Role of Vocabulary for Reading Comprehension SkillsPapel del Vocabulario para las Habilidades de Comprensión LectoraResumoO presente estudo explorou a relação da medida de vocabulário da Escala WISC-III com as habilidades de precisão de leitura de palavras e de compreensão de texto, com 174 crianças, matriculadas no 3º e 4º anos do ensino fundamental. Identificou-se evidência de predição do vocabulário na compreensão de texto, mesmo depois do controle da precisão de leitura de palavras, da consciência fonológica e morfológica, e da memória de curto prazo. O mesmo não foi encontrado para a leitura de palavras. Os resultados indicam que o vocabulário medido pelo teste do WISC-III se relaciona com as habilidades de leitura, mas tem papel preditivo apenas na compreensão de texto. Esses achados são discutidos à luz da teoria do Modelo Simples de Leitura e da Hipótese Qualidade Lexical. Show
Palavras-chave: AbstractThe present study explored the relationship of the WISC-III Vocabulary measure with the skills of word reading and reading comprehension in 174 children enrolled in the 3rd and 4th grades of Elementary School. Evidence of prediction of vocabulary in reading comprehension was identified, even after controlling for word reading, phonological awareness, short-term memory, and morphological awareness. The same was not found for the skill of word reading. The results indicate that the WISC-III vocabulary relates to reading skills, but has a predictive role only in text comprehension. These findings are discussed in light of the Simple Reading Model theory and the Lexical Quality Hypothesis. Keywords:
ResumenEn el presente estudio fue analizada la relación de la medida de vocabulario de la Escala WISC-III con las habilidades de comprensión de lectura y de texto, participando 174 niños, matriculados en 3º y 4º año de Enseñanza Primaria. Se encontraron evidencias de predicción de vocabulario en la comprensión de texto, inclusive después de controlar otras variables como precisión lectora de palabras, conciencia fonológica, memoria de corto plazo y conciencia morfológica. La misma evidencia no fue encontrada en la lectura de palabras. Los resultados indican que el vocabulario medido por el WISC-III se relaciona con las habilidades de lectura, pero tiene un papel predictivo sólo en la comprensión de texto. Estos hallazgos son discutidos a la luz de la teoría del Modelo de Lectura Simple y la Hipótesis Calidad Léxica. Palabras clave: A ideia de que o
conhecimento dos significados das palavras faz parte do processo da leitura não é nova. Estudos internacionais, há muito tempo, mostram que o vocabulário está fortemente relacionado à leitura (Anderson & Freebody, 1981Anderson, R. C., & Freebody, P. (1981). Vocabulary knowledge. Em J. Guthrie (Ed.), Comprehension and Teaching: Research Reviews (pp. 77-117). Newark, DE: International Reading Association.; Beck,
Perfetti, & McKeown, 1982Beck, I. L., Perfetti, C., & McKeown, M. G. (1982). Effects of long-term vocabulary instruction on lexical access and reading comprehension. Journal of Educational Psychology, 74(4), 506-521. doi:10.1037/0022-0663.74.4.506 O vocabulário é definido como o conhecimento dos significados das palavras pela via da linguagem oral ou escrita, de maneira expressiva (produzindo palavras) e receptiva (compreendendo palavras). Os pesquisadores sugerem que o vocabulário está representado em diferentes dimensões na memória do leitor, isto é, na amplitude e profundidade (Oakhill, Cain, & Eldro,
2015Oakhill, J., Cain, K., & Elbro, C. (2015). Understanding and teaching reading comprehension: a handbook. London: Routledge.; Ouellette, 2006Ouellette, G. P. (2006). What’s meaning got to do with it: The role of vocabulary in word reading and reading comprehension. Journal of Educational Psychology, 98(3), 554-566. doi:
