Descreva como era um engenho, pegando por base a imagem a cima

A aquarela “Um jantar brasileiro” é uma das obras mais conhecidas de Jean-Baptiste Debret. Pintada em 1827, ela mostra hábitos alimentares e costumes da parcela rica da sociedade brasileira que vivia na Corte na Brasil Colônia. A leitura mais atenta da imagem permite extrair vários elementos sobre o cotidiano de uma casa senhorial no Rio de Janeiro, no início do século XIX. Para os alunos do Fundamental,  a leitura da imagem fica ainda mais apurada com a atividade de colorir o desenho que reproduz a aquarela.

No final do artigo, download do desenho para colorir e instruções para a atividade.

 O “jantar” descrito por Debret

Durante os quinze anos que o pintor francês Jean-Baptiste Debret morou no Brasil (1816 a 1831) ele registrou, em aquarelas, desenhos e telas a óleos, paisagens e costumes rurais e urbanos brasileiros acompanhados, em boa parte, por uma descrição pormenorizada. Isso torna o trabalho de Debret uma preciosa fonte de informações sobre a vida no Brasil Colonial, como se observa na aquarela “Um jantar brasileiro”.

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“Um jantar brasileiro”, Jean-Baptiste Debret, aquarela sobre papel, 16 x 22 cm, Rio de Janeiro, 1827.

A imagem mostra um casal de posses, sentado à cabeceira da mesa, jantando. Uma toalha de linho branco guarnecida com rendas cobre a mesa sobre a qual há cristais, porcelana, vinho, frutas, carne etc. O casal usa talheres, costume raro na colônia até a chegada da corte portuguesa, mesmo entre os mais abastados. Uma escrava espanta as moscas e dois escravos estão de prontidão para atender seus senhores (de um deles se vê apenas a sombra junto à porta). A senhora se entretém alimentando duas crianças negras, como se fossem cachorrinhos.

Sobre a refeição, propriamente dita, Debret deixou uma descrição detalhada:

“Quanto ao jantar em si, compõem-se, para um homem abastado, de uma sopa de pão e caldo grosso, chamado caldo de substância, porque é feito com um enorme pedaço de carne de vaca, salsichas, tomates, toucinho, couves, imensos rabanetes brancos com suas folhas, chamados impropriamente nabos etc., tudo bem cozido. (…) Acrescentam-se algumas folhas de hortelã e mais comumente outras de uma erva cujo cheiro muito forte dá-lhe um gosto marcado bastante desagradável para quem não está acostumado.

Serve-se ao mesmo tempo o cozido, ou melhor, um monte de diversas espécies de carnes e legumes de gostos muito variados embora cozidos juntos. Ao lado coloca-se sempre o indispensável pirão (de farinha de mandioca) misturado com caldo de carne ou de tomates ou ainda com camarões. Uma colher dessa substância farinhosa meio líquida, colocada no prato cada vez que se come um novo alimento, substitui o pão, que nessa época não era usado ao jantar.

Ao lado do pirão, mais no centro da mesa, vê-se a insossa galinha com arroz, acompanhada por um prato de verduras cozidas extremamente apimentadas. Perto dela brilha uma resplandecente pirâmide de laranjas perfumadas, cortadas em quartos e distribuídas a todos os convivas para acalmar o paladar já cauterizado pela pimenta. (…)

O jantar se completa com uma salada inteiramente recoberta de enormes fatias de cebola crua e de azeitonas escuras e rançosas (tão apreciadas em Portugal, de onde vêm…).

A esses pratos, sucedem, como sobremesa, o doce-de-arroz frio, excessivamente salpicado de canela, o queijo-de-minas, e mais recentemente, diversas iguarias da Holanda e da Inglaterra. As laranjas tornam a aparecer com as outras frutas do país, como abacaxis, maracujás, pitangas, melancias, jambos, jabuticabas, mangas, cajás, frutas do conde, etc.

Os vinhos da Madeira e do Porto são servidos em cálices com os quais se saúdam cada vez que bebem. Além disso, um copo muito grande, que os criados cuidam de manter sempre cheio de água pura e fresca, posta à mesa, é servida a todos para beberem à vontade.” (DEBRET, 1971)

Hábitos alimentares antes da chegada da Corte

Antes da chegada da corte portuguesa, consumia-se muita carne salgada vinda do Norte e a carne de porco proveniente por Minas Gerais. Já a carne de sol, então chamada de “carne do Ceará” e considerada um produto inferior, era destinada aos escravos. Comia-se pouca carne “verde” (carne bovina fresca), talvez por ser mais difícil de conservar além de ser fornecida em quantidade insuficiente para abastecer o mercado carioca.

