Qual era o objetivo dos portugueses ao explorar a costa do continente africano?

Era necessário mandar lá muitas vezes seus navios armados com suas gentes, onde de necessidade convinha pelejar com aqueles infiéis, porém ordenou logo de enviar ao santo padre, por lhe requerer que partisse com ele dos tesouros da santa Igreja, para salvação das almas daqueles, que nos trabalhos desta conquista fizessem seu fim.1

Gomes Eanes de Zurara (1410-1474), um intelectual orgânico ibérico a serviço do rei de Portugal, foi cronista oficial do reino e conservador da Biblioteca Real e da Torre do Tombo, cargos obtidos aproximadamente no ano de 1451, após afastamento, por problemas de saúde, de Fernão Lopes. Filho de João Eanes de Azurara, bispo de Évora e de Coimbra, entrou jovem na Ordem de Cristo e chegou a ter grau de comendador de Alcains. Notabilizou-se pelas suas crônicas, geralmente encomendadas pela casa real e pela nobreza portuguesa. Entre elas, destacam-se a dedicada à tomada de Ceuta, aos acontecimentos de 1383 a 1411 relativos aos esforços para a saga expansionista marítima e à chegada à Guiné.

Esses textos foram escritos com o objetivo de a Coroa portuguesa obter autorização de Roma, que, por meio de bulas papais, dava plenos direitos aos navegadores de explorar os territórios nos quais, durante suas viagens, aportavam com a suposta finalidade de cristianizá-los. Neles, para informar ao rei e ao papa sobre os feitos da campanha marítima, os cronistas narravam todo o processo que culminou na chegada à costa ocidental africana.

Dessa maneira, Portugal obteve algumas bulas, sendo as mais importantes, em relação à África, a Dum Diversas de 1452, a Romanus Pontifex de 1455, a Inter Caetera de 1456. Conforme revela Charles Boxer, na primeira delas o papa autoriza “o rei de Portugal a atacar, conquistar e submeter sarracenos, pagãos e outros infiéis inimigos de cristo”, bem como “a capturar os bens e os territórios a eles pertencentes, a reduzi-los à escravidão perpétua e a transferir suas terras e propriedade para o rei de Portugal e seus sucessores”. A segunda consagra os direitos de Portugal sobre as descobertas africanas e as terras a encontrar. A terceira é uma confirmação da bula anterior, em que “o papa Calisto III concedia à Ordem de Cristo, da qual D. Henrique era administrador e mestre, jurisdição espiritual sobre todas as regiões conquistadas pelos portugueses, no presente ou no futuro, do Cabo Bojador, por via da Guiné e mais além para o sul”.2

Eis as razões pelas quais as mencionadas crônicas foram escritas e com a grandiloquência e retórica típicas de textos medievais dessa natureza, que as transformaram em panegíricos que exaltavam os feitos portugueses de forma providencialista e cavaleiresca, como o costume determinava.3

Para escrevê-las, ele baseou-se em suas observações e em testemunhos de viajantes, missionários e outros que estiveram no norte da África, principalmente aqueles que participaram das viagens a Marrocos e conheceram a região de Ceuta, conquistada em 1415, ponto de partida para a chegada à costa ocidental africana.

Neste artigo, interessa-nos a Crônica do descobrimento e conquista da Guiné (doravante mencionada em sua forma abreviada, Crônica da Guiné) por ser um testemunho do processo de expansão lusitana ao sul do Cabo Bojador e, além disso, um indicador de como os portugueses perceberam o outro, no caso os negros, dos territórios em que eles se estabeleceram. Escrita na metade do século XV, em Lisboa, aproximadamente entre os anos de 1452 e 1453, desapareceu, após cumprir a sua função política, até o século XIX, quando, em 1837, Ferdinand Denis a encontrou na Biblioteca Nacional de Paris. No ano de 1841, ganhou uma versão impressa, graças ao Visconde de Santarém, em cuja edição está apoiada esta pesquisa.

Tal crônica, elaborada a mando de D. Afonso V, narra os acontecimentos dos feitos do infante D. Henrique nas grandes navegações, suas viagens à costa ocidental africana e a expansão ao sul do Cabo Bojador. Seu autor afirma, logo no prólogo, que desejava traçar “os grandes e muito notáveis feitos do senhor infante Dom Henrique, duque de Viseu e senhor da Covilhã”, bem como “todos os feitos que se passaram na conquista de Guiné”.4

Dessa maneira, a Crônica da Guiné foi escrita com o objetivo de a Coroa portuguesa obter uma nova bula papal, que permitisse a ampliação dos espaços percorridos no Oceano Atlântico para além do Cabo Bojador. Ao narrar a campanha marítima lusitana, o cronista exibia um perfeito conhecimento dos feitos cruzadistas e possibilitava ao rei a solicitação ao papa Nicolau V (1397-1455) para o reconhecimento das terras que os portugueses haviam encontrado na costa africana. Dessa forma, foi concedido, em 1455, por meio da bula Romanus Pontifex, o direito de explorar os territórios até então fora do alcance dos navegadores cristãos e dos que poderiam ser alcançados ao sul do Cabo Bojador:

Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que o nosso dileto filho Infante D. Henrique, inflamado no ardor da fé e zelo da salvação de almas, se esforça, como verdadeiro soldado de cristo, por fazer conhecer e venerar em todo orbe, até os lugares mais remotos, o nome do gloriosíssimo Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos inimigos dela, como também quaisquer outros infiéis; depois da conquista de Ceuta por seu pai, muito contra aqueles inimigos foi realizado pelo mesmo infante, às vezes com sua pessoal intervenção, não tem trabalhos, despesas e morte de sua gente; e sempre incansavelmente e cada vez mais animado do mesmo propósito, povoou de fieis as ilhas desertas onde fez construir igrejas e outras casas piedosas, fez batizar e converter os habitantes de outras, para propagação da fé e aumento do culto divino. Além disso, tento este infante conhecimento de que jamais, ao menos desde que há memória, o mar Oceano foi navegado em suas extensões orientais e meridionais, pelo que nada se sabe dos povos daquelas partes, julgou prestar grande serviço a Deus, tornando-o navegável até aqueles índios que consta adorarem a Cristo. Assim poderia levar estes a auxiliar os cristãos contra os sarracenos, fazendo pregar o santo nome de cristo entre os povos que a seita do nefando Mafona infesta. Sempre munido de autoridade régia, há vinte e cinco anos que com grandes trabalhos, perigos e despesas não cessava, com suas velozes naus, chamadas caravelas, devassar o mar, em direção das partes meridionais e Polo Antártico. Aconteceu assim que foram percorridos portos, ilhas e mares, atingidas e ocupada a Guiné e portos, ilhas e mares adjacentes, navegando depois até a foz do rio reputado como o Nilo (Níger), fazendo guerra aos povos daquelas partes e apoderando-se das ilhas e mar adjacentes. Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente adquiridos por contrato de compra foram trazidos ao reino, onde em grande número se converteram à fé católica, o que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos mais.5

Conforme está expresso na bula acima transcrita, a motivação principal que levou o papa a permitir as viagens que os portugueses tanto desejavam realizar foi o desejo de aumentar o rebanho cristão pelo mundo, além de combater os “infiéis” nos seus próprios domínios e encontrar um caminho alternativo em direção ao Oriente, visto que, com a crise de Bizâncio, as tradicionais rotas apresentavam problemas em face das pressões turcas otomanas, que culminaram na queda da parte oriental do Império Romano em 1453.

Assim, o objetivo deste artigo é compreender as narrativas como uma forma de ação política, ou seja, como elas foram utilizadas como instrumento de poder; nesse caso, o poder de construir uma imagem sobre o outro e, a partir dessa construção, justificar o desejo de dominação sobre ele e, com efeito, contribuir para impulsionar possíveis conquistas ultramarinas.

Para isso, muito contribuirão as proposições metodológicas do historiador Quentin Skinner.6 Inspirado na teoria da ação social de Max Weber, a de que o sentido de uma ação é dado pela relação entre ela, as suas motivações e os seus resultados, ele mostra como os textos podem ser interpretados como uma forma de seus autores intervirem no mundo social em que vivem, motivados por questões enfrentadas pelas sociedades nas quais atuam e almejando determinados fins. Dessa maneira, o intérprete precisa compreender os contextos sociais e intelectuais da produção textual que estuda. O contexto social é constituído pelo conjunto de problemas ligados com o tema abordado nos textos a serem interpretados. Já o contexto intelectual é formado pelo vocabulário conceitual, pelas categorias de pensamento, pelos pontos de vista e pelas ideologias usadas para orientar, organizar e sustentar os argumentos dos escritores.7

A partir da primeira contextualização, conecta-se o assunto dos textos às questões enfrentadas pelas sociedades em que foram produzidos e às quais visavam a responder. A partir da segunda contextualização, conectam-se as abordagens dos textos ao universo da cultura intelectual da época, que lhes forneceu os dispositivos ordenadores de seus argumentos. Essas conexões permitem ao historiador compreender o porquê do surgimento do interesse intelectual por determinados temas, bem como o ideário que fundamenta a maneira pela qual são abordados.

Para tal compreensão, muito contribuirão também conceitos analíticos formulados pelo sociólogo Pierre Bourdieu.8 Segundo ele, entre a ação e o meio social em que ela ocorre, existe um universo intermediário, denominado campo, “no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura e a ciência”, entre outras formas de produção.9 Neste artigo, o campo é a política, a ação é a escrita da Crônica da Guiné e o meio social é a sociedade portuguesa, cujos problemas contra os quais a ação se orienta são a ameaça à fé cristã e a guerra contra o islamismo.

Isso quer dizer que todo agente tem como suporte de sua ação um campo, que, além de ser um locus de mediação entre seu ato de agir e o meio social no qual busca intervir, é também um microcosmo social que exerce influência decisiva na forma de os indivíduos nele inseridos ver o mundo, compreendê-lo e nele fundamentar suas ações. Para melhor explicar isso, Bourdieu elaborou o conceito de habitus, isto é, “sistema das disposições socialmente constituídas que”, na condição de um modo de operação dos campos, “constituem o princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias de um grupo de agentes”.10 Em outras palavras, o habitus é uma matriz que dinamiza as percepções e ações, uma vez que é resultante, em cada indivíduo, do processo de interiorização de regras, normas, valores e crenças — por que não dizer cultura em sentido amplo? — de uma dada sociedade, proporcionando ao campo a sua essência como espaço social ordenador e regulador das ações. Essa ordenação e regulação são feitas a partir do habitus, que caracteriza a ação dos seus agentes, conferindo-lhes suas especificidades próprias (comportamentais e discursivas) do seu campo de atuação.

O agente em análise é o cronista Gomes Eanes de Zurara, cuja crônica, na qual descreve a chegada à região genericamente denominada pelos europeus como Guiné e apresenta uma imagem deturpada dos seus habitantes, será examinada como agente do processo de expansão ultramarina portuguesa, pois, a partir dela, seu autor desenvolveu argumentos que legitimaram o estabelecimento português na referida região.

