Quais são os jogos e brincadeiras garantidas na cultura tradicional brasileira?

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Resumo

O presente relatório tem como objeto “brincadeiras e jogos infantis tradicionais na formação de professores da educação básica” e descreve a aplicação de um projeto de intervenção, no formato de minicurso, realizado na Escola de Formação de Professores do Estado de Goiás, no polo do Núcleo de Tecnologia Educacional, situado na Rua 201, nº 340, Setor Leste Vila Nova, Goiânia-GO. A formação continuada visa desenvolver uma atividade pedagógica de capacitação dos professores formadores da rede estadual de educação que atuam na Educação Básica. Neste trabalho, buscamos compreender como as crianças, de diferentes contextos socioculturais, vivenciam a prática de brincadeiras e jogos individuais e coletivos tradicionais no contexto urbano. Percebemos que os espaços coletivos de integração de crianças são pouco utilizados, em virtude da falta de direcionamento das brincadeiras e dos jogos. Observamos que, devido ao excesso de uso de recursos tecnológicos, as crianças têm perdido o sentido do brincar e interagir socialmente umas com as outras e, até mesmo, pouco valorizam atividades recreativas coletivas, bem como a história de seus pais que contemplam brincadeiras e jogos tradicionais. Diante disso, na proposta de resgatar as brincadeiras e jogos infantis tradicionais, nessa formação continuada, os docentes tiveram a oportunidade de conhecer e desenvolver atividades pedagógicas de forma lúdica, por meio de brincadeiras e jogos tradicionais infantis. Dessa forma, promovemos uma interação entre crianças e adultos, reconectando suas relações de convivências, além de estimular a afetividade entre crianças e cuidadores por meio do resgate cultural das brincadeiras e jogos infantis que são culturalmente tradicionais na região.

Palavras-chave: Cultura. Infância. Brincadeira. Jogos. Formação de professores. Educação básica.

Considerações Iniciais

O presente relatório trata-se do trabalho de conclusão do curso de Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania, construído a partir de um projeto de intervenção, realizado no Núcleo de Tecnologia Educacional de Goiânia, unidade administrativa da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás destinada à formação de profissionais da educação da rede estadual de ensino.

Esse relatório descritivo contempla o planejamento, a execução e os resultados dessa intervenção, embasado por fundamentação teórica, por meio de pesquisa bibliográfica e pesquisa-ação. Nessa ação interventiva foi ofertado o minicurso que aborda a temática “o resgate cultural de brincadeiras e jogos infantis tradicionais na formação de professores da educação básica”. Participaram da atividade 25 (vinte e cinco) professores formadores da rede estadual de educação de Goiás. Ressaltamos que a educação básica abrange a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

A proposta do projeto de intervenção foi resgatar as brincadeiras infantis tradicionais, visando promover atividades recreativas para as crianças na formação de professores da educação básica. Parafraseando Oliveira (2000), o ato de brincar como sendo um processo de humanização, no qual a criança aprende a conciliar a brincadeira de forma efetiva, criando vínculos mais duradouros. Assim, as crianças desenvolvem sua capacidade de raciocinar, de julgar, de argumentar, de como chegar a um consenso, reconhecendo o quanto isto é importante para dar início à atividade em si.

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A discussão foi estruturada em três itens: no primeiro, partiremos do estudo sobre a ação de intervenção, em formato de minicurso, que abordou a temática ‘O resgate cultural de brincadeiras e jogos infantis tradicionais’, contemplando a concepção do projeto de intervenção, os objetivos, a metodologia, o cronograma e os resultados alcançados. No segundo, relatamos sobre o aspecto histórico-cultural do ato brincar, das brincadeiras e dos jogos infantis tradicionais, evidenciando a transmissão desses saberes. Enquanto no terceiro item apresentaremos o papel docente como mediador de conhecimentos e os desafios da perpetuação das brincadeiras e dos jogos infantis tradicionais frente ao avanço dos recursos tecnológicos, utilizados como forma de entretenimento para crianças.

1. A Proposta do Projeto de Intervenção

A proposta deste projeto de intervenção foi resgatar as brincadeiras e jogos infantis tradicionais, por meio do minicurso O resgate cultural de brincadeiras e jogos infantis tradicionais na formação de professores da educação básica, visando promover atividades recreativas constituídas como cultura lúdica, a fim de estimular professores que atuam na educação básica a inserir brincadeiras e jogos tradicionais em suas práticas docentes.

