Como era o tratamento social as pessoas com deficiência na Idade Média?

Como era o tratamento social as pessoas com deficiência na Idade Média?
 
Por Cláudia Garcez, fisioterapeuta e pesquisadora do CDTTA.

As pessoas com deficiência sempre estiveram presentes na história da civilização humana. No início as pessoas que nasciam ou que apresentavam durante a sua vida uma deficiência física, auditiva, visual ou intelectual, eram vistas com males relacionados a castigos dos deuses. Essas pessoas carregavam a imagem da imperfeição humana, ou seja, da deformação do corpo e da mente. Havia um estigma próprio da época, que posteriormente ficou implícito nas mentes humanas, de que o homem é a imagem e semelhança de Deus, por este fato, as pessoas com deficiências eram tidas como castigadas, pois fugiam ao padrão estabelecido de perfeição corporal e mental (GUGEL, 2007).

No Brasil do século XVIII, as pessoas com alguma deficiência eram confinadas em suas casas pelas suas famílias e, em épocas de guerra ou crises, eram transferidas para as Santas Casas. As primeiras ações para beneficiar essas pessoas surgiram no século XIX quando foram criadas entidades voltadas para pessoas com deficiência intelectual e para as pessoas cegas e surdas (JUNIOR & MARTINS, 2011).

Entre 1854 e 1856 foram inaugurados na capital do Império (Rio de Janeiro) o Hospício Dom Pedro II, vinculado à Santa Casa de Misericórdia, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atualmente o Instituto Benjamin Constant) e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atualmente Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES). Nesta época, apenas os cegos e os surdos eram contemplados com ações para a educação. As instituições para pessoas cegas e surdas foram pioneiras na América Latina e seguiram uma cultura européia de ensino e cultura. Porém, com o passar do tempo, a filosofia foi se transformando em assistencialista, ou seja, voltada para a caridade. (JUNIOR & MARTINS, 2011; FERNANDES, et al 2011).

Nesse período, o Estado reconhecia somente a surdez e a cegueira como deficiência capaz de ser superada. Só em 1904, já no século XX, foi que surgiu o primeiro espaço destinado às crianças com deficiência física, chamado Pavilhão-Escola Bourneville (JUNIOR & MARTINS, 2011). No ano de 1950, haviam 40 estabelecimentos voltados para a educação de pessoas com deficiência intelectual e 14 para as outras deficiências (ITS Brasil, 2011).

Apesar da existência das "escolas" voltadas para a educação das pessoas com deficiência, ainda não havia uma política voltada para estas pessoas. Por este fato, as ações eram lentas, o que motivou a sociedade organizada a idealizar e construir instituições como a Associação de Pais e Amigos do Excepcional - APAE e a Associação Pestalozzi, ambas voltadas para a educação e reabilitação, inauguradas nas décadas de 30 e 50 respectivamente (JUNIOR & MARTINS, 2011).

Com a epidemia de poliomielite, que atingiu o Brasil em 1953, foi necessária a criação de locais para o tratamento das pessoas vítimas dessa doença, que causa sequelas físicas permanentes. Um dos primeiros centros de reabilitação do Brasil foi a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação – ABBR, criada em 1954. Uma das primeiras idealizações desta associação foi criar uma escola para formar fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, diante da carência desses profissionais no país. Os cursos de graduação em Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Escola de Reabilitação da ABBR tiveram início em abril de 1956 e seguiam os moldes curriculares da Escola de Reabilitação da Columbia University, universidade localizada em Nova York, nos EUA. Outras instituições também surgiram nesta época, como a Associação de Assistência a Criança Deficiente - AACD. Estas associações tiveram a influência estrangeira pelo fato de seus idealizadores terem estudado no exterior e terem trago seus conhecimentos para serem compartilhados em prol das necessidades emergentes do país (JUNIOR & MARTINS, 2011).

Em virtude da poliomielite e da Revolução Industrial houve uma mudança de filosofia em relação às pessoas com deficiência. Surge então o Modelo Médico, que determina que o problema da deficiência está na pessoa e que por meio de intervenções profissionais pode ser superado. Há nesse modelo uma filosofia que determina que o conhecimento é de domínio dos profissionais da Saúde e que o paciente tem o papel de seguir as determinações prescritas, ou seja, os profissionais detêm o conhecimento e o poder sobre as pessoas e os pacientes são os agentes passivos da história da sua doença (JUNIOR & MARTINS, 2011).

