É nula a decisão do Tribunal que acolhe contra o réu nulidade não arguida no recurso da acusação não havendo qualquer ressalva em casos de recurso de ofício?

Decis�o Texto Integral: Acordam, em confer�ncia, no Tribunal da Rela��o de Coimbra:

I. Relat�rio

Nos autos de processo comum com interven��o do tribunal singular n� 368/07.8TALRA do 2� Ju�zo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, o arguido A..., identificado nos autos, foi submetido a julgamento pronunciado pela autoria de um crime de participa��o econ�mica em neg�cio p. e p. no artigo 377�, n� 1 do C�digo Penal.

O Hospital B...deduziu pedido de indemniza��o civil contra o arguido, requerendo a sua condena��o na entrega da quantia de 5 065,89 euros, acrescida de juros morat�rios � taxa legal desde a notifica��o at� integral pagamento.

Realizada a audi�ncia de julgamento, em 14 de Fevereiro de 2012 foi proferida senten�a com o seguinte dispositivo:

" Tudo ponderado, decide o Tribunal:
a) Condenar A... como autor de um crime de participa��o econ�mica em neg�cio previsto e punido pelo art. 377 n� 1 do C.P., ocorrido a 15-1-2003, na pena de quatro meses de pris�o, suspensa a sua execu��o por um ano;
b) Condenar o demandado a entregar � demandante a quantia de quatro mil e sessenta e cinco euros e oitenta e nove c�ntimos acrescida de juros de mora � taxa legal desde 9-6-2011 at� integral pagamento;
c) Condenar o arguido nas custas, fixando-se a taxa de justi�a em 4 U.C., e nos encargos, bem como nas custas civis;"

Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motiva��o as seguintes conclus�es:

1. O arguido foi condenado como autor material de um crime de participa��o econ�mica em neg�cio, previsto e punido pelo art. 377 n� 1 do C.P; ocorrido a 15-�1-2003, na pena de quatro meses de pris�o, suspensa a sua execu��o por um ano;

2- E a entregar � demandante a quantia de quatro mil e sessenta e cinco euros e oitenta e nove c�ntimos acrescida de juros de mora � taxa legal desde 9-6-2011 at� integral pagamento.

3- � desta decis�o que apresenta recurso e abrange a mat�ria de facto e de direito.

4- A douta senten�a viola o princ�pio de caso julgado; os factos imputados ao arguido no presente processo, j� tinham sido objecto de arquivamento no processo n.� 516/08.0TLRA que correu seus termos no MP do Tribunal de Leiria, com fundamento na extin��o do procedimento criminal � data de apresenta��o da queixa (cfr. certid�o anexa ao presente processo).

5- Proferida decis�o de arquivamento do inqu�rito, s� restaria ao ofendido requer a interven��o hier�rquica ou a abertura de instru��o.

6- "A express�o julgado mais que uma vez n�o pode ser entendida no seu estrito sentido t�cnico-jur�dico, tendo antes de ser interpretado num sentido mais amplo de forma a abranger n�o s� a fase de julgamento mas tamb�m outras situa��es an�logas ou de valor equivalente, designadamente aquelas em que num processo � proferida decis�o final, sem que todavia tenha havido lugar �quele conhecido ritualismo, como sucede com a declara��o judicial de extin��o de responsabilidade criminal por prescri��o do procedimento criminal ou desist�ncia de queixa (V. Ac�rd�o e doutrina mencionada).

7- Foi tamb�m violado o principio ne bis idem, expresso no artigo 29, n.� 5 da CRP e que pro�be que os factos imputados a um cidad�o, num processo penal e em qualquer fase do processo, sejam avaliados mais que uma vez, visando este princ�pio garantir a limita��o do poder de persegui��o e de avalia��o da responsabilidade penal, proibindo os poderes estaduais � persegui��o penal m�ltipla; pouco importando a qualifica��o que lhe tenha sido atribu�da em qualquer dos processos, bastando para tanto que se tratem dos mesmos factos.

8- No momento em que a queixa que deu origem aos presentes autos, foi apresentada, j� o respectivo procedimento criminal se mostrava extinto pelo decurso do prazo de prescri��o.

9- A decis�o de pron�ncia � vaga, imprecisa, n�o descreve de forma circunstanciada os factos que s�o essenciais para preencher o tipo de crime, referindo que em determinadas facturas, que n�o identifica, foi colocada uma margem de lucro que n�o identifica, n�o contendo uma descri��o circunstanciadas dos factos, n�o contendo, por isso, as men��es do artigo 283�, 3, do C.P.P, pelo que � nula.

10- As provas referidas no ponto 2.1, declara��es do arguido; (gravadas no Sistema Inform�tico CITIUS 00:00:01 - 00:37:24 (sess�o de 16-01-2012) Depoimento da testemunha C... (gravado no Sistema Inform�tico CITIUS 00:00:01 - 00:35:28 (sess�o de 11-10-2011) Depoimento da testemunha G...; (gravado no Sistema Inform�tico CITIUS 00:00:01 �00:36:45 (sess�o de 11-10-2011); Depoimento da testemunha G... (gravado no Sistema Inform�tico CITIUS 00:00:01 - 00:43:36 (sess�o de 07-10-2011) Depoimento de Lic�nio Carvalho (gravado no Sistema Inform�tico CITIUS 00:00:01 - 00:34:10 (sess�o de 18-11-2011); Depoimento da testemunha E... (gravado no Sistema Inform�tico CITIUS 00:00:01 - 01:09:46 (sess�o 07-10-2011 e 00:00:01 a 00:00:07 e 00:00:00 a 01:41:15, sess�o de 16-02-2012) da Motiva��o devem ser renovadas, impondo decis�o diversa e no sentido de os factos considerados provados nos pontos 7 a 12 da douta senten�a devem merecer resposta de n�o provados.

11- O arguido admitiu, efectivamente, ter reparado dois motores pneum�ticos, propriedade do B..., cuja adjudica��o havia sido efectuada pelo B... ao F..., o que fez em casa, nunca tendo solicitado ao serralheiro D... que efectuasse a repara��o de motores pneum�ticos.

12- A testemunha D..., �nica que referiu que o arguido lhe solicitou a repara��o de motores pneum�ticos, revelou um depoimento tendencioso, apresentando grande nervosismo e falta de � vontade na resposta �s perguntas colocadas, n�o merecendo, o mesmo, credibilidade.

13- Id�ntico tipo de discurso, demonstrou a testemunha E..., cujo relacionamento com o arguido se apresentava � data da den�ncia dos factos, "num quadro de degrada��o": tendo, inclusive, feito, salvo devido respeito por opini�o contr�ria, fun��es de "investigador" no �mbito do processo.

