Na obra modernidade líquida ha tempos como amor líquido

As relações humanas na contemporaneidade estão se tornando cada vez mais líquidas, onde incertezas, dúvidas, insegurança permeiam com frequência nos relacionamentos. Não há solidez e garantia de que se estará ao lado da pessoa escolhida para amar por toda a vida. Bauman (2004) analisa que na modernidade, o sujeito construía sua identidade a partir da comunidade a qual estava inserido. Porém, com o avanço da globalização e tecnologias, a subjetivação passa a ser em nível global, o individuo então, sente-se em conflito, ao ter, ele mesmo, que construir sua identidade, agora não mais fixa na família.

O ser humano está a cada instante mais insatisfeito com o que tem, e por vezes, não consegue identificar o que se quer realmente. Ao se envolver nessa dinâmica do pós-modernismo, onde a rapidez e a velocidade são características marcantes desse período, os relacionamentos familiares, amorosos, profissionais se tornam fragilizados. Segundo Bauman (1998) as principais características da modernidade líquida são os desapegos, a provisoriedade, o acelerado processo da individualização e o conflito entre liberdade e segurança.

Na obra modernidade líquida ha tempos como amor líquido

Fonte: http://rotinasinteligentes.blogspot.com.br/2015/09/zygmunt-bauman-amor-liquido-seguranca-e.html

Pessoas são tratadas como produtos, e quando não satisfazem mais os seus desejos e expectativas podem ser descartadas ou trocadas por outra que consideramos que seja o melhor para elas. Saladino (2008) acredita que na pós-modernidade os indivíduos não querem pagar o preço dos antepassados, em manter um relacionamento afetivo, pois, se eles não estão se sentido bem no relacionamento, os mesmos buscam outras pessoas, devido o relacionamento intensivo prejudicar a vida do indivíduo.

O presente ensaio visa analisar os relacionamentos na contemporaneidade, a partir das obras: “Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos” e “Modernidade líquida”, do sociólogo Zygmunt Bauman.

O individualismo é bastante discutido na atualiade, pois atuamos num mundo em que as pessoas vivem para si próprias, fazendo com que o interesse individual seja mais importante que o coletivo. A liberdade individual é bem valorizada, podendo ser entendida como “viver da forma que bem desejar”, ter várias opções e ser livre para fazer suas escolhas (CHAVES, 2004).

A sociedade pós-moderna vive uma liberdade falsa, como “marionetes”, pois somos controlados de todos os modos. Segundo Bauman (2001), os indivíduos não tem total liberdade, pois eles não controlam suas próprias vidas.  A liberdade surge de um tipo de sociedade que promove mais liberdade individual e cada vez menos segurança, sendo assim, há menos referência de identidade e projetos futuros sólidos (BAUMAN, 1998).

Na obra modernidade líquida ha tempos como amor líquido

Fonte:https://quaseheroina.wordpress.com/category/mulherzinha/

Nesse mundo repleto de controle, no qual todas as experiências tem um propósito definido para a maioria das pessoas, Bauman (2001) afirma que “esse mundo não tem espaço para o que não tiver uso ou propósito. O não-uso, além disso, seria reconhecido nesse mundo como propósito legítimo” (BAUMAN, 2011, p. 66). Assim, na contemporaneidade a sociedade tem dificuldade nas escolhas objetivas, as quais podem provocar agonia na maioria nas pessoas, devido à exigência de reflexão acerca de tais escolhas.

Guahyba e Magalhães (2001), enfatiza que os jovens precisam escolher uma profissão e construir seu projeto de vida, onde eles devem estar cientes que não vão fazer uma escolha totalmente individual, pois o meio influencia em diversos aspectos, onde está inserido. O capitalismo então, se apropria dessa lógica, pois, o sujeito precisa ter uma identidade flexível para estar sempre pronto pra se inserir no mercado e adapto da moral do consumo.

Sobre essas inconstâncias da modernidade líquida, Fragoso (2011) analisa que:

No caso da experiência dos indivíduos na versão líquida da modernidade, a identidade é continuamente montada e desmontada. E tem de ser assim, visto que a busca fugaz da felicidade exige adaptabilidade e mudança constante, portanto prender-se a uma “identidade” pode ser o desfecho final de um destino infeliz (FRAGOSO, 2011, p. 1112).

Na atualidade vive-se uma ilusão de que a liberdade está sujeita a qualquer situação, tanto nas escolhas profissionais, conjugais, liberdade com seu corpo, em ser livre.

Bauman (2001) afirma que a sociedade contemporânea gosta de pensar que a identidade é algo exclusivamente, sendo sua “produção” de responsabilidade de cada pessoa. Entretanto, na pós-modernidade, o indivíduo não tem controle sobre suas próprias vontades, pois vive sendo influenciado por diversos meios, sem perceber que é levado a consumir o que a mídia impõe a elas. Tafuri (2010) acredita que:

Essa forma vazia, essa promessa de refabricação plástica da identidade reflete a espécie de liberdade oferecida pela sociedade de consumo: uma falsa liberdade, que se resume na escolha entre os diversos modos de vida comercializados, prontos para serem usados e descartados conforme a lógica da moda (TAFURI, 2010 p.12).