Se antes a deficiência era vista como fator religioso, ligado ao espírito ou ao castigo divino, agora passa a ter uma conotação física, voltada para doença e cura. Nesta fase, inicia-se a expansão do método científico e da Medicina como ciência. Esta visão defende que a deficiência pode ser tratada e possui causas diversas e explicações científicas (GONÇALVES, 2011). A deficiência possui um traço onde a pessoa está forçosamente ligada ao fato da incapacidade e da dependência, o que o coloca numa situação de desvantagem, caracterizada pela discordância entre a capacidade de realização individual do sujeito e as expectativas deste ou do seu grupo social (AMIRALIAN et al, 2000).

Tanto nas fases em que as pessoas com deficiência eram vistas como castigadas por Deus, quanto no Modelo Médico, em que eram tidas como um corpo com deficiência, frágil, inferior e incapaz, esses indivíduos se viam desconectados das suas potencialidades e dos conceitos de autonomia e independência, bem como de um contexto amplo com objetivo de inclusão social, no trabalho, no esporte e lazer. Isto causou um sentimento de discordância nessas pessoas, que iniciaram movimentos focados na pessoa e nas suas ambições como ser humano.

Sentindo-se à margem da sociedade, sem vez e voz para as decisões sobre questões pertinentes aos seus anseios, as pessoas com deficiência iniciaram, na década de 70, grupos em prol de melhorias para atender às suas necessidades. Não havia nesta época nenhuma intenção política, mas sim objetivos comuns, como a cidadania. Foi então que surgiu um novo modelo, o Modelo Social da Deficiência. Segundo essa visão, a deficiência não é necessariamente ligada a uma doença, mas consequência da interação entre características corporais do indivíduo e as condições sociais em que ele vive, ou ainda da combinação de limitações impostas pelo corpo com alguma lesão a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal (MEDEIROS; DINIS, 2004).

Essa nova visão demonstra o papel da sociedade perante as pessoas com deficiência, amplia os conceitos já utilizados e a coloca como responsável por estas pessoas, com o dever de fazer com que a educação, com todos os seus métodos, chegue a todos por meio critérios, métodos, leis, acessibilidade e objetivos. A pessoa com deficiência passa a ser vista com potencialidades e com objetivos para com a sociedade, para com o trabalho e a recíproca passa a vigorar no mesmo sentido, ou seja, a sociedade caminha com o olhar focado nas potencialidades dessas pessoas e deverá proporcionar caminhos para esse novo trilhar.

Novos paradigmas surgem e na década de 80 os grupos de pessoas com deficiência se unem e iniciam as lutas pela cidadania. São pessoas organizadas em várias cidades do país, mas ainda sem ligações com outros grupos. Após a efetivação da comunicação entre os grupos, várias reuniões municipais e estaduais foram realizadas. No ano de 1980, acontece o 1° Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, em que foram traçadas as estratégias do movimento em âmbito nacional e criada a Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Desse evento surgiram várias entidades como a Associação Brasileira de Deficientes Físicos - ABRADEF, a Associação de Assistência ao Deficiente Físico – AADF e o Clube dos Paraplégicos de São Paulo - CPSP (SASSAKI,1997).

O ano de 1981 foi declarado pela Organização das Nações Unidas - ONU o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência sob o tema "Participação Plena e Igualdade". A iniciativa colocou as pessoas com deficiência no centro das discussões mundiais (JUNIOR & MARTINS, 2011). Neste ano foi realizado o 1º Congresso Nacional das Pessoas Deficientes, que contou com a participação de aproximadamente 600 pessoas. O objetivo desse evento foi "exercer pressão, capaz de reivindicar mudanças no sistema de atendimento aos deficientes, nos programas de reabilitação e na luta contra as barreiras ambientais e sociais" conforme declarou o seu organizador, Messias Tavares de Souza, ao jornal O Estado de S. Paulo.

