Perdoar é algo que fazemos mais por nós mesmos que pelo outro – e, apesar de nem sempre ser fácil, esse gesto pode nos revelar um coração mais leve Show Um sábio comerciante estava em sua lojinha quando um ladrão entrou e levou todo o dinheiro que ele tinha recebido naquele dia. Quando o bandido saiu da loja, o comerciante correu, gritando: “eu te perdoo!”. As pessoas que estavam na rua e assistiram à cena se espantaram com a urgência do sujeito em fazer aquilo. Sábio que era, o negociante disse: “não quero ficar com essa mágoa para o resto da minha vida”. Apesar de carregada de todo exagero das parábolas, a historinha mostra que o perdão é algo que fazemos mais por nós mesmos do que pelos outros. O entendimento que se tem desse sentimento é, muitas vezes, encapado pelos conceitos da religião. O Antigo Testamento valoriza o perdão divino – só ele liberta. O Novo Testamento passa a dar importância ao perdão humano e o Alcorão junta as duas formas. Mas o ato tem mais a ver com a condição de humano do que com a religião que se abraça. Mais a ver com a necessidade de não carregar mágoas pesadas demais do que a de desculpar os outros ou nós mesmos. ASSINE A VIDA SIMPLES A etimologia da palavra é perdonare que, no latim tardio, tem o significado de doar. “No fundo, ao fazer isso você doa seu direito de estar ressentido com quem fez a agressão”, explica a psicoterapeuta especializada em relacionamentos familiares Lana Harari. Ou seja, abre mão de sentir-se vítima de algum ato ruim. Isso não significa minimizar a tal agressão, mas ser capaz de despir-se da camiseta de coitadinho. Talvez esse desapego intrínseco da atitude seja um dos motivos que a torna tão complicada de tomar. Afinal, existe um pouco de abnegado em quem perdoa já que o papel de ofendido cai bem na maior parte das situações. Ao mesmo tempo que atrai uma certa simpatia, deixa a pessoa livre do erro. Quem agiu de maneira equivocada foi o ofensor, eu sou apenas a vítima. Quer papel mais confortável que esse? Para perdoar é preciso olhar para dentro e correr o risco de, até, perceber que você, o ofendido, talvez também tenha alguma responsabilidade naquele ato. Para os budistas, qualquer coisa que aconteça na nossa vida é resultado de uma semente plantada em algum momento. Por isso, uma ofensa de um amigo acontece para equilibrar alguma ação passada, uma semente de má qualidade. Assim o amigo foi apenas um agente. “Se a pessoa reage mal à agressão, à decepção, com mais mágoa, acaba por plantar outra semente ruim”, explica a monja Kelsang Mudita, do Centro de Meditação Kadampa Brasil. Se, por outro lado, reage bem, ela consegue quebrar o ciclo. Cria-se uma esfera de paz e de aceitação que atinge todos que estão por perto. ASSINE A VIDA SIMPLES Muitas vezes o ato de perdoar faz par perfeito com o de pedir perdão. O ho’oponopono é uma antiga prática havaiana de reconciliação, praticada em família ou em grupo de pessoas, com o objetivo de restaurar e manter as boas relações. A reunião geralmente é conduzida pelo membro mais experiente do núcleo. O problema é discutido, há espaço para o silêncio, para compreender o que realmente aconteceu. Mas o centro da prática consiste em repetir, como se fosse um mantra, as frases: “Eu sinto muito”, “Por favor, me perdoe”, “Eu te amo”, “Muito obrigado, sou grato”. Desculpe qualquer coisa Você perdoa, mas não faz questão de continuar próximo daquela pessoa, o que reafirma que é um processo interno. Mas significa, sim, libertar o outro do seu rancor. De nada adianta fingir que perdoa o marido ou a esposa traidores mas continuar usando o suposto erro para jogar na cara toda vez que aparecer a menor briguinha. A ação não é completa se você mantém a relação de dominador e de dominado. Quem perdoa não esquece. Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, ao deixar o cargo, em junho de 1999, disse: “Os sul-africanos devem recordar o passado terrível para que possamos lidar com ele, perdoando, pois o perdão é necessário, mas sem nunca esquecer”. ASSINE A VIDA SIMPLES Se você apaga alguma coisa da sua história não pode lidar com ela e, portanto, também não dá para perdoar. Além disso, deixa uma brecha para que aquilo volte a acontecer. “Perdoar é, ainda que mantendo o fato na memória, ser capaz de não sofrer, olhar para o que ocorreu com bastante objetividade e perceber que as coisas são como são”, diz a filósofa e palestrante Dulce Magalhães.