Para tanto, será necessário um breve resumo da história moderna de Portugal, a fim de contextualizar a Crônica da Guiné como empreendimento político de uma nação pioneira no expansionismo oceânico, escrita por um intelectual situado em uma época de frenéticas transformações, as quais impulsionaram uma transição que inaugurou um novo tempo, “o tempo do mundo”, como observou Braudel, nas sociedades mais dinâmicas e protagonistas da ampliação das conexões no planeta em uma escala inaudita.11

O Estado de Portugal formou-se durante a dinastia de Borgonha (1139-1383), que liderou o antigo Condado Portucalense nas conquistas de territórios que estavam sob o domínio árabe e castelhano, a partir de um processo que remonta às ações bélicas promovidas pelo duque Henriques de Borgonha (1066-1112) e consolidada pelo seu filho Afonso Henriques de Borgonha (1109-1185), primeiro rei de Portugal, que obteve do papa Alexandre III, em 1179, o reconhecimento definitivo da independência portuguesa em relação aos reinos de Leão e Castela.

Assim, após vencer as guerras contra Castela e ter reconquistado os territórios ocupados pelos muçulmanos, que estavam na Península Ibérica desde o século VIII, o reino português entrou em um processo de expansão promovida pela nobreza guerreira, sob o comando da primeira dinastia que o governou até o século XIV (1383), em cujo período iniciou sua saga expansionista, ávido por aumentar os seus domínios. Consequentemente, seguindo a tradição dos reinos medievais, projetou-se para o Atlântico Sul motivado pela missão religiosa de combater o islamismo no território africano.

No entanto, em meio a esse processo, vivenciou um grave problema de sucessão dinástica, com a morte, em 1383, do último dos Borgonhas, Fernando I, sem deixar descendentes masculinos. Sua única filha estava casada com D. João de Castela, que invadiu o antigo Condado Portucalense para defender os direitos de sua esposa. Com isso, Portugal viu-se ameaçado de ser novamente anexado por Castela, a qual derrotou na Batalha de Aljubarrota (14 de agosto de 1385), chegando ao poder a dinastia dos Avis, inaugurada com a ascensão de João I (1385-1433), que patrocinou a expansão portuguesa para o norte da África.

O reino de Portugal, sem perspectiva de espaço para expandir-se na Europa, pois suas fronteiras já estavam definidas com Castela, empenhou-se para promover as incursões contra os muçulmanos no território africano. Para se afirmar politicamente, obtendo prestígio da população, D. João I organizou as expedições que acabaram culminando com a tomada de Ceuta (1415).

A partir de então, os portugueses partiram para a expansão ultramarina, começando a formar o império marítimo português. Após a conquista da cidade de Ceuta, os lusitanos passaram a explorar o litoral africano ao sul de Marrocos e, posteriormente, a costa ocidental africana com a passagem do Cabo Bojador (1434).

Tal cidade tinha uma importância significativa no espaço de expansão portuguesa, ponto estratégico para o domínio da navegação do Estreito de Gibraltar, por ser uma possessão muçulmana por onde circulavam as caravanas de comerciantes árabes vindos de diversas regiões, com rotas que passavam pela cidade marroquina no norte da África. A decisão de conquistar esse território resultou de diversos fatores, entre os quais se destaca o fato de que a sua ocupação permitia a Portugal o controle das rotas de comércio na região, principalmente de ouro e especiarias vindas da Índia, razão pela qual, desde o início do século XV, ela era vista como ponto estratégico para o controle das navegações entre o Atlântico e o Mediterrâneo.

As lutas contra os muçulmanos não foram interrompidas no período das navegações ao norte da África; ao contrário, foram usadas como justificativas para novas aquisições. Por esse motivo, a luta contra os “infiéis” sob a égide de uma cruzada acabou sendo usada como uma justificativa para D. Henrique investir na empresa marítima, por meio da qual ocupou, inicialmente, terras marroquinas para, em seguida, atravessar o Cabo Bojador até chegar ao território dos negros.

Para isso, D. Henrique acomodou-se na cidade de Lagos, centro naval e administrativo ao sul de Portugal, perto de Sagres, e cercou-se de especialistas que fizeram a diferença nas explorações da costa ocidental africana pelo Atlântico. O investimento na construção de navios capazes de realizar longas viagens e suportar os tormentos do alto mar, a criação da Escola de Sagres, exímia na arte da navegação e na produção de conhecimento cartográfico, e o desenvolvimento de instrumentos de orientação deram a Portugal as condições para navegação de longa distância.

Assim, a Coroa portuguesa estava preparada para as expedições no norte da África. Para isso, contava, também, com uma rede de informações formada por mercadores que praticavam comércio com várias regiões africanas, por missionários que procuravam disseminar a fé cristã do outro lado do Mediterrâneo, por viajantes de diversas naturezas e por cativos levados para o reino que conheciam toda a região da cidade de Ceuta. A esse respeito, Zurara apresenta o seguinte testemunho:

A cidade de Ceuta que é em terra de África que é uma muito notável cidade e muito azada para se tomar. E isto sei eu, principalmente, por um meu criado que lá mandei tirar alguns cativos de que tinha encargo. Ele me contou como é uma muito grande cidade rica e muito formosa e como todas as partes a cerca o mar afora uma pequena parte porque há saída por terra.12

Desse modo os esforços da expansão marítima continuam, até a expedição de Gil Eanes ultrapassar o tão temido Cabo Bojador em 1434, a pedido de D. Henrique, conforme relata Zurara:

Fazia logo tornar com seus navios armados, acrescentando cada vez mais no encargo, com prometimento de maiores galardões, se acrescentassem alguma coisa na viagem que os primeiros fizeram, porque ele pôde cobrar algum conhecimento daquela dúvida. E finalmente, depois de doze anos, fez o infante armar uma barca, da qual deu a capitania a um Gil Eannes, seu sucedeiro, que ao depois fez cavaleiro [...] e o qual seguindo a viagem dos outros, tocado daquele mesmo temor, não chegou mais que a as ilhas de Canária, de onde trouxe certos cativos, com que retornou para o Reino. E foi isto no ano de de mil e quatro centos e trinta e três. Mas logo no ano seguinte, o infante fez armar outra vez a dita barca, e chamado Gil Eannes o encarregou muito que todavia se trabalhasse de passar aquele cabo, e que ainda que por aquela viagem mais não fizesse.13

Com esse feito, D. Henrique e seus sucessores foram autorizados pelo papa Nicolau V a dominar e converter os infiéis, bem como levar a fé cristã aos territórios invadidos. Além disso, também conseguiu o monopólio da navegação e do comércio nessa região, o que motivou mais ainda os portugueses a prosseguir com seu empreendimento expansionista nas terras situadas ao sul do Bojador, que, até então se supunha não serem habitadas, conforme relata Zurara:

Diziam aos mareantes, que depois deste cabo não há nem gente nem povoação alguma; a terra não é menos areosa que os desertos de Líbia, onde não há água, nem árvore, nem erva verde; e o mar é tão baixo, que uma légua de terra não há de fundo mais que uma braça. As correntes são tamanhas, que navio que ela passe jamais nunca poderá tornar. E por tanto os nossos antecessores nunca se atreveram de o passar. E por certo não foi a eles o seu conhecimento de pequena escuridão, quando não souberem ascentar nas cartas, porque se regem todos os mares, por onde gentes podem navegar. [...] quando eram aqueles ameaçados não somente do medo, mas de sua sombra, cujo grande engano foi causa de mui grandes despesas; e cá doze anos continuados durou o infante em aquele trabalho, mandando em cada um ano a aquela parte seus navios, com grande gasto de suas rendas, nos quais nunca foi algum que se atrevesse de fazer aquela passagem.14

Algum tempo depois desse processo inicial, os portugueses alcançaram a região da Guiné, o que ocorreu, conforme relata Zurara, no “ano de 1441 da Graça do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo”, quando “Afonso Gonçalves partiu não sem grande desejo de acabar a vontade do infante”, que era atingir “o cabo Bojador, onde acharam uma foz como se fosse de rio, em que havia muitas boas ancorações”. Com ele havia dois cavalos, “que o infante lhe dera”, nos quais mandou “aos moços que cavalgassem, e fossem por terra quanto pudessem”, ordenando que “levassem somente suas lanças e espadas para se defender”, pois não sabiam “quais e nem quantas gentes achariam” e para evitar o “temor de bestas selvagens”.15

Consolidada a conquista de Ceuta em 1415, marco do projeto expansionista português, atingido o Cabo Bojador em 1434 e tendo chegado à região da Guiné, os portugueses começaram a organizar sua presença no território africano e a colocar em prática uma política que favorecesse seus interesses, quais sejam: os de caráter religioso (a defesa da fé cristã e o combate aos infiéis em seu próprio território), os de caráter econômico (a busca de uma rota alternativa para o comércio com o Oriente) e os de caráter expansionista (o estabelecimento nas terras até então por eles inatingidas) que impulsionou grande parte da política dos nascentes estados modernos.16 E disso tinha-se clara consciência nos quadros dos intelectuais orgânicos que assessoravam a monarquia portuguesa, como revela Zurara no seu longo testemunho sobre as razões do estabelecimento lusitano na África ocidental abaixo reproduzido:

A primeira razão [...], depois da tomada de Ceuta, sempre trouxe continuadamente navios armados contra os infiéis; e porque ele tinha vontade de saber a terra que ia a além das ilhas de Canária, e de um cabo, que se chama do Bojador, porque até aquele tempo, nem por escritura, nem per memória de uns homens, nunca foi sabido determinadamente e a realidade da terra que ia além do dito cabo. Bem é que alguns diziam, que [...] como outro príncipe se trabalhava nisto, mandou ele contra aquelas partes seus navios, por haver de todo manifesta certidão, movendo-se a elas por serviço de Deus e do Rei D. Duarte seu senhor e irmão, que naquele tempo reinava. E a segunda foi porque que achando em aquelas terras alguma povoação alguns portos, em que sem perigo pudessem navegar, de que se poderiam trazer muitas mercadorias, que se haveriam de bom mercado. [...] A terceira razão foi porque se dizia que o poderio dos mouros daquela terra d’África era muito maior do que se comumente pensava, e que não havia entre eles cristãos, nem outra alguma geração. E por natural prudência, é constrangido a querer saber o poder de seu inimigo, trabalhou-se o dito senhor de o mandar saber, para determinadamente conhecer até onde chegava o poder daqueles infiéis. A quarta razão foi porque havia anos que se guerreava com os mouros e nunca a achou rei cristão, nem senhor de fora desta terra. [...] A quinta razão foi o grande desejo que havia de acrescentar em a santa fé de Nosso Senhor, foi obrado a este fim, por salvação das almas perdidas, as quais o dito senhor queria, per seus trabalhos e despesas, trazer ao verdadeiro caminho, conhecendo que se não podia ao Senhor fazer maior oferta.17

