Por que o autor considera bilontra quem não levava a sério a política

1 JOSÉ MURILO DE CARVALHO OS BESTIALIZADOS O RIO DE JANEIRO E A REPÚBLICA QUE NÃO FOI 3" edição 13 reimpressão São Paulo, 2004 C o m p a n h i a D a s L e t r a s

2 Copyright José Murilo de Carvalho Indicação editorial: Francisco Foot Hardman Nicolau Sevcenko Capa: Et tore Bottini a partir de O carnaval de 1892, Revista Ilustrada, março de 1892 Revisão: Márcia Copola Cyntia Panzani Genulino Santos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (c i p ) (Câmara Brasileira do Livro. s p. Brasil) *1 C324b Carvalho. José Murilo de Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi / José Murilo de Carvalho. - São Paulo : Companhia das Letras Bibliografia ISBN X I. Brasil História 1- República, Brasil Política e governo Rio de Janeiro (RJ) Condições sociais L' República R io de Janeiro (RJ) História 1- República Rio de Janeiro (RJ) História Revolta da Vacina t. Título, li. Título: O R io de Janeiro e a República que não foi. cdd cdd índices para catálogo sistemático: 1. Primeira República : Brasil : História Primeira República : Brasil : Política e governo Primeira República : Rio de Janeiro : Cidade : História social Revolta da Vacina : Rio de Janeiro : Cidade : História social Rio de Janeiro : Cidade : História Todos os direitos desta edição reservados à E D IT O R A S C H W A R C Z LT D A. Rua Bandeira Paulista, 702, cj São Paulo SP Telefone: (11) Fax: (11) Impressão e acabamento: Prol Editora Gráfica

3 INTRODUÇÃO Em frase que se tornou famosa, Aristides Lobo, o propagandista da República, manifestou seu desapontamento com a maneira pela qual foi proclamado o novo regime. Segundo ele, o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada m ilitar.1 Não nos interessa aqui discutir em que medida a observação correspondia à realidade, isto é, em que medida o povo participou ou não da proclamação da República. Há versões contraditórias à espera de uma análise crítica, a qual não será feita neste texto. Interessa-nos, sim, o fato de que um observador participante e interessado tenha percebido a participação do povo dessa maneira; interessa-nos o fato de que três dias após a proclamação este observador já tenha percebido e confessado o pecado original do novo regime. Aristides Lobo não estava só na percepção do povo como alheio aos fatos políticos. Seria fácil alinhar várias citações de outros observadores apontando na mesma direção. Basta-nos, no entanto, referir apenas outra frase famosa, agora de um sábio francês há muito residente no Brasil, Louis Couty. Ao analisar a situação so- 9

4 ciopolítica da população do país, Couty concluiu que poderia resumi-la em uma frase: "O Brasil não tem povo".2 Seus olhos franceses não conseguiam ver no Brasil aquela população ativa e organizada a que estava acostumado em seu país de origem. Aristides Lobo pode ter falado por distorção elitista, assim como Couty o pode ter feito por etnocentrismo francês. Ambos eram, todavia, pessoas esclarecidas e interessadas nas mudanças sociais e políticas que fermentavam a seu redor. É preciso que nos perguntemos pelo sentido de suas palavras, pela realidade que lhes possa ter servido de referência. Tal empreendimento é tanto mais necessário pelo fato de estarmos aqui diante do problema da natureza mesma de nossa vida política. Trate-se da concepção e da prática da cidadania entre nós, em especial entre o povo. Trata-se do problema do relacionamento entre o cidadão e o Estado, o cidadão e o sistema político, o cidadão e a própria atividade política. Tem havido recentemente tendência a ver tal relação de maneira maniqueísta, segundo a qual o Estado é apresentado como vilão e a sociedade como vítima indefesa. Tal visão é quase uma volta à dicotomia clássica estabelecida por Santo Agostinho entre um Estado governado por pecadores, baseado na repressão, e a Cidade de Deus, a sociedade dos santos, sustentada no amor e na cooperação.3 Nesta perspectiva, a inexistência da cidadania é simplesmente atribuída ao Estado. Tal visão é insatisfatória, como todas as dicotomias aplicadas ao fenômeno social. Teoricamente, ela separa o que são lados da mesma moeda, partes do mesmo todo. O maniqueísmo inviabiliza mesmo qualquer noção de cidadania, pois ou se aceita o Estado como um mal 10

5 necessário, à maneira agostiniana, ou se o nega totalmente, à moda anarquista. Na prática, ele acaba por revelar uma atitude paternalista em relação ao povo, ao considerá-lo vítima impotente diante das maquinações do poder do Estado ou de grupos dominantes. Acaba por bestializar o povo. Parece-nos ao contrário que, exceto em casos muito excepcionais e passageiros de sistemas baseados totalmente na repressão, é mais fecundo ver as relações entre o cidadão e o Estado como uma via de mão dupla, embora não necessariamente equilibrada. Todo sistema de dominação, para sobreviver, terá de desenvolver uma base qualquer de legitimidade, ainda que seja a apatia dos cidadãos. O momento de transição do Império para a República é particularmente adequado para o estudo desta questão. Tratava-se da primeira grande mudança de regime político após a independência. Mais ainda: trata- va-se da implantação de um sistema de governo que se propunha, exatamente, trazer o povo para o proscênio da atividade política. A República, na voz de seus propagandistas mais radicais, como Silva Jardim e Lopes Trovão, era apresentada com a irrupção do povo na política, na melhor tradição da Revolução Francesa de 1789, a revolução adorada", como a chamava Silva Jardim. O regime monárquico, vivendo à sombra do Poder Moderador, era condenado pelo manifesto republicano de 1870 como incompatível com a soberania nacional, que só poderia ser baseada na vontade popular. O jornal Revolução, publicado no Rio em 1881 por um funcionário demitido da Alfândega, Fávila Nunes, conclamava o povo, segundo ele roubado em seus direitos pelo governo monárquico, a empunhar o estandarte da liberdade a bandeira da República no meio da praça pública, ao som da Marselhesa, proclamando a soberania popular". 4 11

6 Embora proclamado sem a iniciativa popular, o novo regime despertaria entre os excluídos do sistema anterior certo entusiasmo quanto às novas possibilidades de participação. O jornal Voz do Povo, também do Rio de Janeiro, cuja publicação foi iniciada menos de dois meses após a proclamação da República, referiu-se a uma nova era para o operário brasileiro trazida pelo novo regime, comparável à que foi aberta pela Revolução de No regime antigo, segundo o articulista do jornal, os operários eram os servos da gleba, a canalha, com todos os deveres e nenhum direito. Agora eram livres, iguais e soberanos, viam-se colocados na vanguarda do progresso da pátria. E terminava: "Saibamos ser operários e cidadãos de uma pátria livre".5 Logo no começo de 1890 houve várias tentativas de organizar um partido operário, e um dos militantes mais envolvidos, Luiz da França e Silva, dizia em seu jornal Echo Popular: "A palavra República foi por muito tempo o símbolo exclusivo das aspirações democráticas, e o grito viva a República tem um longo passado de sedição e irrompe naturalmente do povo quando ele se reúne para deliberar".6 Além de o momento ser propício, era-o também o local, o ambiente, em que pretendemos realizar o estudo a cidade do Rio de Janeiro. As cidades foram tradicionalmente o lugar clássico do desenvolvimento da cidadania. O cidadão era, até etimologicamente, o habitante da cidade. Nelas se tornou possível a libertação do poder privado dos senhores feudais. Nelas foi que aos poucos se desenvolveram a noção e a prática de um sistema de governo montado sobre o pertencimento individual a uma coletividade. O burguês foi o primeiro cidadão moderno.7 12

7 O Rio de Janeiro dos primeiros anos da República era a maior cidade do país, com mais de 500 mil habitantes. Capital política e administrativa, estava em condições de ser também, pelo menos em tese, o melhor terreno para o desenvolvimento da cidadania. Desde a independência e, particularmente, desde o início do Segundo Reinado, quando se deu a consolidação do governo central e da economia cafeeira na província adjacente, a cidade passou a ser o centro da vida política nacional. O comportamento político de sua população tinha reflexos imediatos no resto do país. A proclamação da República é a melhor demonstração desta afirmação. Campos Sales já percebia, como propagandista, que a falta de coesão do Partido Republicano na corte era o principal obstáculo ao desenvolvimento da idéia republicana. 8 E a proclamação, afinal, resultou de um motim de soldados com o apoio de grupos políticos da capital. Com esta sumária justificativa do tempo e lugar do estudo a ser desenvolvida no correr do trabalho já fica evidente que havia algo mais na política do que simplesmente um povo bestializado. Tentar entender que povo era este, qual seu imaginário político e qual sua prática política será a tarefa que enfrentaremos ao longo dos capítulos deste livro. O estudo começará por uma descrição da cidade do Rio de Janeiro no início da República, com ênfase especial nas transformações sociais, políticas e culturais trazidas pelo fim de século. O capítulo seguinte examinará as várias concepções de cidadania vigentes à época da mudança do regime. Depois, tentar-se-á examinar o mundo dos cidadãos assim como ele se verificava na capital da República através da participação eleitoral. O quarto capítulo será dedicado ao estudo de uma ação política exemplar no sentido político e moral da população: a Revolta da Vacina. Por 13

8 fim, o capítulo quinto procurará reconstituir o mundo da cidadania no Rio de Janeiro e buscar razões para explicá-lo. Embora se trate de uma investigação de natureza histórica, não resta dúvida de que o problema da cidadania continua no centro da preocupação de todos nos dias de hoje, quando mais uma mudança de regime se efetua e mais uma tentativa é feita no sentido de construir a comunidade política brasileira. A historiografia é aqui, uma vez mais, projeção do presente e instrumento de tentativa de construção da história. Diziam os positivistas que os mortos governavam os vivos, o passado o presente. Ao reler a história com os olhos de hoje talvez pudéssemos dizer que os vivos, ao tentar reconstruir o passado, tentam governar os mortos na ilusão de poderem governar a si próprios. Ou, em versão pessimista, na frustração de o não poderem fazer. 14

9 CAPÍTULO V BESTIALIZADOS O U BILONTRAS? O povo assistiu bestializado à proclamação da República, segundo Aristides Lobo; não havia povo no Brasil, segundo observadores estrangeiros, inclusive os bem informados como Louis Couty; o povo fluminense não existia, afirmava Raul Pompéia. Visão preconceituosa de membros da elite, embora progressistas? Etnocentria de franceses? Mais do que isto. A liderança radical do movimento operário também não parava de se queixar da apatia dos trabalhadores, de sua falta de espírito de luta, de sua tendência para a carnavalização das demonstrações operárias, especialmente nas celebrações de l. de maio. Quando se tratava do próprio carnaval, os anarquistas não hesitavam em usar a expressão forte de Aristides Lobo: a festa revelava, do lado dos participantes, ignorantes e imbecis, do lado dos assistentes, uma turba de bestializados; nos dois casos, um povo incapaz de pensar e de sentir.1 Havia, evidentemente, algo no comportamento popular que não se encaixava no modelo e na expectativa dos reformistas, tanto da elite quanto da classe operária. Modelo e expectativa que, apesar das divergências, tinham em comum a idéia do cidadão ativo, consciente de seus direitos e deveres, capaz de organizar-se para agir em de- 140

10 fesa de seus interesses, seja pelo reformismo parlamentar, seja pelo radicalismo da ação econômica. Vimos que este cidadão de fato não existia no Rio de Janeiro. Passado o entusiasmo inicial provocado pela proclamação da República, mostramos que, no campo das idéias, nem mesmo a elite conseguia chegar a certo acordo quanto à definição de qual deveria ser o relacionamento do cidadão com o Estado. No campo da ação política, fracassaram sistematicamente as tentativas de mobilizar e organizar a população dentro dos padrões conhecidos nos sistemas liberais. Fracassaram os partidos operários e de outros setores da população; as organizações políticas não-partidárias, como os clubes republicanos e batalhões patrióticos, não duravam além da existência dos problemas que lhes tinham dado origem; ninguém se preocupava em comparecer às urnas para votar. Por outro lado, estes cidadãos inativos revelavam-se de grande iniciativa e decisão em assuntos, em ocasiões, em métodos que os reformistas julgavam equivocados. Assim é que pululavam na cidade organizações e festas de natureza não-política. Em 1846, o americano Ewbank ficou fascinado pelo peso que a religião ocupava na vida das pessoas. Ou antes, emenda o protestante que ele era, aquilo que aqui se chamava de religião, isto é, principalmente os aspectos externos do ritual e das festas.2 Eram famosas ainda na virada do século as festas da Penha e da Glória. A festa da Penha, que continua até hoje mobilizando milhares de pessoas da zona norte nos domingos de outubro, era sem dúvida a mais importante da cidade. Milhares de romeiros, calculados em 1899 em 50 mil, depois de subir o outeiro, organizavam imensos piqueniques acompanhados de vinho carregado em chifres, de roscas de açúcar em cordéis, de galinhas e leitões. A festa evoluía para grandes bebedeiras, uma orgia cam- 141