10.1037/0022-0663.98.3.554 O subteste de vocabulário da Escala WISC-III pode ser considerado uma medida de vocabulário que reflete um conhecimento mais profundo dos significados das palavras, ou seja, o quão bem a criança conhece uma determinada palavra. A avaliação desse teste requer da criança o conhecimento que já possui sobre os significados das palavras, conceituando-a oralmente de forma lógica (Wechsler, 2002Wechsler, D. (2002). WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: Manual. São Paulo: Casa do Psicólogo.). Essa medida é importante para a leitura, pois envolve conceituação de palavras, memória semântica (memória de longo prazo) e organização da linguagem. A relação do vocabulário com a leitura parece lógica. Um dos motivos é
que quanto mais se lê, mais palavras são aprendidas a partir do contexto, refinando-se, por conseguinte, o vocabulário em amplitude (quantidade) e profundidade. A criança desenvolve um conhecimento complexo e rico dos significados das palavras em diferentes contextos (Oakhill et al., 2015Oakhill, J., Cain, K., & Elbro, C. (2015). Understanding and teaching reading comprehension: a handbook. London: Routledge.; Stanovich et
al., 1984Stanovich, K., Cunningham, A., & Freeman, D. (1984). Intelligence, cognitive skills and early reading progress. Reading Research Quarterly, 19(3), 278-303. doi:10.2307/747822 Os estudos científicos com diferentes delineamentos apontam a conexão do vocabulário com leitura (Beck et al., 1982Beck, I. L., Perfetti, C., & McKeown, M. G. (1982). Effects of long-term vocabulary instruction on lexical access and reading comprehension. Journal of Educational Psychology, 74(4), 506-521.
doi:10.1037/0022-0663.74.4.506 O papel potencial do vocabulário tem sido investigado dentro de dois modelos teóricos de compreensão de leitura, o Modelo Simples da Leitura (SL) e a Hipótese de Qualidade Lexical (HQL). A teoria simples de leitura de Gough e Tunmer (1986Gough, P. B., & Tunmer, W. E. (1986). Decoding, reading, and reading disability. RASE: Remedial & Special Education, 7(1), 6-10. Recuperado de
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.905.7606&rep=rep1&type=pdf Ambas habilidades, o reconhecimento de palavras e a compreensão linguística, explicam a maioria da variância da compreensão de texto dos leitores dos ensinos fundamental e médio (Kim & Wagner, 2015Kim, Y. S., & Wagner, R. K. (2015). Text (Oral) Reading fluency as a construct in reading development: An
investigation of its mediating role for children from grades 1 to 4. Scientific Studies of Reading, 19, 224-242. doi: 10.1080/10888438.2015.1007375 Nos anos iniciais de escolarização, a compreensão de texto é explicada, em grande parte, pela decodificação, porque as crianças precisam
entender o princípio alfabético e, com isso, construir rotas de leitura de palavras (Verhoeven & van Leeuwe, 2008Verhoeven, L., & van Leeuwe, J. (2008). Prediction of the development of reading comprehension: A longitudinal study. Applied Cognitive Psychology, 22(3), 407-423. doi: 10.1002/acp.1414 Dentro da teoria do modelo teórico Simples de Leitura, estudos vêm tentando compreender o papel do vocabulário na contribuição da decodificação ou compreensão linguística (Braze, Tabor, Shankweiler, & Mencl, 2007Braze, D., Tabor, W., Shankweiler, D. P., & Mencl, W. (2007). Speaking up for vocabulary:
Reading skill differences in young adults. Journal of Learning Disabilities, 40(3), 226- 243. doi: 10.1177/00222194070400030401 No estudo de
Tunmer e Chapman (2012Tunmer, W., & Chapman, J. (2012). The simple view of reading redux: Vocabulary knowledge and the independent components hypothesis. Journal of Learning Disabilities, 45(5), 453-466. doi: 10.1177/0022219411432685 Braze et al. (2016Braze, D., Katz, L., Magnuson, J. S., Mencl, W. E., Tabor, W., Dyke, J. A. V., Gong, T., Johns, C., & Shankweiler, D. P. (2016). Vocabulary does not complicate the Simple View of Reading. Reading and Writing, 29(3), 435- 451.
