha em mente o destino de reis e príncipes que acreditavam triunfar facilmente dos exércitos de plebeus da Convenção. Outra hipótese plausível que não foi confirmada, a de uma vitória de Pirro brasileira, paga por uma ocupação cara e a revolta de todos os vizinhos de língua espanhola:
58Na verdade Paraguai terminou a guerra tão esgotado que não foi necessário ocupá-lo e as nações vizinhas preferiram compartilhar seus despojos com o Brasil a se rebelar contra ele. Mas era impossível prever em 1867, quando os Aliados estavam em tão lamentável situação. 59Curiosamente, Reclus antecipa – mesmo julgando a sua realização improvável, mas com o cuidado de uma fórmula conclusiva prudente – o movimento pelo qual os Aliados prevaleceram no ano seguinte, tomando Humaitá:
60O resto da guerra, depois da queda de Humaitá e de Assunção, que a seguiu, consistiu principalmente em perseguir o Marechal Lopez, que tinha fugido, e foi conduzido pelo Conde d'Eu, genro do imperador (e filho do ex-rei da França Louis-Philippe), que é visto na figura 18 cercado por oficiais brasileiros. Figura 18 O conde d'Eu, genro do Imperador, no Paraguai Fotógrafo Dietze, Albert Richard (Auge da atividade em 1869), http://en.wikipedia.org/wiki/File:Conde_d_Eu_visconde_do_rio_branco_1870.jpg 61Mas esta imagem, que parece ser o triunfo do regime e da dinastia, de fato anuncia – como sabemos a posteriori – a queda próxima. Porque, se a conduta da guerra não seguiu exatamente o curso previsto por Reclus, no longo prazo ele esteve totalmente certo, antecipando desenvolvimentos que ocorreriam mais de vinte anos mais tarde. Enquanto o problema parecia militar, reunir tropas suficientes para preencher as lacunas e tomar a ofensiva, ele presentiu que a solução encontrada para resolver esta dificuldade tática seria a perda estratégica do regime imperial brasileiro:
62Na verdade, a emancipação dos escravos como soldados abriu uma brecha em um dos principais pilares de poder econômico e político e do sistema, e era legítimo – e clarividente – perguntar:
63Assim, a mudança do sistema escravista e imperial que Reclus vê além das escaramuças no Paraná, além dos horrores de uma guerra malconduzida, e o futuro que ele vê tomando forma – com otimismo, com voluntarismo – é aquele que se realizou em 1888-1889, com a queda do Império que seguiu a abolição da escravatura:
Figura 20 Queda do Império e proclamação da República Benedito Calixto Benedito Calixto (1853–1927), Pinacoteca Municipal de São Paulo https://en.wikipedia.org/wiki/File:Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_by_Benedito_Calixto_1893.jpg
64Foram precisamente os oficiais do exército forjado pela Guerra do Paraguai, nas dificuldades de uma campanha mal iniciada, que acabou por derrubar o Império e instalar uma república pouco democrática, todavia mais de acordo com as idéias registradas na bandeira nacional com o lema, inspirado por Auguste Comte, ”Ordem e Progresso“2. Conclusão65Cento e quarenta e cinco anos depois do fim do conflito, quais os traços que ele deixou? No Brasil a sua memória é pouco visível, embora tenha sido o único conflito armado em que o país participou fora das suas fronteiras, além do envio de um contingente equipado e controlado pelos Estados Unidos, à Segunda Guerra Mundial (na frente italiana). Algumas ruas foram nomeadas ”Voluntários da Pátria“ em homenagem aos combatentes brasileiros nesta guerra, e um monumento erguido em Florianópolis, em 1877. No Rio de Janeiro o Centro de formação dos soldados da Polícia militar é denominado de Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças 31º de Voluntários. Uma igreja de Salvador e um município amazônico, nas margens do Madeira, bem longe do Paraná, foram batizados Humaitá. 