Não há dados estatísticos. Biografia do AutorTalita Zanferari, Universidade do Oeste de Santa CatarinaGraduada em Psicologia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) Chapecó, SC, em 2013. Especialização Lato Sensu em Gestão de Recursos Humanos (Unoesc - Chapecó). Mestranda do Programa de Pós Graduação Scricto Sensu - Mestrado Acadêmico em Educação da UNOESC. Membro da Rede IberoAmericana de Estudos e Pesquisas em Políticas e Processos de Educação Superior - Unoesc/Unicamp. Estudante pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas de Educação Superior da Região Sul - GEPPES Sul- Unicamp/Unoesc. Pesquisadora da Linha de Investigação Educação, Políticas Públicas e Cidadania do PPGEd. Trabalha com temas relacionados a Educação Superior, Políticas de Educação Superior; Universidade e Formação de Professores. Atua na Unoesc Xanxerê como Psicóloga Técnica do Serviço de Atendimento Psicológico (SAP). E-mail: Como CitarZANFERARI, T. Influência dos organismos internacionais nas políticas educacionais: só há intervenção quando há consentimento?. Revista Internacional de Educação Superior, Campinas, SP, v. 2, n. 3, p. 587–590, 2016. DOI: 10.22348/riesup.v2i3.7685. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/riesup/article/view/8650569. Acesso em: 29 out. 2022. LicençaA Revista Internacional de Educação Superior utiliza a licença do Creative Commons (CC), preservando assim, a integridade dos artigos em ambiente de acesso aberto. RESUMOO presente artigo objetiva analisar como as narrativas de organismos internacionais sobre a educação superior e sua avaliação foram absorvidas no Brasil com a aprovação do SINAES. A análise foi feita em três seções: a primeira, analisa os documentos de organismos internacionais publicados, desde 1987, procurando destacar a concepção sobre educação superior e avaliação; a segunda, discute os diferentes ciclos de avaliação da educação superior no Brasil até o surgimento e modificações do SINAES; a terceira, evidencia o alinhamento do SINAES às diretrizes dos organismos internacionais com a incorporação de princípios e medidas relativas à estruturação da educação superior e sua avaliação. O artigo conclui que as mudanças incorporadas ao SINAES, a partir de 2017, acabaram por conferir à educação um tratamento de mercadoria em detrimento da sua condição de direito. PALAVRAS-CHAVE RESUMENEste artículo tiene como objetivo analizar cómo las narrativas de organismos internacionales sobre la educación superior y su evaluación fueron absorbidas en Brasil con la aprobación del SINAES. El análisis se realizó en tres apartados: el primero, analiza los documentos de organismos internacionales publicados, desde 1987, buscando resaltar el concepto de educación superior y evaluación; el segundo, discute los diferentes ciclos de evaluación de la educación superior en Brasil hasta el surgimiento y modificaciones del SINAES; el tercero muestra el alineamiento del SINAES con los lineamientos de los organismos internacionales con la incorporación de principios y medidas relacionados con la estructuración de la educación superior y su evaluación. El artículo concluye que los cambios incorporados al SINAES, a partir de 2017, terminaron por darle a la educación un tratamiento de las mercancías en detrimento de su carácter de derecho. PALABRAS CLAVE ABSTRACTThis article aims to analyze how the narratives of international organizations about higher education and its evaluation were absorbed in Brazil with the approval of SINAES. The analysis was made in three sections: the first, analyzes the documents of published international organizations, since 1987, seeking to highlight the concept of higher education and evaluation; the second, discusses the different cycles of evaluation of higher education in Brazil until the emergence and modifications of SINAES; the third shows the alignment of SINAES with the guidelines of international organizations with the incorporation of principles and measures related to the structuring of higher education and its evaluation. The article concludes that the changes incorporated into SINAES, starting in 2017, ended up giving education a treatment of merchandise to the detriment of its right status. KEYWORDS INTRODUÇÃOCom o fim da bipolarização mundial nos últimos momentos da década de 1980, passaram a ser propostas, em escala global, soluções de ordem gerencial para o campo da administração pública, consignadas no Consenso de Washington. As características mais essenciais dessa guinada foram duas vertentes de um mesmo movimento: o encerramento de monopólios estatais e a inclusão da iniciativa privada na cadeia de atividades dos serviços públicos, ampliando a influência do mercado sobre o atendimento dos interesses da coletividade (Bresser-Pereira, 1991BRESSER-PEREIRA, L. C. A crise da América Latina: Consenso de Washington ou Crise Fiscal? Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 3-23, 1991.). Nesse contexto, organismos internacionais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), o Banco Mundial (BM), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) categorizam, em diversos documentos, a educação como uma mercadoria (serviço) que estaria sujeito às regras comerciais da OMC, essencial à internacionalização da educação superior. Com essa compreensão, a avaliação da educação superior passa a ser objeto de diretrizes difundidas no cenário internacional e que passam a ser acolhidas por diversos países, especialmente aqueles em desenvolvimento, visto que o ambiente interno dos Estados é o destino das diretrizes elaboradas pelos organismos internacionais. Estes passam a relacionar, na reestruturação dos seus sistemas educacionais, a capacidade de financiamento do Estado à qualidade dos processos de avaliação. O Brasil, acompanhando o movimento mundial de implantação do modelo neoliberal de Estado, inspirado por uma perspectiva gerencial baseada na avaliação das atividades e desempenho na prestação dos serviços públicos, passa a incorporar as orientações emanadas desses organismos internacionais de modo progressivo, inclusive na avaliação da
educação superior em nível de graduação, especialmente pela Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES e dá outras providências. Brasil, 2004. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.861.htm . Acesso em: 15 mar.