Além de expor sua consciência sobre as razões do estabelecimento português em territórios situados no continente africano, Zurara apresenta as características dos lugares e das gentes que os portugueses neles encontraram, com destaque para a região conhecida, na época do início das grandes navegações, como Guiné. Tal região está situada na costa ocidental africana que vai da foz do Rio Gâmbia ao Delta do Níger. Nela, segundo ele, habitava um “povo muito bestial”, o qual “é necessário que haja de governar”.18

Embora os portugueses não tivessem conseguido atingir, no tempo de Zurara, o objetivo de governar “o povo bestial” da região, com sua expansão ao sul do Bojador estava aberto o caminho para o estabelecimento de feitorias em alguns pontos estratégicos da costa ocidental africana e para o desenvolvimento do comércio de cativos; um lucrativo comércio que, posteriormente, viabilizou a formação e a exploração da parte americana que coube a Portugal após o Tratado de Tordesilhas (1494).

Tal comércio alimentou uma forma de organização do trabalho, conhecida como escravidão, que, naquele tempo, na Europa, era praticada de forma residual após a consolidação da formação social feudal. Com as conquistas ultramarinas e a consequente formação dos impérios coloniais, sabe-se que esse modo de exploração do trabalho compulsório, baseado na captura de pessoas consideradas inferiores e na expropriação da sua personalidade jurídica, foi revigorado e transformado em suporte da organização social em outras partes do planeta dominadas pelo expansionismo europeu, como a América, onde os portugueses estabeleceram a sua maior e mais lucrativa colônia.19

Assim, a história da escravidão começa um novo capítulo, que demandou considerável esforço intelectual, baseado nas tradições intelectuais advindas do ideário aristotélico, remodelado de acordo com as conveniências ideológicas europeias, notadamente o seu conceito de escravidão natural sobre o qual discorre no primeiro livro da Política, quando discute a oikonomia, particularmente sobre o governo da casa. Assim, afirma Aristóteles:

Em todas as coisas que resultam de uma pluralidade de partes e que formam uma única entidade comum, sejam as partes contínuas ou separadas, sempre se verá o dominante e o dominado. Isto acontece nas criaturas animadas em virtude da ordem da natureza em sua totalidade.

Partindo dessa premissa, ele argumenta:

Aqueles que diferem entre si como a alma do corpo e o homem do animal (e estão nesta condição aqueles cuja atividade se reduz à utilização das forças físicas sendo esse o máximo proveito que se pode tirar deles) são escravos por natureza e o melhor para eles é se submeterem a esta forma de autoridade.20

Cabe lembrar que esse conceito foi utilizado para justificar a escravidão de todos aqueles povos considerados bárbaros pelos gregos — na maioria das vezes todos os não gregos eram assim considerados. Em A República de Platão, Sócrates, no seu diálogo com Glauco, questiona:

Você acha justo que cidades gregas reduzam à escravidão outras cidades gregas? Não lhe parece que seria necessário tomar providências diferentes, se possível, e habituá-las a respeitar o sangue grego, de modo que não subsistisse senão o temor de experimentar a escravidão somente sob o jugo dos bárbaros?

Ao que respondeu seu interlocutor: “Exatamente. Que visem sobretudo os bárbaros e se poupem a si mesmos”.21

Na Idade Média, esse conceito teve repercussões ambíguas. Enquanto uns o rejeitavam completamente, como Santo Agostinho (embora tenha aceitado a escravidão como direito do vencedor sobre os vencidos em uma guerra) outros o aceitavam parcialmente, como Tomás de Aquino, ou até incondicionalmente. Entre estes últimos, Tolomeu de Luca foi um dos mais influentes filósofos que contribuiu para difundir o conceito aristotélico de escravidão natural.22 Possivelmente foi em uma de suas obras, ou nas de outros autores afinados com a mesma ideia, ou nas repercussões delas, principalmente na voz de muitos pregadores, que se difundiu a concepção de escravidão natural associada, sobretudo, aos bárbaros, que fundamenta as declarações de Zurara em sua Crônica.

Para os cristãos da Idade Média e da época das grandes navegações oceânicas do alvorecer da Idade Moderna, bárbaros eram os não cristãos, também chamados de infiéis — conheciam o cristianismo, mas não o seguiam, como no caso dos islâmicos — e pagãos — não conheciam o cristianismo, como no caso dos índios). Por contraste de alteridade, durante a expansão marítima, os povos desse modo classificados pelos europeus começaram a ser submetidos à escravidão, com base no conceito de escravidão natural formulado por Aristóteles.

Para tanto, a esse conceito, intelectuais da Idade Média acresceram uma interpretação bíblica que forneceu as bases para justificação daquela antiga e até então residual, ao menos no Ocidente, forma de exploração do trabalho. Trata-se da maldição de Noé sobre seu filho Cam, utilizada para reforçar a ideia aristotélica de escravidão natural, que os intelectuais orgânicos da conquista souberam adaptar para o contexto da formação dos impérios coloniais e associar a argumentos religiosos. A esse respeito, o fragmento abaixo transcrito da Crônica de Zurara é muito esclarecedor.