14-As testemunhas C... e G..., descreveram ao tribunal, os tr�mites de adjudica��o das repara��es ao primeiro; como aplicava os seus pre�os e como pedia ao arguido a presta��o de servi�os e como efectuava o seu pagamento, referindo que, entre o mais, lhe adjudicou a presta��o de outros servi�os de que n�o apenas de motores pneum�ticos e referente a bens que nada tinham a ver com o B..., tal como lhe comprou bens que nada tinham a ver com o B....

15-A prova testemunhal e documental, expressa e analisada nas motiva��es determina que os factos 7 a 10 e 12, mere�am resposta de n�o provados.

16-N�o se verificam, quer os elementos objectivos, quer subjectivos do tipo de il�cito criminal pelo qual o arguido foi pronunciado

17-Ainda que assim n�o se entenda, sempre em obedi�ncia ao princ�pio in dubio pro reo, o arguido deveria ser absolvido do crime pelo qual estava pronunciado.

18-Devendo o arguido ser absolvido do crime de que vem pronunciado, dever� igualmente, ser absolvido do pedido de indemniza��o c�vel.

19- Ainda que assim n�o se entenda, sempre se dir� que n�o se mostram expressos factos, na douta senten�a, que sustentem a condena��o no pedido c�vel, n�o foram dados como provados (ou n�o provados) quaisquer factos constantes do pedido de indemniza��o, o mesmo se verificando quanto aos factos constantes da contesta��o do demandado.

20-N�o foram, na douta senten�a, analisados os pressupostos de que depende o arbitramento da indemniza��o, n�o bastando a mera refer�ncia a disposi��es legais, para que tais pressupostos se mostrem analisados, n�o se mostrando fundamentada a condena��o do demandado.

21-A senten�a, � nula, porque omitiu a men��o a factos provados e n�o provados dos articulados respectivos (pedido de indemniza��o c�vel e contesta��o) e ainda porque omitiu a fundamenta��o da pr�pria condena��o.

22-Ainda que assim, n�o se entenda, sempre o montante a arbitrar a t�tulo de indemniza��o c�vel, dever� ser decidido em posterior liquida��o de execu��o de senten�a, dado que, nem todas as facturas emitidas pelo demandado ao B... se referem a presta��o de servi�o de motores pneum�ticos e, al�m disso, ainda que assim conclu�sse, sempre o B... enriqueceria � custa do patrim�nio do arguido que teria fornecido as pe�as para a sua repara��o,

23-A douta senten�a condenou o demandado no pagamento da custas c�veis, quando considerando o valor o pedido apresentado pelo demandante e a condena��o do demandado, se verificou um decaimento de cerca de 990,00€, pelo que as custas, do mesmo, n�o poderiam ter sido aplicadas integralmente ao demandado.

24- O Tribunal recorrido violou princ�pios b�sicos do direito processual penal, como sejam princ�pio do caso julgado; o princ�pio ne bis idem, o princ�pio do in dubio pro reo, o princ�pio da livre aprecia��o da prova.

25- E violou os artigos os artigos 29�, n.� 5, da CRP; 120�, do C.P., 124�, n.� 2, 277�, 283� n.� 3, 308�, n.� 2, do C.P.P., 668�, do CPC.

26- E ao decidir como fez incorrecta interpreta��o da prova, violou e fez incorrectamente interpreta��o dos artigos 73�, 77�, 78�, 79�, 82�, 126�, 374�, n.� 2, 379�, 523�, 524� CPP, 13�, 16�, 122�, 129� e 377�, do CP, 483�, 562�, 566�, do CC e 447�, 661�, n. � 2, do CPC.

27- O Tribunal, se tivesse aplicado criteriosamente os princ�pios de direito supra mencionados, os ensinamentos da experi�ncia comum, fazendo correcta interpreta��o e aplica��o daqueles normativos, n�o teria ficcionado a verifica��o e exist�ncia dos factos probandos, e teria proferido senten�a optando quanto a estes por um "non liquet" e, ainda que ultimo recurso, fazendo uso do princ�pio "in dubio" teria absolvido o arguido.

28-Assim, pelas raz�es supra expostas, porque por um lado n�o se verificam os pressupostos processuais de que dependia a realiza��o do julgamento, nomeadamente, considerandos os princ�pios do caso julgado; o princ�pio ne bis idem e a prescri��o do procedimento criminal, dever� o processo ser "arquivado".

29- Ainda que assim n�o se entenda, sempre deve o arguido ser absolvido do crime de que vem pronunciado e do respectivo pedido de indemniza��o civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, assim se fazendo JUSTI�A.

Notificado, o Minist�rio P�blico respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1� - Efectuado o julgamento foi proferida senten�a que condenou o arguido A... como autor de um crime de participa��o econ�mica em neg�cio previsto e punido no art. 377�, n� 1 do C.Penal, na pena de quatro meses de pris�o, suspensa na sua execu��o por um ano.

2� - Da leitura dos presentes autos resulta de forma inequ�voca inexistir raz�o ao recorrente, no que concerne � ofensa de caso julgado, bem como � viola��o do princ�pio ne bis in idem, nos termos por este enunciados, pelo que entendemos que nada se nos oferecer expor neste segmento.

3� - O crime de participa��o econ�mica em neg�cio previsto no n� 1 do art. 377� C.Penal � punido com pena de pris�o at� cinco anos. Atenta a data da pr�tica do factos (15.01.2003) e o preceituado no artigo 118�, al�nea b), do C.Penal desde logo, e sem necessidade do recurso �s causas de suspens�o e de interrup��o, resulta que n�o se mostra prescrito o respectivo procedimento criminal.

4� - Da simples leitura dos artigos 286� a 310�, do C.P.Penal, resulta que h� muito se mostra excedido o prazo para qualquer forma de reac��o ao despacho de pron�ncia pelo que tamb�m neste particular nada de relevo se me oferece adiantar.

5� - Em nosso entender, o Mmo Juiz apreciou correctamente a prova produzida em audi�ncia, retirando as conclus�es l�gicas que a mat�ria dada como provada impunha, fazendo apelo ao princ�pio consagrado no artigo 127� do CPP, sem olvidar que a audi�ncia de julgamento obedece tamb�m ao princ�pio da imedia��o e encontra-se estreitamente ligado ao princ�pio da oralidade, sendo certo que a convic��o do julgador nesta primeira inst�ncia, em nosso entender, n�o se mostra contr�ria �s regras da experi�ncia, da l�gica e dos conhecimentos cient�ficos.