11 pestre, na expressão de Raul Pompéia, com muita música, misturando-se ritmos portugueses, brasileiros e africanos: o fado, o samba, a tirana, a caninha-ver de. Não raro, capoeiras navalhavam romeiros. Eram também tradicionais na Penha os conflitos entre forças da polícia e do Exército. Policiar a festa era quase uma operação de guerra. Em 1899, foram necessários nove delegados, 56 praças de cavalaria e 86 de infantaria da Brigada Policial, além de uma força de cavalaria do Exército.3 As festas da Penha, tomadas aos poucos aos portugueses pelos negros, foram também um dos berços do moderno samba carioca desenvolvido em torno de Tia Ciata e seus amigos.4 A festa da Glória (15 de agosto), que também ainda sobrevive, embora sem a força de antigamente, era fre- qüentada por um público algo diferente, mais diversificado socialmente, abrangendo tanto os pobres do centro da cidade quanto as camadas mais ricas. No romance Lucíola, publicado pela primeira vez em 1862, José de Alencar assim descreve a festa: Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo; finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja, desfilaram em face de mim, roçando a seda e a casimira pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exalações, o fumo aromático do havana às acres baforadas do cigarro de palha. A festa caracterizava-se ainda, durante o Império, por ser o momento de encontro da família real com o povo. No dizer de Raul Pompéia, era ocasião de rendez-vous dos Príncipes com a arraia miúda.5 Tipicamente, o encontro de governantes com o povo dava-se fora dos domínios da política. 142

12 Não é preciso também insistir na importância das festas do entrudo e do carnaval, bastante estudadas. Eram festas que já à época dominavam a cidade por inteiro. De tal modo a deixar o inglês Charles Dent perplexo. Ao presenciar o carnaval de 1884, sua impressão foi a de que todo o mundo parecia ter perdido a cabeça".6 O carnaval deu também origem a algumas das associações cariocas de maior longevidade, como os Tenentes do Diabo e os Fenianos. Mesmo associações operárias mobilizavamse para a pândega, para irritação e desespero das lideranças anarquistas. 0 espírito associativo manifestava-se principalmente nas sociedades religiosas e de auxílio mútuo. O número e a dimensão dessas sociedades são surpreendentes. Segundo levantamento encomendado pela prefeitura, havia na cidade, em janeiro de 1912, 438 associações de auxílio mútuo, cobrindo uma população de associados. Isto representava, aproximadamente, 50% da população de mais de 21 anos, um número impressionante.7 Ponto importante nessas associações era a base em que eram organizadas. Vê-se na tabela X I que a grande maioria era baseada em grupos comunitários de pertencimento. As associações religiosas eram fundadas em irmandades e paróquias; as estrangeiras em grupos étnicos; as estaduais em local de origem; quase a metade das organizações operárias era baseada em fábricas ou empresas; as dos empregados públicos e operários do Estado na maior parte definiam-se por fábrica, Ministério, setor de trabalho ou repartição. Mesmo entre as associações que classificamos de outras" e que na maioria não se limitavam a um setor da população, havia as que tinham por base bairros da cidade. Assim, se é verdade, como observa M. Conniff e como o mostra a tabela X I, que houve ao longo do tempo mu- 143

13 TABELA XI Associações de auxílio mútuo existentes em 1912, por data de fundação, natureza e número de associados (porcentagens) naiureta Data de fundação * Até Total Religio sa 46,4 53,0 12,2 6,3 13,3 19, ,9 29,0 De estrangeiros 17,6 36,0 14,6 6,9 2,2 3,3 1,0 0,2 7,5 18,0 D e estados 1.8 0, ,2 8,9 3,0 3,0 1,0 4,1 0,9 D e operários 14, ,8 7,9 15,6 16,1 23,2 20,4 17,4 9.5 D e op e rário s do Estado e funcionários públicos 14,6 24,5 24,5 22,3 32,3 36,2 20,3 16,6 D e e m p re gados do com ércio 2,4 29,4 3,0 5,7 1,7 6,3 D e em pregadores ,4 2,6 2,2 2,5 4, ,9 1,3 O utras 17, ,0 21,2 33,3 32,0 22,3 28,6 26,2 18,4 Total N úm eros absolutos 100, , , ,0 100, I , , , , , Fonte: Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro (Brasil), História e Estatística, Rio de Janeiro, Typographia do Anuário do Brasil, Foram incluídas apenas as associações de auxílio mútuo. A s de beneficência apenas, isto é, de assistência aos pobres e não aos sócios, não foram contabilizadas. A primeira coluna refere-se ao número de associações; a segunda, ao número de associados.

14 dança na natureza das associações, perdendo terreno as de caráter religioso em favor das de conotação civil ou mesmo política, não é menos verdade que em 1909 ainda predominavam amplamente os associados às instituições tradicionais. Mesmo as associações modernas mantinham ainda o aspecto de grupo primário e assistencial. O ponto era mais visível nas associações operárias. Foi grandè a luta das lideranças para transformar organizações de assistência e cooperação em órgãos de luta ou de resistência, como se dizia na época. O levantamento da prefeitura indica que, ainda em 1909, era grande o número de associações operárias de assistência mútua; no máximo combinavam assistência com resistência. A luta da liderança radical contra o assistencialismo, o cooperativismo, era árdua e freqüentemente inglória.8 Em termos de ação política popular, vimos que ela se dava fora dos canais e mecanismos previstos pela legislação e pelo arranjo institucional da República. Na maior parte das vezes era reação de consumidores de serviços públicos. Era reação a alguma medida do governo antes que tentativa de influir na orientação da política pública. O movimento que mais se aproximou de uma ação política clássica foi o jacobinismo. Mesmo assim, não possuía organização, tendia ao fanatismo e perdia-se em intermináveis contradições. Epítome dos movimentos de massa da época, a Revolta da Vacina mostrou claramente o aspecto defensivo, desorganizado, fragmentado, da ação popular. Revelou antes convicções sobre o que o Estado não podia fazer do que sobre suas obrigações. De modo geral, não eram colocadas demandas mas estabelecidos limites. Não se negava o Estado, não se reivindicava participação nas decisões do governo; defendiam-se valores e direitos considerados acima da esfera de intervenção do Estado, 145

15 ou protestava-se contra o que era visto como distorção ou abuso. É importante não interpretar os movimentos de revolta popular em sentido liberal clássico como exigência de redução ao mínimo da ação do Estado, ou de ilegitimidade desta ação onde coubesse a iniciativa particular. Um estudo de Eduardo Silva sobre queixas do povo durante a primeira década do século confirma este ponto. A fonte usada uma coluna de jornal em que as pessoas podiam reclamar do governo é importante por revelar a atitude do cidadão em momentos não-críticos, em seu cotidiano de habitante da cidade. A conclusão do estudo é que quase só pessoas de algum modo relacionadas com a burocracia do Estado se queixavam, seja os próprios funcionários e operários, seja as vítimas dos funcionários, especialmente da polícia e dos fiscais. Reclamavam funcionários, artesãos, pequenos comerciantes, uma ou outra prostituta. Mas as queixas não revelavam oposição ao Estado. Eram antes reclamações contra o que se considerava ação inadequada, arbitrária, por parte dos agentes do governo. Ou então contra a falta de ação do poder público. Revelavam que havia entre a população certa concepção do que deveria constituir o domínio legítimo da ação do Estado. Pelo conteúdo das reclamações pode-se deduzir que este domínio girava em torno de problemas elementares, como segurança individual, limpeza pública, transporte, arruamento.9 Permanece, no entanto, o fato de que entre as reivindicações não se colocava a de participação nas decisões, a de ser ouvido ou representado. O Estado aparece CQ m o algo a que se recorre, como algo necessário e útil, mas que permanece fora do controle, externo ao cidadão. Ele não é visto como produto de concerto político, pelo menos não de um concerto em que se inclua a população. 146

16 É uma visão antes de súdito que de cidadão, de quem se coloca como objeto da ação do Estado e não de quem se julga no direito de a influenciar. Como explicar este comportamento político da população do Rio de Janeiro? De um lado, a indiferença pela participação, a ausência de visão do governo como responsabilidade coletiva, de visão da política como esfera pública de ação, como campo em que os cidadãos se podem reconhecer como coletividade, sem excluir a aceitação do pápel do Estado e certa noção dos limites deste papel e de alguns direitos do cidadão. De outro, o contraste de um comportamento participativo em outras esferas de ação, como a religião, a assistência mútua e as grandes festas em que a população parecia reconhecer-se como comunidade. Seria a cidade a responsável pelo fenômeno? Neste caso, como caracterizá-la, como distingui-la de outras? Entramos aqui na vasta e rica literatura sobre o fenômeno urbano, em particular sobre a cultura urbana, de que não poderemos dar conta neste capítulo.10 Não temos também ainda conclusões assentadas. As observações que seguem devem ser tomadas antes como um tatear na direção de possíveis linhas de explicação. Os conhecidos estudos de Max Weber sobre a cidade ocidental podem servir-nos de ponto de partida. Segundo ele, a cidade ocidental medieval representou uma revolução na história e contribuiu poderosamente para o desenvolvimento da moderna sociedade industrial capitalista. A cidade medieval, em contraste com a cidade antiga, desenvolveu-se como coletividade de produtores individuais que introduziram nova concepção e nova prática de legitimidade política. A nova legitimidade baseava-se na associação de interesses dos burgueses, que com isso se tornavam cidadãos. Foi ela a primeira entidade política mo- 147

17 derna, precedendo o próprio Estado moderno ao qual se opunha. Tornou-se autônoma, com direito próprio, justiça própria, finanças próprias, defesa própria, governo próprio. E quebrou a base associativa da sociedade anterior, ignorando condicionamentos estamentais, eclesiásticos, familiares. O novo cidadão era admitido em termos estritamente individuais. Surgia literalmente uma nova sociedade baseada na associação livre de produtores. Tudo isto contrastava com a cidade antiga ocidental, que era predominantemente uma cidade de consumidores, orientada para fins políticos e militares. Era uma cidade marcada economicamente pelo capitalismo comercial e de pilhagem; politicamente, pelo predomínio do Estado e sua burocracia. O mundo da produção, além de secundário, dividia-se pela coexistência do trabalho livre e do trabalho escravo, obstáculo à formação das corporações que tanto marcaram a vida da cidade medieval. Na cidade antiga o cidadão era antes um guerreiro, um hoplita; sua riqueza se baseava na posse de escravos, de terras, de espólios de guerra. Sobre ela não se poderia desenvolver a sociedade moderna de mercado, nem o conceito liberal de cidadão.11 A cidade medieval desapareceu. No entanto, a seguirmos Weber, ela esteve na origem do capitalismo moderno de empresa e de trabalho livre, da sociedade liberal, do racionalismo formal, do individualismo. Vários de seus traços foram incorporados à sociedade e ao Estado modernos, embora ela própria tivesse sido bloqueada pelo desenvolvimento do Estado burocrático, seu grande inimigo. Para Weber, a cidade moderna típica foi a do norte da Europa, onde predominou com maior nitidez a função econômica e a separação das várias esferas de atividade. As cidades do sul da Europa teriam representado quebra menor com o passado medieval. Poderíamos dizer que as 148

18 cidades da Península Ibérica sofreram ainda menos que as italianas o impacto das transformações que iam pelo norte. As distâncias tornaram-se ainda maiores ao passarem as sociedades ibéricas ao largo da Reforma Protestante e da revolução científica, fatores que vieram solidificar os novos valores burgueses, particularmente os do individualismo, com todas as suas seqüelas.12 O tema da especificidade da cultura ibérica foi retomado recentemente com grande riqueza analítica por Richard Morse, no livro El Espejo de Próspero. Morse co- loca-se na tradição dos clássicos" da sociologia ao distinguir entre formas integrativas e formas competitivas de associação. Ou, na linguagem de Dumont, entre a societas e a universitas, entre o individualismo e o holismo. A cultura ibérica estaria marcada pela ênfase na incorporação, na integração, na predominância do todo sobre o indivíduo, em oposição à cultura anglo-saxônica, que se caracterizaria pela ênfase na liberdade e na prioridade do indivíduo sobre o todo. Em termos políticos, ainda segundo Morse, a cultura ibérica, particularmente a espanhola, teria feito, no limiar da idade moderna, a opção tomista por um Estado baseado na idéia de incorporação, de bem comum, de comunidade hierarquizada. Mas permanecia na sombra, como alternativa e como tensão, uma visão oposta do Estado como maquiavelismo, como puro poder. Na visão anglo-saxônica, a tensão se dava entre a liberdade e a ordem, tendo sido possível a absorção do liberalismo e da democracia de maneira a compatibilizá-los, embora em convivência tensa. A cultura ibérica nunca teria resolvido adequadamente o problema. Nela, o liberalismo tenderia a fortalecer o lado maquiavélico, e a democracia a adquirir formas rousseaunianas, populistas, messiânicas.13 Curiosamente, vários pensadores brasileiros da época já tinham abordado o tema das diferenças entre a cultura 149