Compreendemos que brincadeiras e jogos tradicionais constituem formas de socialização, porque o ato de brincar resgata a cultura, retoma histórias sobre as manifestações culturais, promove interações entre as próprias crianças, bem como com seus adultos cuidadores.

As brincadeiras e jogos tradicionais são parte da cultura e, consequentemente, do folclore do povo, assim, para Friedmann (1996, p. 41), “o folclore caracteriza-se também por ser transmitido oralmente de uma pessoa a outro, de um grupo a outro, e de uma geração a outra por imitação e sem organização de situações formais de ensino-aprendizagem” (FRIEDMANN, 1996, p. 41). Além das brincadeiras, os jogos são bem aceitos no universo infantil, pois estimulam a criança a desenvolver as dimensões do desenvolvimento humano.

Conceber na prática docente as brincadeiras e os jogos infantis tradicionais como formas de interação, socialização, entretenimento e aprendizagem leva-nos a reconhecer a importância desses elementos na formação do professor. Formação é um termo concebido em diferentes áreas de concentração, mas na educação o termo é usado com muita frequência. Assim,

...que se consolida ao longo dos últimos anos como achado semântico para a necessidade contemporânea de se pensar/viver a educação como um processo singular intrínseco ao sujeito individual e/ou coletivo e não mais como um padrão único pré-estabelecido. Uma busca semântica que partindo, talvez, do antigo treinamento, passa pela reciclagem, capacitação, qualificação, requalificação e, firma-se como formação. (CARVALHO, 2008, p. 166)

A formação engloba toda ação que o sujeito abrange para tornar-se alguém, seja no aspecto pessoal ou profissional. No caso da formação docente, engloba uma gama de valores e saberes necessários para que o indivíduo possa ser caracterizado como profissional de uma área, incluindo tanto a formação inicial (graduação) como a continuada (pós-graduação ou cursos de aperfeiçoamento profissional). Neste estudo, a formação do profissional docente faz um recorte da formação continuada de professores formadores da rede estadual goiana de ensino.

Os cursistas, docentes que atuam na educação básica do Estado de Goiás, exercem a função de professores formadores e multiplicadores na mesma rede de ensino. O grupo é composto por professores de diversas áreas de conhecimento, como pedagogia, história, geografia, biologia, química, física, matemática, língua portuguesa, filosofia, sociologia.

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A ação aconteceu mediante o desenvolvimento de um único encontro com os professores formadores, 28 professores presentes. Esse encontro de formação presencial teve duração de 8 horas presenciais, nas quais esses profissionais vivenciaram momentos de interação entre os adultos, reconectando-os às suas memórias e estimulando suas relações e momentos de convivências já experienciados por meio da dimensão socioafetiva.

A partir das atividades propostas, promovemos um resgate cultural das brincadeiras e jogos infantis que são culturalmente tradicionais na região. Para isso, foram selecionadas brincadeiras simples e fáceis de serem executadas pelas crianças e pelos adultos. O espaço e os equipamentos utilizados também foram de fácil acesso e manuseio, como equipamentos artesanais já confeccionados e construídos por eles mesmos.

1.1 Objetivo Geral

Compreender como os professores de diferentes contextos socioculturais vivenciam as brincadeiras e os jogos tradicionais em suas práticas docentes, contemplando os significados e a importância desses elementos culturais para a vida das crianças e para a formação docente na educação básica.

1.2 Metodologia

As ações de intervenção do presente projeto foram realizadas no dia 25 de junho de 2018, no período de 8 às 18 horas, no espaço do Núcleo de Tecnologia Educacional de Goiânia, departamento subordinado à Secretaria de Estado, Educação, Cultura e Esporte de Goiás, onde foram apresentadas brincadeiras e jogos infantis que, culturalmente, são conhecidas no Estado de Goiás e cidade de Goiânia.

