A maioria das greves tinha como maior motivação a melhoria das condições de trabalho

A Greve dos 300 mil não apenas alcançou seu objetivo financeiro, que era o reajuste salarial de 32%, como também criou condições para o surgimento de entidades intersindicais, formou lideranças operárias e pressionou o presidente Getúlio Vargas a nomear um ministro do trabalho comprometido com a melhoria das condições de vida dos trabalhadores: João Goulart.

Rede Brasil Atual

A maioria das greves tinha como maior motivação a melhoria das condições de trabalho

Em março de 1953 a maior parte dos trabalhadores paulistas realizou uma greve geral contra a carestia, que ficou conhecida como Greve dos 300 mil.

O estopim da greve foi o alto custo de vida, que, conforme dados da Fundação
Getúlio Vargas, subiu cerca de 100% entre os anos de 1943 e 1951, em São Paulo, enquanto o salário mínimo subiu apenas 14%.

Entretanto, seus desdobramentos foram mais políticos do que financeiros, e a
greve resultou em uma profunda transformação no sindicalismo brasileiro.

Desde o início, o movimento demonstrou-se preocupado não apenas com o
poder aquisitivo do trabalhador, mas principalmente com a política que regia as relações de trabalho e com a confiabilidade dos órgãos que calculavam os salários e o custo de vida. Vale registrar que a preocupação com estes cálculos já estava colocada desde a greve dos bancários, em 1951.

Comandada pelo Partido Comunista Brasileiro, contando também com filiados do PSB, PTB, PSP e PSD, a Greve dos 300 mil se iniciou com a assembleia geral dos tecelões, em 10 de março de 1953, e teve a gradativa adesão de outras categorias, como metalúrgicos de São Paulo, madeireiros, gráficos e vidreiros.
No dia 18 de março daquele ano, uma passeata chamada de “Panela Vazia” reuniu 60 mil pessoas, que caminharam da Praça da Sé até o Palácio Campos Elísios, então sede do governo do Estado, exigindo o reajuste salarial. Uma semana depois cerca de 300 mil pessoas paralisaram suas atividades laborais.

Como naquela época os Sindicatos estavam atrelados à estrutura corporativista
do Estado, os trabalhadores, na realização da Greve dos 300 mil, se organizaram partir de comitês de empresa nos locais de trabalho.

A partir desses comitês foi formado, no vigésimo dia de paralisação, o Comitê Intersindical de Greve, reunindo as categorias e estabelecendo um acordo pelo qual a greve só terminaria quando houvesse condições gerais que atingissem a todos, evitando possíveis divisionismos forjados pela Justiça do Trabalho do Estado.

Apesar de cerca de 400 grevistas terem perdido seus empregos ao voltarem aos
seus trabalhos (a presença de grevistas nas fábricas não era aceita pelos patrões), a greve foi vitoriosa em vários níveis:

Em primeiro lugar – o aumento salarial de 32% foi alcançado.

Em segundo lugar – deste processo surgiu um senso de unidade intersindical
criando condições para o surgimento do Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que foi a primeira de uma série de entidades intersindicais, como Pacto de Unidade e Ação (PUA), o Fórum Sindical de Debates, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), fundado em 1955 atendendo à demanda de um órgão de cálculos confiável, colocado na greve dos bancários em 1951 e, mais tarde, o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores).

Em terceiro lugar – a greve formou lideranças sindicais, como os metalúrgicos
Remo Forli, Conrado Del Papa, Henos Amorina e Eugenio Chemp, os tecelões
Nelson Rusticci, Antonio Chamorro e Luís Firmino de Lima, os gráficos José
Greco e Dante Pellacani, o vidraceiro José Chedink e o marceneiro Salvador Rodrigues, entre outros.

E, em quarto lugar – a pressão dos grevistas levou o presidente da República,
Getúlio Vargas, a nomear como novo ministro do Trabalho o então deputado federal pelo PTB gaúcho João Goulart. Em janeiro de 1954, o novo ministro começou a estudar um aumento no salário mínimo, enfrentando de um lado a mobilização dos trabalhadores nas grandes cidades por um reajuste de 100% e, por outro, a rejeição dos empresários, que propunham um aumento de 42%.