19 anglo-saxônica e a cultura ibérica em termos que muito se aproximam das abordagens modernas, inclusive a de Morse. Alberto Sales dizia, por exemplo, que o brasileiro era muito sociável mas pouco solidário. Sua sociabilidade e extroversão davam-se nas relações pessoais e nos pequenos grupos. Faltava-lhe o individualismo dos anglo-saxões, responsável pela capacidade de associação desses povos. Para ele, era a consciência da individualidade, dos interesses individuais, que constituía a base da capacidade associativa. Pouco depois, Sílvio Romero usaria um autor francês, Edmond Demolins, para retomar o tema em linha semelhante. Empregando expressão de Demolins, ele diría que o povo brasileiro era de formação comunária, em oposição aos povos anglo-saxões, que eram de formação individualista. No Brasil (e nas culturas ibéricas em geral), predominava a família, o clã, o grupo de trabalho, ou mesmo o Estado. Em termos coletivos, o resultado era a falta de organização, de solidariedade mais ampla, de consciência coletiva. No domínio específico da política, a conseqüência era a orientação alimentária para o emprego público, hoje chamada de fisiologismo. Em contraste, o individualismo levava à iniciativa privada, ao espírito associativo, à atividade produtiva, à política de participação.14 Alberto Sales e Sílvio Romero elaboraram uma posição que era a de quase todos os pensadores representantes do liberalismo burguês no país, de Teófilo Ottoni a Tavares Bastos, Mauá, André Rebouças, Joaquim Murtinho. Todos reclamavam da falta entre nós do espírito de iniciativa, do espírito de associação, do espírito empresarial burguês, enfim, para usar a terminologia atual.15conversamente, criticavam a excessiva dependência em relação ao Estado como regulador da atividade social e a obsessiva busca do emprego público. Sílvio Romero usa 150

20 va a expressão capitalismo quebrado para o caso brasileiro, revelando ter percebido as amplas vinculações da problemática. Em oposição a esta visão francamente favorável à concepção burguesa e individualista do mundo, temos o ensaio de Anníbal Falcão intitulado Fórmula da Civilização Brasileira, escrito em Pioneiro em tentar diagnosticar em termos culturais a problemática nacional, Anníbal Falcão raciocinava dentro da visão positivista, antagônica ao individualismo liberal e próxima do holis- mo. Mas, curiosamente, seu diagnóstico das diferenças é o mesmo que o de Alberto Sales e Sílvio Romero. O Brasil, junto com os outros povos ibéricos, caracterizava-se pela sociabilidade, pela predominância dos aspectos morais, afetivos, integrativos, colaborativos. Os povos de tradição protestante eram individualistas, egoístas, voltados para aspectos materiais, para a ciência, para a competição. Falcão distinguia-se dos outros, e estava aqui naturalmente na companhia de todos os positivistas, em valorizar o lado ibérico por ser ele, segundo Comte, o que melhor correspondia à direção em que evoluía a humanidade, isto é, a integração, a síntese geral dentro da religião. Na política, Falcão não hesitava em tirar as últimas conseqüências de sua posição. 0 individualismo resultava no conflito e na dispersão democrática, considerados indesejáveis. A cultura integrativa, pelo contrário, levava à ditadura republicana de natureza coletiva e integrativa.16 Nossa discussão sobre os vários conceitos de cidadania em voga por ocasião da proclamação da República corrobora os termos desta dicotomia. De um lado, a visão liberal, individualista, de outro, as visões positivista e rousseauniana, integrativas, comunitárias. Na prática política, verificamos na população a ausência da ética indi 151

21 vidualista associativa. Sempre que havia espírito de associação, seja nas irmandades religiosas, seja nas organizações beneficentes, seja nas organizações operárias, ele se concretizava no estilo comunitário. As grandes festas religiosas e profanas tinham igualmente o mesmo sentido integrativo de solidariedade vertical. Começamos com a idéia de Weber sobre a cidade ocidental, passamos para a bifurcação da cultura ocidental a partir da distinção entre as cidades do norte e do sul, da reforma protestante e do desenvolvimento do capitalismo moderno, todos fenômenos interligados. Podemos voltar agora à cidade. A cultura ibérica seria algo capaz, por si só, de explicar o Rio de Janeiro, tornando o fenômeno urbano em si irrelevante? Parece-nos que não. A cidade é capaz seja de criar cultura nova, seja de consolidar traços da cultura herdada, seja de modificar estes traços em outras direções. Uma vasta literatura já mostra também que, apesar dos traços comuns, as cidades da América Latina em geral, e mesmo do Brasil, apresentam características distintas.17 Qual seria então a característica do Rio de Janeiro e como explicá-la? Novamente, os estudos de Weber podem sugerir algumas idéias. O Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, ou mesmo de Buenos Aires, era, sob o ponto de vista econômico, uma cidade predominantemente consumidora e de pesada tradição escravista. Criada no século X V I como entreposto militar e administrativo, a cidade tornou-se aos poucos um centro comercial e político importante no mundo colonial português, fazendo a ligação entre a metrópole, a colônia da América, o rio da Prata e a África. Na segunda metade do século X V III, tornou-se sede da administração colonial. As funções administrativa e comercial foram reforçadas mais ainda com a chegada da corte portuguesa em 1808, que trouxe 152

22 cerca de 20 mil pessoas, entre as quais boa parte da burocracia metropolitana. No mesmo ano foram abertos os portos do país ao comércio das nações amigas. Foi nessa época que a cidade começou a adquirir uma feição um pouco mais européia. Antes pesavam muito os aspectos africanos, devido ao grande número de escravos. Às vésperas da independência, em 1822, os escravos eram ainda 46% da população. Na virada do século, quando o tráfico foi interrompido, quase 40% da população ainda era escrava, e a população branca não deveria passar dos 40%.18 O reflexo desta situação de cidade administrativa e comercial de base escravista fazia-se ainda sentir no censo de 1906, que mostra uma população ocupada principalmente em comércio, transporte, administração e serviço doméstico. Esta população era três vezes maior do que a ocupada na indústria. A condição de tradicional centro administrativo e de capital do país acarretava ainda uma grande visibilidade da burocracia e um domínio do Estado sobre a cidade, numa inversão da relação existente na cidade medieval descrita por Weber. Tudo isto são traços mais próximos da cidade antiga que da cidade moderna, da cidade política antes que econômica, da cidade sem autonomia, castrada, pré-burguesa. Na tipologia de Redfield e Singer, poder-se-ia dizer que o Rio seria uma cidade ortogenética, um centro administrativo e político, sustentáculo da grande tradição cultural. São Paulo, em contraste, seria uma cidade heterogenética, comercial e industrial, culturalmente inovadora.19 O contraste com Buenos Aires também é claro. Embora também criada inicialmente como posto militar e administrativo e depois transformada em grande empório comercial, pelo menos três traços distinguem a capital por tenha do Rio. Em primeiro lugar, a presença de 153

23 escravos em Buenos Aires sempre foi reduzida; em segundo, embora fqita capital do vice-reinado mais ou menos na mesma época em que o Rio se tornou a capital da colônia portuguesa, permaneceu na periferia da colô; nia, de modo que lá o peso do Estado nunca se fez sentir como no Rio, ou em Lima: a economia era mais forte. Finalmente, o fato de ter estado sempre em luta contra a federação até 1880, deu mais autonomia política ao governo municipal, mais autogoverno. Com a federalização em 1880, com as ondas de imigrantes que passaram a chegar, Buenos Aires se aproximou, muito mais que o Rio, do modelo de uma cidade burguesa dotada de um mercado de trabalho homogeneizado e competitivo.20 Porém, naturalmente, o Rio não era uma cidade antiga na plena expressão do termo. Por um lado, embebera-se na cultura cristã medieval pré-reforma, uma cultura familista, religiosa, integrativa, hierarquizada. Por outro lado, esta cultura já se vira parcialmente abalada pelo processo de colonização, feito dentro da tradição antes maquiavélica que tomista, para retomar as expressões de Morse. As transformações de fim de século, sobretudo a abolição e a República, vieram complicar o quadro, introduzindo elementos da tradição liberal individualista. Como observou Sílvio Romero, a cultura brasileira era de tradição comunitária, mas uma tradição já em crise. Em crise, podemos acrescentar, principalmente nas cidades e, entre essas, principalmente no Rio de Janeiro. O período que estudamos marcou uma exacerbação do conflito entre estas tradições antagônicas. O que resultou não foi a vitória de uma delas, antes um novo híbrido. O avanço liberal não foi acompanhado de avanço igual na liberdade e na participação. O Estado republicano perdeu os restos de elementos integrativos que possuía o Estado monárquico (lembre-se do monarquismo 154

24 das classes proletárias), sem adquirir a base associativa do Estado liberal democrático. Não era fraternitas nem societas. Perante tal Estado, a cidade reagia seja pela oposição, seja pela apatia, seja pela composição. Vimos os casos de oposição e apatia. Elaboraremos um pouco mais os de composição. Dava-se ela principalmente através da máquina burocrática dentro da lógica alimentária. Mesmo o movimento operário não escapou a esta aproximação a que chamamos de estadania. A maneira mais perversa de aproximação era o envolvimento de elementos da desordem no próprio mecanismo de composição da representação política. Refiro-me ao uso tradicional de capoeiras, capangas e malandros no processo eleitoral. Mas as formas de entrosamento da ordem com a desordem iam além do simples uso de capoeiras em eleições. Capoeiras e capangas eram tradicionalmente usados também por políticos e poderosos em geral como instrumentos de justiça privada. Muitos capoeiras integraram a Guarda Negra que dispersava comícios republicanos. A própria polícia fazia uso deles como agentes provocadores ou informantes. O conúbio ia além da política. Diferentemente do que se pensa, por exemplo, entre os capoeiras havia muitos brancos e até mesmo estrangeiros. Em abril de 1890, ainda em plena campanha de Sampaio Ferraz, foram presas 28 pessoas sob a acusação de capoeiragem. Destas, apenas cinco eram pretas. Havia dez brancos, dos quais sete estrangeiros, inclusive um chileno e um francês. Era comum aparecerem portugueses e italianos entre os presos por capoeiragem. E não só brancos pobres se envolviam. A fina flor da elite da época também o fazia. Neste mesmo mês de abril de 1890 foi preso como capoeira José Elísio dos Reis, filho do conde de Matosinhos, uma das 155

25 mais importantes personalidades da colônia portuguesa, e irmão do visconde de Matosinhos, proprietário do jornal O Paiz. Como é sabido, a prisão quase gerou uma crise ministerial, pois o redator do jornal era Quintino Bocaiú- va, ministro e um dos principais propagandistas da Rç- pública. Outro caso famoso foi o de Alfredo Moreira, filho do barão de Penedo, embaixador quase vitalício do Brasil em Londres, onde privava do convívio dos Roths- child. Segundo o embaixador francês no Rio, Alfredo era um dos chefes ocultos dos capoeiras e cabeça conhecido de todos os tumultos". O representante inglês informava em 1886 que José Elísio e Alfredo Moreira eram vistos diariamente na rua do Ouvidor, a Carnaby Street do Rio, em conversas com a jeunesse dorée da cidade.21 O que acontecia na capoeiragem, a convivência de classes distintas, era o que se dava tradicionalmente nas irmandades religiosas e nas organizações de auxílio mútuo. E foi o que passou a dar-se cada vez mais em instituições e atividades inicialmente exclusivistas ou mesmo vetadas e perseguidas. A população do Rio foi construindo algumas ocasiões de auto-reconhecimento dentro da metrópole moderna que aos poucos se formava. A grande festa da Penha foi tomada do controle branco e português por negros, ex-escravos, boêmios; as religiões africanas passaram a ser freqüentadas por políticos famosos como, pasmem, J. Murtinho; o samba foi aos poucos encampado pelos brancos; o futebol foi tomado aos brancos pelos negros. Movimentos de baixo e de cima iam minando velhas barreiras e derrotando as novas, que se tentavam impor com a reforma urbana. Mas na política a cidade não se reconhecia, o citadino não era cidadão, inexistia a comunidade política. Diante desta situação, não era de estranhar a apatia e mesmo o cinismo da população em relação ao poder. A 156