doi: 10.1007/s11145-015-9608-6 Já na outra teoria de leitura, a Hipótese de Qualidade Lexical (Perfetti & Stafura, 2014Perfetti, C., & Stafura, J. (2014). Word knowledge in a theory of reading comprehension. Scientific Studies of Reading, 18(1), 22-37. doi:
10.1080/10888438.2013.827687 Isso quer dizer que a compreensão textual é suportada pelos conhecimentos que permitem ao leitor ler e entender as palavras. Isso inclui a precisão e a extensão (quantidade) com que as representações ortográficas, fonológicas e semânticas estão armazenadas na memória de curto e longo prazo. O vocabulário, nesse caso, seria uma medida semântica que ajudaria o leitor a ler as palavras e, consequentemente,
o texto (Perfetti & Stafura, 2014Perfetti, C., & Stafura, J. (2014). Word knowledge in a theory of reading comprehension. Scientific Studies of Reading, 18(1), 22-37. doi: 10.1080/10888438.2013.827687 A maioria dos estudos sobre leitura advém de falantes da língua inglesa. O inglês é uma língua com muita complexidade ortográfica nas relações entre os sons da fala e os grafemas. As crianças falantes de línguas cuja ortografia é mais regular na relação entre letra e som parecem adquirir a leitura de forma mais fácil e com menos tempo do que aquelas que se utilizam de ortografias
com maior consistência nas correspondências de grafemas e fonemas (Seymour, Aro, & Erskine, 2003Seymour, P., Aro, M., & Erskine, J. M. (2003). Foundation literacy acquisition in European orthographies. British Journal of Psychology, 94(2), 143-174. doi: 10.1348/000712603321661859 Tendo em vista a variação
da ortografia em diferentes línguas, estudo em ortografia mais regular, como o grego (Protopapas, Mouzaki, Sideridis, Kotsolakou, & Simos, 2013Protopapas, A., Mouzaki, A., Sideridis, G., Kotsolakou, A., & Simos, P. (2013). The role of vocabulary in the context of the simple view of reading. Reading & Writing Quarterly, 29(2), 168-202. doi:
10.1080/10573569.2013.758569 Ainda Protopapas et al. (2013Protopapas, A., Mouzaki, A., Sideridis, G., Kotsolakou, A., & Simos, P. (2013). The role of vocabulary in the
context of the simple view of reading. Reading & Writing Quarterly, 29(2), 168-202. doi: 10.1080/10573569.2013.758569 O português é uma língua com maior consistência nas correspondências grafema-fonema em relação ao inglês. Um estudo nacional de Piccolo e Salles (2013Piccolo, L., & Salles, J. (2013). Vocabulário e memória de trabalho predizem desempenho em leitura de crianças. Psicologia: Teoria e Prática,
15(2), 180-191. Recuperado de ttp://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/viewFile/4576/4461 O presente estudo pretende verificar de que maneira o vocabulário está relacionado com a compreensão de
texto e a leitura de palavras, mesmo depois de controlar a influência de algumas habilidades linguísticas (consciência fonológica e morfológica) e cognitiva (memória de curto-prazo). Estudo mostram que a consciência fonológica e a memória de curto prazo fazem parte do processamento fonológico, estratégia chave para o sucesso na leitura de palavras (Justi & Roazzi, 2012Justi, C., & Roazzi, A. (2012). A contribuição de variáveis cognitivas para a leitura
e a escrita no Português Brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(3), 605-614. doi: 10.1590/S0102-79722012000300021 Nesse sentido, este estudo explora duas questões. A primeira é se há uma relação do subteste de vocabulário do WISC- III com a precisão de leitura de palavras, como é apontado pela teoria HQL. Essa é uma questão importante, pois
a HQL postula que o conhecimento sobre o significado da palavra, componente semântico, é um dos recursos de recuperação da palavra na leitura. Nesse sentido, espera-se que, mesmo retirando a influência do processamento fonológico (consciência fonológica e memória de curto prazo) e da consciência morfológica, esse tipo de vocabulário (profundo) ainda ajudaria que as crianças lessem as palavras de maneira precisa. A segunda questão é se subteste de vocabulário do WISC- III contribuiria para a
compreensão de texto, depois do controle da influência da precisão na leitura de palavras, na consciência fonológica, na memória de curto prazo e na consciência morfológica. Nesse sentido, pode-se hipotetizar a contribuição do vocabulário para a compreensão de texto via compreensão linguística, como mostram os estudos (Braze et al., 2016Braze, D., Katz, L., Magnuson, J. S., Mencl, W. E., Tabor, W., Dyke, J. A. V., Gong, T., Johns, C., & Shankweiler, D. P.