Os instrumentos metodológicos que subsidiaram a intervenção decorrem das práticas de pesquisa do tipo exploratório, de caráter bibliográfico e de campo. Bibliográfico, segundo Flick (2009, p. 96), porque “o ponto de partida do pesquisador é o conhecimento teórico extraído da literatura existente” já que o trabalho científico resulta da leitura e análise bibliográfica preliminar. A pesquisa de caráter bibliográfico, com especificidade documental, destinou-se ao aprofundamento de conhecimentos científicos, por meio de leitura e análise de livros, artigos e textos que apontaram aspectos socioculturais das brincadeiras e jogos infantis tradicionais, que subsidiaram o planejamento do evento de formação e interação que foi objeto de observação para a ação de intervenção.

Neste estudo, também fizemos uso da pesquisa-ação na proposta de intervenção, já que realizamos a interferência para que ocorresse uma mudança no meio. Por meio de ação planejada, buscou-se a transformação da realidade observada a partir de um projeto de intervenção cultural, destinado à formação docente. Nessa ação, foram propostas brincadeiras e jogos tradicionais para professores formadores da educação básica, atuantes na formação de professores do Estado de Goiás, a fim de levá-los à estimulação das dimensões do desenvolvimento: linguagem, cognição, motora e socioafetiva, além de compreenderem que as atividades propostas buscam resgatar a cultura de seus pais ou avós e, assim, possam reproduzi-las na formação de outros professores da rede estadual de Goiás.

1.3 Cronograma

Vale ressaltar que para execução desse projeto todas as atividades realizadas estiveram de acordo com o cronograma estabelecido a seguir:

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ANO2018
MÊS JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT
Definição do Tema
X
Pesquisa Bibliográfica
X X X
Revisão Literária
X X X
Elaboração da Metodologia
X X X
Redação do projeto
X X X
Orientações
X X X X X X
Elaboração do Minicurso /Intervenção
X
Execução da Intervenção
X
Redação com o resultado da Intervenção
X X
Apresentação final do Relatório Técnico-Científico
X

As etapas do projeto de intervenção seguiram os seguintes passos: escolha do tema, ainda em sala de aula; pesquisa do tema e seleção dos referenciais teóricos; elaboração do pré-projeto e análise das possibilidades de execução da intervenção. Cumpridas essas etapas, apresentamos o projeto para a equipe gestora responsável pela unidade administrativa escolhida – o Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) de Goiânia.

Com o aceite da proposta, a Diretora do Núcleo indicou uma equipe de 28 professores formadores da rede pública de educação básica do Estado de Goiás para participar da formação continuada. Para isso, agendamos um período para a escolha da data da intervenção, entre os dias 25 e 29 de junho de 2018. Pensando no contexto do Núcleo e o público-alvo, escolhemos o formato de minicurso, em virtude da carga horária e especificidades da turma.

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No dia do evento, conforme programação definida, executamos a ação em etapas: apresentação da parte teórica, objetivos e importância da ação para os docentes formadores, ação prática das atividades, sendo vivenciadas pelos professores presentes. As reflexões e avaliações da formação foram coletadas pelos depoimentos verbalizados de suas experiências e memórias resgatadas.

Nessa ação de intervenção foram desenvolvidas atividades de roda de conversa, leituras, construção de cartazes, oficinas de confecção de brinquedos, desenhos, vivência das brincadeiras pesquisadas. Entre as brincadeiras resgatadas estão: corrida do saco, corrida com colher de ovo, pula corda, amarelinha, pique pega, cai no poço, estátua, vivo ou morto, escravo de Jó, eu com as quatro, queimada, bete, peteca, cobra cega, batata quente, telefone sem fio, dança da cadeira, brincadeiras de roda...

Deste modo, o desejo é que aconteça essa formação continuada constantemente neste espaço, ofertando-a para a rede estadual de educação do Estado de Goiás e demais interessados. Para que, assim, torne-se uma cultura dentro da comunidade, podendo repetir essa ação em outros momentos.

Ao término das atividades foram entregues questionários aos professores formadores com o objetivo de coletar suas percepções sobre a experiência vivenciada. Além disso, fizemos anotações no transcorrer da ação, na tentativa de sistematizar, também, algumas percepções enquanto pesquisador e realizador da ação. Depois de coletados os dados, foi realizada a sistematização e a análise para a verificação dos resultados esperados. Todos estes momentos e depoimentos dos professores presentes foram registrados por meio de fotografias e vídeos. Com o material montamos um mural visível de divulgação dessa ação no Núcleo de Tecnologia Educacional de Goiânia e nas mídias internas e externas da Secretaria de Educação do Estado de Goiás.

