Quais os dois principais mecanismos responsáveis pela geração de escoamento superficial?

Escoamento superficial é um componente do ciclo hidrológico que pode ser definido como a água proveniente da precipitação que cai e escoa sobre a superfície da terra até alcançar os córregos. Quando a bacia está vegetada a precipitação sofre interceptação pela vegetação, chega mais lentamente ao solo e tende a infiltrar com mais facilidade, produzindo pouca quantidade de escoamento superficial. Quando a bacia está urbanizada, com o solo impermeável ou com a permeabilidade reduzida e com redução de áreas vegetadas, a maior parte da precipitação gera escoamento superficial devido à baixa permeabilidade do solo e ausência de interceptação.

Dois processos podem gerar escoamento superficial. O escoamento superficial excedente da infiltração, descrito primeiramente por Horton (1933, 1945) é gerado quando a intensidade da chuva excede a taxa de infiltração da água no solo. O segundo processo é o escoamento por excedente de saturação no qual ocorre quando a precipitação cai sobre a superfície com solos saturados e escoa. O escoamento produzido é originado tanto pela precipitação sobre o solo saturado quanto pela exfiltração de água do solo, sendo esse tipo de escoamento verificado em campo por Dunne e Black (1970).

O escoamento superficial excedente da infiltração é formado a partir da interação da intensidade da chuva com a permeabilidade do solo. Quando a intensidade da chuva está acima da capacidade de infiltração do solo, ou quando em eventos chuvosos de longa duração a capacidade de infiltração do solo se reduz a taxas abaixo da intensidade da chuva o escoamento superficial do tipo hortoniano ocorre. Assim, solos menos permeáveis da bacia, onde o terreno foi alterado, como as superfícies de áreas urbanas e áreas agrícolas, bem como regiões áridas onde a densidade de vegetação é baixa, são os mais propícios a contribuir com o escoamento superficial hortoniano.

O escoamento por saturação é formado sobretudo por mecanismos de concentração topográfica ao longo de vertentes. A água infiltrada na parte superior da vertente flui declive abaixo e descarrega na parte de baixo da vertente. O solo se torna saturado em sua camada inferior a partir da (1) presença de camada impermeável que causa o desenvolvimento de aquífero suspenso, que pode alcançar gradualmente a superfície; (2) aumento da franja capilar até a superfície do solo; ou (3) devido à presença permanente do aquífero próximo ou na superfície do solo.

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O primeiro estudo a encontrar algumas evidências da existência de escoamento superficial por saturação do solo foi desenvolvido por (Hewlett 1961), com o título “umidade do solo como fonte de fluxo de base de bacias hidrográficas com montanhas íngremes”. Nesse estudo o autor verificou que a umidade de declive acima recarregou continuamente a área de armazenamento declive abaixo, alimentando o lençol freático superficial.

Outro estudo que contribuiu para o entendimento das áreas produtoras de escoamento superficial em uma bacia foi o de Betson (1964) que verificou que as áreas produtoras de escoamento superficial em uma bacia hidrográfica varia com a intensidade da chuva e com a umidade remanescente no solo, alterando assim o tamanho da área contribuinte de uma bacia hidrográfica. Betson (1964) denominou estas áreas como “áreas parciais de escoamento”, nas quais o escoamento superficial por excedente de infiltração ocorre somente nas áreas mais baixas das vertentes, podendo ser ampliada de acordo com a intensidade do evento chuvoso. Quando Betson desenvolveu esse conceito, sua análise havia sido baseada unicamente na noção de escoamento superficial hortoniano.

Posteriormente, Hewlett e Hibbert (1967) desenvolvendo estudos para a separação do hidrograma em escoamento superficial, escoamento subsuperficial e escoamento de base, argumentaram ser mais lógico assumir que, em uma área florestada, o fluxo é essencialmente subsuperficial. Os autores verificaram a importância das áreas saturadas e do escoamento subsuperficial no comportamento de hidrogramas, constatando que os fatores que afetam a formação das drenagens variam espacialmente, no caso das características da bacia, e temporalmente, no caso da intensidade da chuva. Assim, devido à interação entre esses fatores, os locais onde as drenagens se formam iriam variar, constituindo “áreas variáveis de afluência” - AVA (variable source area).