(2016). Vocabulary does not complicate the Simple View of Reading. Reading and Writing, 29(3), 435- 451. doi: 10.1007/s11145-015-9608-6 MétodoParticipantesOs participantes pertenciam ao projeto “Avaliação Psicométrica de medidas de consciência metalinguística”, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da UFJF - protocolo de número 1683.027.2009. Todas as crianças participaram com o consentimento dos responsáveis, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As crianças também foram elucidadas sobre a participação voluntária na pesquisa. Pelo critério de conveniência, foram recrutadas 174 crianças, entre 8 a 11 anos de idade (104 meninas), em três escolas públicas de Minas Gerais. Dessas, 85 estavam matriculadas no 3° ano e 89 no 4° ano do Ensino Fundamental. InstrumentosConsciência FonológicaRoteiro de avaliação da consciência fonológica- RACF (Santos, 1996Santos, A. (1996). A influência da consciência fonológica na aquisição da leitura e da escrita. Em F. F. Sisto, G. C. Oliveira, L. D. T. Fini, M. T. C. C. Souza, & R. P. Brenelli(Eds.), Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar) pp. 213- 247). Petrópolis: Vozes.). A tarefa avalia a identificação dos fonemas ou “som inicial”, “final” e “do meio” das palavras. Cada item é composto de uma palavra modelo e outras três, para alternativas de resposta. Foi atribuído um ponto para cada acerto e zero para erro, sendo a pontuação máxima possível 15. A tarefa tem evidência de validade preditiva demonstrada no estudo de Santos (1996Santos, A. (1996). A influência da consciência fonológica na aquisição da leitura e da escrita. Em F. F. Sisto, G. C. Oliveira, L. D. T. Fini, M. T. C. C. Souza, & R. P. Brenelli(Eds.), Atuação
psicopedagógica e aprendizagem escolar) pp. 213- 247). Petrópolis: Vozes.), validade de critério, por ano escolar (Suehiro & Santos, 2011Suehiro, A., & Santos, A. (2011). Roteiro de Avaliação de Consciência Fonológica (RACF). Acta Colombiana de Psicología, 14(1), 147-154.Recuperado de http://www.scielo.org.co/pdf/acp/v14n1/v14n1a13.pdf
Consciência MorfológicaAnalogia de Palavras (Nunes, Bindman, & Bryant, 1997Nunes, T., Bindman, M., & Bryant, P. (1997). Morphological strategies: Developmental stages and processes. Developmental Psychology, 33(4), 637-649. doi: 10.1037//0012-1649.33.4.637 Segundo Mota, Santos e Guimarães (2014Mota, M., Santos, A, Guimarães, S. B., & Conti, C. (2014). Evidências de validade do roteiro de avaliação da consciência fonológica. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 14(3), 933-948. doi: 10.12957/epp.2014.13892 VocabulárioSubteste de Vocabulário - WISC III (Wechsler, 2002Wechsler, D. (2002). WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: Manual. São Paulo: Casa do Psicólogo.). Esse subteste é uma medida do vocabulário no qual a criança é questionada a definir as palavras oralmente. São 30 palavras apresentadas, uma a uma, para a criança explicá-las. Os escores ponderados foram selecionados para a realização das análises estatísticas. Os coeficientes de fidedignidade para esse subteste foram calculados pelo do método de Guttmam e mostram bons índices de consistência interna igual a 0,79, de acordo como manual (Wechsler, 2002). Memória de Curto PrazoSubteste de Dígito - ordem versa e inversa - WISC III (Wechsler, 2002Wechsler, D. (2002). WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: Manual. São Paulo: Casa do Psicólogo.). O subteste foi aplicado segundo as instruções expressas em seus manuais. A pontuação total da ordem versa e inversa foi somada e transformada em escores ponderados. Os escores ponderados foram selecionados para a realização das análises estatísticas. O coeficiente de fidedignidade para esse subteste