1.4 Resultados

O resultado principal da intervenção foi a propagação das brincadeiras e jogos tradicionais vivenciados por muitas gerações entre os professores formadores, que já saíram com propostas de aplicação desses conhecimentos adquiridos em sala de aula. Proporcionamos o resgate de memórias e das experiências de cada professor presente no dia da intervenção e foi possível ajudá-los a compreender o valor da cultura lúdica na educação básica e que essas atividades infantis, além do resgate, trazem novas possibilidades de aplicação para suas ações até os dias atuais. Isso leva também ao entendimento de que essas atividades podem e devem ser multiplicadas para outros professores e que, consequentemente, chegarão aos educandos; ou seja, as crianças e adolescentes receberão os maiores ganhos.

Com essa intervenção foi possível ver a interação dos adultos e perceber os projetos que surgiriam a partir dessa experiência, como convites já feitos para desenvolver esse minicurso em outras instâncias. Devido ao resultado da ação e o feedback dos participantes, essa ação entrou como projeto de minicurso e oficina para integrar as ações no Núcleo de Tecnologia Educacional de Goiânia, as quais serão desenvolvidas diretamente no campo das escolas públicas do Estado de Goiás, estandoo a primeira oficina agendada para o segundo bimestre de 2018, na Escola Estadual Mariana Rassi.

Desse mesmo modo, o projeto foi enviado para apreciação da coordenação do curso de pedagogia da Universidade Estadual de Goiás – Campus Inhumas e foi aprovado. O minicurso será ofertado no III Seminário de Educação Especial Inclusiva, sendo que nessa oportunidade a cultura lúdica de brincadeiras e jogos infantis tradicionais será multiplicada, no formato de minicurso, para dezenas de futuros professores de pedagogia de diferentes municípios goianos.

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Percebemos que os objetivos dessa especialização Interdisciplinar em Direitos Culturais, Patrimônio e Cidadania da Universidade Federal de Goiás foram atingidos, pois nos tornamos agentes multiplicadores de cultura de um patrimônio – as brincadeiras e os jogos infantis tradicionais que é, ao mesmo tempo, material e imaterial. Esses saberes, quando ofertados à população, já se instauram como direito da criança, conforme a Base Nacional Comum Curricular, por proporcionar uma formação adequada do sujeito social que lhe garante o direito do brincar nessa sociedade. Assim, possibilitando o resgate de um patrimônio cultural que faz parte da história de nossa região.

2. A transmissão cultural do Direito de brincar

Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), com a preocupação de sistematizar e posicionar a arte dentro do contexto das mudanças do capitalismo crescente, construíram o conceito de Indústria Cultural. Eles trabalhavam com a ideia de que a crítica e a autonomia provenientes das obras de arte seriam o resultado de uma oposição à sociedade. Contudo, com o crescimento do universo comercial da arte, as obras perderiam o seu valor de contestação. Os dois pensadores foram mais além quando afirmaram que a máquina do capitalismo daria um fim a arte erudita e, também, a chamada arte popular.

Essa indústria cultural influencia diferentes áreas do conhecimento, inclusive a educação, seja ela formal ou informal. Compreendendo aqui que a educação formal é aquela instaurada nas instituições de ensino da educação básica, entende-se que o direito de brincar, determinado no âmbito histórico-cultural de formação da criança, está previsto na Base Nacional Comum Curricular.

Mesmo reconhecida como direito de todas as crianças e dever do Estado, a Educação Infantil passa a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos com a Emenda Constitucional nº 59/2009, incluída na LDB em 2013. Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2010) direcionam os eixos estruturantes das práticas pedagógicas dessa etapa da Educação Básica e o brincar constitui um deles, sendo, assim, as

interações e as brincadeiras, experiências por meio das quais as crianças podem construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização (BRASIL, 2017, p. 35).

O brincar, como segundo eixo estruturante da educação, precisa ser pensado e valorizado em formas de interações, sejam para crianças ou adultos, em espaços lúdicos de convivência em que brincadeiras e jogos infantis podem ser estruturados em diferentes lugares: área de alimentação, praças, parques, unidades de saúde, unidades de assistência social, ambientes educacionais, etc. Esses locais são espaços diários de convivência de crianças e adultos que, ao interagirem brincando ou jogando, ampliam e diversificam suas experiências e o acesso a elementos culturais. Além de promover experiências sensoriais e emocionais diversas.