Weyman (1970) ao estudar o efeito do fluxo subsuperficial no hidrograma do córrego verificou que em uma camada impermeável sob um solo bem desenvolvido o escoamento subsuperficial é o processo de transmissão da água que efetivamente contribui para a vazão no córrego. Nesse caso há o aparecimento de uma “cunha” de água na zona de transição entre horizontes com valores diferentes de transmissividade. Para o autor a resposta rápida na descarga da vazão da chuva no córrego seria resultante do aumento rápido da saída do fluxo subsuperficial em vertentes com solos saturados. E a resposta atrasada na descarga da vazão da chuva no córrego e consequente fluxo de base seriam ambos produzidos por

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estágios na drenagem lenta não saturada de todo o declive, um processo que é suficiente para manter o fluxo do córrego durante o ano todo.

O trabalho de Dunne e Black (1970) demonstrou que a teoria de Horton (1933, 1945) era inadequada para explicar o escoamento direto de bacias nas quais a capacidade de infiltração do solo é superior à intensidade da precipitação. Os autores verificaram que nesses casos a geração de escoamento superficial ocorre através da água que infiltra no solo e eleva o nível freático até à superfície do solo. Tal situação ocorre somente em certas condições topográficas como vertentes côncavas com fundos de vale plano. Nesses locais o escoamento é produzido através da precipitação sobre as áreas saturadas, sem que a intensidade de precipitação fosse maior que a capacidade de infiltração, como também pela contribuição do escoamento de retorno (Santos 2009).

As propostas de mecanismos de geração de escoamento superficial desenvolvidos por Horton (1933, 1945), Hewlett (1961), Betson (1964), Weyman (1970) e Dunne e Black (1970), ilustrados na Figura 3.11, consolidaram o conhecimento de que o escoamento superficial por saturação é produzido somente em uma pequena parte da bacia hidrográfica, cujo tamanho da área de saturação e localização da rede de drenagem dependem de fatores como o fluxo subsuperficial, a chuva e as condições iniciais de umidade do solo. A partir desse entendimento originou-se o conceito de “Áreas variáveis de afluência” (AVA), primeiramente mencionado em Hewlett e Hibbert (1967).

As AVA são áreas em uma bacia hidrográfica mais propensas à geração de escoamento superficial por saturação. Seu tamanho varia sazonalmente tendendo a se expandir em épocas chuvosas e contrair em épocas secas, dependendo da quantidade e intensidade da precipitação. A dinâmica das áreas variáveis de afluência em relação aos diferentes tempos do hidrograma, é exemplificada na Figura 3.12. Observa-se que com o início do evento chuvoso as regiões próximas às cabeceiras dos córregos começam a atingir o estado de saturação do solo (t1). Em t2 há formação de canais intermitentes contíguos aos córregos. Em t3, no momento de pico do hidrograma, a bacia atinge o estado máximo de saturação.

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Figura 3.11 - Principais mecanismos de geração de escoamento superficial. Fonte: adaptado de Beven (1986) apud Mendiondo e Tucci (1997)

Figura 3.12 - Dinâmica das áreas variáveis de afluência em relação ao hidrograma. Fonte: Chorley (1978) apud Siefert (2012).

Dunne (1978) ao pesquisar sobre quais fatores naturais influenciam os mecanismos de geração de escoamento superficial propôs um modelo representando a ocorrência de vários processos de escoamento superficial em relação aos seus principais fatores de controle (Figura 3.13). De acordo com esse autor os mecanismos de geração de escoamento

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superficial variam com a topografia, o tipo de solo e as características da chuva e indiretamente com o clima, vegetação e uso do solo. Ele conclui que os diversos modelos de escoamento superficial são complementares, sendo o escoamento hortoniano mais comum em regiões áridas e semiáridas, ou em áreas onde a vegetação e estrutura do solo foi destruída.