6� - Por conseguinte, com o devido respeito, conclui-se que, atentos as declara��es e os depoimentos produzidos em audi�ncia e examinada a restante prova constante dos autos, nomeadamente a pericial e a documental, n�o resulta da sua an�lise cr�tica e conjugada, raz�o v�lida para que se altere o ju�zo valorativo expressamente formulado na decis�o recorrida, n�o havendo nos autos - em nosso entender - provas que imponham decis�o diversa da recorrida. E assim sendo, cremos que n�o se verifica incorrec��o na aprecia��o da prova.

7� - Da simples leitura da fundamenta��o da decis�o recorrida resulta que o tribunal n�o teve qualquer d�vida sobre os pontos de facto que deu como assentes. Na verdade, in casu, o tribunal fez uma ponderada reflex�o e an�lise cr�tica quanto � prova recolhida, ap�s o que obteve uma plena convic��o, porque subtra�da a qualquer d�vida razo�vel sobre a verifica��o dos factos imputados ao arguido e ora recorrente e que motivaram a sua condena��o. Nestes termos, julgamos que n�o seria de aplicar o princ�pio "in dubio pro reo" no caso em an�lise.

8� - Atento o disposto no art. 377� do C�digo o Penal e tendo em aten��o a prova produzida e a mat�ria de facto dada como provada, a conduta do recorrente integra a pratica do crime de participa��o econ�mica em neg�cio.

9� - Assim sendo, em nosso entender, n�o pode proceder portanto o recurso, devendo fixar-se definitivamente a mat�ria de facto dada como assente na senten�a ora recorrida, e assim subsumir esta ao crime em refer�ncia, bem como manter-se nos seus precisos termos as penas impostas ao arguido, sendo certo que n�o foram violados quaisquer princ�pios ou preceitos legais, nomeadamente os indicados pelos recorrentes, e n�o se verifica qualquer irregularidade, nulidade ou inconstitucionalidade.

Por�m, decidindo, V. Ex� far�o a costumada JUSTI�A

Igualmente notificado, o Hospital B... (...., E.P.E.) respondeu ao recurso, pugnando pela sua improced�ncia.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Rela��o, a Exm� Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso n�o merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417�, n� 2 do C�digo de Processo Penal, n�o ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada confer�ncia, cumprindo apreciar e decidir.


����������� II. Fundamentos da decis�o recorrida

A decis�o recorrida cont�m os seguintes fundamentos:

1. De facto

A) Factos provados respeitantes � quest�o da culpabilidade�������������������
1) No per�odo compreendido entre o ano de 1995 at� 2007, A... trabalhou para o Hospital B..., em Leiria, primeiro como funcion�rio do quadro, at� ao dia 31-03-2004, depois, e a partir desta data, como funcion�rio contratado.
2) Teve como fun��es a coordena��o da �rea da manuten��o dos equipamentos de electromedicina daquele hospital, fun��es essas que manteve at� Setembro de 2006 e no �mbito das quais lhe cabia efectuar os pedidos de repara��o de equipamentos hospitalares.
3) Bem como requisi��es de compras no Servi�o de Instala��es e Equipamentos daquele hospital.
4) Eram tamb�m efectuadas pelos representantes das respectivas marcas, designadamente pela Siemens.
5) Bem como por empresas externas contratadas pelo hospital, nomeadamente pela “ F...Servi�os”.
6) No exerc�cio dessas fun��es, A... efectuou por diversas vezes pedidos de repara��es dos motores pneum�ticos do bloco de ortopedia e de outros materiais � firma “ F...Servi�os”, a qual no per�odo compreendido entre os anos de 2000 a 2003 facturou ao aludido Hospital o montante total de 7 629,49 euros, recebendo deste o correspondente valor.
7) Por�m tais repara��es n�o foram efectuadas por “ F...Servi�os”, mas pelo pr�prio B... atrav�s do serralheiro D... do servi�o de instala��es e equipamento e a mando do arguido, o qual recebeu daquela empresa o material a reparar.
8) E debitou � mesma, pessoalmente, o respectivo custo nos montantes de 149,64 euros, 1 119,25 euros, 1 097 euros e 1 700 euros sucessivamente, emitindo a favor dela e como se tivesse uma empresa em nome individual em cada um dos dias a indicar as seguintes facturas: a) n� 37, datada de 30-10-2001, respeitante a presta��o de servi�os t�cnicos no valor de 149,64 euros; b) n� 39, datada de 27-3-2002, respeitante a tr�s sondas Rep. Sonicaid, no valor de 1 119,25 euros; c) n� 56, datada de 30-9-2002, respeitante a presta��o de servi�os t�cnicos no valor de 1 097 euros; d) n� 58, emitida entre 30-9-2002 e 15-1-2003, respeitante a presta��o de servi�os t�cnicos, no valor de 1 700 euros.
9) Recebeu dela os correspondentes valores.
10) A “ F...Servi�os” fez depois acrescer a estes valores a sua margem de lucro, inserindo os mesmos em facturas de outros servi�os prestados e material fornecido ao Hospital L..., facturas essas que apresentou ao Hospital B... de Leiria, cobrando o valor delas e cada uma das import�ncias das facturas acima discriminadas correspondente ao valor dos servi�os que prestou e que ele pr�prio pagou.
11) � primeira data acima assinalada, o Hospital j� era empresa p�blica.
12) O arguido agiu sempre consciente, livre e deliberadamente, com o prop�sito de, em aproveitamento das suas fun��es, enriquecer, como enriqueceu, o seu patrim�nio, lesando o Hospital B..., bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei.

B) Factos provados respeitantes � quest�o da determina��o da san��o
13) O arguido n�o tem antecedentes criminais.
14) O arguido aufere cerca de 3500 euros, vive com a esposa, professora, e que aufere mensalmente 1500 euros, e dois filhos de 14 e 16 anos de idade.

C) Factos N�o Provados[1]��������������
1) Inexistem.