Bauman (2008) alerta que na sociedade de consumidores, antes de nos tornarmos sujeitos, somos mercadorias e que, uma vez que a subjetividade é pautada na lógica de mercadoria, esta precisa ser recarregada sempre para ser cumprir com o que é exigido de um produto vendível.

Desta forma, a sociedade contemporânea se torna adoecida pelo consumismo. Ao comprar algo material, não é apenas para se satisfizer, e sim para acompanhar a moda, para reafirmar, através de um produto, a sua subjetividade. Como ressalta Debord (1997), ao comprar um produto, o sujeito acredita que será tão feliz como promete o seu slogan, além disso, este sujeito vive na sociedade do espetáculo, ou seja, inverte o real. Assim, não há espaço para a introspecção ou sentimento, o que torna as relações superficiais.

Segundo Hall (2000) apud Garcia (2012), o consumo está atrelado a forma de como somos vistos pelo mundo, o que muitas vezes por ser identificado de maneira totalmente indispensável torna o ser humano um escravo do mercado de consumo, perdendo-se em sua própria identidade.

O sujeito, então, investe no consumo para se destacar e acredita que assim, irá sair da “massa”. Essa ideia de mercadoria também reflete na forma como nos relacionamos, como ressalta Bauman (2004):

A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço (BAUMAN, 2004. p. 11).

Bauman (2004) analisa que cada vez mais o amor tem sido banalizado. O consumismo e imediatismo, levam o sujeito a acreditar que as habilidades de amar se potencializam com as experiências amorosas, porém, como ressalta o autor, isso gera episódios intensos e curtos, pois sempre se acredita que o próximo relacionamento será mais bem sucedido.

Na obra modernidade líquida ha tempos como amor líquido

Fonte: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-desejo-como-antidoto-para-o-querer-na-sociedade-de-consumo%2F4%2F34684

Dessa forma, na pós- modernidade o casamento e as promessas feitas no altar não são mais garantias de segurança, uma vez que a rotatividade nos relacionamentos geram medos e inseguranças, pois, não se sabe se ao final do dia o relacionamento ainda existirá com toda solidez quanto o era na modernidade (BAUMAN, 2001).

Portanto, percebe-se que o grande avanço global e tecnológico, e fomentação da individualidade, imediatismo e consumo na contemporaneidade, cria no sujeito a falsa ideia de liberdade, fazendo com que este invista menos nos valores sólidos e duradouros, em contrapartida, temos como resultado a liquefação dos relacionamentos humanos.

De fato, a evolução que ocorreu e ainda ocorre na pós-modernidade tem seu lado benéfico e maléfico, na qual, temos a tecnologia como um dos fatores, em que ao mesmo tempo em que aproxima pessoas, distancia as mesmas. Fazendo com que as relações se tornam fragmentadas. Usando-se da prerrogativa de liquidez, Bauman (2001) nos apresenta uma sociedade que muda seus hábitos e rotinas de maneira rápida e desconcertante. Os interesses coletivos são deixados para trás, enquanto a satisfação individual é exaltada, não se importando com o bem estar do próximo.

A busca pelo imediatismo se torna cada vez mais comum, e já está impregnado no nosso corpo social. Buscamos atalhos para chegarmos aos objetivos, segundo Bauman (2004) “… numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados.” (BAUMAN, 2004. p. 11). Destarte, temos a liquidez como uma fundamental característica da pós-modernidade, impactando desde os relacionamentos afetivos, até a nossa vida cotidiana, no trabalho, sonhos e objetivos que almejamos alcançar.

Na obra modernidade líquida ha tempos como amor líquido

Fonte: http://www.materiaincognita.com.br/wp-content/uploads/2016/04/amor-liquido.jpg

Referências:

BAUMAN, Z.. Modernidade Líquida, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2001.

_____O mal-estar da pós-modernidade. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1998

_____Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2004.

_____Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2008.

CHAVES, J. Contextuais e Pragmáticos: Os relacionamentos amorosos na pós-modernidade. 2004, 212 f. Teses da UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Ed. Contraponto. Rio de Janeiro, 1997.

GARCIA, M. L. As relações de consumo no mundo contemporâneo. Brasilia, 2012. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,as-relacoes-de-consumo-no-mundocontemporaneo,38207.html Acesso em: 03 de setembro de 2016.

GUAHYBA, M.E.G.A; Magalhães, A.S. Escolha profissional na contemporaneidade: projeto individual e projeto familiar, Rev. bras. orientação profissional, vol.12, no.2 São Paulo, 2011.

TAFURI, Rodrigo; Liberdade e identidade na era pós-moderna: conflitos e contradições entre a abertura e a insegurança, Universidade Federal de Juíz de Fora, Juíz de Fora, 2010. Disponível em: <http://www.ufjf.br/graduacaocienciassociais/files/2010/11/Liberdade-e-identidade-na-era-p%C3%B3s-moderna-conflitos-e-contradi%C3%A7%C3%B5es-entre-a-abertura-e-a-inseguran%C3%A7a-parte2.pdf> acesso em: 03 de set. 2016.

SALADINO, Alejandra; Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos – Zigmunt Bauman. Rio de Janeiro, 2008.

TFOUNI, F.L.V e Silva, N; A modernidade líquida: o sujeito e a interface com o fantasma. Rev. Mal  Estar e Subjividade. V 8 n.1 Fortaleza, 2008.