2018. Assim, a avaliação entendida sob esse ponto de vista de acolhimento dos encaminhamentos
internacionais foca em critérios de caráter objetivo e aferíveis quantitativamente, como a titulação do corpo docente, sua produção acadêmica, seu regime de trabalho, bem como o rendimento do corpo discente em exames externos promovidos por agentes estatais ou seus delegados, além de empregabilidade, aproximação do mercado, estrutura física, dentre outros elementos (Petrillo, Tomazeti Neto e Damasceno, 2014PETRILLO, G. L. C.; TOMAZETI NETO, H.; DAMASCENO, J. P.
T. Influências do regime internacional para a educação na normatização do sistema de ensino superior brasileiro. In: SEMANA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA: INTERFACES DA CIÊNCIA POLÍTICA, São Carlos, 1., 2014. Anais [...]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2014. Disponível em: Disponível em:
http://www.semacip.ufscar.br/wp-content/uploads/2014/12/Influ%C3%AAncias-do-Regime-Internacional-para-a-educa%C3%A7%C3%A3o-na-normatiza%C3%A7%C3%A3o-do-sistema-de-ensino-superior-brasileiro.pdf . Acesso em: 29 mar. 2018. Esse fenômeno gera, dentre outros, dois efeitos negativos importantes:
Esses dois efeitos acabam por embotar, na educação superior, o aprofundamento na diversidade das suas dimensões filosófica, imprescindível para a adequada formação da pessoa, e política, elemento necessário para a formação de cidadãos conscientes. Isso, em razão do foco excessivo em uma dimensão técnica, de formação profissional, orientada fundamentalmente pelas necessidades mercadológicas, como se a resposta ao mundo produtivo fosse o propósito filosófico, político e técnico mais relevante da formação superior. Nos últimos anos, cronologicamente associada à publicação de várias diretrizes dos organismos internacionais para a educação superior, percebeu-se uma acentuada mudança no SINAES com alterações normativas tanto na dimensão dos decretos presidenciais e das portarias regulamentares como da instrumentalização do sistema, tendo ficado de fora das alterações apenas a dimensão legal. Essas alterações tiveram implicações diretas na forma como a educação é concebida e, por conseguinte, o seu processo avaliativo. Em face disso, é pertinente investigar como as recomendações dos organismos internacionais se materializaram na mudança do SINAES - na forma de diretrizes relativas aos seus critérios e sistemática de avaliação e de que modo as mudanças contribuíram para a mercantilização da educação superior. O artigo está estruturado, além desta Introdução, da seguinte forma: inicialmente, abordou-se de modo sistêmico as diretrizes oriundas dos organismos internacionais com foco na avaliação da educação superior; em segundo lugar, discutiu-se a evolução da normativa brasileira de avaliação da educação superior para evidenciar o sentido das mudanças ocorridas ao longo do tempo; em terceiro, analisou-se o alinhamento do SINAES com as diretrizes internacionais; e, em último lugar, teceram-se considerações sobre os efeitos desse alinhamento sobre a consolidação da educação como mercadoria em detrimento de sua condição de direito e sobre a política pública de avaliação da educação superior brasileira. A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NAS NARRATIVAS DE ORGANISMOS INTERNACIONAISInaugurando a discussão sobre a avaliação da educação superior, a OCDE propõe a discussão sistêmica da educação superior em escala internacional no livro Universities under scrutiny, desenvolvido sob os auspícios de William Taylor para a OCDE em 1987 (Taylor, 1987TAYLOR, W. Universities under scrutiny. Paris: OCDE, 1987.). O primeiro elemento discutido é a “crise” das universidades nos países membros da OCDE, introduzindo na discussão da educação superior elementos como a empregabilidade. Já no segundo capítulo, apresentam-se missões e agenda para as universidades, em 10 papéis e funções, a exemplo do ensino, das bolsas e da pesquisa. A identificação dos elementos de crise aponta um caminho em direção à flexibilização de iniciativas sob a responsabilidade do Estado na regulação da educação superior. A educação superior é vista sob uma perspectiva essencialmente econômica, voltada à formação profissional em detrimento das dimensões filosófica e política. Isso indica que a OCDE concebe a educação como engrenagem do processo produtivo e, portanto, mercadoria, em detrimento da perspectiva da educação como um direito (bem acessível por meio da oferta de serviço público gratuito), fato que não é de se estranhar diante do propósito desse organismo internacional (Rizvi e Lingard, 2012RIZVI, F.; LINGARD, B. A OCDE e as mudanças globais nas políticas de educação. In: COWEN, R.; KAZAMIAS, A. M.; ULTERHALTER, E. (org.). Educação comparada: panorama internacional e perspectivas. Brasília: UNESCO/CAPES, 2012. v. 1. p. 531-555.). Endossando a narrativa da OCDE, o BM lança o documento Higher education: the lessons of experience (1994). O documento apresenta critérios para