D) Motiva��o��������������������
1) Em rela��o � mat�ria de facto provada atinente � culpabilidade descrita nos pontos n� 1 a� n� 5 atentou-se ao depoimento de E..., respons�vel do servi�o de instala��es e equipamento do B..., e que produziu um depoimento integralmente cred�vel, mostrando ter conhecimento dos procedimentos necess�rios ao arranjo de instrumentos e m�quinas hospitalares, conhecendo o arguido desde 1995, e de forma espont�nea e objectiva dep�s. Este depoimento nesta parte teve ali�s a corrobora��o completa do arguido A... quando se prestou a emitir declara��es.
2) � certo que a defesa pretendeu em v�rias ocasi�es assinalar o “mau relacionamento” da testemunha com o aqui arguido, mas o certo � que a testemunha mostrou-se isenta. Vejamos, � natural que haja uma menor densidade de relacionamento quando algu�m � o respons�vel e tem o dever de comunicar situa��es em que o arguido estava envolvido conforme documenta o doc. de fls. 26 a 49. As rela��es laborais e dentro da hierarquia espec�fica t�m estes acidentes, contudo em nenhum momento se pode dizer muito simplisticamente que o facto de algu�m exercer o seu dever o torna menos isento por causa do “mau relacionamento”. Ali�s, no uso das suas compet�ncias, deve comunicar superiormente quando estranhou que “as facturas emitidas pelo mesmo ao B... representam uma grande percentagem da sua factura��o” (ponto 2 e 3 do doc. de fls. 26).
3) Em rela��o aos neg�cios em si mesmos, isto �, � mat�ria de facto provada descrita nos pontos 6 a 12, o tribunal atentou ao depoimento de E..., o qual foi claro em dizer que ao arguido, incumbindo de verificar o equipamento, cabia o encargo de escolher entre a realiza��o da repara��o internamente (caso a repara��o fosse simples, era feita nas instala��es do hospital) ou externamente. Neste �ltimo segmento, impunha-se ao mesmo desenvolver contactos, pedir or�amentos a fornecedores e fabricantes, e obviamente neste �ltimo caso, havia facturas. Mais declarou que a firma F...fez in�meros servi�os, e ao que conseguiu apurar os constantes de acordo com a listagem por si feita a fls. 31 a 35. Confirmou o teor da informa��o que deu � Administra��o e constante a fls.. 26 e 27 bem como o motivo da origem do procedimento tamb�m a� referido. Crucial no procedimento negocial levado a cabo pelo arguido foi o depoimento de H..., gerente da firma F.... De forma espont�nea e mostrando conhecimento do procedimento, tornando-se cred�vel, veio dizer que a empresa n�o arranjou os motores pneum�ticos, antes propunha a repara��o ao Hospital entregando um or�amento, e autorizada a mesma por esta entidade, entregava os motores ao arguido que arranjava forma de os arranjar, recebendo ambos uma comiss�o que concretizou em 20% para a firma e 80% para o arguido. De igual forma, I..., filho da testemunha anterior, veio dizer que trabalhou no Hospital at� 2002, e quanto aos motores pneum�ticos veio dizer que a repara��o era “complexa”, achando que o arguido poderia faz�-la. Esta testemunha n�o foi clara em concretizar o procedimento, mas a custo foi dizendo, corroborando a testemunha anterior, que ganhavam 15% a 20% e acrescentavam o valor do arguido A..., e que era a firma que or�ava, mas era o arguido que fixava o valor, o pre�o. Confirmou os valores em causa. Esclareceu que foram 3 motores em que tal aconteceu e que n�o houve repara��o. Confirmou as facturas emitidas e constantes no apenso II e numeradas conforme assinaladas. Destes dois depoimentos torna-se claro que havia um neg�cio paralelo para repara��o de utens�lios do hospital, com benef�cio para o arguido, sendo este o referente principal da din�mica negocial, reparando os instrumentos por si ou por outrem. Ora, neste �mbito, revela-se outrossim crucial o depoimento claro e assim cred�vel de D..., serralheiro do Hospital. De acordo com esta testemunha, o arguido entregava em m�o motores pneum�ticos nos anos 2002 ou 2003, conforme esclareceu ainda que de forma hesitante atento o tempo decorrido como declarou, mas n�o recebia valores por tal uma vez que tinha vencimento fixo. Foi categ�rico em dizer que o arguido entregava-lhe os motores e ele “cumpria”, e que era s� o arguido que lhe entregava motores em m�o, desconhecendo o assunto da factura��o. Relativamente aos valores em causa, atendeu-se �s facturas assinaladas e que est�o em causa bem como ao teor do relat�rio pericial (de contabilidade, em anexo e elaborado por J...), nomeadamente ao assinalado a fls. 7 e 22 (conclus�o 6.2) desse relat�rio pericial, e que ilustram que o arguido recebeu o benef�cio resultante dos valores facturados.
4) O arguido prestou-se a declara��es, ap�s ouvida a prova referida, assumindo que fez os servi�os constantes das facturas, justificou que foi o pre�o que o motivou � escolha, e que ganhava com a presta��o de servi�os (“tirava uma parte”). Mais declarou que n�o sabia que o que fazia era il�cito. Neste �mbito, importa dizer que se estranha esta afirma��o. Ent�o o arguido n�o tem a consci�ncia com a forma��o te�rica que tem que sendo empresa p�blica, os procedimentos t�m que ser transparentes de forma a poder haver cr�tica da actua��o? Ent�o como explica o arguido ter na sua conta banc�ria valores resultante de servi�os concretizado em repara��o de instrumentos de interesse p�blico como sejam utens�lios de um hospital? Ora, n�o � cred�vel a afirma��o que exterioriza � cerca da falta de conhecimento que afirmou.
5) Em rela��o � mat�ria de facto provada atinente � determina��o da san��o, atentei ao certificado do registo criminal emitido a 12-5-2011, e constante a fls. 735, bem como �s declara��es do arguido, as quais prestadas de forma clara e s�ria convenceram, inexistindo alguma raz�o que as contrarie.

2. De Direito:

A)Da quest�o da culpabilidade: ���
1. � sancionado com pena criminal o “funcion�rio que, com inten��o de obter, para si ou para terceiro, participa��o econ�mica il�cita, lesar em neg�cio jur�dico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em raz�o da sua fun��o, administrar, fiscalizar, defender ou realizar” conforme o texto do art. 377 n� 1 do C.P..
2. No caso concreto, o arguido agiu em raz�o da sua fun��o, negociando no seu exclusivo interesse e de terceiro, usando a firma F...como proponente de neg�cios sendo que por via da escolha desta firma, ambas arrecadariam com os valores em causa. � irrelevante a no��o de interesse p�blico por parte do arguido quando o que est� em causa � a sua apropria��o de valores advindo desses mesmos neg�cios. Lesou o patrim�nio p�blico com a sua actua��o � margem do procedimento org�nico do Hospital, tendo a vantagem patrimonial concretizada em parte da quantia cobrada. Realizou pois o crime em causa.�
3. Importa agora verificar “se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemniza��o civil” (art. 368 n� 2 f) e n� 3 do C�digo de Processo Penal, adiante C.P.P.). Atento o art. 129 do C.P., o qual remete para o instituto da responsabilidade civil extracontratual (art. 483 do C�digo Civil, adiante C.C.), importa referir que o dano a ressarcir pelo demandado � o dano patrimonial concretizado no valor assinalado (arts. 483, 562 e 566 do C.C.), a que acresce juros de mora � taxa legal nos termos do art. 805 do C.C. contados desde 9-6-2011 (cfr. fls. 778).