26 apatia e o cinismo, no entanto, não parecem ser características apenas do Rio na época. Em Buenos Aires, a participação política era também muito baixa e o mesmo provavelmente acontecia na maioria das capitais latino- americanas. O que marcava, e marca, o Rio é antes a carnavalização do poder como, de resto, de outras relações sociais. Poucos meses após a Revolta da Vacina, ela já era objeto de celebração carnavalesca, sem fàlar no fato de terem começado as agitações por uma farsa teatral montada por pivetes. Em maio de 1905, alguém imaginou em poesia um grupo carnavalesco aberto por Morfeu (Rodrigues Alves), tendo como destaques dos carros alegóricos o ministro da Justiça, Seabra, fantasiado de marisco, o chefe de polícia, Cardoso, vestido de Javert e, ao final, Oswaldo Cruz, com enorme seringa respingando formol. 22 Dois textos já mencionados, afastados no tempo quase 30 anos, mostram bem a atitude de completo desrespeito pela lei por parte dos fluminenses. As Memórias de um Sargento de Milícias, escritas em 1853 e cuja ação se passa ainda no final do período colonial, revelam um mundo em que a ordem e a desordem se misturam e se confundem, apesar da aparente oposição. O temido major Vidigal, encarnação da lei e da ordem, é usado pelos primos de Leonardo para se livrarem de um rival no amor das primas e se deixa depois convencer pelo lobby das comadres e pelo suborno da promessa de uma mancebia. Dona Maria diz abertamente ao major quando este insiste em mencionar a lei: "Ora, a le i... o que é a lei, se o major quiser?.... Em 1891, Artur Azevedo pintaria um retrato primoroso da já então capital da República em sua revista O Tribofe. O autor mostra ao longo da peça a existência do tribofe, da trapaça, em todos os domínios do compor- 157

27 tamento do fluminense. Havia tribofe na política, na bolsa, no câmbio, na imprensa, no teatro, nos bondes, nos aluguéis, no amor. Não se obedecia nem à lei dos homens, nem à de Deus. Como diria o próprio Tribofe: Ah, minha amiga, nesta boa terra os mandamentos da, lei de Deus são como as posturas municipais... Ninguém respeita!. 23 Em revista anterior, O Bilontra, escrita em 1886, Artur Azevedo já abordara o mesmo tema, baseado em fato real a venda por um bilontra de falsos títulos de nobreza. O bilontra é o espertalhão, o velhaco, o gozador; é o tribofeiro. A auto-imagem do fluminense como levador da vida aparece também na revista O Cruzeiro ( ): [nós os fluminenses] somos positivistas e pândegos, gostamos muito de festas e mulheres". O positivismo aí não tinha naturalmente nada a ver com o do sisudo e místico Auguste Comte. Significava pragmatismo, pé no chão, saber lidar com a realidade em benefício próprio. Este lado carnavalesco não pode ser derivado das características ibéricas, nem dos traços de cidade antiga que encontramos no Rio. Ele não é mesmo um traço comum a outras cidades brasileiras, exceto talvez Salvador, por mais que se tente hoje generalizá-lo para o Brasil como um todo. O que segue é esboço de explicação. Mais do que qualquer outra cidade brasileira, o Rio acumulou forças contraditórias da ordem e da desordem. Não parece que lhe possa ser dada a característica de cidade letrada de que fala Angel Rama.24 Embora criada com a finalidade de ser instrumento de colonização, centro de poder e de controle, a própria geografia já derrotava qualquer plano urbanístico que se lhe quisesse impor. O terreno era constituído de morros e pântanos e o desenvolvimento urbanístico da cidade foi de 158

28 terminado por esses fatores durante longo tempo. Consistia em ocupar os morros e ir aos poucos aterrando os pântanos. Posteriormente, já em nosso século, passou-se a arrasar os morros. Mesmo assim, ainda hoje, na mais rica parte da cidade, a zona sul, convivem a classe média alta à beira-mar e o proletariado nos morros adjacentes. A grande presença escrava, por outro lado, acrescida mais tarde dos imigrantes do país e do exterior, formou a massa proletária de que falamos. O Estado colonial, depois nacional, tinha de conviver com esta realidade. Por mais iluminista que fosse, e o Estado português não o era muito, precisou desenvolver formas de convivência, ao mesmo tempo que as irmandades constituíam também espaços de contato entre burocracia e povo e entre os vários setores da população. Nessas condições as normas legais e as hierarquias sociais iam aos poucos se desmoralizando, constituindo-se um mundo alternativo de relacionamento e valores. A escravidão dentro da casa minava a disciplina da família branca, assim como corroía os próprios padrões de relacionamento entre senhor e escravo. O predomínio de homens em relação às mulheres na composição demográfica da cidade impossibilitava em muitos casos a formação de famílias regulares. Mesmo que a autoridade o desejasse, seria impossível a aplicação estrita da lei. Daí que da parte do próprio poder e de seus representantes desenvolveram-se táticas de convivência com a desordem, ou com uma ordem distinta da prevista. A lei era então desmoralizada de todos os lados, em todos os domínios. Esta duplicidade de mundos, mais aguda no Rio, talvez tenha contribuído para a mentalidade de irreverência, de deboche, de malícia. De tribofe. Havia consciência clara de que o real se escondia sob o formal. Neste caso, os que se guiavam pelas apa 159

29 rências do formal estavam fora da realidade, eram ingênuos. Só podiam ser objeto de ironia e gozação. Perdia-se o humor apenas quando o governo buscava impor o formal, quando procurava aplicar a lei literalmente. Nesses momentos o entendimento implícito era quebrado, o poder violava o pacto, a constituição não-escrita. Então tinha de recorrer à repressão, ao arbítrio, o que gerava a revolta em resposta. Mas, como vimos, eram momentos de crise, não o cotidiano. O povo sabia que o fórmal não era sério. Não havia caminhos de participação, a República' não era para valer. Nessa perspectiva, o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse à manipulação. Num sentido talvez ainda mais profundo que o dos anarquistas, a política era tribofe. Quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio por ocasião das grandes transformações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra. 160

30 CONCLUSÃO Nossa discussão girou em torno de três temas e das relações entre eles: o tema do regime político (a República), o tema da cidade (Rio de Janeiro) e o tema da prática popular (a cidadania). Em tese e de acordo com a experiência histórica de outros povos, haveria relação positiva de reforço mútuo entre esses temas. A cidade, a vida e os valores urbanos tenderiam a favorecer a prática republicana, que, por sua vez, se caracterizaria pela ampliação da cidadania. A República, mesmo no Brasil, apresentou-se como o regime da liberdade e da igualdade, como o regime do governo popular. A cidade fora o berço da cidadania moderna e, no Brasil, o Rio de Janeiro, maior centro urbano, apresentava as melhores condições de fornecer o caldo de cultura das liberdades civis, base necessária para o crescimento da participação política. Encontramos realidade diferente. Nossa República, passado o momento inicial de esperança de expansão democrática, consolidou-se sobre um mínimo de participação eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular no governo. Consolidou-se sobre a vitória da ideologia liberal pré-democrática, darwinista, reforçadora do poder oligárquico. As propostas alternativas de organização do 161

31 poder, a do republicanismo radical, a do socialismo e mesmo a do positivismo, derrotadas, foram postas de lado. A cidade do Rio de Janeiro, por sua vez, não apresentava as características da cidade burguesa onde se desenvolveu a democracia moderna. O peso das tradições escravista e colonial obstruía o desenvolvimento das liberdades civis, ao mesmo tempo que viciava as relações dos citadinos com o governo. Era uma cidade de comerciantes, de burocratas e de vasto proletariado, socialmente hierarquizada, pouco tocada seja pelos aspectos libertários do liberalismo, seja pela disciplina do trabalho industrial. Uma cidade em que desmoronava a ordem antiga sem que se implantasse a nova ordem burguesa, o que equivale a outra maneira de afirmar a inexistência das condições para a cidadania política. A relação da República com a cidade só fez, em nosso caso, agravar o divórcio entre as duas e a cidadania. Primeiro, por ter a República neutralizado politicamente a cidade, impedindo que se autogovernasse e reprimindo a mobilização política da população urbana. A seguir, quando a República, uma vez consolidada, quis fazer da cidade-capital o exemplo de seu poder e de sua pompa, o símbolo, perante a Europa, de seus foros de civilização e progresso (bem como de sua confiabilidade como pagadora de dívidas). A castração política da cidade e sua transformação em vitrina, esta última efetivada nas reformas de Rodrigues Alves e na grande exposição nacional de 1908, inviabilizaram a incorporação do povo na vida política e cultural. Porque o povo não se enquadrava nos padrões europeus nem pelo comportamento político, nem pela cultura, nem pela maneira de morar, nem pela cara. Na República que não era, a cidade não tinha cidadãos. Para a grande maioria dos fluminenses, o poder 162

32 permanecia fora do alcance, do controle e mesmo da compreensão. Os acontecimentos políticos eram representações em que o povo comum aparecia como espectador ou, no máximo, como figurante. Ele se relacionava com o governo seja pela indiferença aos mecanismos oficiais de participação, seja pelo pragmatismo na busca de empregos e favores, seja, enfim, pela reação violenta quando se julgava atingido em direitos e valores por ele considerados extravasantes da competência do poder. Em qualquer desses casos, uma visão entre cínica e irônica do poder, a ausência de qualquer sentimento de lealdade, o outro lado da moeda da inexistência de direitos. A lealdade era possível em relação ao paternalismo monárquico, mais de acordo com os valores da incorporação, não em relação ao liberalismo republicano. Impedida de ser república, a cidade mantinha suas repúblicas, seus nódulos de participação social, nos bairros, nas associações, nas irmandades, nos grupos étnicos, nas igrejas, nas festas religiosas e profanas e mesmo nos cortiços e nas maltas de capoeiras. Estruturas comunitárias não se encaixavam no modelo contratual do liberalismo dominante na política. Ironicamente, foi da evolução destas repúblicas, algumas inicialmente discriminadas, se não perseguidas, que se foi construindo a identidade coletiva da cidade. Foi nelas que se aproximaram povo e classe média, foi nelas que se desenhou o rosto real da cidade, longe das preocupações com a imagem que se devia apresentar à Europa. Foi o futebol, o samba e o carnaval que deram ao Rio de Janeiro uma comunidade de sentimentos, por cima e além das grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros livres, ex-escravos, imigrantes, proletários e classe média encontraram aos poucos um terreno comum de auto-reconhecimento que não lhes era propiciado pela po- 163

33 lítica. Fenômeno semelhante se deu em Buenos Aires, onde o tango, saído da cultura marginal dos camponeses e imigrantes, foi absorvido pela cultura da classe tradicional e tomou-se o símbolo da cidade, se não do país. Mas, ainda hoje, tempo de Nova República, livre da tarefa de representar o país e tendo conquistado o direito de eleger seus governantes, a cidade não consegue transformar sua capacidade de participação comunitária em capacidade de participação cívica. A atitude popular perante o poder ainda oscila entre a indiferença, o pragmatismo fisiológico e a reação violenta. O conluio da ordem com a desordem, da lei com a transgressão, outrora tipificado no uso de capoeiras nas eleições, continua em plena vigência através do acordo tácito entre autoridades e banqueiros do jogo do bicho. A Cidade, a República e a Cidadania continuam dissociadas, quando muito perversamente entrelaçadas. O esforço de associá-las segundo o modelo ocidental tem-se revelado tarefa de Sísifo. Já é tempo talvez de se fazer a pergunta se o caminho para a cidadania não deve ser outro. Se a República não republicanizou a cidade, cabe perguntar se não seria o momento de a cidade redefinir a República segundo o modelo participativo que lhe é próprio, gerando um novo cidadão mais próximo do citadino. 164