futuros empréstimos, traduzidos em condicionamento do resultado direcionado ao crescimento ou desenvolvimento econômico. Esse documento, resultado de uma análise de 1992, concluía que os empréstimos realizados pelo organismo haviam sido mais bem sucedidos em situações nas quais os projetos de investimento desenvolveram iniciativas de intervenção em subsetores produtivos, em um sentido utilitário. Ao final, essa visão se consolida com o registro de que o organismo tem providenciado financiamento para as instituições de educação superior (IES) em uma base de competitividade, como já fazia à época em diversos países, dentre eles o Brasil (World Bank, 1994WORLD BANK. Higher education: the lessons of experience. Washington, D.C.: World Bank, 1994.). Em 2000, o BM publica o documento Higher education in developing countries: peril and promise. Mesmo argumentando sobre a importância da educação superior para o fortalecimento da gestão e a redução da pobreza nesses países, não avança para as dimensões de ordem filosófica e política na discussão da avaliação da educação superior. O interesse público na educação superior é atribuído ao efeito que o incremento dos anos de educação provoca no aumento dos salários em geral e ao acréscimo de produtividade que ele provoca em uma sociedade nacional, na perspectiva macroeconômica (World Bank, 2000WORLD BANK. Higher education in developing countries: peril and promise., 2000.). Já em 2003, o documento Constructing knowledge societies: new challenges for tertiary education ressalta o apoio que o BM dá às iniciativas de educação superior desde 1963, fazendo especial referência ao apoio que conferiu aos esforços de vários países para empreender reformas na educação terciária. A mudança da expressão de referência nos documentos do BM de “educação superior” para “educação terciária” está alinhada à mercantilização do setor da educação superior, pois a atuação do organismo nesse setor tem dois eixos norteadores, quais sejam: diferenciação institucional e diversificação de fontes de financiamento (World Bank, 2003WORLD BANK. Constructing knowledge societies: new challenges for tertiary education. Washington, D.C.: World Bank, 2003.). Nesse sentido, para acomodar especialmente o primeiro dos eixos, é necessária uma nova expressão
que permita a concepção de IES de um modo descolado da concepção das universidades, fortemente atreladas à ideia da oferta da educação superior como um direito. Assim, o BM atua no sentido de influenciar a mercantilização do setor a partir de três dimensões: financiamento, avaliação e relações público-privadas (Mota Júnior, 2019MOTA JÚNIOR, W. P. O Banco Mundial e a contrarreforma da educação superior brasileira no governo Lula da Silva (2003-2010). Avaliação,
Sorocaba, v. 24, n. 1, p. 213-233, 2019. https://doi.org/10.1590/S1414-407720190001000012 Surge, então, a preocupação de novos mecanismos de garantia da qualidade no mercado global com menor foco nos elementos tradicionais, a exemplo da qualificação do corpo docente e dos critérios de seleção de discentes, e maior nas competências e habilidades técnico-profissionalizantes adquiridas pelos egressos durante o processo formativo. Assim, fica clara a exortação aos Estados para atuação no sentido de estabelecerem um sistema de avaliação de fim regulatório verticalizado que dê conta da diversificação institucional - acolhendo órgãos menos custosos alternativos às universidades - e de um sistema de financiamento também verticalizado que dê conta da alegada necessidade de diversificação de fontes de recursos - criando programas estatais de financiamento ou articulando aportes financeiros para diferentes situações (World Bank, 2003WORLD BANK. Constructing knowledge societies: new challenges for tertiary education. Washington, D.C.: World Bank, 2003.). A criação da OMC, em 1994, está articulada com esse movimento do BM tanto do ponto de vista cronológico quanto do ponto de vista do conteúdo. Nesse novo cenário comercial multipolarizado, o
Global agreement on trade of services inclui a educação, inclusive a superior, no rol de mercadorias internacionalmente comercializáveis (Abreu, 2005ABREU, P. S. GATS - O Acordo sobre Serviços da OMC. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v. 2, n. 2, p. 502-526, 2005.
https://doi.org/10.5102/prismas.v2i2.203 Essa regulamentação se destina a estruturar e estabelecer prioridades conforme demandado pela “economia do conhecimento”, a partir de uma concepção que entende a educação primariamente como motor do crescimento econômico. Isso, especialmente em razão do impacto que a qualificação
profissional e a pesquisa têm no setor produtivo, com o potencial e perigoso efeito de transformar a educação de um direito em um mero serviço comercializável (Borges, 2009BORGES, M. C. A. A educação superior numa perspectiva comercial: a visão da Organização Mundial do Comércio. Revista Brasileira de Políticas de Administração da Educação, Goiânia, v. 25, n. 1, p. 83-91, 2009.