B)Da quest�o da determina��o da san��o: ����������
1. Atento o art. 71 do C�digo Penal, regra que nos d� o crit�rio da medida da pena, dizer que o grau de ilicitude � reduzido em face dos valores em causa e assinalados e tendo como dimens�o comparativa o patrim�nio p�blico, o dolo directo, o modo de execu��o do crime em causa � artesanal, isto �, sem qualquer sofistica��o, atenua o facto de a conduta ter sido realizada h� mais de sete anos, bem como a inexist�ncia de censura p�blica por qualquer il�cito criminal nomeadamente patrimonial. Assim, entende-se como adequada a pena de 4 meses de pris�o.
2. Importa agora saber se � poss�vel a substitui��o desta pena.
3. Categoricamente responde-se pela positiva.
4. Atento o facto de estar integrado positivamente na comunidade envolvente, pois trabalha, e mostra-se integrado familiarmente, entende-se adequada e justa a suspens�o da execu��o da pena de pris�o por um ano e nos termos do art. 50 n� 1 e n� 5 do C.P..
C)Outras consequ�ncias do facto:
1. O arguido responde tributariamente, cfr. art. 513 do C.P.P.. Atenta a complexidade do processo, fixo a taxa de justi�a em quatro unidades de conta (art. 8 n� 5 do Regulamento das Custas Processuais), e nos encargos devidos (art. 16 e 17 do RCP). O demandado suporta as custas civis (art. 446 do C.P.C.).


����������� III. Aprecia��o do Recurso

A documenta��o em acta das declara��es e depoimentos prestados oralmente na audi�ncia de julgamento determina que este Tribunal, em princ�pio, conhe�a de facto e de direito (cfr. artigos 363� e 428� n� 1 do C�digo de Processo Penal).

Mas o concreto objecto do recurso � delimitado pelas conclus�es extra�das pelo recorrente da correspondente motiva��o, sem preju�zo das quest�es do conhecimento oficioso. E vistas essas conclus�es as quest�es a apreciar s�o as seguintes e comuns a todos os recorrentes:

- Se se verifica a excep��o de caso julgado e ofensa do princ�pio ne bis in idem;

- Se o procedimento criminal se encontra prescrito;

- Se ocorre nulidade do despacho de pron�ncia;

- Se a senten�a recorrida � nula por n�o se pronunciar sobre os factos alegados no pedido de indemniza��o civil e contesta��o deste e por omitir fundamenta��o bastante no que concerne ao pedido c�vel;

- Se ocorre erro de julgamento da mat�ria de facto com viola��o do princ�pio in dubio pro reo, devendo esta ser alterada e o arguido absolvido criminal e civilmente.

- Se o a liquida��o do valor indemnizat�rio deve ser relegado para execu��o de senten�a;

- Se a responsabilidade por custas c�veis deve ser alterada em fun��o do decaimento verificado.

Apreciando:

Em primeiro lugar alega o recorrente que se verificam as excep��es de caso julgado e ne bis in idem porque os factos imputados ao arguido neste processo j� tinham sido objecto de arquivamento no processo de inqu�rito 516/08.0TALRA com fundamento na extin��o do procedimento criminal.

No referido processo de inqu�rito foram participados factos ocorridos em 30.6.2003 referentes a factura n� 42 datada de 25.11.2002 que se qualificaram como integradores de crime de burla e de infidelidade.

Desde logo se verifica que nestes autos n�o est�o em causa esses espec�ficos factos mas outros ocorridos em diferentes datas e respeitantes a facturas diversas.

Sem necessidade de discursar sobre se as regras do caso julgado seriam aplic�veis a despacho proferido em inqu�rito declarando extinto por prescri��o o procedimento criminal, certo � que o caso julgado se forma nos precisos limite e termos em que julga como se preceitua no artigo 673� do C�digo de Processo Civil (ex vi do artigo 4� do C�digo de Processo Penal). O que significa que, havendo caso julgado, ele apenas se formou em rela��o � prescri��o do procedimento criminal por crimes de burla e infidelidade e n�o em rela��o a outros crimes, como o dos presentes autos, se porventura se pudesse entender que havia coincid�ncia factual (apenas por via de eventual situa��o de crime continuado – ainda assim nada impediria o conhecimento de outros factos integrantes da continua��o – cfr. a jurisprud�ncia citada pelo Exm� Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, nomeadamente o Ac. do STJ de 24.9.1992, proferido no proc. n� 042895 publicado em www.dsi.pt).

Por outro lado, o invocado princ�pio constitucional ne bis in idem (artigo 29�, n� 5 da CRP) visa impedir o duplo julgamento penal pelos mesmos factos n�o sendo em qualquer caso transpon�vel a sua aplica��o para situa��es em que n�o ocorreu julgamento, no caso nem sequer ocorreu investiga��o porque o procedimento criminal foi declarado extinto.

Em suma, n�o se verificam as referidas excep��es de caso julgado e de "duplo julgamento" – viola��o do princ�pio ne bis in idem.

Invoca o recorrente que o procedimento criminal exercido contra o arguido se encontra prescrito; que a queixa foi apresentada com o procedimento criminal j� extinto por prescri��o.

Vejamos.

A queixa foi apresentada em 9 de Fevereiro de 2007.

Est�o em causa factos situados entre 2001 e 2003, integradores da pr�tica de um crime de participa��o econ�mica em neg�cio p. e p. pelo artigo 377�, n� 1 do C�digo Penal, pun�vel com pena de pris�o at� cinco anos.

A tal crime corresponde, nos termos do artigo 118�, n� 1, al�nea b) do C�digo Penal, o prazo de prescri��o de 10 anos.

Preceitua o artigo 119� n� 1 do C�digo Penal que o prazo de prescri��o corre desde o dia em que o facto se tiver consumado e o n� 2, al�nea b) que o prazo de prescri��o apenas corre, nos crimes continuados, desde o dia da pr�tica do �ltimo acto.

Tendo o �ltimo acto ocorrido, no caso, em 2003, e contando-se a partir dessa data o prazo de prescri��o, sem a ocorr�ncia de causas de suspens�o e interrup��o, o prazo de prescri��o completar-se-ia no corrente ano de 2013, sendo manifesto que em 2007, quando foi apresentada queixa, n�o se encontrava prescrito.

Entretanto, ocorreram causas de interrup��o e suspens�o do prazo de prescri��o.

Assim, em 23.1.2010 o arguido foi notificado do despacho de acusa��o o que, nos termos do artigo 120�, n� 1, b) do C�digo Penal, teve por efeito suspender o prazo de prescri��o pelo per�odo de tr�s anos.