34 NOTAS INTRODUÇÃO (1) Carta de Aristides Lobo ao Diário Popular de São Paulo, em Citada por Leôncio Basbaum, em História Sincera da República, de 1889 a 1930 (São Paulo, Fulgor, 1968), p. 18. (2) Veja Louis Couty, L Esclavage au Brésil (Paris, Librairie de Guillaumin et Cie. Editeurs, 1881), p. 87. (3) Veja Herbert A. Deane, The Political and Social Ideas of St. Augustine (New York and London, Columbia University Press, 1963), p. 116,53. (4) Revolução, (5) Voz do Povo, e O redator do jornal era Gustavo de Lacerda. (6) Echo Popular, (7) Sobre as cidades como centros de libertação e do desenvolvimento de relações contratuais, veja Lewis Munford, The City in History (New York, Harcourt, Brace and World, Inc., 1961), especialmente p (8) Campos Sales a Saldanha Marinho, (AGCRJ, ), p Capítulo I: O R IO DE JANEIRO E A REPUBLICA (1) Sobre a demografia da cidade, veja Samuel Adamo, The Broken Promise: Race, Health, and Justice in Rio de Janeiro, (Tese de Doutorado. Universidade de New México, 1983), cap. II. Sobre a situação social em geral, veja Sylvia Fernandes Padilha, "As Condições de Vida na Cidade do Rio de Janeiro, : Resultados Preliminares (FCRB, mimeo, 1984). 165

35 (2) Nogueira Soares a Barros Gomes, (RAB). A observação de Evaristo de Moraes está em AGCRJ, (3) "N o Maranhão falavam com tanto assombro dos gatunos da Corte! os tais capoeiras! (Aluísio Azevedo, Casa de Pensão. Goiânia, Liv. e Ed. Walfré Ltda., p. 41.) Veja também Plácido de Abreu, Os Capoeiras (Rio de Janeiro, Typ. da Escola de Serafino José Alves, s.d.). Sobre a gatunagem, veja Vicente Reis, Os Ladrões no Rio, (Rio de Janeiro, Cia. Typ. do Brazil, 1903). (4) AGCRJ, (5) Jornal O Tempo, citado por Verediano Carvalho no prólogo a O Encilhamento (Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, p. 12). O romance de Taunay foi publicado originalmente em 1893, em folhetins, sob o pseudônimo de Heitor Malheiros. (6) Relatório do segundo-secretário da legação portuguesa, Antônio da Franca, anexo a ofício de Paço d'arcos a Hintze, (RAB). (7) Adam a Salisbury, (PRO. FO 13, 675), e Sylvia Fernandes Padilha, "As Condições de Vida, p. 52. (8) AZEVEDO, Artur. O Tribofe. Revista Fluminense do anno de Rio de Janeiro, H. Lombaerts & Cia. Editores, 1892, p. 60. (9) Sobre os jacobinos, veja June Hahner, "Jacobinos versus Galegos: Urban Radicais versus Portuguese Immigrants in Rio de Janeiro in the 1890's (Journal of Interamerican Studies and World Affairs, 18 (2): , May 1976). (10) Sobre os operários no início da República, veja Ângela Maria de Castro Gomes, "A Hora e a Vez dos Trabalhadores; República e Socialismo na virada do Século (mimeo, 1984). (11) Veja a lista de expulsos enviada pelo chefe de polícia ao ministro da Justiça a 8 de janeiro de 1895 (AN, Cx 6C5). Veja também os Relatórios do ministro da Justiça referentes aos anos de 1893 e 1894, p. TI e 59, respectivamente. (12) Citado em Socialismo Brasileiro (Sei. e introd. Evaristo de Moraes Filho. Brasília, Câmara dos Deputados-UnB, s.d.), p. 5. (13) Citado em Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro. A Espada contra o Im pério (São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1957), v. II, p (14) AZEVEDO, Artur. O Tribofe. p. 58. Agradeço a Flora Süssekind e Raquel Valença o acesso a O Rio em Tribofe era termo usado em corridas de cavalos e significava a vitória inesperada de um cavalo por meio de fraude. (15) POMPÉIA, Raul. Obras. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/OLAC, v. VI, p (16) Sobre Lima Barreto, veja Francisco de Assis Barbosa, A vida de Lima Barreto ( ) (6. ed. Rio de Janeiro, José Olympio/INL-MEC, 1981). Os ataques ao racismo de Rio Branco aparecem em mais de um 166

36 local na obra de Lima Barreto. Para um exemplo, veja Os Bruzundangas (São Paulo, Brasiliense, 1956), p , em que o barão aparece na figura do visconde de Pancome. (17) RIO, João do. A Alma Encantadora das Ruas. Rio de Janeiro, Organizações Simões, p A edição original do livro é de (18) SALES, Campos. Da Propaganda à Presidência. São Paulo, s. ed., p Agradeço a Marcos Veneu a lembrança da citação. (19) Para informações sobre a organização do governo municipal do Rio no início da República, baseei-me em Ana Marta Rodrigues Bastos, "O Conselho de Intendência: Organização e Representatividade, ", FCRB, mimeo, 1984). A citação de O Paiz está na p. 18 desse texto. (20) Para um resumo do Código, veja Ana Marta Rodrigues Bastos, "O Conselho de Intendência". (21) Sobre o uso da imprensa como veículo de comunicação das queixas populares, veja Eduardo Silva, "As Queixas do Povo, Massas Despolitizadas e Consolidação da República (FCRB, mimeo, 1984). O autor usa como fonte uma coluna publicada sistematicamente pelo Jornal do Brasil, intitulada "Queixas do Povo". (22) Totonho e Lucrécio Barba de Bode são personagens de Numa e a Ninfa. A imprecisão de limites entre a ordem e a desordem dava-se também, como seria de esperar, entre polícia e criminosos ou contraventores. Um exemplo humorístico é o do homossexual Traviata, que, ao ser preso certa vez, revelou que o chefe de polícia era seu freguês... Sobre as várias faces da polícia do Rio, veja Marcos Luiz Bretãs, "Policiar a Cidade Republicana (Revista OAB-RJ, 22: 47-60, jul. 1985). (23) AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Goiânia, Liv. e Ed. Walfré Ltda., Especialmente p. 102, , (24) Sobre o mundo intelectual na belle époque do Rio, veja A.L. Machado Neto, Estrutura Social da República das Letras (Sociologia da Vida Intelectual Brasileira, ) (São Paulo, Grijalbo, 1973), e Jeffrey D. Needell, "R io de Janeiro at the Turn of the Century: Modernization and the Parisian Ideal" (Journal of Interamerican Studies and World Affairs, 25 (1): , Feb. 1983). Sobre Lima Barreto e Euclides como escritores dissidentes, veja Nicolau Sevcenko, Literatura como Missão, Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República (São Paulo, Brasiliense, 1983). (25) Sobre a Pequena África e as origens do samba carioca, veja Roberto Moura, Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Funarte, 1983). Capítulo I I : REPVBLICA E CIDADANIAS (1) Veja Raul Pompéia, Obras (1982), v. IX, p , e visconde de Taunay, O Encilhamento. 167

37 (2) Para dados sobre participação eleitoral, veja Joseph L. Love, "Poli tical Participation in Brazil, " (Luso Brazilian Review, V II (2): 2-24, Dec. 1970). Note-se que Love não se refere aos dados eleitorais de antes da eleição direta, o que lhe permite afirmar que a República representou um aumento significativo na participação política. Tal conclusão não seria válida se a comparação se fizesse com o número de votantes das eleições indiretas do Império. (3) ROBSON, J.M., ed. Collected Works of John Stuart Mill. Toronto, University of Toronto Press, v. X IX, p Para fazer justiça a Mill, é preciso acrescentar que, ao mesmo tempo que excluía o analfabeto do direito de voto, ele considerava um dever da sociedade fornecer os meios de alfabetização a todos os cidadãos. Veja também José Antônio Pimenta Bueno, Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Im pério (Brasília, Senado Federal, 1978), p. 442, A primeira edição desta obra é de Para uma discussão do tema, já na República, veja Victor de Britto, O Sufrágio Proporcional e a Democracia Representativa (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1914), especialmente caps. VI e V II. (4) Veja Luís Washington Vita, Alberto Sales, Ideólogo da República (São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1965). Em justiça, Alberto Sales era mais democrático do que o foram os constituintes, pois admitia o voto dos analfabetos e das mulheres. Segundo ele, o sufrágio é função mas também direito, devendo ser concedido a todos os que de alguma maneira cooperam na vida social. Veja a obra acima, p (5) Era sintomático que as manifestações republicanas no Rio sempre terminavam com o canto da Marselhesa. Freqüentemente eram feitas no próprio 14 de Julho, para desespero do embaixador francês. Veja Amelot a Spuller, (MAE, Correspondance Politique, Brésil, ). A comemoração do 14 de Julho em 1889, apesar dos cuidados do embaixador, terminou em conflitos de rua entre republicanos e monarquistas. No dia seguinte haveria o atentado a bala contra o imperador. Silva Jardim insistia em que a Monarquia caísse em 1889 para coincidir com o centenário da Revolução Francesa. (6) Sobre Silva Jardim, veja Maurício Vinhas de Queiroz, Paixão e Morte de Silva Jardim (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967). (7) O manifesto está reproduzido em Reynaldo Carneiro Pessoa, A Idéia Republicana no Brasil através dos Documentos (São Paulo, Alfa- Omega, 1973), p A referência do texto está na p (8) Veja "Carta Política ao País e ao Partido Republicano, de 6 de janeiro de 1889, reproduzida em Reynaldo Carneiro Pessoa, A Idéia Republicana, p A referência do texto está na p E Alberto Sales, A Pátria Paulista (Brasília, UnB, 1983). A primeira edição desta obra é de

38 (9) Sobre os militares no Império, veja John H. Schulz, "The Brazilian Army in Politics, " (Tese de Doutorado. Princeton University, 1973). Os aspectos organizacionais e ideológicos da insatisfação militar são examinados em José Murilo de Carvalho, "As Forças Armadas na Primeira República: O Poder Desestabilizador (História Geral da Civilização Brasileira. Org. Boris Fausto, São Paulo, Difel, t. III, v. II, p ). (10) Sobre a Guarda Nacional e sua inspiração democrática inicial, veja Jeanne Berrance de Castro, A Milícia Cidadã: A Guarda Nacional de 1831 a 1850 (São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1977). (11) Os militares lutavam também por status social, apesar de haver aí contradição com a demanda de igualdade. Era comum na época o tratamento de "cidadão doutor general, em que se misturavam o igualitarismo civil, o status social e a hierarquia militar. Mais complicada, se não cômica, foi a concessão de honras de general-de-brigada aos ministros civis em O resultado foi esta preciosa combinação: "cidadão general doutor Rui Barbosa. Vexadíssimo, Rui não queria aceitar a duvidosa honraria, só o fazendo a pedidos de amigos republicanos como Barata Ribeiro. Veja FCRB, Pasta La Prensa, carta de Rui ao redator, ; e Pasta Barata Ribeiro, carta s.d. a Rui. Por ocasião da concessão das honras, o embaixador francês ficou feliz por estar presente apenas como curioso, pois "il m'eût été difficile de féliciter sérieusement les ministres de la distinction qui leur était conférée (MAE, Blondel a Ribot, ). (12) POMPÉIA, Raul. Obras. v. VI, p (13) SODRÉ, Lauro. Crenças e Opiniões. Belém, Tipografia do Diário Oficial, p A afirmação consta da mensagem de Lauro Sodré ao Congresso Legislativo do Pará, em fevereiro de (14) POMPÉIA, Raul. Obras. v. IX, p e (15) O Soldado, 22 e ; 1 e De fato, o direito do voto já tinha sido retirado das praças pela lei eleitoral de A de 1881 privou deste direito os serventes de repartições públicas. No entanto, dado o fato de ter ela introduzido mecanismos muito mais rigorosos e mais trabalhosos de verificação da renda, número muito maior de cidadãos se viu excluído da franquia eleitoral. (16) Revolução, (17) MENDES, R. TEIXEIRA. A Incorporação do Proletariado na Sociedade Moderna (Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, n. 77, jul. 1908). A influência positivista nesta área foi duradoura. Em 1919 o deputado João Pernetta apresentou à Câmara um projeto de legislação social em bases estritamente positivistas, muito próximas das propostas do Apostolado ao governo provisório. Veja Câmara dos Deputados, Comissão de Legislação Social, Relatório apresentado pelo deputado João Pernetta (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1919). 169