https://doi.org/10.21573/vol25n12009.19328 Estendendo o raciocínio sobre a questão do financiamento, a narrativa da OMC influencia a gestão das IES no sentido do acolhimento da lógica empresarial e, especialmente, de viabilizar a captação de recursos inclusive no mercado de valores e futuros, o que certamente provoca efeitos importantes na sua condução. Esse viés, por sua vez, gera uma inclinação por indicadores de avaliação de qualidade típicos da gestão empresarial produtora de mercadorias, que são insuficientes para captar a realidade complexa da gestão pública garantidora de direitos. Essa visão de mercado da OMC se articula com as visões da OCDE e do BM, ratificando fundamentos nas discussões sobre as políticas de educação superior. Mais que isso, expressões como “redução do aporte de recursos públicos”, além de “adoção de práticas empresariais” e “busca por fontes alternativas de recursos”, estão presentes nos fóruns da OCDE, do BM e da OMC. Assim, a avaliação para regulação exercida por cada Estado regulador, respaldado constitucionalmente no modelo de inspiração neoliberal, encontra fundamento no disfarce de uma suposta preocupação com a qualidade em face da proliferação das chamadas “fábricas” de diploma. Suposta porque, mais uma vez, os órgãos se dedicam a otimizar a circulação de riquezas por meio do comércio, em uma abordagem alinhada à sua natureza econômica e não à preocupação com abordagens setoriais específicas que precisam ir além dessa abordagem. A circulação e articulação das ideias relativas à educação superior entre os diferentes organismos internacionais também contempla a participação da UNESCO, de origem humanitária. Em 1995, a UNESCO publica o Strategies for change and development in higher education: policy paper on higher education, cujo conteúdo apresenta semelhanças importantes com o já mencionado documento lançado pelo BM em 1994. Identificando tendências na educação superior, trata de restrições de financiamento e de recursos e da diversificação de estruturas e formas, adicionando discussões sobre a expansão quantitativa e o desenvolvimento da internacionalização. Em seguida, insere a educação superior em um contexto de mudanças no mundo, destacando os imperativos de desenvolvimento econômico e tecnológico que demandam a relação da educação superior com o surgimento de novas estratégias. Em uma nova visão, destaca três elementos, quais sejam:
O documento se
encerra com a apresentação de um “roteiro da UNESCO” para a educação superior composto de quatro dimensões: a ampliação do acesso e da participação, a busca por uma fonte de recursos mais ampla, o fomento à relevância/pertinência e qualidade e a expansão da cooperação internacional. O alinhamento cronológico desse documento com os do BM e da OMC, e também de conteúdo com o do BM, é difícil de passar despercebido (UNESCO, 1995UNITED NATIONS EDUCATIONAL,
SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). Strategies for change and development in higher education: policy paper on higher education. UNESCO, 1995. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ . Acesso em: 3 dez. 2017. Posteriormente, a UNESCO promoveu a Conferência Mundial sobre Educação Superior, entre 05 e 09 de outubro de 1998, tendo como um dos seus principais produtos o documento World Declaration on Higher Education for the Twenty-First Century: vision and action. Dos seus dezessete artigos, dois chamam a atenção pela similaridade com o conteúdo até aqui evidenciado:
Por meio desse documento, a UNESCO formula diversas proposições dirigidas à educação superior, articulando regulação e avaliação diretamente com a discussão da qualidade. O documento diz explicitamente que a educação superior de qualidade não pode estar dissociada da avaliação e da regulação (Polidori,
2009POLIDORI, M. M. Políticas de avaliação da educação superior brasileira: Provão, SINAES, IDD, CPC, IGC e... outros índices. Revista da Avaliação da Educação Superior, Sorocaba, v. 14, n. 2, p. 439-452, 2009. https://doi.org/10.1590/S1414-40772009000200009 Outro produto importante desse evento é o seu documento de trabalho, que identifica quatro temas centrais para o endereçamento das ações propostas pela organização para a sociedade internacional:
O próprio documento relaciona-os, respectivamente, com o atendimento das necessidades do mundo do trabalho, a avaliação interna e externa, o binômio recursos-autonomia e a atuação conjunta em um ambiente de internacionalização (UNESCO, 1999UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). Tendências da Educação Superior para o Século XXI. Brasília: UNESCO/CRUB, 1999.). Em 2009, a UNESCO promove mais uma conferência mundial sobre educação, consolidando seus encaminhamentos na World Declaration on Higher Education: the new dynamics of higher education and research for societal change and development. O primeiro aspecto que chama a atenção, na
Introdução, é a referência às diversas pressões sob as quais se encontra a educação superior na sociedade do conhecimento, no sentido de prover liberdade acadêmica, trabalho qualificado e boa governança, dentre outras exigências (UNESCO, 2009UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). World Declaration on Higher Education: the new dynamics of higher education and research for societal change and development. UNESCO, 2009.
Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000183277_eng . Acesso em: 11 ago. 2017. Desse modo, embora a UNESCO pareça se encaminhar para uma divergência dos demais órgãos em razão de sua origem humanitária e por reconhecer a educação como um bem público, o aprofundamento da análise da sua narrativa evidencia que o organismo considera a educação superior como um insumo para o mundo produtivo. Assim, ao propor a avaliação em direção à excelência, relaciona-a com a relevância e pertinência para a produção econômica, estimulando o acolhimento de organizações privadas no segmento e defendendo que o papel do Estado esteja ligado à cooperação internacional, ao financiamento em escala internacional e à regulação das organizações privadas, no mesmo sentido mercantilizador da OCDE, do BM e da OMC. Após essa sistematização, é possível perceber que há, entre os organismos internacionais, um discurso homogêneo e afinado sobre a educação superior e sobre a sua avaliação, com potencial de influenciar fortemente os diversos países, especialmente aqueles em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, dado que os Estados constituem o ambiente natural de materialização das normas internacionais. A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASILA política pública de avaliação da educação superior no Brasil pode ser classificada em ciclos sucessivos:
No primeiro ciclo de avaliação, a educação superior era concebida como serviço público, a partir do debate conduzido pelas universidades públicas para compreender como ocorreu a reforma universitária implantada pelo governo militar por meio da Lei n.º
5.540/1968BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Brasil, 1968. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5540.htm . Acesso em: 17 mar. 2018. O segundo ciclo de avaliação, curto, buscava discutir a crise nas universidades brasileiras. Nesse cenário, surge a Comissão Nacional de Avaliação,
criada pelo Ministério da Educação por meio da Portaria n.º 130, de 14 de julho de 1993BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto (MEC). Secretaria da Educação Superior. Portaria nº 130, de 14 de julho de 1993. Dispõe sobre a criação de comissão para estabelecer diretrizes e viabilizar a implementação do processo de avaliação institucional nas universidades brasileiras. Brasil, 1993. Disponível em: Disponível em:
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=73&data=15/07/1993 . Acesso em: 20 mar. 2018. Em seguida, surge o PAIUB, por meio do Decreto n.º 2.026, de 10 de outubro de 1996BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 2.026, de 10 de outubro de 1996. Estabelece procedimentos para o processo e avaliação dos cursos e instituições de ensino superior. Brasil, 1996. Disponível em: Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d2026.htm . Acesso em: 22 mar. 2018. Logo em seguida, a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 2006. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasil, 2006a. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 19 mar.