foi calculado pelo método de Guttmam, apresentando bons índices de consistência interna (Wechsler, 2002). Precisão de Leitura de PalavrasSubteste de leitura do Teste de Desempenho Escolar - TDE (Stein, 1994Stein, L. (1994). Teste de desempenho escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo). O subteste verifica a precisão da leitura em voz alta de um conjunto de 70 palavras isoladas do contexto distribuídas em uma única folha. O subteste foi administrado e corrigido de acordo com as instruções e os procedimentos especificados no manual. Um ponto foi dado para cada acerto na leitura da palavra e zero ponto para cada erro. A tarefa apresenta evidência de validade de critério e bom índice de consistência interna, α > 0,70 (Stein, 1994). Compreensão de TextoTeste de Cloze (Santos 2005Santos, A. (2005). O Teste de Cloze como instrumento de avaliação da compreensão em leitura. Relatório técnico. Itatiba: Universidade São Francisco.). Consiste em um texto do qual se suprimem alguns vocábulos, pedindo ao leitor que preencha os espaços com as palavras que melhor completarem o sentido do texto. Nesta pesquisa, foram utilizados dois textos: “Uma vingança infeliz” e “A princesa e o fantasma”, elaborados por Santos (2005) para serem utilizados com crianças da faixa etária do Ensino Fundamental. Ambos os textos são semelhantes na extensão (204 palavras), mas com níveis de dificuldades diferentes (Santos,2005). Para correção, foi escolhida a literal, que considera correta somente a resposta que contém a palavra idêntica omitida. Sendo assim, foram rejeitadas respostas com sinônimos ou palavras escritas de forma incorreta ortograficamente. A adoção desse método de correção pretendeu impedir que critérios subjetivos permeassem a correção. A pontuação máxima em cada texto é de 15 pontos, número referente à quantidade de lacunas. Os dois textos junto perfazem um total de 30 pontos. Segundo Suehiro e Santos (2015Suehiro, A., & Santos, A. (2015). Compreensão de leitura e consciência fonológica: Evidências de validade de suas medidas. Estudos de Psicologia, 32(2), 201-211. doi:10.15 90/0103-166X2015000200005 ProcedimentoAs aplicações das tarefas e dos testes selecionados ocorreram no segundo semestre escolar do ano de 2010, na própria escola das crianças. Todas aconteceram em duas sessões, uma individual e outra coletiva. Na primeira sessão, aplicaram-se os subtestes do vocabulário - WISCIII, dígito - WISCIII, de leitura - TDE, sob orientação do manual de aplicação e das tarefas de consciência fonológica e morfológica. Para aplicação do roteiro de avaliação da consciência fonológica (RACF), falou-se para a criança uma palavra modelo e depois outras três, para que ela indicasse quais dessas três começavam com o mesmo som da palavra modelo. Na tarefa de analogia derivacional, foi apresentado à criança um par de palavras relacionadas entre si, depois ela ouviu mais uma palavra e deveria completar com outra. Na segunda sessão, ocorreu a aplicação coletiva dos testes de Cloze. Foram entregues para cada criança os textos “Uma vingança infeliz” e “A princesa e o fantasma” com a seguinte instrução: “Eu vou dar para você duas estórias em que estão faltando alguns pedacinhos. Eu gostaria que você lesse as estórias e depois completasse os pedacinhos que estão faltando, mas lembre-se de que você só pode completar com apenas uma palavrinha”. Análise de DadosOs dados foram organizados no pacote estatístico Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS) (versão 13.0). Primeiramente, foram efetuadas análises de correlação r de Pearson entre os indicadores de habilidades de leitura, vocabulário, linguísticas (consciência fonológica e morfológica) e cognitiva (memória de curto