39 (18) Veja o jornal de França e Silva, Echo Popular, Além de Vinhaes, Gustavo de Lacerda, que redigia A Voz do Povo, também disputava com França e Silva a formação de um partido operário. Ao final, foram formados três partidos, todos de vida efêmera. Ver a respeito José Augusto Valladares Pádua, "A Capital, a República e o Sonho: a Experiência dos Partidos Operários de 1890 (Dados Revista de Ciências Sociais, 28(2): , (19) Veja as intervenções de Vinhaes na Constituinte, especialmente sessões de 4.2 e de , em Annaes do Congresso Constituinte de 1891 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1926), v. III, p , Veja também suas intervenções na primeira legislatura, em Annaes da Câmara dos Deputados (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891), especialmente v. I, p , 420-1, 590-1; v. II, p ; v. III, p. 35-6, 238-9, e v. IV, p. 24, Veja ainda O Paiz, 18/22/23/31 jan Na Câmara falavam também a favor dos operários Barbosa Lima e Lauro Sodré, positivistas, e Sampaio Ferraz. (20) Veja Echo Popular, 6/8/11/13 mar Para as idéias de Gustavo de Lacerda, veja A Voz do Povo. (21) Vários programas destes partidos podem ser encontrados, juntamente com um breve histórico do movimento socialista, em Socialismo Brasileiro, p , Veja também Gustavo de Lacerda. O Problema Operário no Brasil (Propaganda Socialista, Rio de Janeiro, 1901), que contém o programa do Centro Operário Radical criado por ele no Rio, em Ainda no Rio, um dos porta-vozes do socialismo reformista era o jornal O Prim eiro de Maio (1898), redigido por Evaristo de Moraes, J. Azurara e J. Palma, com a colaboração de Vicente de Souza e Mariano Garcia. Em São Paulo, surgiu um Centro Socialista em 1896, transformado em Partido Operário Socialista em 1897 e em Partido Socialista Internacional em 1898, cujo órgão de divulgação era O Socialista. O programa do partido de 1897 está nesse jornal, edição de Em 1902 houve na capital paulista um segundo Congresso Socialista, de que resultou a criação de um Partido Socialista Brasileiro. O manifesto do Congresso pode ser encontrado em Antônio dos Santos Figueiredo, A Evolução do Estado no Brasil (Porto, Impr. Indústr. Gráf. do Porto Ltda., 1926), p O partido durou cerca de um ano. (22) Sobre o anarquismo em seus inícios no Brasil, veja Elysio de Carvalho, O Movimento Anarquista no Brasil (Kultur, 1: 2-3, mar. 1904, e Kultur, 3: 22-4, Floreai, 112/ago Veja também M. Curvelo de Mendonça, "O Movimento Socialista no Brasil (Almanaque Brasileiro Garnier, 272-7, 1905, e Almanaque Brasileiro Garnier 210-3, 1906). Elysio calculou em o número de comunistas (anarquistas) no país, número que Neno Vasco achou muito exagerado; ver Kultur, 2: 170

40 18-9, Germinal, 112/jun A lista de jornais citada não é exaustiva, e limita-se ao Rio. Como se sabe, a maior força do anarquismo estava em São Paulo. (23) CARVALHO, Elysio de. "O Movimento Anarquista", p Sobre o anarquismo veja também Sheldon C. Maram, Anarquistas, Imigrantes e o Movimento Operário no Brasil, (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979). (24) MOTA, Benjamim. Rebeldias. São Paulo, Tipografia Brasil de Carlos Gerke & Cia., p (25) As resoluções do congresso estão em O Congresso, , p. 3. O discurso de B. Mota está em Novo Rumo, , p (26) Veja Novo Rumo, , p (27) COB, Desde o Umbral do Palácio Monroe, folheto, O título refere-se ao fato de ter sido o congresso realizado no palácio Monroe, onde não tiveram entrada os anarquistas. (28) Veja Ferdinand Tõnnies, Community and Society (New York, Harper and Row Publishers, 1963); Emile Durkheim, De la Division du Travail Social (Paris, Presses Universitaires de France, 1973); Charles H. Cooley, Social Organization (New York, 1909). Sobre o pensamento de Herbert Spencer, veja Lewis A. Coser, Masters of Sociological Thought (New York, Harcourt Brace Jovanovich, Inc., 1971), p (29) PIRENNE, Henri. Medieval Cities. Garden City, Doubleday Anchor Books, s.d. Especialmente, p ; THOMPSON, E.P. The Making of the English Working Class. New York, Vintage Books, p ; ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social. Introd. notes et commentaire par Maurice Halbwachs. Paris, Aubier Montaigne, (30) O manifesto foi reproduzido por jornais operários do Rio. Veja, por exemplo, O Baluarte, , e O Marmorista, (31) Veja O Baluarte, Numa das poucas manifestações contrárias, a Sociedade União dos Operários Estivadores apoiou o sorteio, atitude que O Baluarte tachou de vergonhosa em edição de (32) Terra Livre, Não Matarás, n. 1, mar (33) A Voz do Trabalhador, 15.7 e 6.12 de (34) Veja Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes, "Razões contra a Lei da Grande Naturalização (In: Annaes d o ' Congresso Constituinte da República. 2. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, v. I, p ). (35) Ibid., p Seguindo Rousseau, Comte também achava que, para um adeqüado funcionamento, as nações deveriam ter dimensões reduzidas, no máximo três milhões de habitantes. (36) Veja FCRB, Pastas referentes aos nomes citados. A reação veio de Ennes de Souza, diretor da Casa da Moeda. Veja Pasta Ennes de Souza, Memo de , e Pasta Antônio Joaquim de Sousa Botafogo, parecer s.d. e bilhete de Ennes de Souza. 171

41 Capítulo III: CIDADÃOS INATIVOS: A ABSTENÇÃO ELEITORAL (1) COUTY, Louis. L Esclavage au Brésil p (2) Blondel a Spuller, Rio, (MAE, Correspondance Politique, 53). E carta particular de Amelot a Granville, , mesma localização. O conde Amelot de Chaillou foi representante francês no Rio de 1882 a Regressou à França em setembro desse ano, sendo substituído interinamente pelo secretário da legação, Camile Blondel. (3) Frederick Adam a Salisbury, ofício confidencial de (PRO, FO 13, 676). Adam era secretário da legação, substituindo George Wind- ham que viajara à Inglaterra. (4) POMPÉIA, Raul. Obras. v. IX, p. 365, Neste desencanto com a realidade social fluminense, Raul Pompéia teria a companhia de outro intelectual de postura política muito diferente. Em 1904, comentando a Revolta da Vacina, Olavo Bilac viu no que considerava arruaças a prova de que nós ainda não somos um povo. Para Bilac, quem não sabia 1er não via, não raciocinava, não vivia (Kosmos, 7(11):1, nov. 1904). (5) Raikes a Salisbury, confidencial, (PRO, FO, 13, 767). (6) Paço d Arcos a Valbom, (RAB, Cx. 223, Série A, Conf., 19). Barbaroux era o chefe dos marselheses que chegaram a Paris para derrubar a Monarquia a 10 de agosto de (7) Paço d Arcos a Hintze, 6/ (RAB, Livro 99, n. 43 e 45). (8) Veja, por exemplo, Windham a Rosebery, l. / (PRO, FO, 13, 705). Em caso de anarquia, diziam as instruções dos representantes estrangeiros, seus nacionais deveriam reunir-se no largo do Paço (atual Praça 15), onde seriam protegidos pela esquadra estrangeira e, se necessário, transferidos para os navios. (9) O texto mais conhecido de Le Bon, La Psychologie des Foules, foi publicado pela primeira vez em (10) Obras. v. IX, p Crônica no Jornal do Commercio de (11) Obras. v. IX, p Crônica no Jornal do Commercio de (12) Obras. v. V, p (13) Os dados da tabela I I I foram organizados pelos responsáveis pelo censo. Como não há maiores explicações sobre os critérios de classificação adotados em cada caso, é preciso tomá-los com certa cautela, apenas como um indicador aproximado da estrutura ocupacional de cada cidade. Nada é dito, por exemplo, sobre o que foi feito das categorias "profissões desconhecidas" e "profissões mal definidas" do censo carioca de Os dados de 1887 para Buenos Aires foram tirados de Hilda Sábato, "La Formación dei Mercado de Trabajo en 172

42 Buenos Aires, (Desarollo Económico, 24(96): 564, ene./mar. 1985). (14) Pode-se dizer que no Rio de Janeiro nove décimos dos cocheiros e dos carroceiros são portugueses. Garcia da Rosa a Hintze Ribeiro, (RAB, Cx. 223, Série A, n. 95). Segundo outra fonte, carroceiros, cocheiros e catraieiros provinham de imigrantes fugidos das colônias, de desertores de navios mercantes e da Marinha brasileira para a qual eram ilegalmente recrutados, e da imigração agenciada. Faziam o trabalho pesado que em Lisboa era feito pelos galegos, e eram em geral conhecidos no Rio por esse epíteto. Sua origem pode explicar em parte a agressividade do grupo e a violência de suas manifestações. Veja relatório do segundo-secretário da legação portuguesa, Antônio da Franca, apresentado a Paço d Arcos e enviado por este a Hintze Ribeiro em 26.ago.1893 (RAB, Série A, n. 56). Sobre a imigração portuguesa para o Brasil e a integração dos portugueses na sociedade brasileira, veja Ann Marie Pescatello, "Both Ends of the Journey: An Historical Study of Migration and Change in Brazil and Portugal, (Tese de Doutorado. Universidade da California, Los Angeles, 1970). (15) BRAZIL, Major José D'Assis. O Atentado de 5 de Novembro de 1897 contra o Presidente da República. Causas e Efeitos. São Paulo, Casa Vanorden, p. 94. (16) Veja o relatório de Antonio da Franca mencionado na nota 14. (17) As queixas começam na Revolta do Vintém, de que participaram portugueses, e vão até a Revolta da Vacina, quando muitos portugueses morreram ou foram presos. Sobre Antônio da Costa Borlido, disse o representante português: "é proprietário da maior parte das carroças do Rio de Janeiro e pôr isso tem sob as suas ordens um enorme pessoal quase todo composto de portugueses. Lampreia a Arroyo, (RAB, Cx. 226, n. 2). Borlido envolveu-se novamente em complicações políticas em 1901 e foi expulso para a Itália. Lampreia queixa-se de não conseguir convencer os portugueses a não se meterem em política. (18) O mesmo segundo-secretário citado acima, Antônio da Franca, discute longamente o problema da naturalização em relatório escrito em Para ele, a grande naturalização fora o mais sério golpe contra os interesses da colônia portuguesa. Denuncia que muitos portugueses aceitavam inocentemente certos cargos ou praticavam atos sem saber que, assim, renunciavam implicitamente à cidadania portuguesa. Alguns atos tinham toda a aparência de inofensivos, como concorrer para o custeio de bandas de música dos regimentos como alternativa ao serviço militar. Veja Garcia a Hintze, (RAB, Cx. 552, Série A, n. 68). (19) Um caso exemplar é o de W. Hancox, que vira rescindido seu contrato para drenagem de águas pluviais no Rio. Como tinha com 173

43 prado material além dos limites previstos e por preços exagerados, esperando a extensão do contrato, pediu indenização. Seu pedido foi negado pelo Conselho de Estado em Continuou a pressionar através dos representantes ingleses. A certa altura, o próprio representante se convenceu de que suas reclamações não tinham base legal (Windham a Sanderson, ). Hancox morreu, mas seu cunhado Haggard, que fora cônsul no Rio, continuou a briga, apelando até para os Rothschild. O caso só terminou em abril de 1892, em plena República, quando o governo concordou em pagar 300 contos em ouro à viúva. (20) Veja relatório de Antônio da Franca, de A informação lhe fora dada pelo ministro italiano, Tugini. Franca se pergunta, com razão, se não haveria exagero nos números do italiano. (21) Em 19 de janeiro de 1895, por exemplo, houve um conflito entre operários do Arsenal da Marinha e carregadores portugueses, resultando do choque vários feridos e dois ou três mortos. (22) O censo não fornece diretamente o número de alfabetizados com mais de 21 anos. Para o cálculo deste dado projetamos para os maiores de 21 anos a taxa de alfabetização para os homens de mais de 7 anos, que era de 68,2%. O número das praças de pré foi conseguido tomando-se 80% dos militares do Exército, da Armada e da força policial. O resultado obtido não deve estar longe da realidade. (23) ANNAES da Câmara dos Deputados, v. II, p (24) Para anos que não 1890, supomos um crescimento do eleitorado potencial proporcional ao crescimento projetado da população total. (25) M INISTÉRIO da Agricultura, Indústria e Commercio, Directo- ria do Serviço de Estatística. Estatística Eleitoral da República dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Typografia do Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio, p (26) Sobre Nova Iorque, veja David C. Hammack, Power and Society. Greater New York at the Turn of the Century (New York, Russel Sage Foundation, 1982). Sintomaticamente, os índices de participação eleitoral de Lisboa estavam muito mais próximos,dos do Rio que dos de Nova Iorque. Em 1900, por exemplo, votaram apenas 2,84% da população da cidade. Os eleitores eram 6,9% dessa população. (27) A participação eleitoral no Rio de Janeiro só começou a aumentar na década de 1920 e acelerou-se após 1930, especialmente durante o governo de Pedro Ernesto, que iniciou a política populista no Brasil. Em 1919 votaram ainda apenas pessoas. Em 1930, os votantes já tinham subido para , atingindo em Houve um dramático aumento de 424% entre 1919 e Sobre isso, veja Michael L. Conniff, Urban Politics in Brazil. The Rise of Populism, (Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1981), caps. 4 e 6, p. 73 e