E aqui haveis de notar que estes negros, posto que sejam mouros como os outros, são porém servos deles, per antigo costume, o qual creio que seja por causa da maldição, que depois do dilúvio lançou Noé sobre seu filho Cam, pela qual o maldisse, que a sua geração fosse sujeita a todas as outras gerações do mundo, da qual estes descendem, segundo escreve o arcebispo D. Rodrigo de Toledo.23

Essa interpretação da suposta maldição de Noé, cuja origem se perde na noite dos tempos bíblicos, acabou sendo muito útil ao cristianismo para a fundamentação da escravização de diversos grupos étnicos africanos, principalmente após a intensificação dos contatos entre os cristãos e os negros depois da chegada dos portugueses à região da Guiné.24 No Livro do Gênesis, os versículos 20 a 29 do capítulo 9, ao narrar a aliança entre Noé e Deus, há uma passagem em que um dos filhos de Noé, Cam, é amaldiçoado por seu pai por ter zombado do seu estado de embriaguez e da sua nudez.25 Não obstante as controvérsias entre os exegetas sobre os problemas inerentes às traduções do texto original e as consequentes alterações do seu significado, essa passagem bíblica é, desde o mais remoto tempo, usada para explicar as características dos povos que, hipoteticamente, descenderam dos três filhos de Noé. Após o dilúvio, quando a Terra foi dividida por eles, a Cam, a quem se atribui a referida maldição, coube o território que conhecemos como África. Essa ideia ressoou durante a Idade Média, particularmente nos seus meios mais cultos,26 tendo sido o arcebispo de Toledo, cujo nome mais provável é Rodrigues Ximenes, que naquele arcebispado atuou a partir de 1237,27 um dos autores, citado acima no final da Crônica da Guiné, que a referendou.

Dessa maneira, para justificá-la e aplicá-la aos negros depois da chegada dos navegadores lusitanos a suas terras durante o expansionismo marítimo, o argumento da infidelidade religiosa, utilizado para fundamentar a escravização de infiéis, isto é, aqueles que conheciam a fé cristã, mas não a seguiam, não foi mais suficiente. Em acréscimo a ele e à reatualização do conceito de escravidão natural consolidado nos escritos de Aristóteles, bem como da invenção de uma suposta maldição de Noé sobre seu filho Cam, dos quais os conquistadores consideram os negros como herdeiros diretos, usaram termos detratores típicos de uma mentalidade marcada por uma alteridade construída em época de conquista.

Sobre isso, Todorov tem algumas considerações bastante relevantes, usando como exemplo a experiência protagonizada pelos espanhóis durante a conquista da América. Segundo ele, o outro, o desconhecido, por ser tão diferente, não podia ser compreendido em seus próprios parâmetros culturais, o que levou os povos isolados por um oceano enorme e até então jamais transposto a se estranharem, se interpretarem e se classificarem de acordo com sua cultura. Nesse processo, o mais forte militarmente acabou impondo a sua visão do outro como inferior, bárbaro, selvagem, bestial, etc.28

E isso se aplica a todos os conquistadores. No caso dos portugueses, a Crônica de Zurara é um bom exemplo da maneira como seus contemporâneos perceberam os negros da Guiné, conforme pode-se observar em várias passagens do seu relato. Em uma delas, ele afirma que, entre os botins da campanha marítima, os navegadores, além de

[...] cavalos e camelos, trouxeram um mouro servo consigo. E como quer que daí afora parecessem gente barbárica e bestial, não faleceu em eles alguma parte de astúcia.29

Em outra, ele diz que

[...] por ventura será gente que atravessa com suas mercadorias para algum porto do mar, onde há alguma ancoração segura em que os navios recebem carga, pois gente é por muito bestial que seja [...] é necessário que haja de governar.30

Trata-se de uma imagem — ou, para usar um termo bastante, e porque não dizer exageradamente, aplicado nas últimas duas décadas na historiografia brasileira, representação — que, no vocabulário da época, significa que são indivíduos situados em uma escala inferior no posicionamento hierárquico dos povos, ou, em outras palavras, que estão do lado oposto do que se considerava civilização.

Para entender como Zurara, na posição de cronista do reino, a construiu ao escrever a Crônica da Guiné sob encomenda da Coroa portuguesa, para buscar a legitimidade papal para impulsionar seu expansionismo ultramarino, além das considerações de Todorov já mencionadas, os escritos de Chartier também são muito úteis. Segundo ele, a construção de imagens sobre povos, culturas e sociedades faz parte de um processo de legitimação do poder e dominação por parte de quem as construiu. E isso constitui uma prática que embasa as ações no âmbito das relações socais,31 funcionando, por exemplo, no caso de dominadores e dominados em um processo de conquista, como um instrumento que autoriza a maneira como o vencedor lida com os vencidos.

Dessa forma, foi se delineando, aos poucos, o processo de conquista portuguesa, na qual a construção de imagens detratoras e inferiorizantes sobre o outro exerceu um papel essencial, por meio do qual um dos seus desdobramentos mais marcantes, a escravidão, começou a ser justificada, sobretudo porque essa forma de organização da produção já era praticada no continente africano, embora sua natureza e dinâmica fossem diferentes da praticada na Antiguidade, e sua extensão social fosse limitada, como já constatado pelos historiadores.32 Sobre isso, Zurara relata:

Como sabes que naturalmente todo preso deseja ser livre, o qual desejo tanto é maior, quanto a razão ou nobreza mais abasta naquele que por fortuna se acertou de viver em sujeição alheia; e assim aquele cavaleiro, de que já falamos, vendo-se posto em cativeiro, no qual como quer que fosse docemente tratado, desejava ser livre, pelo qual muitas vezes requeria a Antão Gil que o levasse a sua terra, onde lhe afirmava que daria por si cinco ou seis mouros negros.33

Considerações finais

Pode-se dizer que, em sua Crônica, Zurara apresenta os habitantes da região conhecida genericamente como Guiné seguindo o padrão teoricamente formulado pela antropologia proposta por Todorov e pela história cultural proposta por Chartier. Ou seja, formulando uma imagem que representava o outro das campanhas marítimas lusitanas na África como seres bárbaros e bestiais, ele contribui para legitimar o projeto de expansão de Portugal na costa ocidental africana após a tomada de Ceuta, abrindo caminho para a conversão, a longo prazo, de grande parte dos negros, que os portugueses conseguiram trazer para sua colônia americana, ao cristianismo e, assim, cumprindo uma promessa cruzadista, mas impondo-lhes o preço da escravidão, usando como principal argumento a suposta maldição bíblica de Noé a seu filho Cam, do qual supostamente os africanos descenderiam.