2018. Poucos meses depois, atendendo às pressões do setor privado, o Decreto n.º 2.207, de 15 de
abril de 1997BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997. Regulamenta, para o Sistema Federal de Ensino, as disposições contidas nos arts. 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Brasil, 1997. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2207.htm . Acesso em: 17 mar.
2018. Passados pouco mais de dois anos, a Lei n.º 9.870, de 23 de novembro de 1999BRASIL. Lei nº 9.870, de 23 de
novembro de 1999. Dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências. Brasil, 1999. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9870.htm . Acesso em: 19 mar. 2018. Assim, percebe-se que a reforma educacional gestada na década de 1990, no Brasil, incluída a da educação superior, é marcada por uma orientação econômica
neoliberal com a incorporação de princípios, diretrizes e arranjos organizacionais que minimizam o papel do Estado na promoção direta da educação superior e abrem espaços cada vez mais amplos para uma redefinição dos atores vinculados ao mercado educacional privado. Essa mudança é fácil de perceber, especialmente diante das matrizes de ampliação do acesso e da avaliação acolhidas pela Lei n.º 9.394/1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 2006. Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. Brasil, 2006a. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 19 mar. 2018. Alguns anos mais tarde, no intuito de qualificar e robustecer esse sistema avaliativo e regulatório, especialmente em razão do efeito de expansão das instituições privadas com a Lei n.º 9.870/1999BRASIL. Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999. Dispõe
sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências. Brasil, 1999. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9870.htm . Acesso em: 19 mar. 2018. É criado, então, o SINAES, destinado à graduação brasileira,
reunindo as ideias da avaliação institucional, oriunda do PAIUB, da avaliação de cursos, originada da avaliação das condições de ensino, e da avaliação dos discentes, materializada no “Provão”. O sistema foi regulamentado pelo Decreto n.º 5.773/2006BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de
graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Brasil, 2006b. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ . Acesso em: 19 mar. 2018. Com o objetivo de conciliar a necessidade da avaliação regulatória, em razão da forte presença das IES privadas, com a avaliação formativa/emancipatória, em nível de
política de Estado, a lei acaba por causar ambiguidade na definição do propósito da avaliação e, por consequência, dos critérios e procedimentos a serem adotados para a sua realização. A tentativa de inclusão da visão formativa e emancipatória no sistema de avaliação, contudo, já constituía um avanço em face da perspectiva regulatória exclusiva que caracterizava as iniciativas de avaliações anteriores (Haas, 2017HAAS, C. M. Educação superior no Brasil e os
condicionamentos às políticas nacionais: impactos da regulação transnacional na gestão universitária. Laplage em Revista, Sorocaba, v. 3, n. 3, p. 115-132, 2017. https://doi.org/10.24115/S2446-6220201733379p.115-132 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, nos termos da lei que o criou,
A concepção do SINAES tem como foco central a avaliação institucional, que se constitui
no processo de reflexão coletiva destinado a avaliar a instituição de forma global (Polidori, 2009POLIDORI, M. M. Políticas de avaliação da educação superior brasileira: Provão, SINAES, IDD, CPC, IGC e... outros índices. Revista da Avaliação da Educação Superior, Sorocaba, v. 14, n. 2, p. 439-452, 2009.
https://doi.org/10.1590/S1414-40772009000200009 Composto da avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes, o sistema reconhece, ao menos normativamente, a importância em assegurar que as avaliações institucionais interna e externa considerem “a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos”, “o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos”, “o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos” e “a participação do corpo discente, docente e técnico-administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representações” (Brasil, 2004). O destaque é que os resultados desse processo avaliativo, no âmbito do processo de regulação, são fatores condicionantes para o credenciamento e recredenciamento das instituições, ou seja, para a regularidade do seu funcionamento (Brasil, 2004). A lei criou, ainda, um órgão destinado a conduzir o processo de avaliação dos cursos superiores de graduação brasileiros, qual seja, a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES). A esse órgão, cujas competência foram atribuídas pela própria lei, competem as funções de coordenação e de supervisão das atividades desempenhadas no âmbito do SINAES (Brasil, 2004). Entretanto, embora não tenha sofrido nenhuma alteração na sua dimensão legal, o SINAES sofreu dezenas de
modificações nas suas dimensões regulamentar e instrumental que caminharam no sentido de acomodar os interesses das instituições privadas de educação superior, especialmente as com fins lucrativos, que passaram da inexistência nominal em 1999 - até a Lei n.º 9.870 (1999BRASIL. Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999. Dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências. Brasil, 1999. Disponível em: Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9870.htm . Acesso em: 19 mar. 2018. Essa análise evolutiva, quando comparada às narrativas dos organismos internacionais, apresentadas na seção anterior, parece caminhar em um mesmo sentido, o que demanda um esforço de reflexão para analisar o grau de influência das diretrizes dos organismos internacionais na normativa de avaliação brasileira, objeto da seção seguinte. ALINHAMENTO DO SINAES COM AS NARRATIVAS DOS ORGANISMOS INTERNACIONAISA análise do alinhamento do SINAES com as diretrizes oriundas dos organismos internacionais sobre a educação superior e sua avaliação é importante para evidenciar que, na prática, a inserção da avaliação na agenda e a formulação de soluções para o atendimento das necessidades identificadas pelos diferentes atores educacionais têm sido cada vez mais internacionalizadas. No sentido indicado pelos documentos Higher education: the lessons of experience, de 1994, do Banco Mundial, e Strategies for change and development in higher education: policy paper on higher education, de 1995, da UNESCO, ambos já mencionados, as modificações instituídas pela evolução da normativa brasileira estão alinhadas com essas diretrizes na direção do estabelecimento de uma realidade competitiva alinhada ao mercado e orientada pelo ranqueamento das instituições (Hood, 2004HOOD, C. Making sense of controls over government. In: HOOD, C.; JAMES, O.; PETERS, B. G.; SCOTT, C. (org.). Controlling modern government: variety, commonality and change. Cheltenham: Edward Elgar, 2004. p. 185-205.; Rothen, 2019ROTHEN, J. C. Uma pequena história da avaliação da educação a partir do caso brasileiro e francês. In: ROTHEN, J. C.; SANTANA, A. C. M. (org.). Avaliação da educação: referências para uma primeira conversa. São Carlos: EdUFSCar, 2019. p. 17-35.). Esse fenômeno pode ser reconhecido como regulação transnacional, que se caracteriza pela influência do conjunto de produtos dos fóruns consultivos e decisórios internacionais, a partir de compreensões originadas dos países centrais, que terminam por ser absorvidos em nível nacional, geralmente por meio do estabelecimento de programas de cooperação e desenvolvimento que acabam por ser aplicados de maneira uniforme entre os diversos países periféricos (Carneiro e Novaes, 2009CARNEIRO, B. P. B.; NOVAES, I. L. Regulação do ensino superior no contexto de contemporaneidade. In: NASCIMENTO, A. D.; HETKOWSKI, T. M. (org.). Educação e contemporaneidade: pesquisas científicas e tecnológicas. Salvador: EDUFBA, 2009. p. 91-108.). O sentido desse alinhamento que enseja a transnacionalização da educação superior é a abertura desse mercado para a entrada do capital internacional, apontando para uma mercantilização do setor no Brasil, o que acaba por secundarizar os propósitos sociais da educação e o seu tratamento como direito, subvertendo na prática o tratamento que deveria ser dado a ela (Haas, 2017HAAS, C. M. Educação superior no
Brasil e os condicionamentos às políticas nacionais: impactos da regulação transnacional na gestão universitária. Laplage em Revista, Sorocaba, v. 3, n. 3, p. 115-132, 2017. https://doi.org/10.24115/S2446-6220201733379p.115-132 O alinhamento da normativa brasileira às diretrizes internacionais sobre o que deve ser a
educação superior para a sociedade se evidencia no fato de que os documentos World Declaration on Higher Education for the Twenty-First Century: vision and action, de 1998, da UNESCO, e Higher education in developing countries: peril and promise, de 2000, do BM, foram balizas relevantes para a elaboração da Lei n.º 10.172/2001BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Brasil, 2001.
Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm . Acesso em: 20 mar. 2018. Compreendendo que esse fenômeno está disseminado e não aparece apenas em âmbito legal, cabe menção ao Decreto n.º 5.773, de 09 de maio de 2006BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de
ensino. Brasil, 2006b. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ . Acesso em: 19 mar. 2018. Para isso, esse decreto promoveu a revogação de diversos outros decretos, estabelecendo, em linhas gerais, a competência normativa do Chefe de Governo - Presidente da República -, as competências do Ministério da Educação (MEC), do Conselho Nacional de Educação (CNE), da CONAES e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no âmbito da avaliação da educação superior, em alinhamento com as suas naturezas organizacionais e com a normativa legal de referência, qual seja, a lei que criou o SINAES. De modo geral, então, constata-se a influência dos organismos internacionais na conformação de um sistema de avaliação que atribui ao Estado a preponderância de função regulatória sobre a sua função de provedor direto e acolhe diversos formatos de IES em atendimento à demanda de diversificação e flexibilização feita pelas instituições privadas. Outros aspectos importantes foram a estabilidade e a previsibilidade trazidas pelo SINAES, que contribuíram para conferir segurança à atuação das IES, demanda especialmente das privadas. Outro regulamento importante foi o Decreto n.º 5.786, de 24 de maio de 2006BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.786, de 24 de maio de 2006. Dispõe sobre os centros universitários e dá outras providências. Brasil,
2006c. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5786.htm . Acesso em: 20 mar. 2018. Essa normativa atendia, de modo indireto, às orientações da OCDE e do BM no sentido da flexibilização e da autonomização das IES, inclusive as privadas, explorando de modo extensivo o postulado constitucional da autonomia universitária. Na perspectiva do presente artigo, merece registro o Decreto n.º 6.303, de 12 de dezembro de 2007BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007. Altera dispositivos dos Decretos nos. 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos
superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Brasil, 2007b. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6303.htm . Acesso em: 20 mar. 2018. O Decreto n.º 8.142, de 21 de novembro de 2013BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 8.142, de 23 de novembro de 2013. Altera o Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o
exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino, e dá outras providências. Brasil, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/D8142.htm . Acesso em: 21 mar. 2018. Fechando a análise da dimensão regulamentar, a segunda versão do “decreto-ponte” revogou todos os decretos mencionados, tendo sido trazida pelo Decreto n.º 9.235, de 15 de dezembro de 2017BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 9.235, de 15 de
dezembro de 2017. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. Brasil, 2017g. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9235.htm . Acesso em: 22 mar.