prazo). Para verificar o valor preditivo do vocabulário com as habilidades de leitura, foram realizadas duas análises de regressão hierárquica por ano escolar (3° e 4° anos), para examinar o quanto o vocabulário pode contribuir para explicar a variância dos escores de leitura de palavras e de compreensão de texto. ResultadosA Tabela 1 exibe as estatísticas descritivas das medidas utilizadas no estudo. Antes de conduzir mais análises, foram examinadas as propriedades distributivas das medidas pela divisão da skewness/DP (Field, 2009Field, A. (2009). Descobrindo estatística usando o SPSS (2ª ed.). Porto Alegre: Armed.). A pontuação do teste de precisão de leitura de palavras (TDE-Leitura) teve uma distribuição negativa e assimétrica. A transformação logarítmica foi utilizada para alcançar a normalidade (Field, 2009). A pontuação transformada foi usada nas análises posteriores. Tabela 1 As correlações entre as medidas do estudo por ano escolar (3° e 4° anos) são relatadas na Tabela 2. A magnitude dos coeficientes de correlação do vocabulário foi moderada, positiva e significativa, com a compreensão de texto (3°ano r= 0,48, p < 0,01; 4° ano r = 0,48, p < 0,01), e fraca, positiva e significativa, com a precisão de leitura de palavras (3°ano r = 0,31, p < 0,01; 4° ano r= 0,24, p < 0,01). As outras medidas cognitivas também correlacionaram significativamente, de maneira fraca e moderada, com as medidas de leitura. A verificação da matriz de correlação sugere que há correlações mais fortes entre o vocabulário com a compreensão de texto do que com a precisão de leitura de palavras. Tabela 2 As análises de regressão hierárquicas foram conduzidas para verificar, (a) se o vocabulário prediz o reconhecimento de palavras, mesmo depois da consciência fonológica, morfológica e a memória de curto prazo forem controladas; (b) se o vocabulário prediz a compreensão de texto, mesmo após o controle da influência da consciência fonológica, morfológica, memória de curto prazo e precisão de leitura de palavras. Na análise de regressão, a idade também esteve relacionada com as variáveis de leitura, por isso, ela será colocada como uma das variáveis de controle na análise de regressão. Para averiguar se o vocabulário prediz o reconhecimento de palavras, mesmo depois da consciência fonológica, morfológica e memória de curto prazo, foram realizadas duas análises de regressão hierárquica para cada ano escolar. Em cada uma das regressões hierárquicas, foram realizados os seguintes passos: 1º passo: a idade; 2º passo: a consciência fonológica (Roteiro de consciência fonológica), a consciência morfológica (Analogia de palavras), a memória de curto prazo (Dígito/WISCIII) e 3º passo: o vocabulário/WISCIII. Os resultados das análises de regressão são apresentados na Tabela 3. O vocabulário não fez uma contribuição significativa para crianças do 3° ano (p = 0,20), tampouco no 4° ano (p = 0,52). Esse resultado mostra o que explicou o vocabulário não explicou a leitura de palavras. Tabela 3 Para verificar se o vocabulário prediz a compreensão de texto, mesmo depois do controle de habilidades linguísticas e cognitivas, foram realizadas duas análises de regressão hierárquica para cada ano escolar. Em cada uma das regressões hierárquicas, foram realizados as seguintes etapas: 1º passo: a idade; 2º passo: a consciência fonológica (Roteiro de consciência fonológica), consciência morfológica (Analogia de palavras), memória de curto prazo (Dígito/WISC-III) e TDE/leitura e 3º passo: o vocabulário/WISC-III. Os resultados das análises de regressão são apresentados na Tabela 4. Tabela 4 As análises de regressão mostraram que 6% (3°ano) e 9% (4°ano) da proporção da variância vocabulário explicam a compreensão de texto, medida pelo Cloze. Isso quer dizer que o vocabulário teve uma contribuição específica com a compreensão de texto. DiscussãoO presente estudo analisou a relação do subteste de vocabulário WISC-III com as habilidades de leitura no nível da palavra e do texto, em crianças brasileiras do 3° e 4°anos