As razões para brincar são inúmeras, pois sabemos que a brincadeira só faz bem. Não entendemos por que em muitos lugares isso incomoda tanto a sociedade ou algumas pessoas (até mesmo pais e professores). Mas, sabemos que o brincar é um direito da criança, como apresentado na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual acrescenta no Capítulo II, Art. 16°, Inciso IV, que toda criança tem o direito de viver o seu tempo de infância, que é o de brincar, praticar esportes e divertir-se.

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A fase mais importante da vida de um indivíduo talvez seja a infância. É um período privilegiado durante a vida humana para o desenvolvimento de brincadeiras diversas. Mas, o que poucas pessoas sabem é que a criança aprende e se desenvolve nos mais amplos sentidos por meio das brincadeiras e atividades lúdicas. É por meio das brincadeiras que a criança descobre o meio em que vive e compreende mais sobre os objetos da cultura humana; também é pelas brincadeiras que a criança internaliza regras e papéis sociais e passa a ser apta a viver em sociedade.

2.1 Modificações Culturais sobre o Brincar

A cultura lúdica passou por mudanças ao longo do tempo, para alguns, deixou de ser aquele produto autêntico, exclusivo, e passou a ser um produto fabricado em larga escala, por meio de brinquedos e jogos eletrônicos que estimulam o sedentarismo, a violência e a realidade virtual. Para outros, ocupa o espaço de memórias de uma infância ou um passado que não pode ser mais existente. Assim a cultura se transforma em ideologia, e, como afirma Adorno (1998),

A cultura só é verdadeira quando implicitamente crítica, e o espírito que se esquece disso vingam de si mesmo nos críticos que ele próprio cria. A crítica é um elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e, apesar de toda sua inverdade, ainda é tão verdadeira quanto não verdadeira é a cultura. A crítica não é injusta quando destrói – esta ainda seria sua melhor qualidade - mas quando, ao desobedecer, obedece (ADORNO, 1998, p. 11).

A cultura lúdica, no sentido restrito, assim como a cultura no seu sentido mais amplo, incita a crítica. A crítica incitada aqui é da sobrevivência. Criticar um elemento cultural como o brincar lança mão do resgate desse brincar, não podemos fazer um julgamento injusto de conceber que o brincar é coisa de criança e não existe mais, pois quem muitas vezes ensina a criança a brincar é o adulto.

A chave da satisfação da indústria cultural é a insatisfação humana, pois a indústria levará o sujeito à ilusão de que seu desejo pode ser satisfeito e, por isso, a cada minuto, ela o alimenta.

A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores quanto àquilo que está continuamente a lhes prometer. A promissória sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação, é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espetáculo significa que jamais chegaremos à coisa mesma, que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio. (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p. 131-132).

Para os pensadores, instaura-se neste contexto uma contradição - o sujeito se transforma em objeto da indústria cultural. Vamos brincar apenas com base nas músicas da televisão que estão sendo apresentadas nos desenhos e programas infantis. Pior é assumir a desculpa de não ter tempo para brincar porque a criança só gosta de brincar com jogos eletrônicos. Onde está a essência do brincar? Brincar brincando ou ser mero espectador de outros que brincam? Para Adorno e Horkheimer

O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo. (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p. 40)

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Assim, a dominação encontra respaldo, pois o produto de consumo está a serviço do capital financeiro e o brincar também corre este risco de que só se brinca quando se tem recurso financeiro para aquisição do brinquedo em voga, e a mídia televisiva influencia muito nas escolhas dos indivíduos. Com isso, o poder aquisitivo determina o acesso e a classificação daquilo que é cultura, mas o brincar não pode cair nessa teia.

Percebe-se, neste sentido, o poder da dominação ao qual o sujeito se encontra submetido, relaciona-se com o poder de consumo sobre o brincar, pois a indústria cultural leva-o a acreditar em uma promessa de felicidade que será satisfeita, por isso ela alimenta o tempo todo o seu desejo de consumo daquilo que se consome naquele momento. Todavia, por exemplo, antes de percebermos que o desejo de adquirir um brinquedo será realizado, esse objeto de desejo será substituído e reposto.