Dessa maneira, podemos concluir que determinadas ações que tiveram e ainda têm grande efeito na história da humanidade, como a escravidão, muitas vezes nascem ou, pelo menos, são legitimadas a partir de relatos meticulosamente organizados para o conhecimento das autoridades que, com base neles, tomam decisões sobre a viabilidade de um empreendimento militar e, no caso da opção por executá-lo, da montagem da estratégia de conquista, como fizeram, por exemplo, os reis de Portugal durante a formação de seu império colonial.

notas

1 Gomes Eanes de Zurara, Crônica do descobrimento e conquista da Guiné, Visconde de Santarém (org.), Paris: J. P. Aillaud, 1841, pp. 89-90.

2 Charles R. Boxer, O império marítimo português, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 37-9.

3 Segundo os autores que escreveram sobre o assunto, a literatura medieval, particularmente dos séculos XIII ao XV, teve como duas das suas principais características o providencialismo (a ideia de que Deus é o sujeito da história e de que os homens são meros instrumentos da vontade divina) e a ética cavaleiresca (a honra de defender a sociedade nos campos de batalha, a bravura no embate contra o inimigo e a glória da vitória). Entre eles, Maria do Rosário Ferreira (org.), Cadernos de literatura medieval, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, particularmente p. 92, nota 44.

4 Zurara, Crônica, prólogo.

5 Boxer, O império, p. 38-9.

6 Isso quer dizer que não se pretende aqui fazer exatamente o que Skinner fez nas obras em que ele aplicou o método contextualista (situar os textos dos autores no contexto em eles foram produzidos para investigar os problemas que os motivaram) e intertextualista (elaborar uma espécie de arqueologia das obras que os autores utilizaram para fundamentar seus textos). Pois, com tais métodos, seu objetivo maior é descobrir qual o sentido histórico dos textos (penso, conforme reflexão de Francisco José Calazans Falcon no capítulo 4, “História das ideias”, inserido na obra organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, Domínios da história, Rio de Janeiro: Campus, 1997, que descobrir o sentido de um texto é missão praticamente impossível, sobretudo porque os textos, e todos os modos de expressão, ou linguagem, são polissêmicos). O que se pretende nesta pesquisa, em síntese do já explicitado acima, é entender o que levou os autores estudados nesse trabalho a escrever, e como escreveu (com alta dose de dramaticidade), sobre as condições de saúde dos escravos e quais os efeitos que o conteúdo dos seus escritos provocaram na forma de se lidar com a população escrava. Assim, a contextualização será necessária para identificar alguns problemas da época em que os autores escreveram, e que têm relação com seus textos, e a intertextualidade será necessária apenas para identificar as tradições intelectuais que os autores usaram para embasar seus argumentos. Então, não pretendo fazer uma utilização plena da proposta de Skinner, pois, se o desejasse, minha pesquisa teria de ter outro foco: as fundações do pensamento dos letrados/intelectuais que atuaram no Brasil sobre as condições da saúde dos escravos, ou algo próximo disso. Portanto, como não pretendo focar na fundamentação dos textos e sim na sua característica narrativa (dramática) e nos seus possíveis impactos na sociedade em que e para a qual foram escritos, ou nos seus possíveis efeitos práticos para a preservação da mão de obra escrava, em contexto de escassez de oferta de escravos ou de ameaça de revolta escravista, ou de ataque ao ideário escravocrata, utilizarei a referida referência teórica de forma adaptada (isto é, fazendo uso apenas da contextualização e intertextualidade no limite da necessidade de uma pesquisa cuja fonte são textos cujos autores expõem seu pensamento sobre um determinado assunto para intervir ou combater problemas de suas épocas) sem me comprometer a reproduzir o que tal referência já fez em seus clássicos trabalhos.

7 Quentin Skinner, As fundações do pensamento político moderno, São Paulo: Companhia das Letras, 1996; James Tully, Meaning and Context, Cambridge: Polity Press, 1988.

8 Ao utilizar essa referência teórica, pretendo tão somente me apropriar do seu conceito de campo para situar os textos dos autores no seu campo de atuação/formação. Com isso quero saber de onde os autores falam. Trata-se de uma forma de complementar e reforçar a adaptação que tento fazer da abordagem de Skinner. O conceito de campo permite entender como os autores procuram defender seus argumentos como um a priori, como ideias que, sustentadas na autoridade (religiosa, no caso dos jesuítas, científica, no caso dos médicos, ou filosófica, no caso dos intelectuais da ilustração; muitas vezes esses macrocampos de autoridade se misturam em uma mesma obra, ora com a predominância de um, ora de outro), deveriam, no entendimento dos seus formuladores, ser admitidas sem questionamento. Mas sem focar a pesquisa nisso, e sem a pretensão de, como é comum em muitas obras bourdianas, investigar as tensões intelectuais, ou as relações de poder entre os membros de um campo, porque, do contrário, o seu foco deveria ser algo relacionado com um estudo das divergências e convergências de ideias entre os autores que escreveram sobre doenças de escravos e de que maneira, a partir da dialética intelectual entre eles, seu campo de saber foi sendo constituído.