do Ensino Fundamental. Consistente com as pesquisas (Protopapas et al., 2013Protopapas, A., Mouzaki, A., Sideridis, G., Kotsolakou, A., & Simos, P. (2013). The role of vocabulary in the context of the simple view of reading. Reading & Writing Quarterly, 29(2), 168-202. doi: 10.1080/10573569.2013.758569 A primeira hipótese do estudo foi se o vocabulário estaria relacionado à precisão de leitura de palavras. O resultado mostrou que o vocabulário do WISC não explicou a variância da leitura de palavras das crianças. Isso pode ter uma explicação nas diferentes dimensões que o vocabulário pode abranger na leitura. O subteste de vocabulário do WISC-III afere um conhecimento semântico, no qual não basta só reconhecer a palavra, mas ter a competência de descrevê-la. Esse tipo de profundidade semântica pode ser menos requerida na leitura da palavra. Para ler corretamente uma palavra, a criança não necessariamente precisa ter um conhecimento mais abrangente do significado da palavra. Por exemplo, ela pode ler a palavra bicicleta (um dos itens do teste de vocabulário do WISC), mas não saber explicar o conceito dessa palavra. Outra questão foi com as variáveis de controle utilizadas na presente pesquisa. Em outro estudo nacional de Piccolo e Salles (2013Piccolo, L., & Salles, J. (2013). Vocabulário e memória de trabalho predizem desempenho em leitura de crianças. Psicologia: Teoria e Prática, 15(2), 180-191. Recuperado de
ttp://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/viewFile/4576/4461 A segunda hipótese do estudo foi se o subteste de Vocabulário/WISC-III contribuiria para a compreensão de texto, mesmo controlando a precisão da leitura de palavras e das variáveis de controle. O resultado mostrou que o subteste de Vocabulário/WISC-III teve uma relação com a compreensão de texto e que ela não perpassa pela precisão da leitura de palavras. Sua contribuição foi independente da influência das variáveis controladas (consciência fonológica, memória de trabalho, consciência morfológica e leitura de palavras). Isso indica que as crianças que foram melhores na pontuação no subteste de vocabulário do WISC-III também o foram na compreensão de texto. Os achados deste estudo sugerem que o vocabulário que afere um nível de conhecimento semântico mais profundo está subjacente à compreensão de texto e não na leitura de palavras. A compreensão de texto depende do significado das palavras e a integração desse significado com um modelo mental do texto (Perfetti & Stafura, 2014Perfetti, C., & Stafura, J. (2014). Word knowledge in a theory of reading
comprehension. Scientific Studies of Reading, 18(1), 22-37. doi: 10.1080/10888438.2013.827687 Este estudo, evidenciou uma relação específica entre vocabulário com a compreensão de texto. Essa relação foi independente da leitura de palavras. Isso levanta a hipótese, dentro do modelo simples de leitura, de que o subteste do vocabulário do WISC-III possa ser um componente para medir a compreensão linguística,