Isso se deve ao fato da cultura sofrer uma transformação e essas modificações influenciaram também o brincar e o jogar. O brincar com hora programada ou o jogar apenas on line passaram a definir as formas de vivenciar a cultura lúdica, passando a ser influenciada pelo processo de industrialização, afetando as brincadeiras e jogos das crianças.

Os brinquedos, os jogos, as brincadeiras sofrem a transformação de ser agora produzida por indústrias, tecnologias, mídias como TV, Rádio e Internet. Assim, contribuem para uma alienação do indivíduo em massa, pois passam a ser reproduzidos de forma manipulada e repetidos de forma mecânica.

2.2 Contextos Histórico-culturais dos Jogos e das Brincadeiras Infantis

Etimologicamente, o termo jogo advém do latim ludus, ludere, que designava movimentos rápidos, mas referia-se, também, à representação cênica, aos ritos de iniciação e aos jogos de azar. Uma das características do jogo são as regras a serem seguidas.  Murcia acrescenta que

O jogo é um fenômeno antropológico que se deve considerar no estudo do ser humano. É uma constante em todas as civilizações, esteve sempre unido à cultura dos povos, a sua história, ao mágico, ao sagrado, ao amor, a arte, a língua, a literatura, aos costumes, a guerra. O jogo serviu de vínculo entre povos, é facilitador da comunicação entre seres humanos (MURCIA, 2005, p,9).

Nesse sentido, o jogo é um perpetuador de cultura e sempre está vinculado às culturas dos povos e civilizações, assim como as brincadeiras, mas essas parecem ser mais livres, podendo ter regras, mas naturalmente parecem ser mais flexíveis, sem muito rigor.

A criança não nasce sabendo brincar, ela precisa aprender, por meio das interações com outras crianças e com os adultos. Ela descobre, em contato com os objetos e brinquedos, certas formas de uso desses materiais. Observando outas crianças e as intervenções da professora, ela aprende novas brincadeiras e suas regras. Depois que aprende, pode reproduzir ou recriar novas brincadeiras. (KISHIMOTO, 2010, p. 1).

No entanto, os brinquedos são objetos que servem de aporte para as brincadeiras, mas podemos brincar sem brinquedos ou podemos adaptar objetos para se tornarem brinquedos. Trata-se da capacidade de representação e, também, da criatividade da criança que brinca.

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As brincadeiras e os jogos estão também relacionados a situações do contexto político, econômico e social. Kishimoto (1999) revela que com a criação do Instituto dos Jesuítas no século XVI, sugiram os jogos educativos divulgados por Ignácio de Loyola no sistema educacional dessa organização, tendo como objetivo enriquecer as ações didáticas, por intermédio de exercícios de caráter lúdico, onde as crianças passaram a vivenciar uma metodologia educacional diferente.

No século XXI, com as descobertas científicas, os estudos sobre estimulação e o desenvolvimento infantil na primeira infância voltados para promoção do fortalecimento de vínculos familiares, os brinquedos e jogos infantis, têm ganhado espaço no mercado industrial e cultural, pois “ao observar as interações e a brincadeiras entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, na mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções” (BRASIL, 2017, p. 35).

No Brasil, há programas que se preocupam com esse brincar na Primeira Infância:

a) A Primeira Infância Melhor (PIM) é uma ação transversal de promoção do desenvolvimento integral na primeira infância. Desenvolve-se por meio de visitas domiciliares e comunitárias realizadas semanalmente a famílias em situação de risco e vulnerabilidade social, visando o fortalecimento de suas competências para educar e cuidar de suas crianças. Desenvolvido desde 2003, tornou-se Lei Estadual nº 12.544 em 3 de julho de 2006 no Rio Grande do Sul.