A alimentação dos pobres e escravos no Brasil Colônia, reduzia-se quase exclusivamente a carne seca, farinha de mandioca, peixes, arroz e feijão preto. Carne de porco eram para os dias de festa, assim como os legumes e hortaliças. Pimenta, angu e aguardente de cana eram consumidos sob o pretexto de despertar o apetite.

Peixes, camarões, mariscos e ostras, pela abundância e baixo preço, eram utilizados por toda a população, mas principalmente pelos mais pobres. Preparados com condimentos, sobretudo pimenta, os alimentos marinhos eram frequentes em pelo menos uma das três refeições realizadas no dia, especialmente na ceia. Comia-se arroz cozido com camarões ou com cabeça de peixe acompanhado de pirão feito com farinha de mandioca e caldo de peixe ou carne.

O feijão, de uso cotidiano e indispensável, era preparado de duas maneiras: cozido sozinho para acompanhar o peixe ou cozido com lombo, carne salgada, toicinho, linguiça, pés e orelha de porco – a suculenta feijoada.

As frutas estavam ao alcance de todas as famílias. Banana, laranja, ananás e melão completavam a dieta dos brasileiros assim como alguns doces, como a goiabada e a canjica com açúcar e canela. A sobremesa mais apreciada era a mistura de farinha, melado e queijo de Minas. O queijo mineiro, pelo seu baixo preço, fazia parte da alimentação de quase toda população no Brasil Colônia.

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Interior de uma casa pobre da cidade. A escrava que trabalha como carregadora de água, entrega à sua senhora, o dinheiro ganho no dia. No barril, traz uma penca de bananas que servirá de refeição aos moradores da casa. “Família pobre recolhendo o produto do trabalho da negra velha que carrega água”, aquarela sobre papel, 16 x 22 cm, J. B. Debret, Rio de Janeiro, 1827.

Depois da chegada da Corte

A presença da corte portuguesa e a abertura dos portos introduziram ou disseminaram novos produtos que alteraram os hábitos alimentares, especialmente no Rio de Janeiro. Os talheres passaram a ser usados nas casas mais ricas mas, mesmo assim, com poucas peças. Os homens utilizavam facas de cabo prateado para cortar a carne e, num almoço formal, era comum cada convidado levar a sua faca de casa. Mulheres e crianças continuavam comendo com as mãos.

Nas famílias abastadas, a manteiga francesa tornou-se mais comum, assim como a carne “verde” de vaca que, aos poucos substituiu a carne salgada. A carne de porco, contudo, continuou sendo a proteína mais consumida em todas as classes sociais. A respeito de sua aquarela Loja de carne de porco, Debret comenta sobre o grande consumo de carne e banha de porco no Brasil Colõnia. Segundo ele, havia matadouros de porcos em vários bairros isolados do Rio de Janeiro que abasteciam os açougues duas vezes ao dia, logo cedo às 8h da manhã e no final da tarde entre 18h e 19h

Vinhos de Lisboa e do Porto passaram a acompanhar a refeição dos mais abastados. Mas logo foram suplantados pela cerveja cujo consumo cresceu e tornando-se cada vez mais presente nas refeições. Os pobres, contudo, continuaram servindo-se quase exclusivamente de água.

A importação da farinha de trigo possibilitou a fabricação de pães, antes praticamente inexistentes no Brasil Colonial. A partir de 1810, surgiram, na capital, padarias francesas, alemães e italianas. A refeição matinal passou a ter pão com manteiga, acompanhado de café, leite, chá e ovos. Os pobres continuaram consumindo beiju e tapioca, feitos com fécula extraída da mandioca.

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Interior de uma padaria. Um garoto e uma escrava compram um pãozinho barato enquanto outro escravo leva, em um saco, pães para seus senhores. Ao fundo, escravos descascam o trigo. “Padaria”, aquarela sobre papel, 15 x 22 cm, J.B. Debret, Rio de Janeiro, c.1820-1830.

Horário das refeições: quando o jantar era almoço

Nos primeiros tempos da colônia, seguindo os hábitos europeus, as duas refeições principais para os senhores eram o jantar que ocorria cerca do meio-dia e a ceia, às 7 ou 8 horas da noite. Correspondiam, portanto, respectivamente ao almoço e jantar de hoje.