como propõem Braze et al. (2016Braze, D., Katz, L., Magnuson, J. S., Mencl, W. E., Tabor, W., Dyke, J. A. V., Gong, T., Johns, C., & Shankweiler, D. P. (2016). Vocabulary does not complicate the Simple View of Reading. Reading and Writing, 29(3), 435- 451. doi: 10.1007/s11145-015-9608-6 Com relação à teoria da Hipótese da Qualidade lexical, o resultado da contribuição do vocabulário para a compreensão textual, sugerem que o léxico esteja envolvido, como demonstram a proporção da variância das medidas de controle. O grupo das habilidades de consciência fonológica, morfológica e a memória de curto prazo explicaram 30% (3°ano) 37% (4°ano) e a precisão na leitura de palavras 10% (3°ano) 9% (4°ano) a compreensão de leitura. Essas habilidades de alguma forma ajudam as crianças no vocabulário. Apesar do estudo ir ao encontro das evidências científicas que apontam a relação do vocabulário com a compreensão de texto (Braze et al., 2007Braze, D., Tabor, W., Shankweiler, D. P., & Mencl, W. (2007). Speaking up for vocabulary: Reading skill differences in young adults. Journal of Learning Disabilities, 40(3), 226- 243. doi:
10.1177/00222194070400030401 O segundo ponto seria em relação aos compreendedores de texto menos habilidosos. Muitos estudos mostraram
que fracos compreendedores têm dificuldades específicas no aspecto semântico (Nation & Snowling, 1998Nation, K., & Snowling, M. J. (1998). Semantic processing and the development of word recognition skills: Evidence from children with reading comprehension difficulties. Journal of Memory and Language, 39(1), 85-101. doi:
10.1006/jmla.1998.2564 ConclusãoOs achados deste estudo sugerem que a habilidade verbal medida no subteste de vocabulário do WISC-III estão atreladas à capacidade de compreensão de texto medido pelo teste de Cloze. Essa descoberta é importante tanto na campo de pesquisa como educacional, entretanto alguns aspectos limitaram o estudo. Um deles está na utilização de uma única medida de compreensão de texto e de vocabulário. Ambas as habilidades são completas e com
especificações que precisam ser levadas em conta (ver Anderson e Freebody, 1981Anderson, R. C., & Freebody, P. (1981). Vocabulary knowledge. Em J. Guthrie (Ed.), Comprehension and Teaching: Research Reviews (pp. 77-117). Newark, DE: International Reading Association.; Kendeou, Papadopoulos, & Spanoudis, 2012Kendeou, P., Papadopoulos, T. C., & Spanoudis, G. (2012). Processing demands of reading
comprehension tests in young readers. Learning and Instruction, 22(5), 354-367. doi: 10.1016/j.learninstruc.2012.02.001 A despeito dessas limitações, pode-se considerar que o estudo trouxe implicações teóricas e práticas nas quais reforçam a importância do processamento de nível mais profundo do significado das palavras para compreender um texto. O papel da profundidade do vocabulário na compreensão de leitura sugere que a compreensão pode se beneficiar do ensino focado na profundidade do conhecimento das palavras e na organização semântica. Estudos de intervenção que incorporasse exercícios para aumentar o tamanho do vocabulário, bem como a profundidade da semântica e sua organização poderiam esclarecer as possibilidades da influência das dimensões do vocabulário na leitura Referências
Datas de Publicação
Histórico
Qual são as dimensões da profundidade do vocabulário que caracteriza o conhecimento sobre as palavras?Incrementalidade, Interrelação e Heterogeneidade.
Quais são as dimensões da profundidade?Profundidade: dimensão total da parte interna de objeto, medindo desde seu topo até a parte mais negativa verticalmente.
O que é a profundidade do vocabulário?A profundidade do vocabulário refere-se à riqueza de conhecimento que o indivíduo possui sobre pala- vras conhecidas, ou seja, a extensão da representação semântica (Beck et al., 1982).
Qual dessas afirmações não é correta a profundidade do vocabulário RefereQual destas afirmações não é correta? A profundidade do vocabulário refere-se a quão bem a criança conhece uma determinada palavra. A profundidade do vocabulário relaciona-se com o número de diferentes palavras que a criança conhece.
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