b) Programa de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (PADIN) criado pela Secretaria da Educação do Estado do Ceará, através da Coordenadoria de Cooperação com os Municípios - COPEM, o programa foi implantado em 2014, dentro de uma concepção de gestão voltada para o desenvolvimento social, com planejamento elaborado e executado por meio de ações articuladas de promoção da criança enquanto sujeito de direitos. A iniciativa tem como objetivo geral a formação de competências familiares necessárias para garantir o bem-estar físico, emocional, social e cultural, a linguagem, o desenvolvimento cognitivo, as habilidades de comunicação e os conhecimentos gerais das crianças de 0 a 3 anos de idade, por meio das brincadeiras e da interação com os adultos e jovens, bem como a formação de professores para o cuidar e o educar de forma indissociável às suas crianças e assim contribuir para a diminuição das desigualdades sociais na Primeira Infância.

c) Programa Criança Feliz (PCF): instituído pelo governo federal, por meio do Decreto nº 8. 869, de 05 de outubro de 2016, que oferece orientações quanto ao planejamento das visitas domiciliares e ao acompanhamento das gestantes e famílias de crianças de 0 até 6 anos de idade participantes do programa. A proposta de trabalho a ser desenvolvida nas residências das famílias cadastradas no Criança Feliz, com crianças de 0-3 anos, foi baseada no referencial teórico “Cuidados para o Desenvolvimento da Criança (CDC)”. A metodologia CDC foi elaborada e cedida ao Brasil pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e já foi utilizada em vários países com famílias de perfis diferentes, incluindo famílias em situação de pobreza, com crianças desnutridas, com deficiência ou em situação de risco.

Todas essas políticas públicas voltadas para Primeira Infância veem na interação entre adultos e crianças formas de fortalecimento de vínculo, proteção da criança e estimulação adequada, por meio da cultura lúdica da brincadeira e do jogo infantil. Em especial, o Programa Criança Feliz aposta na confecção de brinquedos encontrados em casa ou fabricados pelas crianças com a supervisão de um adulto para que a interação ocorra de forma mais significativa. Kishimoto explicita que

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A brincadeira desde o nascimento se constitui como um elemento que transmite ações sensório-motoras, responsável pela estruturação dos primeiros conhecimentos constituídos a partir do saber-fazer: O autor comenta que o brinquedo educativo é utilizado nas escolas desde o renascimento. Afirma, ainda que desde recém-nascida a criança brinca de se movimentar, sorrir, olhar e falar (KISHIMOTO, 1996, p. 31).

Nesse sentido, quanto mais cedo a criança é estimulada maiores são as possibilidades de desenvolvimento infantil, pois o brinquedo tem caráter educativo. Brincar é uma ação inclusiva, pode ser realizada por crianças de qualquer idade.

A Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei no 12.662, de 5 de junho de 2012. Essa lei, denominada Marco Legal pela Primeira Infância, no artigo 4º, orienta sobre as políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos das crianças na primeira infância.

Nessa perspectiva de estimulação pelo brincar temos também a questão dos itens utilizados pelas crianças em diferentes culturas; assim, podemos encontrar, por exemplo, práticas lúdicas com bonecos de pano, cabaça, madeira, argila, sabugo de milho, tabuleiros feitos em madeira ou desenhados em paredes, pedras ou superfícies planas. Kishimoto afirma que

O jogo caracteriza conduta livre, prazer, satisfação, expressão de vontade, exploração, descoberta, divertimento e que o elemento lúdico deve estar presente durante o desenvolvimento dos mais variados tipos de atividades. Também, manifesta que a brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica e que brinquedo e brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se confundem com o jogo (KISHIMOTO, 2002, p. 21).

Os jogos e brincadeiras que já fazem parte de nossa cultura popular, no ambiente educacional, são usados como recursos didáticos, sobretudo com a evolução dos estudos do desenvolvimento infantil. Outro aspecto interessante é que resgatar a história dos jogos e brincadeiras consiste em andar por caminhos percorridos pela humanidade, observando seus contextos, entendendo a maneira de ser e estar presente no mundo em determinado momento. Nessa busca, as atividades nem sempre foram específicas de crianças ou de adultos, mas de todo o grupo social dentro do qual ocorriam as interações, a socialização, a aprendizagem dos costumes e as práticas religiosas e educacionais.