9 Pierre Bourdieu, Os usos sociais da ciência, São Paulo: Unesp, 2004, p. 20.

10 Pierre Bourdieu, A economia das trocas simbólicas, São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 190.

11 Fernand Braudel, Civilização material, economia e capitalismo, séculos XVI-XVIII, v. 3, “O tempo do mundo”, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 8. De acordo com esse autor, “o tempo do mundo refere-se a uma espécie de superestrutura da história global”.

12 Zurara, Crônica, p. 27.

13 Zurara, Crônica, p. 56.

14 Zurara, Crônica, pp. 52-4.

15 Zurara, Crônica, p. 60.

16 A síntese da história de Portugal elaborada até aqui foi feita com base em José Vicente Serrão, História de Portugal, dirig. José Matoso, v. 4, Lisboa: Círculo de Leitores, 1993; Vitorino Magalhães Godinho, A estrutura da antiga sociedade portuguesa, Lisboa: Pallas, 1980; Jaime Cortesão, História da expansão portuguesa, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993; Jaime Cortesão, Os portugueses em África, Lisboa: Portugália, 1968; António Manuel Hespanha, História militar de Portugal, v. 2 (Época Moderna), Lisboa: Círculo de Leitores, 2004.

17 Zurara, Crônica, pp. 61-3.

18 Zurara, Crônica, p. 60.

19 Sobre o vigor da escravidão moderna, sobretudo a dos negros, cf. Hebert Klein, O tráfico de escravos no Atlântico, Ribeirão Preto: FUNPEC, 2004; Manolo Florentino, Em costas negras: uma história do tráfico entre a África e o Rio de Janeiro, São Paulo: Companhia das Letras, 1997; Robert E. Conrad, Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1985.

20 Citado por Giuseppe Tosi, “Aristóteles e a escravidão natural”, Boletim do CPA, n. 15 (2003), p. 80 e p. 83, respectivamente.

21 Platão, A República, São Paulo: Escala, 2007, Livro V, pp. 189-90.

22 Jorge Luis Gutierrez, Aristóteles em Valladolid, São Paulo: Mackenzie, 2007.

23 Zurara, Crônica, p. 93.

24 A esse respeito, as obras de Alisson Eugênio, Lágrimas de sangue: a saúde dos escravos no Brasil, São Paulo: Alameda, 2016; Rafael de Bivar Marquese, Feitores do corpo e missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, São Paulo: Companhia das Letras, 2004 e Ronaldo Vainfas, Ideologia e escravidão, Petrópolis: Vozes, 1986 podem ajudar a esclarecer o papel das ideologias, das ideias, do pensamento sobre a fundamentação teórica da escravidão promovida pelos europeus durante a Idade Moderna.

25 Bíblia, Gênesis, 9: 20-29.

26 Hilário Franco Jr., “O pensamento analógico medieval”, Medievalista, n. 14 (2013), <www2.fcsh.unl.pt>, acessado em 15/12/2016.

27 José de Sousa Amado, História da Egreja Cathólica de Portugal, tomo 4, Lisboa: Tipografia de G. M. Martins, 1872, p. 371.

28 Tzvetan Todorov, A conquista da América: a questão do outro, São Paulo: Martins Fontes, 2010.

29 Zurara, Crônica, p. 93.

30 Zurara, Crônica, p. 60.

31 Roger Chartier, História cultural, Lisboa: Difel, 1990, p. 17.

32 Entre eles: João Carlos Rodrigues, Pequena história da África negra, São Paulo: Globo, 1990 e Alberto da Costa e Silva, “A memória histórica sobre os costumes particulares dos povos africanos, com relação privativa ao reino da Guiné..., Afro-Ásia, n. 28 (2002), pp. 251-92.

33 Zurara, Crônica, p. 93.

Quais os motivos que levaram os portugueses a explorar o continente africano?

O primeiro lugar que os portugueses chegam no continente africano foi em Ceuta, no Norte, em 1415. Em princípio estabeleceram comércio com os povos da região. Os interesses portugueses nesse momento eram principalmente encontrar uma nova rota para as Índias e produtos rentáveis para o mercado europeu.

Qual o objetivo dos portugueses com as expedições em torno do continente africano?

Périplo Africano é o nome de uma série de viagens realizadas pelos portugueses no século XV, inicialmente pelo Mar Mediterrâneo, mas sobretudo pela costa da África. O objetivo era encontrar um caminho alternativo para chegar às Índias e poder trazer os produtos sem ter que comprá-los em Gênova ou Veneza.

Por que os portugueses iniciaram a exploração do litoral africano?

Navegação dos portugueses na costa africana para chegar às Índias. O Périplo Africano foram diversas viagens feitas pelos portugueses nos séculos XV e XVI na tentativa de descobrir uma alternativa para chegar às Índias, na época das Grandes Navegações.

Quais eram os principais interesses dos portugueses ao iniciarem a navegação ao redor do litoral africano?

Depois de Ceuta, uma série de outras expedições oceânicas foram realizadas, e a prioridade portuguesa foi a de explorar a costa do continente africano. Isso porque os portugueses desejavam encontrar, por meio da costa africana, uma rota que os permitisse alcançar as Índias.