2018.
Esses aspectos fazem com que a educação superior se encaminhe mais evidentemente em direção à mercantilização e, consequentemente, no atendimento das diretrizes dos organismos internacionais, especialmente da OCDE, do BM e da OMC. Na dimensão instrumental, a Portaria Normativa n.º 40, de 12 de dezembro de 2007BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 40, de 12 de dezembro de 2007. Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação. Brasil, 2007a. Disponível em: Disponível em:
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=39&data=13/12/2007 . Acesso em: 20 mar. 2018. Os momentos iniciais de funcionamento do sistema geraram intensos debates no setor, motivados especialmente pela iniciativa privada, especialmente sobre
dificuldades na sua operação e sobre a burocratização do processo avaliativo que, apesar de esperada, mitigava a liberdade das IES em razão de oferecer uma plataforma mais elaborada de controle (Fagundes, 2010FAGUNDES, G. M. Alterações no processo de avaliação. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.ilape.edu.br/artigos/doc_download/264-alteracoes-no-processo-de-avaliacao . Acesso em: 16 jul.
2018. No dia 29 de dezembro de 2010, decorridos 3 (três) anos da primeira versão da Portaria Normativa n.º 40/2007-MECBRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 40, de 12 de dezembro de 2007. Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e
gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação. Brasil, 2007a. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=39&data=13/12/2007 . Acesso em: 20 mar. 2018. Essas medidas atendiam às pressões das IES privadas, contribuindo para a flexibilização defendida por todos os organismos internacionais mencionados no presente trabalho, abrandando os efeitos do processo avaliativo sobre o posicionamento de mercado dessas instituições (Fagundes, 2011FAGUNDES, G. M. Falácias e fanfarronices do MEC. 2011.
Disponível em: Disponível em: https://blog.abmes.org.br/falacias-e-fanfarronices-do-mec/ . Acesso em: 8 nov. 2020. Outra alteração relevante dessa normativa foi trazida pela Portaria Normativa nº 23, de 20 de dezembro de 2016BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 23, de 20 de
dezembro de 2016. Altera dispositivos da Portaria Normativa MEC nº 40, de 12 de dezembro de 2007, republicada em 2010, para efeitos imediatos nos processos de cálculo e divulgação dos Indicadores de Qualidade da Educação Superior, a partir da edição de 2015. Brasil, 2016. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=75&data=21/12/2016 . Acesso em: 22 mar.
2018. Essas modificações permitiram que, mesmo com menores investimentos, as IES pudessem ser avaliadas, o que contribui para a consolidação de uma lógica empresarial de redução de custos e de aproximação do mercado na educação superior brasileira, no sentido do discurso da OCDE e do BM. Já por ocasião da
instrumentalização do Decreto n.º 9.235/2017BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. Brasil, 2017g. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9235.htm . Acesso em: 22 mar.
2018. A primeira delas inovou ao disciplinar os procedimentos e os padrões decisórios sobre credenciamento e recredenciamento de IES, bem como sobre autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores, e, ainda, sobre pedidos de aumento de vagas de cursos. A previsibilidade decorrente disso foi bem recebida pelas IES privadas, que pediam mais “segurança jurídica”, permitindo a melhoria das ferramentas de gestão e a consolidação da orientação empresarial para a gestão acadêmica. A segunda das portarias normativas focou exclusivamente na organização do sistema e-MEC, que era o objetivo central da portaria antecedente, tratando de aspectos essencialmente procedimentais. A
terceira das portarias abordou a supervisão, a cargo da Secretaria de Regulação da Educação Superior (SERES), nos termos do Decreto n.º 9.235/2017BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. Brasil, 2017g. Disponível em: Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9235.htm . Acesso em: 22 mar. 2018. A última dessas quatro portarias normativas disciplinava o fluxo dos processos de credenciamento e recredenciamento de instituições e de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos no âmbito da educação superior, bem como de seus respectivos aditamentos. Em especial, a transferência de mantença. Esse pacote normativo aprofunda a absorção, pelo sistema de avaliação da educação superior brasileira, da lógica privada de gestão defendida pelos organismos internacionais, sem oferecer quaisquer indícios da concepção da educação como instrumento do desenvolvimento social, para além do econômico. Por fim, também em 2017, aprofundando a flexibilização, foram extintos dos instrumentos de avaliação os referenciais quantitativos, o que promoveu alterações significativas no cálculo do IGC em razão de que o CPC constitui o seu principal insumo. A mensuração havia sido estabelecida em 2008, tendo seguido com pequenas variações até 2015 com certa estabilidade das exigências de titulação e do regime de trabalho do corpo docente, bem como nas exigências para a composição do acervo bibliográfico. Nesse momento, a flexibilização dos critérios de avaliação permite um certo afrouxamento regulatório, do ponto de vista objetivo, evidenciando que as alterações caminharam no sentido do atendimento da demanda por sensibilização do processo avaliativo à diversidade de arranjos das IES. No contexto da educação superior no Brasil, essa mudança atende especialmente às instituições privadas, tendo em vista que as públicas são ou universidades ou institutos federais de educação tecnológica, o que acaba por consolidar, também em nível instrumental, o atendimento às diretrizes dos organismos internacionais de fundo econômico no sentido do incentivo à diversificação dos formatos de IES - da OCDE, no Universities under scrutiny de 1987; do BM, no Higher education: the lessons of experience de 1994, no Higher education in developing countries: peril and promise de 2000 e no Constructing knowledge societies: new challenges for tertiary education de 2003; e da OMC, no Global Agreement on Trade of Services de 1994. Voltadas essencialmente para a ampliação do acesso associada à melhoria da qualidade em direção à articulação com as necessidades de formação para o mundo do trabalho, as diretrizes internacionais da UNESCO - contidas no Strategies for change and
