Como se deu a passagem da racionalidade mítica para a racionalidade filosófica?

Filosofia

Historicamente, a filosofia, tal como a conhecemos, inicia com Tales de Mileto. Tales foi o primeiro dos filósofos pré-socráticos, aqueles que buscavam explicar todas as coisas através de um ou poucos princípios.

Ao apresentarem explicações fundamentadas em princípios para o comportamento da natureza, os pré-socráticos chegam ao que pode ser considerado uma importante diferença em relação ao pensamento mítico. Nas explicações míticas, o explicador é tão desconhecido quanto a coisa explicada. Por exemplo, se a causa de uma doença é a ira divina, explicar a doença pela ira divina não nos ajuda muito a entender porque há doença. As explicações por princípios definidos e observáveis por todos os que tem razão (e não apenas por sacerdotes, como ocorre no pensamento mítico), tais como as apresentadas pelos pré-socráticos, permitem que apresentemos explicadores que de fato aumentam a compreensão sobre aquilo que é explicado.

Talvez seja na diferença em relação ao pensamento mítico que vejamos como a filosofia de origem europeia, na sua meta de buscar explicadores menos misteriosos do que as coisas explicadas, tenha levado ao desenvolvimento da ciência contemporânea. Desde o início, isto é, desde os pré-socráticos vemos a semente da meta cartesiana de controlar a natureza.

A Necessidade do Estudo do Mito Para a Filosofia

Um longo período de tempo medeia entre o gradual aparecimento do homem na Terra e o gradual aparecimento do homem utilizador da razão abstrata. Podemos dar por fixa a data de há 70 000 anos para o definitivo estabelecimento do Homo-Sapiens nas planícies europeias. Também podemos dar por fixa a data de há 3000 a 2800 anos para o estabelecimento definitivo, na civilização grega clássica, do uso preferencial do discurso racional como instrumento de conhecimento do homem sobre a realidade.

Entre estas duas datas, o homem aprendeu a modelar a pedra, o barro, a madeira, o ferro, levantou diversíssimas casas em função dos materiais que tinha à mão, estabeleceu regras de casamento e de linhagem familiar, distinguiu as plantas e os animais bons dos nefastos, descobriu o fogo, a agricultura, a arte da pesca, da caça coletiva, etc.

No plano estritamente filosófico, interessa-nos, sobretudo, a descoberta (ou invenção) de um instrumento que lhe iria permitir acelerar o desenvolvimento do processo de conhecimento da realidade por via da conservação das descobertas transmitidas de geração em geração: a palavra, a linguagem.

É pela palavra que se vai condensar a experiência que as mãos e os olhos vão adquirindo ao longo de gerações. A palavra surge, assim, como dotada de uma força espiritual (sai de dentro do homem como a respiração, não se toca, não se vê) que se conserva para além do ciclo da vida e da morte, capaz de por si própria reevocar acontecimentos passados, que se estabelecem como modelos de ação para o presente, e igualmente capaz de prefigurar o futuro, forçando-o a ser conforme aos desejos humanos.

É assim em torno do uso majestático da palavra que o homem primitivo (de épocas remotas ou atuais) vai desenvolver e sintetizar toda a sua capacidade de apreensão de conhecimentos da realidade que o cerca. Ora, o que atualmente chamamos Mito Clássico (também existe o mito moderno) é o repositório de narrativas, longas ou breves, que as sociedades antigas (anteriores à Grécia clássica) ou as sociedades primitivas atuais nos deixaram, nelas condensando a sua secular experiência de vida, o modo como encaravam a vida e a morte, os ciclos de renascimento da natureza, o modo como analisavam e escolhia a flora e a fauna da sua região, como viam e interpretavam os astros no céu, o processo cíclico do dia e da noite, os actos de nascimento, de reprodução e de casamento, bem como tudo o que dizia respeito à sua vida quotidiana e às regras por que se relacionavam entre si.

Por: Renan Bardine

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  • Mito e pensamento entre os gregos
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O que caracteriza a passagem do mito para a filosofia?