No ano de 1982, foi instituído o Dia Nacional de Luta da pessoa com deficiência como 21 de Setembro. (SASSAKI,1997).

Nos anos seguintes surgiram leis, classificações como o Código Internacional da doença (CID) e a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), criadas pela ONU com a intenção de ampliar a forma como os profissionais da Saúde e a sociedade de um modo geral enxergam e atuam frente às questões da deficiência.

Neste texto pode-se notar que várias foram as formas de abordagem das pessoas com deficiência na história, ora sendo julgadas como castigadas por Deus, ora como um corpo científico que possui um defeito, ora visto pela sociedade como pertencente a uma classe que têm direitos. A sociedade como um todo, em todas essas épocas, demonstrou a sua forma de atribuir conceitos e julgamentos para essas pessoas, mas hoje em pleno século XXI qual é o conceito que está mais atual? Quando identificamos que uma pessoa tem uma deficiência, qual é o nosso primeiro pensamento? É focado na deficiência ou na potencialidade dessa pessoa? Será que julgamos colocando-a frente a um padrão estabelecido de normalidade ou conseguimos enxergar um ser humano dotado de diferenças?

O corpo humano não pode mais ser julgado como uma máquina, como antigamente era descrito, pois dessa forma, seríamos todos iguais e quando uma parte se quebrasse, poderia ser trocada. Filosofias como estas estão sendo exoneradas, pois cada ser humano é complexo e nunca igual a outro.

REFERÊNCIAS

AMIRALIAN, Maria L. T. Conceituando deficiência. Revista de saúde pública, v. 34, n. 1, p. 97-103, 2000.

FERNANDES, L.B. , Schlesener, A. MOSQUERA, F. Breve Histórico da Deficiência e Seus Paradigmas. Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares em Musicoterapia, Curitiba v.2, p.132 –144. 2011.

GONÇALVEZ, A. L. (on-line). Conceitos de deficiência: uma história ideológica. Disponível na Internet: http://www.pos.eca.usp.br/index.php?q=ptbr/ebook/informacao_para_cidadania_area_da_deficiencia

GUGEL, M. A. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. Disponível em:
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL. (on-line). Trajetória das pessoas com deficiência na História do Brasil: "Caminhando em silêncio". Disponível na Internet: http://www.itsbrasil.org.br/noticia/0010638/trajetoria-das-pessoas-com-deficiencia-na-historia-do-brasil

JÚNIOR L. MARTINS M. C. (Comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. - Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.

MEDEIROS, M; DINIZ, D. A nova maneira de se entender a deficiência e envelhecimento. Brasília: IPEA, 2004.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Bases técnicas para a erradicação da transmissão autóctone da poliomielite. 1988 Brasília, Centro de Documentação do Ministério da Saúde.

SASSAKI, R.K. Poder pessoal: O Movimento Inclusivista no Brasil. Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 49, mar./abr.2006.

Como as pessoas com deficiência eram tratadas nas civilizações antigas e medievais?

As pessoas com deficiência, via de regra, receberam dois tipos de tratamento quando se observa a História Antiga e Medieval: a rejeição e eliminação sumária, de um lado, e a proteção assistencialista e piedosa, de outro.

Como era visto a deficiência no decorrer da história?

Assim, como em outras culturas a deficiência era visada como uma maldição, castigo e infelizmente também ocorriam a prática da eliminação, como do abandono, isso nos mostra que independente de cultura, de contexto social, histórico e temporal, os deficientes sempre foram vistos como pessoas que não mereciam o direito a ...

Qual era a justificativa na Idade Média para o preconceito com deficientes?

A visão religiosa dominante durante o período da Idade Média (476-1453) e da Idade Moderna (1453-1789) enxergava a deficiência como uma punição ou um castigo divino, em que a pessoa que a possuía deveria conviver com ela para “pagar” os seus pecados.

Como eram vistas as pessoas com deficiência?

No início as pessoas que nasciam ou que apresentavam durante a sua vida uma deficiência física, auditiva, visual ou intelectual, eram vistas com males relacionados a castigos dos deuses. Essas pessoas carregavam a imagem da imperfeição humana, ou seja, da deformação do corpo e da mente.