Simultaneamente tal evento foi o �ltimo ocorrido com efeito interruptivo do prazo de prescri��o nos termos do artigo 121�, n� 1, al�nea b) do mesmo diploma, o que significa que a partir da� se conta novo prazo de prescri��o (n� 2 do mesmo artigo) sem embargo da regra correctiva constante do n� 3, preceituando que a prescri��o ter� sempre lugar quando desde o seu in�cio e ressalvado o per�odo de suspens�o, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.

Do exposto resulta que a prescri��o apenas ocorre passados (10+5+3) 18 anos sobre a data do �ltimo acto de execu��o do crime (2021).

N�o se encontra prescrito o procedimento criminal exercido contra o arguido.

Alega o recorrente que a decis�o de pron�ncia � nula porque n�o cont�m as men��es do artigo 283�, n� 3 do C�digo de Processo Penal, sendo vaga, imprecisa, n�o descrevendo de forma circunstanciada os factos que s�o essenciais para preencher o tipo de crime, referindo que em determinadas facturas, que n�o identifica, foi colocada uma margem de lucro que n�o identifica, n�o contendo uma descri��o circunstanciada dos factos.

Se a pron�ncia reproduz a acusa��o deduzida e est� tematicamente limitada aos factos da acusa��o (cfr. artigos 303� e 309�, n� 1 do C�digo de Processo Penal) a quest�o que pertinentemente se poder� colocar � se a acusa��o � nula, contaminando do mesmo v�cio a subsequente pron�ncia (cfr. artigo 122� do C�digo de Processo Penal).

Mas previamente dever� perguntar-se se a nulidade da acusa��o segue o regime do artigo do artigo 120� (est� dependente de argui��o) e se por consequ�ncia � ainda pass�vel de conhecimento neste momento.

O artigo 283�, n� 3, al�nea b) do C�digo de Processo Penal estipula que "a acusa��o cont�m, sob pena de nulidade, a narra��o, ainda que sint�tica, dos factos que fundamentam a aplica��o ao arguido de uma pena ou uma medida de seguran�a (…)".

�Esta nulidade, na falta de disposi��o legal em sentido contr�rio, porque n�o consta do cat�logo das insan�veis a que se refere o artigo 119� do C�digo de Processo Penal, seria, numa primeira abordagem, uma nulidade dependente de argui��o, ficando sujeita ao regime legal previsto no artigo 120� a 122.� do mesmo diploma.

Mas estatui o artigo 311�, n� 2, al�nea a) do mesmo C�digo, que a acusa��o � rejeitada se for considerada manifestamente infundada, concretizando o n.� 3 do mesmo preceito, na parte que releva para o caso concreto, que a acusa��o considera-se manifestamente infundada quando n�o contenha a narra��o dos factos.

Ou seja, em momento em que a nulidade da acusa��o poderia encontrar-se sanada por n�o ter sido arguida, segundo o regime dos artigos 120� a 122�, pode o juiz rejeitar a acusa��o se n�o contiver a narra��o dos factos; afinal conhecer oficiosamente da nulidade da acusa��o prevista no artigo 283�, n� 3 que n�o se sanou pelo facto de n�o ter sido arguida.

A prop�sito ensina Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2� ed., p. 207 a 208, face ao aditamento do n� 3 do artigo 311� do CPP operado pela Lei n.� 59/98, de 25 de Agosto, os v�cios estruturais da acusa��o passaram a sobrepor-se �s nulidades previstas no art. 283.�, e converteram-se em mat�ria sujeita ao conhecimento oficioso do Tribunal, n�o estando, portanto, dependente de argui��o por parte dos sujeitos processuais. Sendo de conhecimento oficioso, pode ser conhecida a todo o tempo, isto � em qualquer fase do procedimento, com a ressalva enquanto a decis�o final n�o transitar em julgado.

Dever-se-� ter presente que as nulidades a que a lei processual penal denomina de insan�veis podem ser declaradas em qualquer fase do procedimento (artigo 119�) mas j� n�o podem ser declaradas ap�s a forma��o do caso julgado da decis�o final, que neste caso actua como meio de sana��o. O tr�nsito em julgado da senten�a tem a virtualidade de sanar toda e qualquer nulidade em nome da certeza e seguran�a do direito.

Embora o artigo 119� do C�digo de Processo Penal designe de insan�veis as nulidades que contempla, na realidade todas elas s�o san�veis atrav�s da repeti��o dos actos viciados.

O que se deve questionar � se tamb�m a nulidade da acusa��o � san�vel atrav�s da repeti��o dos actos viciados, a repeti��o da decis�o acusat�ria e tr�mites posteriores do processo, devendo ou n�o estabelecer-se paralelo com as nulidades expressamente designadas de insan�veis.

Deve ter-se presente que o nosso processo penal depois de uma fase de investiga��o que culmina com a dedu��o de acusa��o, tem estrutura acusat�ria (constitucionalmente reconhecida no artigo 32�, n� 5 da CRP) tendo a acusa��o a fun��o de definir e fixar o objecto do processo. Como escreve Germano Marques da Silva na obra j� citada a fls. 62, uma consequ�ncia da estrutura acusat�ria do processo � a independ�ncia do Minist�rio P�blico em rela��o ao juiz na formula��o da acusa��o. Da consagra��o da estrutura acusat�ria resulta inadmiss�vel que o juiz possa ordenar ao Minist�rio P�blico os termos em que deve formular acusa��o. Por maioria de raz�o n�o pode o juiz suprir os v�cios de que a acusa��o pade�a.

E se assim � a nulidade da acusa��o ser� insan�vel na verdadeira acep��o da palavra.

Se � certo que n�o existe disposi��o processual penal que o refira expressamente, verificamos que o conceito e dimens�o da estrutura acusat�ria do processo penal vem sendo densificado no sentido mencionado de a acusa��o n�o poder ser repetida quando pade�a de nulidade.

Sen�o vejamos o disposto no artigo 287�, n� 1, al�nea b), n� 2 e n� 3 do C�digo de Processo Penal em que o requerimento de abertura da instru��o por parte do assistente consubstancia uma acusa��o. Tal requerimento, caso n�o obede�a ao requisitos da acusa��o do artigo 283�, n� 3, al�neas b) e c), deve ser rejeitado e n�o � suscept�vel de ser repetido ou de convite � correc��o com a evidente consequ�ncia da impossibilidade de exerc�cio da ac��o penal e do arquivamento do processo (cfr. Ac. do TC n� 358/2004 e o Ac. do STJ de fixa��o de jurisprud�ncia n� 7/2005).