O mito explica a origem do Universo e dos seres por meio das relações ou rivalidades entre as divindades, enquanto a filosofia como o resultado de causas naturais, racionais e impessoais.

Como ocorreu a passagem do mito ao logos ou seja do mito a filosofia?

A passagem do mito ao logos foi devido a racionalização, a criação da moeda, o questionamento de '' Porque os deuses quiseram assim ?

O que foi a passagem do mito ao logos?

Heráclito criou o termo Logos para referir-se à razão dinâmica que governa a physis. ... Esse momento da história da humanidade, ocorrido na Grécia entre os séculos VII e V a.C, foi chamado de passagem do mito ao logos.

Como ocorreu a passagem do pensamento mitológico ao pensamento filosófico?

Com base nos conhecimentos adquiridos em filosofia, se deu através da racionalização e questionamento sobre os deuses, que eram a base de comando da época, e por elas, as pautavam-se para desenvolverem seu comportamento social.

Quais são as principais funções do mito?

O mito surge a partir da necessidade de explicação sobre a origem e a forma das coisas, suas funções e finalidade, os poderes do divino sobre a natureza e os homens. Organizar – o mito organiza as relações sociais, de modo a legitimar e determinar um sistema complexo de permissões e proibições. ...

Como a filosofia se desvincula dos mitos?

A filosofia representa uma ruptura radical em relação aos mitos, tendo sido uma nova forma de pensamento plenamente racional, desde a sua origem. ... A filosofia, apesar de ser pensamento racional, desvinculou-se dos mitos de forma gradual.

O que é um mito?

Mitos são narrativas utilizadas pelos povos gregos antigos para explicar fatos da realidade e fenômenos da natureza, as origens do mundo e dos seres humanos. Os mitos se utilizam de muita simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis.

Qual foi o papel inicial do mito quais suas contribuições E o que difere da filosofia?

O mito surgiu como narrativas de povos gregos antigos para explicar fenômenos da natureza que não podiam compreender. Era e é geralmente utilizado para explicar a origem de acontecimentos. Já a filosofia é o estudo e reflexão de questões relacionadas à existência humana.

Qual o conceito de mito para a filosofia?

  • O Conceito de Mito para a Filosofia. Considerados há muito tempo como antagônicos, mito e filosofia protagonizam atualmente uma (re)conciliação. Desde os primórdios, a Filosofia, busca do saber, é entendida como um discurso racional que surgiu para se contrapor ao modelo mítico desenvolvido na Grécia Antiga e que serviu como base de sua Paideia ...

Quais são os autores do pensamento mítico grego?

  • Os dois grandes nomes que representam o pensamento mítico grego são: Homero, “autor” da Ilíada eda Odisséia, e Hesíodo, autor de Os trabalhos e os dias e da Teogonia. Muitos estudiosos questionam até que ponto as epopéias homéricas é resultado do trabalho de um único autor ou se é uma compilação.

Qual é a origem da filosofia?

  • Obras de beleza inigualável que mostram o antecessor do pensamento racional. Se pretende ler mais artigos parecidos a A origem da Filosofia: passagem do mito ao logos, recomendamos que entre na nossa categoria de Educação e Formação universitária.

Qual a origem das epopéias gregas?

  • A origem das epopéias gregas se dá num contexto de derrocada da civilização micênica ou aqueana que fora invadida pelos dórios mais ou menos no século XII a.C.

Como se dá a passagem do pensamento mítico e filosófico?

A passagem do pensamento mítico para o filosófico foi: Resposta Selecionada: d. Um processo lento e gradual.

Como foi a passagem da consciência mítica para a consciência racional e filosófico?

A passagem da consciência mítica para a consciência racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de consciência coexistiram na sociedade grega. De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático.

Como ocorreu a passagem do mito para a filosofia como surgiu a filosofia?

Resposta verificada por especialistas. A passagem do mito a filosofia se deu de maneira gradual, com o desenvolvimento de teorias filosóficas cada vez mais sofisticadas que, aos poucos, afastaram os gregos da tendência mítica.