66No Paraguai, a tragédia que foi a derrota contra os aliados e principalmente as enormes perdas da guerra são sempre lembradas como a principal causa de atraso no desenvolvimento, semelhante ao que foi para a Bolívia perda de acesso ao mar durante a Guerra do Pacífico. No centro da cidade de Assunção, o Panteão do Heróis abriga os restos mortais do marechal Solano Lopez e recebe todos os anos uma homenagem solene. A guerra também ajudou a ancorar no Paraguai uma desconfiança significativa contra os brasileiros, que ainda se manifestou contra os brasiguaios (brasileiros estabelecidos no Paraguai), e também nas negociações difíceis para o aumento do preço da eletricidade de Itaipu, vendidos ao Brasil. Figura 21 Lembranças da guerra De esquerda para a direita e de cima para baixo: Placa de homenagem aos voluntários catarinenses em Florianópolis. Igreja de Humaitá, Salvador, BA. Troféu de guerra devolvido pelo Brasil ao Paraguai. Humaitá, cidade fluvial no Amazonas. H.Théry 2011. http://noitevsdia.blogspot.com.br/2010_04_01_archive.html. http://www.forte.jor.br/2010/03/07/brasil-devolvera-ao-paraguai-enorme-trofeu-de-guerra/. H.Théry 2005. 67Dentre os traços que este conflito deixou, visualizamos no campo das relações diplomáticas na América do Sul, no final do século XIX, e ainda no âmbito do texto de Reclus, o pensamento de um outro intelectual argentino com quem Reclus se relacionava, Juan Bautista Alberdi, autor em 1864 de um livreto em francês,“Projet de reconstruction dynastique et territoriale de l’Empire du Brésil”, no folheto El Crimen de guerra (1869). Os questionamentos de Reclus e de Alberdi coincidem sobre a desconfiança que ambos têm em relação ao Império do Brasil, e principalmente também sobre a ideia de que um Estado procede de um povo, não o inverso. O Brasil, espacialmente desintegrado e cuja população é heterogênea, não parece à Reclus ser uma nação, ao contrário do povo paraguaio, que tem a unidade “Hispano-Guarani”. Para os intelectuais progressistas que foram Alberdi e Reclus, é a partir dessas unidades nacionais pré-existentes que seriam construídas os Estados, não o inverso. Mas essa guerra teve precisamente o efeito de inverter a ordem dos fatores, fazendo-a um poderoso instrumento simbólico da integração nacional em volta do Estado, autoritário. Além dos prognósticos sobre um conflito incerto, esses autores em seus textos ilustram duas visões da relação entre o Estado, a Nação e o Território que até então se opunham na América do Sul Quais foram as consequências da guerra do Paraguai e do Brasil?No caso do Brasil, a guerra ocasionou a morte de 50 mil pessoas e colocou fim às disputas fronteiriças entre os dois países (vencedor, o Brasil ficou com as terras). No entanto, a guerra foi um desastre para a economia brasileira, uma vez que o governo gastou a quantia de 614 mil contos de réis|2|.
Quais foram os efeitos da Guerra do Paraguai?As maiores consequências da Guerra do Paraguai certamente foram as mortes nos quatro países envolvidos no conflito. O Paraguai perdeu uma grande parte da sua população, especialmente entre os homens. A tríplice aliança também viu morrer boa parte de seus jovens combatentes.
Qual foi a consequência econômica da Guerra do Paraguai para o Brasil?O Brasil saiu prejudicado no aspecto financeiro, uma vez que a guerra foi a causadora do aumento da dívida externa e da consequente dependência econômica de países europeus, como a Inglaterra. O exército brasileiro passou por um processo de modernização e fortalecimento após a Guerra do Paraguai.
Qual foi o efeito da Guerra do Paraguai para o exército brasileiro?No caso brasileiro, a guerra contribuiu para o fortalecimento do exército como instituição e para o enfraquecimento do sistema político monárquico, que passou a ser questionado. Além disso, economicamente, a guerra foi desastrosa para o Brasil.
|