44 (28) Veja AGCRJ, Livro de Actas da Qualificação Eleitoral da Parochia de São Cristóvão, 1890 (65-4-8). Comerciantes e capitalistas eram 23% dos alistados, artistas e operários 21%. (29) Carta de Silva Jardim a Rui Barbosa, em FCRB, Pasta Silva Jardim. (30) BARÃO DE PARANAPIACABA. Eleições. In: A Década Republicana. Rio de Janeiro, Cia. Tip. do Brasil, v. 3, p (31) BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. p O livro foi escrito em (32) Os Bruzundangas, p. 114; Numa e a Ninfa (São Paulo, Brasiliense, 1956), p Numa e a Ninfa foi publicado pela primeira vez em folhetins, em Não é difícil arrolar casos de violência nas eleições do Rio de Janeiro. Em 18 de fevereiro de 1903, por exemplo, houve derramamento de sangue por ocasião de eleições federais. Nas eleições municipais de 20 de setembro do mesmo ano, o eleitorado, assustado, quase não compareceu. Em muitas seções não houve eleição. Mesmo assim, alguns mesários foram feridos a tiros. O candidato Irineu Machado era visto dirigindo seus seguidores e trocando-lhes os títulos após cada voto para que pudessem votar novamente. Como era de se esperar, foi o mais votado, com 1829 votos. Veja Correio da Manhã, , p. 2. A violência eleitoral não foi, bem entendido, invenção republicana. Sobre eleições no Rio durante o Império, antes da reforma do voto direto, há um testemunho vívido do representante francês. Segundo Amelot, as eleições eram resolvidas a porrete, a faca e a revólver. Os capoeiras eram agentes eleitorais muito úteis: votavam um número indefinido de vezes, impediam de votar os adversários de seu chefe, em caso de reclamações ou de resistência, recorriam à* ultima ratio, certos da impunidade garantida pelos chefes políticos influentes. Amelot a Flourens, (MAE, Correspondance Politique, Brésil, n. 52). (33) Numa e a Ninfa, p. 59. (34) Veja José Vieira, A Cadeia Velha, Memórias da Câmara dos Deputados (Brasília, Senado Federal/FCRB, 1980), p Pinto de Andrade causou a interrupção da sessão da Câmara em , tal a confusão que provocou nas galerias defendendo a candidatura Hermes. Em certo momento chegou a puxar um revólver. (35) Careta, , p. 1. (36) Sobre as tentativas de organizar partidos operários no início da República, veja o estudo de José Augusto Valladares Pádua, já citado. Sobre partidos políticos em geral, veja Marcos Veneu, "Enferrujando o Sonho: Agremiações Políticas Eleitorais no Distrito Federal, (FCRB, mimeo, 1984). Sobre os jacobinos, veja Wilma Peres Costa, "Notas sobre o jacobinismo Brasileiro (trabalho apresentado no 175

45 Seminário Rio Republicano, organizado pela FCRB, Rio de Janeiro, out. 1984), e o trabalho de June Hahner, Jacobinos versus Galegos, também já citado. Capítulo IV : CIDADÃOS ATIVOS (1) A revolta tem despertado recentemente a atenção de vários pesquisadores. Cabe mencionar, em primeiro lugar, o livro de Nicolau Sevcenko, A Revolta da Vacina. Mentes Insanas em Corpos Rebeldes (São Paulo, Brasiliense, 1984). O autor não faz uso extenso das fontes, mas revela fina sensibilidade analítica e adota uma abordagem que diverge um pouco da nossa. A revolta foi abordada também na Tese de Mestrado de Jaime Larry Benchimol, "Pereira Passos um Haussmann Tropical; as Transformações Urbanas na Cidade do Rio de Janeiro no Início do Século X X (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982). Outro texto recente é o de Jeffrey D. Needel, "Popular Response to Reform: the so-called Revolta contra Vacina of 1904 (Trabalho apresentado no X II Congresso Internacional da LASA, Albuquerque, 1985). Entre os livros mais antigos que tratam do assunto, podemos citar os de Afonso Arinos de Melo Franco, Rodrigues Alves, Apogeu e Declínio do Presidencialismo (Rio de Janeiro, José Olympio, 1973); Sertório de Castro, A República que a Revolução Destruiu (Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1932); Raymundo A. de Athayde, Pereira Passos, O Reformador do Rio de Janeiro. Biografia e História (Rio de Janeiro, Ed. A Noite, s.d.); Edgar Carone, A República Velha (Evolução Política) (São Paulo, Difel, 1971), e Boris Fausto, Trabalho Urbano e Conflito Social (São Paulo, Difel, 1977). Na literatura, há um romance com valor documentário, o de José Vieira, O Bota-Abaixo. Chronica de 1904 (Rio de Janeiro, Selma Editora, 1934). Outra versão romanceada da revolta pode ser encontrada em Joel Rufino dos Santos, Quatro Dias de Rebelião (Rio de Janeiro, José Olympio, 1981). (2) Os estudos sobre a ação coletiva de multidões têm longa tradição. Foram renovados recentemente a partir dos trabalhos de George Rudé, especialmente The Crowd in History, (London, Lawrence and Wishart, 1981), cuja primeira edição é de 1964, e Ideology and Popular Protest (London, Lawrence and Wishart, 1980). Neste último texto, o autor enriquece a análise incorporando críticas feitas ao primeiro. (3) A melhor descrição do governo Rodrigues Alves ainda é a de Afonso Arinos, no livro acima citado. As reformas do Rio têm também merecido interesse crescente dos estudiosos. O trabalho de Jaime Benchimol, também citado acima, é dos mais recentes e completos. Veja-se, também, a respeito, Oswaldo Porto Rocha, A Era das Demolições. Cidade do Rio de Janeiro: (Tese de Mestrado. Universidade 176

46 Federal Fluminense, 1983), e Sérgio Pechman e Lilian Fritsch, A Reforma Urbana e seu Avesso: Algumas Considerações a Propósito da Modernização do Distrito Federal na Virada do Século (Revista Brasileira de História. 5 (8/9): , set. 1984/abr. 1985). Sobre a reforma do porto, veja Sérgio Lamarão, "Dos Trapiches ao Porto: Uma Contribuição ao Estudo da Produção da Área Portuária do Rio de Janeiro" (Tese de Mestrado. Univ. Fed. do Rio de Janeiro, 1984). A reforma sanitária é tratada por Nilson do Rosário Costa em "Estado e Políticas de Saúde Pública ( ) (Tese de Mestrado. IUPERJ, 1983), e por Angela de Araújo Porto, "Artimanhas de Esculápio: Crença ou Ciência no Saber Médico (Tese de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, 1985). (4) Veja Aníbal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do Governo e Crescimento da Economia Brasileira, (Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975), especialmente p As idéias de Joaquim Murtinho estão em Nícia Villela Luz, Idéias Econômicas de Joaquim Murtinho (Brasília, Senado Federal/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980). As críticas são de Vieira Souto e estão incluídas no livro de Nícia Villela Luz, p (5) VILLELA & SUZIGAN. Política do Governo, p. 814, (6) Sobre a situação das obras em novembro, veja Alfredo Lisboa, "A Avenida Central (Kosmos, Anno I, 11, nov. 1904), e, do mesmo autor, "Obras do Porto do Rio de Janeiro (Kosmos, Anno I, 2, fev. 1904). Consulte-se também a obra de Sérgio Lamarão citada acima. (7) Reproduzido em Edgard Carone, Movimento Operário no Brasil ( ) (São Paulo, Difel, 1979), p (8) Veja Afonso Arinos, Rodrigues Alves, p. 382, e Jaime Benchimol, Pereira Passos, p (9) BENCHIMOL, Jaime. Pereira Passos, p (10) Não há estudo mais detido sobre as tentativas de implantação da vacina obrigatória e sobre as razões do fracasso da ação do governo. Breve resumo da legislação pode ser encontrado no relatório do chefe de polícia do Rio de Janeiro, incluído no Relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, J.J. Seabra, de março de 1905 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1905), p Para outra fonte, veja nota 55. A experiência inicial de Edward Jenner com a linfa animal foi descrita por ele próprio em An Inquiry into the causes and Effects of the Variolae Vaccinae (London, S. Low, 1798). A primeira vacinação foi feita em 14 de maio de A França introduzira a obrigatoriedade da vacina em (11) Sobre os líderes positivistas da oposição, veja Robert G. Nachman, "Positivism and Revolution in Brazil s First Republic: the 1904 Revolt (The Americas, X X X IV (1): 20-39, July 1977). Salientaram-se ainda no combate à vacina os congressistas e médicos Barata Ribeiro 177

47 e Brício Filho. Este último mantinha no Correio da Manhã uma coluna com o título "Contra a Vacina". (12) Esta é apenas uma pequena amostra do rol de doenças listadas pelo médico positivista Joaquim Bagueira Leal. A posição dos positivistas em relação à vacina foi discutida por Angela Porto em "Artimanhas de Esculápio", cap. III, em que nos baseamos. Veja a citação de Bagueira Leal às p (13) O Paiz, , p. 1. (14) A Notícia, 11 e No dia 11, o jornal entrevistou os drs. Luiz da Cunha Feijó Filho e Miguel Couto. No dia 12, os drs. Malaquias Gonçalves, Rodrigues Lima, deputado pela Bahia, João Carlos Teixeira Brandão, deputado pelo Rio de Janeiro. Rodrigues Lima teve uma tirada humorística ao apontar a impossibilidade de se exigir a vacina para os eleitores da capital federal: muitos deles eram defuntos... (15) Para a descrição dos acontecimentos, utilizamo-nos principalmente dos jornais O Paiz, que apoiava o governo e sua política vacinista, o Correio da Manhã, o principal órgão de oposição, profundamente envolvido na conspiração militar, e o Jornal do Commercio, contra a conspiração mas também crítico da obrigatoriedade. Subsidiariamente, foram usados também o Jornal do Brasil, A Notícia e a Tribuna. (16) Correio da Manhã, , p. 1. (17) Jornal do Commercio, , p. 1. (18) No relatório do chefe de polícia, já mencionado, o máximo rigor significava "sufocar a revolta à metralha" (p. 16). (19) Para o depoimento de uma testemunha da rendição, veja marechal Estêvão Leitão de Carvalho, Memórias de um Soldado Legalista (Rio de Janeiro, Imprensa do Exército, 1961), t. I, Livros 1 e 2, p Leitão era na época aluno da Escola Militar e não aderiu à revolta. A ausência de qualquer resistência por parte do comandante e de seus auxiliares lhe causou "dolorosa impressão". A atitude do ministro da Guerra também lhe sugeriu irresolução ou cumplicidade (p. 47). (20) Vejam-se as anotações do próprio Rodrigues Alves, reproduzidas no livro de Afonso Arinos, p (21) Porto Artur: a denominação, entre bombástica e jocosa, se devia ao episódio da resistência desta fortaleza na recente guerra russo-japonesa. (22) O Jornal do Commercio e A Notícia, ambos do dia 17 de novembro, dão versões ligeiramente distintas da prisão de Prata Preta. Ambos, no entanto, salientam a bravura indómita do crioulo. No navio Itaipava, em que foi deportado com outras 334 pessoas, Prata Preta assumiu a liderança dos presos, surrando-os com um pedaço de cabo, segundo A Notícia, 27/