No final do século XVI, uma nova refeição foi introduzida: o almoço, tomado pela manhã e correspondente ao nosso café da manhã. No século XVIII, nas casas mais ricas, introduziu-se a merenda, que se comia entre o jantar e a ceia. Com a nova refeição, a hora da ceia passou para 9 ou 10 horas da noite.

No século XIX, independente da classe social e atividades exercidas, havia quatro refeições bem definidas. A primeira, depois de acordar, era o almoço; seguia-se o jantar, entre meio-dia e 2 horas da tarde; no meio da tarde, a merenda e, por fim, a ceia, depois das 9 horas da noite. Daí entendermos que o título “Um jantar brasileiro”, da aquarela de Debret, correspondia, na verdade, ao nosso almoço.

No século XX, houve uma nova mudança: o almoço passou a ter lugar entre meio-dia e 1 hora da tarde, o jantar aproximou-se das 8 horas da noite e a ceia, quando ocorria (tornou-se facultativa) era servida depois das 11 horas da noite. Com os novos hábitos, a refeição matinal ganhou um novo nome em Portugal, passou a se chamar pequeno almoço – termo que não foi adotado no Brasil.

O descanso depois do “jantar”

Após o jantar (almoço), os senhores faziam a sesta por duas ou três horas. Vestidos à vontade, com roupas largas, calças curtas e descalços, eles descansavam até o cair da noite. Só então, levantavam-se, faziam a toalete para receber visitas ou sair a passeio.

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“Passatempo dos ricos depois do jantar” ou “Uma tarde de verão”, aquarela sobre papel, 15 x 21 cm, J.B. Debret, Rio de Janeiro, 1826.

Assim descreve Debret esse momento:

É muito natural que, sob uma temperatura que se eleva até 45 graus, sob um sol insuportável durante seis a oito meses do ano, o brasileiro tenha adotado o uso da varanda em suas construções, também encontrada, embora de forma mais simples, na mais pobre habitação.

É aí [na varanda] que durante o silencioso descanso depois do jantar, abrigado dos raios do sol, o brasileiro (…) apossa-se então de seu devaneio poético e musical, que se exprime nos sons expressivos e melodiosos da flauta, seu instrumento predileto, ou num acompanhamento improvisado no violão e cujo estilo, apaixonado ou ingênuo, colore sua engenhosa modinha.

É também na varanda [que ele aplaca] o ardor de sua sede, esvazia, sucessivamente, as inúmeras moringas de água fresca, que se encontram colocadas nos quartos como as bombas contra incêndio nas salas de espetáculo na França. (DEBRET, 1971)

Para o download do desenho, preencha os campos abaixo e clique em “Inscrever”.

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Desenho baseado em “Um jantar brasileiro”, de Debret, para colorir.

  • O desenho para colorir está em alta resolução e em tamanho A-4.
  • Acompanham questões que estimulam a leitura crítica da imagem e tornam a atividade de pintura pedagogicamente mais significativa.

Instruções para aplicar a atividade

Essa atividade pode ser proposta à classe em diferentes momentos: como fechamento das aulas sobre sociedade colonial, como introdução a esse conteúdo ou mesmo durante o desenvolvimento do tema.

É importante que ela seja feita em sala de aula, e não como lição de casa, para garantir um melhor aproveitamento do aprendizado. Portanto, solicite aos alunos trazerem lápis de cor no dia em que ela for aplicada.

Mostre a imagem original e, junto com os alunos, destaque cada elemento retratado por Debret e estimule a turma a descrever a cena. Contextualize a pintura bem como o pensamento do artista a respeito da escravidão e dos costumes escravos.

Bom trabalho!

Fonte

  • DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, 1816-1831. São Paulo: Melhoramentos, 1971.
  • BANDEIRA, Júlio & LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Obra completa. Rio de Janeiro: Capivara, 2008.
  • BRAGA, Isabel M. R. M. Drumond. Alimentação e culinária. In: VAINFAS, Ronaldo & NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Dicionário do Brasil Joanino (1808-1821). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
  • CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. São Paulo: Campus, 2003.
  • REIS, Lima. Visita nova à história antiga das horas de comer. Revista Alimentação Humana, Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação, v.16, n. 1, 2010.

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