E vejamos o caso paralelo do artigo 359� do C�digo de Processo Penal referente a altera��o substancial dos factos na fase de julgamento que apenas permite que a comunica��o da altera��o substancial dos factos ao Minist�rio P�blico tenha o valor de den�ncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomiz�veis em rela��o ao objecto do processo. Se n�o o forem a consequ�ncia ser� a absolvi��o (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Coment�rio do C�digo de Processo Penal em anota��o ao referido preceito).

Em suma, a nulidade da acusa��o n�o � suscept�vel de ser sanada, a ocorrer e a ser conhecida antes do tr�nsito em julgado da decis�o final, produz a invalidade dessa pe�a processual e de tudo o que foi processado posteriormente, devendo conduzir ao arquivamento do processo por inexist�ncia do respectivo objecto.

Mas ser� a acusa��o deduzida nestes autos nula como alega o recorrente?

Da acusa��o, da pron�ncia e da senten�a proferida, cuja redac��o � id�ntica, ao contr�rio do que o recorrente alega, constam todos os factos necess�rios e indispens�veis para que se considere preenchido o tipo de crime imputado.

Sendo certo que podia ser mais concretizada na indica��o das datas dos factos e identifica��o das m�quinas que foram objecto de repara��o nas circunst�ncias descritas, v�m identificadas as datas em que foram facturadas as diversas repara��es de m�quinas, os valores que de cada uma das vezes foram facturados pelo arguido e cobrados a F...-Servi�os, pretensa empresa reparadora, bem como que quem procedeu �s repara��es foi o pr�prio hospital atrav�s de um seu trabalhador. Ou seja, que o hospital pagou repara��es que foram efectuadas pelos seus meios humanos pr�prios, ao arguido por interposta empresa.

E a falta de concretiza��o notada apenas viciaria a acusa��o se n�o desse a conhecer ao arguido a factualidade em causa de modo a que este pudesse exercer o seu direito de defesa. Ora se a especifica��o das repara��es realizadas se encontra efectuada por refer�ncia a facturas que o pr�prio emitiu n�o se vislumbra que dificuldade poderia sentir em identificar quais seriam as repara��es em causa.

E a acusa��o � bem clara no sentido de que o preju�zo corresponde pelo menos ao valor que o arguido cobrou pelas repara��es que foi o pr�prio hospital que efectuou e que pagou como se fossem efectuadas por terceiro.

N�o se reconhece por isso a pretendida nulidade da acusa��o/pron�ncia.

� Alega o arguido que a senten�a proferida � nula porque omitiu a men��o a factos provados e n�o provados do pedido de indemniza��o e respectiva contesta��o e porque omitiu a fundamenta��o da pr�pria condena��o no pedido.

N�o espec�fica o recorrente que factos n�o foram apreciados pelo Tribunal recorrido.

Compulsada a senten�a e os referidos articulados, verificamos que do pedido c�vel o tribunal se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decis�o da causa que s�o, ali�s, os coincidentes com os que se encontravam alegados na pron�ncia, apenas n�o se tendo pronunciado sobre os factos alegados nos artigos 28� e segs por raz�o que explana em nota de rodap� e que se traduz na sua irrelev�ncia para a decis�o da causa, pois que dizem respeito a eventual crime de furto que n�o � objecto do processo penal.

No que respeita � contesta��o e no �mbito da resposta a factos com relevo para a decis�o da causa, ela tem apenas car�cter negat�rio dos factos alegados, n�o cabendo elencar nos factos n�o provados nega��o de factos provados.

E deve ainda referir-se que nos termos do artigo 368�, n� 2 do C�digo de Processo Penal, o tribunal apenas est� obrigado a pronunciar-se sobre factos relevantes para a boa decis�o da causa, logo a senten�a apenas padecer� de nulidade se n�o se pronunciar sobre esses factos nos termos dos artigos 374�, n� 2 e 379�, n� 1, al�nea a) do mesmo diploma.

� certo que no que respeita � fundamenta��o da condena��o c�vel o tribunal recorrido se limita a dizer "importa referir que o dano a ressarcir pelo demandado � o dano patrimonial concretizado no valor assinalado (arts. 483�, 562 e 566 do C.C.) a que acrescem juros de mora. Mas a quest�o em face da mat�ria de facto provada e t�o simples quanto isto. O arguido de modo il�cito e sem causa recebeu a quantia de 4.065,89 euros e a obriga��o de indemnizar nos termos das disposi��es legais citadas ser� desse valor. Sendo embora o mais sucinta que � poss�vel, n�o deixa a senten�a recorrida de fundamentar a condena��o.

O recorrente impugna a decis�o proferida sobre mat�ria de facto, considerando que foram mal julgados os factos constantes dos pontos 7 a 17 dos factos provados da senten�a recorrida que no seu entender devem ser julgados como n�o provados com a sua consequente absolvi��o.

No seu entender imp�em decis�o diversa da recorrida o depoimento da testemunha D..., trabalhador do B..., �nica que referiu que o arguido lhe solicitou a repara��o de motores pneum�ticos cujo depoimento se revelou tendencioso, apresentado grande nervosismo e falta de � vontade nas respostas, n�o merecendo credibilidade, identicamente � testemunha E... cujo relacionamento com o arguido se apresentava � data dos factos num quadro de degrada��o e exerceu fun��es de investigador.

As testemunhas C... e G... descreveram ao tribunal, os tr�mites de adjudica��o das repara��es ao primeiro; como aplicava os seus pre�os e como pedia ao arguido a presta��o de servi�os e como efectuava o seu pagamento, referindo que, entre o mais, lhe adjudicou a presta��o de outros servi�os de que n�o apenas de motores pneum�ticos e referente a bens que nada tinham a ver com o B..., tal como lhe comprou bens que nada tinham a ver com o B....

O passo decisivo para aferir da razoabilidade da convic��o a que chegou o Tribunal recorrido � a motiva��o que este expressou em confronto com o teor da prova produzida, porque, como � sabido, n�o se trata de realizar em recurso um novo julgamento dos factos, mas de encontrar eventuais erros por ocorrer desconformidade entre a motiva��o expressa e a prova produzida ou interpreta��o dessa prova que contraria as regras da experi�ncia.

Ora, come�ando pelo depoimento das duas �ltimas testemunhas referidas pelo recorrente, C... e G..., verificamos que a primeira, sendo gerente de F..., foi bem clara no sentido de afirmar que houve situa��es, as dos autos, em que a empresa n�o procedeu � repara��o dos motores pneum�ticos, tendo proposto a repara��o ao Hospital com or�amento e, quando a repara��o lhe foi adjudicada, entregou os motores ao arguido para que este os arranjasse, mais esclarecendo que embora n�o procedesse a qualquer trabalho recebia comiss�o. A segunda testemunha, filho da anterior, embora n�o tendo deposto com tanta precis�o, acabou por confirmar o depoimento anterior e ainda que o n�o fizesse isso n�o invalidaria, o que, sem rebu�o, disso a anterior.