Numa delas está a importância que se dá ao relacionamento rompido e que pode ser reatado com o ato. “Mas implica também em uma revisão de valores e, principalmente, do posicionamento diante dos fatos. A pessoa tem de, aos poucos, ir abandonando o papel de ofendido para conseguir um necessário afastamento emocional”, diz Ana Paula. É mais ou menos como um insight, que acontece quando estamos preparados. “É preciso descobrir o tempo certo de perdoar. Tudo é mutável, nunca pisamos duas vezes no mesmo rio. A consciência também pode avançar para outras percepções e vemos as coisas de outro modo. Então, fica mais fácil concedê-lo”, diz a filósofa Dulce Magalhães. Existe também a opção por não perdoar. Por que não? ASSINE A VIDA SIMPLES Uma pesquisa realizada na Itália avaliou o que acontecia dentro do cérebro de voluntários – por meio de ressonância magnética – que seguiam um roteiro através do qual eram orientados a pensar em uma ofensa recebida e, depois, a perdoá-la. Homens e mulheres só conseguiam fazer isso nas situações em que se colocavam no lugar do agressor e compreendiam os motivos pelos quais ele havia feito aquilo. É um indício de que essa ação não depende simplesmente de fatos, mas sim do julgamento que fazemos das intenções de quem nos ofendeu e feriu. No entanto, alguns atos são tão marcantes, magoam tão profundamente, que não é possível passar por cima deles. “Mas se você opta por não oferecer o perdão, não deve ficar ruminando. Melhor romper de vez, cortar a relação e virar a página”, avalia a psicoterapeuta Lana Harari. Guardar o rancor dentro de si pode trazer consequências bem ruins. “A pessoa alimenta a raiva, o sofrimento vivido todo santo dia. E acaba criando uma autoimagem de fraca, de vítima da situação. E as consequências disso podem ser físicas, com insônia, ansiedade, desânimo”, diz Lana Harari. Mais autocompaixão Para isso é preciso ter humildade e entender que você não tem sempre o controle das emoções. “Se hoje posso me arrepender de algo e consigo pensar que faria diferente, isso significa que evoluí e me tornei alguém melhor. Sem o episódio que gera desconforto, talvez eu não tivesse me transformado”, raciocina Dulce Magalhães. Aqui, o perdão também não é uma decisão a ser tomada. “É preciso aprender a dar um significado ao que aconteceu, tirar a culpa de si mesma. Isso pode levar anos, ou nunca acontecer. Nesse caso, a pessoa reprime a emoção, que vai para a sombra”, diz Lana Harari. É bem mais difícil nessa situação virar a página como quando se nega o perdão ao outro. A culpa contida se manifesta de várias formas, como depressão, cólera. Ou você pega um desvio que a leva a culpar os outros por tudo o que acontece, como se isso compensasse a culpa que sente dentro de si. Por isso, mais bondade consigo mesmo, mais compaixão com o mundo. Nada em nossa história poderia ser descartado para nos tornarmos quem somos, sejam os erros, sejam os acertos. “Assim, aprender a perdoar a si próprio é, antes de tudo, dar-se conta de uma lição aprendida e olhar para a experiência como algo importante para nos tornarmos melhores”, diz Dulce Magalhães. No mínimo, você se torna mais iluminado, como o sábio comerciante do início desse texto. ASSINE NOSSA NEWSLETTER IVONETE LUCIRIO é alguém que perdoa muito mais facilmente os outros do que a si mesma, mas ainda assim está de bem com a vida. O que significa o perdão segundo a Bíblia?Mas, afinal, o que é o perdão? “Perdoar é permitir que a pessoa se aproxime” (Efésios 2, 13). Perdoar é uma união de arrependimento e sacrifício. Só há perdão se uma das partes estiver de fato arrependida e a outra verdadeiramente disposta a sentir a compaixão.
Qual é o poder do perdão?O poder do perdão trabalha a ideia do desapego gradual e contínuo daquilo que nos causou dor. É um ato de coragem, já que tomamos força para nos liberar do rancor gerado por alguém ou uma situação. A partir daqui vem a aceitação, entendendo o que aconteceu e passando a seguir adiante como parte do processo de cura.
Qual a origem da palavra perdão?A etimologia da palavra é perdonare que, no latim tardio, tem o significado de doar. “No fundo, ao fazer isso você doa seu direito de estar ressentido com quem fez a agressão”, explica a psicoterapeuta especializada em relacionamentos familiares Lana Harari. Ou seja, abre mão de sentir-se vítima de algum ato ruim.
Porque devemos perdoar segundo a Bíblia?Leia Colossenses 3:12-15. Em segundo lugar, perdoar as pessoas é uma demonstração poderosa de que as amamos. Como Deus é o Pai que nos ama, Ele quer perdoar os nossos pecados para restaurar as nossas relações com Ele. Assim como Deus quer que amemos o nosso próximo, da mesma maneira devemos perdoá-lo.
|