Jango concedeu o aumento de 100%, como exigia a classe trabalhadora, e devido à forte reação por parte dos empresários e da imprensa foi forçado a renunciar ao cargo em 23 de fevereiro de 1954. Mas o reajuste já estava feito e o decreto do novo salário mínimo foi assinado por Getúlio Vargas no dia 1º de maio de 1954, o Dia do Trabalhador.

*Carolina Maria Ruy é jornalista, coordenadora de projetos do Centro de Cultura e Memória Sindical

Mestre em Ciências Sociais (PUC-Rio, 2015)
Graduada em Ciências Sociais (UERJ, 2012)

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A história das greves está relacionada com a classe trabalhadora assalariada que surgiu durante a Revolução Industrial. As greves eram eventos raros no século XIX, principalmente porque eram ilegais. Foi no século XX, especialmente em momentos de crise econômica, que as greves começaram a fazer parte do repertório de ações coletivas da classe trabalhadora.

As principais demandas das greves são: melhores condições de trabalho, melhores salários, e o tempo de trabalho. A luta maior por trás dessas exigências é a disputa entre trabalhadores e empresários sobre o poder do trabalho, ou seja, o controle que os trabalhadores possuem ou não sobre seu próprio trabalho.

A intensificação da ocorrência de greves no Ocidente aconteceu após sua legalização. Isso exigiu dos trabalhadores que eles se organizassem para realizar as greves, monitorar a incidência e pensar melhores estratégias para que elas alcançassem os efeitos desejados. Os sindicatos foram os principais responsáveis por sua organização, bem como por guardar informações e estatísticas sobre elas em todo o mundo. Também por isso, os sindicatos fazem parte da história das greves.

Os Estados Unidos e a Inglaterra são os países com o maior índice de greves registradas no século XIX e início do XX, principalmente devido ao grau de industrialização desses países. Foi também no século XX que grandes crises econômicas aconteceram, como a Quebra de 1929 e o período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Nos anos próximos a estes grandes eventos as greves se intensificaram, como por exemplo a Greve Geral de Seattle, em 1919.

Pode-se dizer que após os anos 1950, com a expansão da industrialização por quase todo o mundo, incluindo os países subdesenvolvidos, as greves tornaram-se comuns e rotinizadas, no sentido de possuírem métodos de organização e negociação semelhantes.

Nos dias atuais, as greves continuam acontecendo, mas muita coisa mudou desde a Revolução Industrial. Desde os anos 1980, com a globalização, a financeirização do capital, o novo modelo de produção industrial – fragmentado por todo o mundo –, a nova divisão internacional do trabalho, o surgimento de novas tecnologias de produção, dentre outros fatores, ficou mais complexo compreender a relação entre trabalho, produção e lucro (SILVER, 2003).

No Brasil, durante as primeiras décadas do século XX, as greves começaram a existir com frequência. O processo de industrialização tinha começado e os trabalhadores não tinham leis que os protegessem. A fim de evitar revoltas maiores, o ex-presidente Getúlio Vargas, em 1937, concedeu direitos trabalhistas.

Finalmente, o direito de greve é garantido por lei em muitos países, como no Brasil, até os dias atuais. Esta é considerada, ainda, uma das principais estratégias da classe trabalhadora para forçar os empresários, os governantes e demais grupos dominantes para reconhecerem direitos, melhores condições de trabalho e salário. Atualmente uma das principais causas relacionadas às greves em todo mundo diz respeito à terceirização, redução dos direitos trabalhistas e reformas para aumentar o tempo de trabalho.

Revisão Bibliográfia:

TILLY, C. From mobilization to revolution. New York, Random House, 1978.

SILVER, B. J. Forces of Labor: workers movements and globalization since 1870. New York, Cambridge University Press, 2003.

Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/sociologia/historia-das-greves/