O depoimento de C... oferece um fio condutor para a an�lise da demais prova oral que ganha assim todo o sentido, mesmo quando se lhe pudesse, isoladamente opor alguma menor congru�ncia.

Assim, o depoimento de D..., serralheiro do hospital, foi claro no sentido de que o arguido lhe entregou no per�odo de tempo em causa motores para que procedesse � sua repara��o, apenas tendo revelado alguma hesita��o no que respeita a datas, ademais o seu depoimento encaixa-se no esquema que foi revelado pela testemunha anterior que apenas n�o soube esclarecer a quem o arguido solicitava a repara��o.

O depoimento da testemunha E... deu sobretudo o recorte das fun��es que eram exercidas pelo arguido no Hospital e das suspeitas que se adensaram com a sua investiga��o. Mas n�o est� aqui em causa a investiga��o criminal propriamente dita e a testemunha dep�s sobre factos do seu conhecimento pessoal, nada obstando a que fosse tido em considera��o.

A documenta��o junta aos autos fornece o restante quadro em confronto com a prova oral e tudo isto com inteira correspond�ncia com a motiva��o da convic��o exposta pelo Tribunal a quo.�

Parece-nos, pois, claro que a motiva��o exposta pelo Tribunal recorrido obedece ao rigor necess�rio e a uma l�gica que se encontra firmemente sustentada nas regras da experi�ncia e, portanto, a convic��o alcan�ada, alicer�ada numa certeza de que os factos se passaram tal como relatados, n�o pode ser posta em crise por este Tribunal de recurso, posto que n�o revela qualquer erro de julgamento por avalia��o irrazo�vel ou arbitr�ria da prova, antes tem nela manifesta correspond�ncia.

E se o Tribunal recorrido tinha fundamento para a convic��o positiva a que chegou n�o se pode concluir pela exist�ncia de viola��o do princ�pio in dubio pro reo que suporia a inexist�ncia de prova bastante para a convic��o alcan�ada; a exist�ncia de d�vida fundada sobre os factos resolvida contra o arguido.

Em conclus�o, o teor da prova produzida consente a convic��o que o Tribunal recorrido formulou e fundamentou, n�o se reconhecendo qualquer viola��o de princ�pios probat�rios, quer confrontando o teor da prova produzida, quer exclusivamente a motiva��o expressa, sendo certo que a senten�a recorrida n�o padece de qualquer dos v�cios a que alude o artigo 410�, n� 2 do C�digo de Processo Penal, n�o alegados, mas do conhecimento oficioso. � de manter a decis�o de facto proferida e a consequentemente condena��o do recorrente porque verificados os pressupostos da sua responsabilidade penal e civil (sem embargo neste �ltimo caso de eventual altera��o ditada pelo recurso da parte c�vel).

Finalmente o recorrente alega que o montante a arbitrar a t�tulo de indemniza��o c�vel, dever� ser decidido em posterior liquida��o de execu��o de senten�a, dado que, nem todas as facturas emitidas pelo demandado ao B... se referem a presta��o de servi�o de motores pneum�ticos e, al�m disso, ainda que assim conclu�sse, sempre o B... enriqueceria � custa do patrim�nio do arguido que teria fornecido as pe�as para a sua repara��o. A douta senten�a condenou o demandado no pagamento da custas c�veis, quando considerando o valor o pedido apresentado pelo demandante e a condena��o do demandado, se verificou um decaimento de cerca de 990,00€, pelo que as custas, do mesmo, n�o poderiam ter sido aplicadas integralmente ao demandado.

Ao contr�rio do que o recorrente alega, o que resulta da mat�ria de facto provada � que as facturas em quest�o se referem todas a repara��es realizadas nas condi��es descritas, n�o apenas motores pneum�ticos mas tamb�m sondas, como expressamente se refere numa dessas facturas. Mas no ponto 6 dos factos provados refere-se que as repara��es n�o eram exclusivamente de motores pneum�ticos mas tamb�m de outros materiais.

Por outro lado, a repara��o de m�quinas e outros materiais n�o sup�e necessariamente a incorpora��o de pe�as novas que hajam sido adquiridas pelo arguido e nenhuma prova foi oferecida nesse sentido.

O que se encontra provado � que o hospital pagou a quantia de 4.065,89 euros por repara��es que o pr�prio efectuou e, sendo assim, nos termos dos artigos 562�, 564� e 566�, n� 2 do C�digo Civil � esse o valor do preju�zo a considerar.

Num ponto assiste raz�o ao recorrente, tendo ocorrido decaimento parcial no pedido c�vel, as custas ser�o da responsabilidade de ambas as partes na propor��o do respectivo decaimento, em conformidade com o disposto no artigo 446� do C�digo de Processo Penal, aplic�vel por for�a do artigo 523� do C�digo de Processo Penal.


IV. Decis�o

Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso penal interposto pelo arguido e em conceder provimento parcial ao recurso em mat�ria c�vel, alterando, por conseguinte, o respectivo dispositivo quanto a custas c�veis que se determina sejam da responsabilidade de ambas as partes na propor��o do respectivo decaimento.

Pelo seu decaimento em recurso vai o recorrente condenados em custas, fixando-se a taxa de justi�a devida em cinco UC (cfr. artigo 513�, n� 1 do C�digo de Processo Penal).

***


�������������� �������������������(Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)

����������������������������� (Jos� Eduardo Fernandes Martins)

[1] O alegado no pedido de indemniza��o civil quanto ao furto extravasa a ades�o necess�ria do pedido de indemniza��o ao crime de que o arguido se mostra acusado, sendo irrelevante (art. 28 e segs.).

É nula a decisão do tribunal que acolhe contra o réu nulidade não arguida no recurso da acusação ou em casos de recurso de ofício?

Súmula 160 STF É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. Um bom exemplo para o entendimento dessa súmula é no caso de incompetência absoluta do juízo que tenha absolvido o réu.

É nula a decisão do tribunal que acolhe contra o réu nulidade?

O que você procura? É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.

É nula a decisão que determina o desaforamento de processo?

É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa. O efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição.

É cabível recurso de revisão das decisões do Tribunal do Júri quando ocorrer nulidade posterior a pronúncia?

Caberá apelação, no prazo de 5 dias, das decisões do Tribunal do Júri, quando ocorrer nulidade posterior à pronúncia. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, admitem-se embargos infringentes, que poderão ser opostos no prazo de 10 dias, pelo Ministério Público ou pelo réu.