development in higher education: policy paper on higher education de 1995, na World Declaration on Higher Education for the Twenty-First Century: vision and action de 1998 e na World Declaration on Higher Education: the new dynamics of higher education and research for societal change and development de 2009 - aparecem nos instrumentos de avaliação externa das IES e dos Cursos, definindo aspectos relativos à composição do corpo docente - por exemplo, critérios referentes à sua
titulação -, à composição das propostas formativas dos discentes - a exemplo de conteúdos transversalmente relacionados na perspectiva da interdisciplinaridade como educação em direitos humanos, educação para as relações étnico-raciais e educação para o meio ambiente - e à infraestrutura institucional - critérios como acervo de títulos disponíveis, dimensionamento de laboratórios, acessibilidade para pessoas com deficiência, aproximação do mercado de trabalho em face da mitigação do impacto da
titulação dos docentes (Brasil, 2017bBRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). INEP promove Seminário Internacional de Avaliação da Educação Superior em 30 e 31 de outubro., 2017b. Disponível em: Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-promove-seminario-internacional-de-avaliacao-da-educacao-superior-em-30-e-31-de-outubro/21206 . Acesso em: 30 maio
2018. As alterações do SINAES indicadas na presente seção evidenciam um sentido de alinhamento progressivo e, mais recentemente, acentuado com as diretrizes emanadas dos organismos internacionais indicados. CONCLUSÃOO alinhamento cronológico, bem como o alinhamento de conteúdo e de sentido, entre as discussões promovidas pelos organismos internacionais mencionados sobre a educação superior e sua avaliação e o SINAES é inegável, evidenciando que o seu próprio surgimento e, mais recentemente, as reformas promovidas nos seus critérios e procedimentos constituem efetivos atendimentos às diretrizes dos organismos internacionais. Mais que isso, é importante registrar que um número significativo de providências normativas brasileiras sobre a avaliação da educação superior, especialmente de graduação, foi tomado, em linhas gerais, logo após a apresentação de diretrizes sobre o tema pelos organismos internacionais, com destaque para a concentração de providências na década de 1990, que preparavam para o surgimento da legislação ou a regulamentavam. Nesse sentido, a década de 2000 ambientou a consolidação de um sistema de avaliação da educação superior no Brasil capaz de lidar com o cenário estimulado e implementado pelas reformas da década anterior e demandou para a década de 2010 o refinamento, em nível regulamentar e instrumental, dos critérios e procedimentos avaliativos, atendendo à previsibilidade demandada costumeiramente pelos agentes econômicos, inclusive de capital aberto, que passavam a compor uma parcela majoritária do setor da educação superior de graduação brasileira. Esse movimento de reforma ocorrido ao longo do tempo e, muito intensamente, no ano de 2017, fica marcado por estabelecer, ao mesmo tempo, o aprofundamento da sistematização instrumental e do disciplinamento dos temas por ele abordados. O efeito disso, agudizado em 2017, foi promover clareza e previsibilidade sobre o processo avaliativo e de supervisão, bem como sobre os seus respectivos efeitos regulatórios. Essas características acolhem preocupações típicas das IES privadas, como se pode ver pela contemplação nesse sistema normativo de características próprias delas - a exemplo do disciplinamento das responsabilidades da mantenedora e da mantida perante o e-MEC -, e da elevação significativa da oferta de elementos aptos a garantir a sua segurança jurídica. A elevação da previsibilidade na condução dessas instituições enseja o atendimento aos postulados dos organismos internacionais - em especial, do BM - de incremento do uso das ferramentas de gestão no âmbito do planejamento acadêmico da educação superior, conferindo uma lógica empresarial à condução das instituições. Esse alinhamento contribui para o esvaziamento do significado da educação superior como um direito, no campo pragmático, acabando por conferir-lhe um tratamento indiferenciado ao de uma mercadoria (serviço), o que fere a sua concepção como um direito humano, em escala internacional, e como direito fundamental, em escala nacional. REFERÊNCIAS
Quais os impactos influências das políticas internacionais para a educação no Brasil?As políticas educacionais internacionais estão cada vez mais em voga na sociedade contemporânea. Neste sentido, o currículo como forma de poder na área educacional vem ganhando uma herança globalizadora, emanada principalmente dos organismos internacionais aos quais as políticas públicas vêm sendo influenciadas.
O que são organismos internacionais de educação?São instituições formadas por um conjunto de países-membros com personalidade jurídica no campo do Direito Internacional Público e atuam no âmbito das relações econômicas, políticas e sociais, ambientais por meio de regras, medidas e normas comuns e finalidades específicas.
Quais são os organismos internacionais presentes no campo das políticas educacionais?Sistemas educacionais no mundo todo têm sido influenciados de uma maneira ou de outra pelas atividades ou programas de organizações internacionais como o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) e a União Europeia (UE), entre outras.
Que evento tornou os organismos internacionais de educação mais importantes e eficientes nas relações internacionais?Os organismos internacionais se tornaram mais presentes nas relações internacionais a partir da 2ª Guerra Mundial, em decorrência do aumento dos conflitos entre os países por disputas territoriais, das divergências comerciais nas relações nacionais e internacionais, além das exigências de cooperação e de aproximação ...
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