48 (23) A Notícia, Segundo este jornal, dia 18.11, foram presos vários outros conhecidos desordeiros da Saúde, como Rato Branco, Truvisco, Machadinho, Almeidinha. (24) As fontes de que dispomos não permitem esclarecer a posição dos estivadores. A Notícia do dia 12 menciona ameaça de greve no cais da Saúde. No dia 18, diz ter terminado a greve que se manifestara há quatro dias. Pelas informações do Jornal do Commercio e de O Paiz, deduz-se que não houve greve mas apenas paralisação por falta de garantias. A questão permanece em aberto. A referência do líder dos estivadores aos portos de Buenos Aires e Montevidéu não é gratuita. Em outubro de 1904 fora discutido um acordo entre os estivadores do Rio e de Buenos Aires para ação conjunta que abrangesse também o porto de Montevidéu. (25) A prática de deportação, que era de uso generalizado também na Europa, mas que no Brasil era feita sem nenhum processo, foi iniciada no final do Império com o envio de capoeiras para o Mato Grosso. Intensificou-se com a República. O chefe de polícia do governo provisório, Sampaio Ferraz, prendeu e desterrou para Fernando de Noronha, sem processo, uns 600 capoeiras. Muitos dos participantes da Revolta dos Marinheiros de 1910 foram mandados para o Amazonas. (26) O Jornal do Commercio adotou posição mais neutra na classificação dos revoltosos. Na Saúde, haveria mistura de desordeiros com marítimos, formando a multidão sinistra" que tanto impressionou o repórter. Os que foram presos no final, entretanto, seriam desordeiros, gatunos, vagabundos, arruaceiros. (27) José Maria dos Santos, crítico do governo e da República, segue a mesma linha em A Política Geral do Brasil (São Paulo, J. Magalhães, 1930), p Esta linha liberal de interpretação tem seu primeiro representante em J. Michelet, La Révolution Française (Paris, ). (28) A vertente conservadora tem em Edmund Burke, Reflections on the Révolution in France, publicado pela primeira vez em 1790, o mais conhecido representante. (29) Veja a parte do relatório de Cardoso de Castro incluída no Relatório do Ministro da Justiça de março de 1905, p. 16; e seu próprio Relatório, p (30) Para a posição de Rui Barbosa, veja Documentos Parlamentares, Estado de Sítio. Acontecimentos de 14 de novembro de Revolta dos Marinheiros de 1910 (Paris e Bruxelles, L'Edition d'art, 1913), v. IV, Para a de Olavo Bilaç, Kosmos, Anno I, 11: 2, nov Seguem mais ou menos a mesma linha de interpretação Afonso Arinos, em seu livro já citado, José Maria Bello, História da República (São Paulo, Editora Nacional, 1972), p , e José Vieira, em O Bota-Abaixo, p

49 (31) JUSTIÇA Federal. Processo Crime motivado pelos acontecimentos ocorridos na Capital Federal, a 14 e 15 de Novembro de Razões de defesa e recurso apresentados pelo Dr. Vicente de Souza acusado pelo crime de conspiração. Rio de Janeiro, Typ. do "Jornal do Commercio, (32) Relatório apresentado ao ministro, p. 6. (33) "Não estão incluídos nas tabelas VI e V II os mortos e feridos militares e os da Guarda Civil. O número de feridos constante nas tabelas deve estar subestimado, pois baseia-se nas listas publicadas pelos jornais que as tiravam dos hospitais. Houve certamente feridos que não foram tratados em hospitais. A lista de mortos não deve estar longe da verdadeira. Alguns dos mortos não participaram da revolta, foram vítimas acidentais. (34) A ampla presença de portugueses entre os presos é confirmada pelo embaixador de Portugal. Segundo ele, 160 teriam sido soltos e quatro teriam sido mandados para o Acre. Lampréia a Vilaça, RAB, (35) Correio da Manhã, , p. 1. (36) Veja Correio da Manhã, de 10.8 a (37) Em outubro de 1904, o Centro das Classes Operárias tentou mediar sem êxito uma greve de canteiros em pedreira da praia da Saudade. No final, 300 trabalhadores depredaram as oficinas em meio a tiroteio que deixou cinco feridos (O Congresso, n. 40, ). (38) O noticiário da greve foi tirado do Correio da Manhã. O boletim está na edição de 22 de agosto, p. 2. (39) Sobre a organização e tendências do anarquismo no Rio de Janeiro, veja Oscar Farinha Neto, "Atuação Libertária no Brasil: A Federação Anarco-Sindicalista (Tese de Mestrado. IUPERJ, 1985), cap. IV. (40) A lista de entidades convidadas pelo Centro das Classes Operárias está no Correio da Manhã, , p. 2. No Relatório ao Segundo Congresso Operário de 1913, documento de inspiração anarquista, há velada crítica a Vicente de Souza e ao Centro das Classes Operárias, como "obedecendo a orientação política. Veja Estudos Sociais, 18: 195 nov A mesma crítica pode ser vista em A Voz do Trabalhador, órgão da Confederação Operária Brasileira, n. 44, , p. 3, onde a tentativa de envolver operários na luta eleitoral de 1910 é comparada ao que aconteceu em (41) As listas apresentadas à Câmara a l. de setembro (Anais, v. V., p ) dão indicação de ocupação para pessoas, quase todas operários. Entre estes, segundo cálculo de Pedro Paulo Soares, 1859, ou seja, 43%, eram artistas, o que indica grande envolvimento pelo menos na campanha inicial. 180

50 (42) Sobre as revoltas de Paris, veja David H. Pinkney, The Crowd in the French Révolution of 1830 (American Historical Review, LXX, 1: 1-17, Oct. 1964); do mesmo autor, The Revolutionary Crowd in Paris in the 1830's" (Journal of Social Hisiory, 5(4): , Summer 1972); Charles Tilly et Lynn Lees, Le Peuple de Juin 1848 {Annales ESC, 5: , sept.-oct. 1974); J. Rougerie, Composition d'une population insurgée. L'éxemple de la Commune (Le Mouvement Social, 48: 31-47, jul.-sept. 1964); Martin R. Waldman, The Revolutionary as Criminal in 19th. Century France: A Study of the Communards and Déportés (Science and Society, X X X V II (l):31-55, Spring 1973). (43) O trabalho mais elaborado sobre a Revolta do Vintém é o de Sandra Lauderdale Graham, The Vintem Riot and Political Culture: Rio de Janeiro, 1880 (Hispanic American Historical Review, 60(3):431-49, Aug. 1980). (44) Veja o relatório do chefe de polícia incluído no Relatório do Ministro da Justiça, 1900, p A visão dos monarquistas está em Antônio Ferreira Vianna, A Conspiração Policial (Rio de Janeiro, Typ. do Jornal do Commercio, 1900). (45) Veja O Paiz, , p. 1. (46) Veja José Maria dos Santos, A Política Geral do Brasil, p (47) O relatório de 1905 da comissão nomeada pelo governo para estudar o problema da habitação popular diz que o trabalho no Rio era abundante, a prova sendo o preço elevado da mão-de-obra. Veja Everardo Backheuser, Habitações Populares (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1905), p O jornal O Congresso, dos pedreiros, menciona grande abundância de trabalho para a categoria a partir de Tal fato teria gerado queda de qualidade pela afluência de trabalhadores menos qualificados. Menciona uns 1500 canteiros no Rio (O Congresso. Anno II, n. 53, , p. 1). (48) O Libertário, Anno I, n. 1, (49) BENCHIMOL, Jaime. Pereira Passos, p (50) FALCÃO, Edgard. A Incompreensão de uma Época Oswaldo Cruz e a Caricatura (v. I). In: Oswaldo Cruz Monumenta Histórica. São Paulo, s. ed. 1978). Dificilmente se encontraria outro tema na Primeira República que fizesse tanto as delícias dos humoristas como o das campanhas de Oswaldo Cruz. (51) VIEIRA, José. O Bota-Abaixo. p (52) ANAIS da Câmara dos Deputados v. V, p (53) O Paiz, , e José Vieira, O Bota-Abaixo, p A qualidade de cronista de José Vieira é confirmada em seu livro A Cadeia Velha, já citado. (54) Veja Documentos Parlamentares. Estado de Sítio, p. 31. (55) O efeito negativo não se limitou a Nesse ano houve ao todo vacinações e revacinações; no ano seguinte apenas 2 859; 181

51 em 1906, 4 463; em 1907, Veja Diretoria Geral de Saúde Pública, Os Serviços de Saúde Pública no Brasil, de 1808 a 1907 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1909), p (56) Note-se o cuidado e a racionalidade com que os alvos foram escolhidos. Não houve nada na revolta que lembrasse a multidão primitiva, irracional e volúvel imaginada por Gustave Le Bon. (57) Veja Delso Renault, O Dia-a-Dia no Rio de Janeiro segundo os Jornais, (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/INL, 1982), p (58) Veja relatório do chefe de polícia, incluído no Relatório do Ministro da Justiça, de março de 1904, p (59) Sobre o número de greves, veja Eulália Maria Lahmeyer Lobo e Eduardo Navarro Stoltz, "Flutuações Cíclicas da Economia, Condições de Vida e Movimento Operário " (Revista do Rio de Janeiro, 7(1):86, set.-dez. 1985). Em janeiro de 1904 houve greve de carroceiros e cocheiros contra taxa criada pela prefeitura. Houve bondes e carroças viradas, luzes apagadas, barricadas, tiros. (60) Veja George Rudé, The Crowd in History, em especial p (61) Além de Rudé, veja especialmente E. P. Thompson, "The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century" (Past and Present, 50: , Feb. 1971). Maior ênfase ainda em elementos valorativos e simbólicos é dada por Natalie Zemon Davis. Veja, por exemplo, "The Rites of Violence: Religious Riot in Sixteenth-Century France (Past and Present, 59: 51-91, May 1973). (62) Emancipação, Ano II, n. 1, , p. 6. (63) George Rudé, Ideology and Popular Protest, p (64) Agentes do governo já antes da aprovação da lei distribuíam avisos intimando os operários a se vacinarem sob pena de perderem o emprego (Anais da Câmara, v. V, p. 16). (65) ANAIS, v. V I, p. 86; v. IV, p Ênfase no original. (66) ANAIS. v. V, p. 16. (67) O repórter de A Tribuna ouviu de populares as mais variadas razões para explicar a revolta. Mas o tom geral era sempre o mesmo: reação contra abusos do governo (A Tribuna, ). (68) A Tribuna, Capítulo V: BESTIALIZADOS OU B I LONTRAS? (1) Veja Novo Rumo, , p. 2. Veja também as edições dos dias 20.1 e 5.3 do mesmo ano, em que se criticam os operários por seu interesse no carnaval. A edição de 5.2 traz ainda impiedosa crítica de um anarquista estrangeiro ao operariado da capital. Victor Bejar, o autor da crítica, afirma: "N o Rio de Janeiro não existe a luta de 182

52 classes'*, tão fraco e inoperante lhe parece o movimento operário. As sedes das organizações não são freqüentadas, não há bibliotecas. E conclui ironicamente: O Rio deveria chamar-se o Paraíso dos Operários" (grifo no original). (2) Veja Thomas Ewbank, Life in Brazil, or A Journal of a Visit to the Land of the Cocoa and the Palm (New York, Harper and Brothers Publ., 1856). O livro todo demonstra a fascinação do autor com o fenômeno religioso no Rio, fascinação que se torna mais curiosa pela aversão do protestante à maneira fluminense de praticar a religião. (3) Veja documentação sobre a festa, guardada no Arquivo Nacional (AN Cx 6 C 35). Veja também as descrições feitas nas crônicas de Raul Pompéia {Obras. v. VI, p , e v. IX, p ). Veja ainda Melo Morais Filho, Festas e Tradições Populares do Brasil (Rio de Janeiro, Fauchon & Cia., s.d.), p (4) Veja Roberto Moura, Tia Ciata e a Pequena Africa no Rio de Janeiro, p (5) ALENCAR, José de. Lucíola. Um Perfil de Mulher. São Paulo, Melhoramentos, s.d. p. 10. POMPÉIA, Raul. Obras. v. VI, p. 56, e v. V II, p E MELLO MORAES F. Festas e Tradições, p (6) DENT, Hasting Chàrles. A Year in Brazil. London, Kegan Paul, Trench & Co., p O texto inglês é: "Everyone appears to have taken leave of their senses". A mesma impressão teveva educadora alemã, Ina von Binzer, em Chocada com as práticas carnavalescas no Rio, observa que os brasileiros ficam completamente fora de si. Veja Os Meus Romanos. Alegrias e Tristezas de uma Educadora Alemã no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 70. (7) ASSISTÊNCIA Pública e Privada no Rio de Janeiro (Brasil). História e Estatística. Rio de Janeiro, Typographia do "Anuário do Brasil", p O trabalho foi encomendado a Ataulpho de Paiva, que procedeu a um levantamento extremamente cuidadoso. (8) Veja Michael L. Conniff, "Voluntary Associations in Rio, WO W S: A New Approach to Urban Social Dynamics" (Journal of Interamerican Studies, 77(1): 64-81, Feb. 1975). Victor Bejar, mencionado na primeira nota acima, indignava-se ao ver nas sedes das associações operárias estandartes copiados dos que as irmandades religiosas desfilavam nas procissões. (Novo Rumo, ) O setor que mais êxito teve em organizar-se em termos modernos foi o empresarial, tanto do comércio como da indústria. Sobre a organização dos industriais, veja Angela Maria de Castro Gomes, Burguesia e Trabalho; Política e Legislação Social no Brasil, (Rio de Janeiro, Campus, 1979). (9) Veja Eduardo Silva, "As Queixas do Povo. Massas Despolitizadas e Consolidação da República". O autor compara as queixas do início do século com pesquisa de 1975 sobre demandas de moradores e chega 183