Anderson e Burt (1978) pesquisando o controle da topografia sobre o fluxo subsuperficial e o hidrograma verificaram que as áreas contribuintes para o escoamento superficial por saturação são determinadas pela interação entre topografia e condições de umidade do solo. Não obstante, O’Loughlin, (1981), ao estudar o processo de saturação do solo em vertentes, verificou que o tamanho das AVA é altamente dependente da convergência ou divergência topográfica da vertente.

Figura 3.13 - Processos de escoamento em vertentes e condicionantes principais. Fonte: Dunne (1978) apud Santos (2009). Ks=Condutividade hidráulica saturada.

Para Knighton (2014), as principais diferenças existentes entre os tipos de escoamento superficial estão relacionados ao tipo de chuva, infiltração, distribuição temporal e espacial

e variação do volume durante o escoamento, conforme descrito na

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Tabela 3.5 – Principais diferenças entre tipos de escoamento superficial. Fonte: (Knighton 2014).

Característica Escoamento Superficial Hortoniano

Escoamento Superficial por saturação

Chuva Fortemente relacionado a

intensidade da chuva

Mais dependente da chuva Infiltração Capacidade de infiltração da

superficie de importância crítica.

Transmissibilidade dos solos das camadas mais baixas mais importante

Distribuição:

Temporal Começa logo após a tempestade, quando a intensidade da chuva e o conteudo de umudade do solo está alto o suficiente

Começas somente quando as camadas de solo sob a superfície estão saturadas

Espacial (i) meio ambiente

Areas semi-áridas com vegetação esparsa e solos rasos

Áreas úmidas com bom desenvolvimento de solo e vegetação

(ii) local Pode ser extensivo em bacias pequenas

Limitado a zonas com saturação preferencial, frequentemente influenciada topograficamente Variação

declive abaixo

Aumento linear do volume de escoamento

Padrão mais complexo de mudança, relacionado a declividade, forma de perfil, profundidade do solo e condutividade hidráulica

Diante do conhecimento das diversas variáveis envolvidas nos mecanismos de geração de escoamento superficial é detalhado no próximo item os principais estudos desenvolvidos para identificação de áreas geradoras de escoamento superficial por saturação e a utilização desse conhecimento na redução das fontes de poluição difusa de bacias hidrográficas.

ÁREAS HIDROLOGICAMENTE SENSÍVEIS E ÁREAS CRÍTICAS DE

Quais são os fatores que influenciam o escoamento superficial?

Diversos autores (BERTOL et al., 1989; SILVA et al., 2001; TUCCI, 2002) descrevem os fatores que influenciam o escoamento superficial, como fatores climáticos (intensidade da chuva, duração da chuva, chuva antecedente) e fatores fisiográficos (área da bacia, forma da bacia, permeabilidade do solo, topografia).

Quais os métodos de estimativa do escoamento superficial?

Os métodos de estimativa do escoamento superficial podem ser divididos em quatro grupos: Medição do Nível de Água (mais preciso; requer vários postos fluviométricos); Modelo Chuva-Vazão; Fórmulas Empíricas (baixa precisão).

O que aumenta o escoamento superficial?

Na medida em que uma bacia vai sendo urbanizada, também vai ocorrendo o aumento do escoamento superficial. Como resultado do aumento da impermeabilização, uma maior parcela da precipitação se transforma em escoamento na bacia e com isso aumenta o valor do coeficiente de escoamento superficial (C).

Como ocorre o escoamento superficial em áreas urbanas?

O escoamento superficial urbano está presente na maioria das cidades brasileiras. Trata-se de um problema proveniente das precipitações que atingem áreas de infiltração limitadas ou áreas impermeáveis.