2.3 As Brincadeiras e Jogos Infantis Tradicionais

Toda criança tem necessidade e o direito de brincar, isto é uma característica da infância garantida em Lei. A função do brincar não está no brinquedo, no material usado, mas sim na atitude subjetiva que a criança demonstra na brincadeira e no tipo de atividade exercida na hora da brincadeira. Essa vivência é carregada de prazer e satisfação. Para promover o resgate cultural de brincadeiras e jogos tradicionais é preciso que

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A devolução dos jogos populares a nossa realidade escolar não se fará sem oposição. Primeiro será necessário convencer os educadores da seriedade do jogo como atividade na escola. Depois, convencer do caráter inovador da reinserção de um elemento educacional que muitos consideram ligados ao passado e de certa forma ultrapassados pela história. Finalmente caberá equacionar a distribuição do tempo do jogo pelo tempo de permanência do aluno na escola (DE FARIA JUNIOR, 1996, p. 61).

Nesse viés, o docente tem papel fundamental na reinserção de brincadeiras e jogos tradicionais no universo infantil dos educandos, para isso, precisa, além de proporcionar momentos de contato, criar estratégias de oferta e encantamento dessas práticas que compõem a cultura lúdica.

Em cada etapa evolutiva da criança, o brincar vai se modificando, mas é essencial que ela tenha oportunidade de explorar todas as fases do brincar. Segundo Fortuna (2004, p. 47), o brincar, “como criação social que também é, sofre, do mesmo modo que a infância, determinação cultural, perceptível na evolução dos próprios termos utilizados para designar esta atividade humana, em diferentes povos e momentos dos processos civilizatórios”.

Com base no senso comum, brincadeira tradicional é brincadeira antiga, ou seja, aquela que os adultos brincavam e agora as crianças não brincam. No entanto, como é difícil datar a origem das brincadeiras e dos jogos, consideramos além da perpetuação o tipo de material utilizado na brincadeira, por exemplo, tanto os objetos feitos de madeira, como bilboquê e pião, como os de pena, como peteca, são considerados tradicionais, mas é preciso que sejam brinquedos universais, clássicos e de fácil manuseio para que as crianças possam manipular.

No Brasil, nos grandes centros, os hábitos de jogos populares infantis, parlendas e brinquedos cantados foram sendo perdidos (ou transformados), nos últimos cinquenta anos, possivelmente como consequência dos processos de urbanização e de industrialização. Como se sabe, a organização social muda em função da organização do trabalho nas cidades e o capitalismo rompe com os laços de tradição e da comunidade, entre vida e palavra. Daí a influência da ação da mídia em geral e da televisão em especial, dos brinquedos eletrônicos e, mais recentemente, da informática, com a introdução dos videogames, na perda ou transformação daqueles hábitos (DE FARIA JUNIOR, 1996, p. 59).

Nessa perspectiva, podemos considerar que os utensílios tecnológicos como os jogos eletrônicos destoam da tradicionalidade. Agora, quando se refere à tradição oral das brincadeiras cantadas e jogos populares infantis, como parlendas e trava-línguas, a cultura passa de geração em geração nos momentos informais em família.

No que concerne as brincadeiras infantis as mais lembradas por todos foram: boneca, comidinha, pular corda e empinar papagaio. Sem o advento da televisão estimulando o consumismo e a pertinência dos entrevistados a classe trabalhadora, os brinquedos que usavam (como materiais concretos) eram feitos pelas próprias crianças. Os jogos incluíram a amarelinha, diferentes jogos de perseguição, [...] pegador, pega-pega, piques e chicote queimado. Os jogos de peteca foi o único de origem europeia lembrado. No que diz respeito aos brinquedos cantados os mais lembrados pelos idosos foram: Ciranda Cirandinha, Rá Rá Rá, minha machadinha; A moda das tais anquinhas; Pai Francisco; Pirolito que bate, bate; o cravo brigou com a rosa, se esta rua tem um bosque. (DE FARIA JUNIOR, 1996, p. 60).

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Por meio dessas brincadeiras e dos jogos infantis tradicionais, as crianças internalizam um saber popular que transmite cultura. Elas aprendem códigos de conduta da sociedade e estimulam a dimensões da linguagem e motora, por exemplo.

A importância do brinquedo é a da exploração e do aprendizado concreto do mundo exterior, utilizando e estimulando os órgãos dos sentidos, a função sensorial, a função motora e a emocional. As canções e o jogos populares como brincadeiras têm uma enorme função social, desenvolvem o lado intelectual e, principalmente, criam oportunidades para a criança elaborar e vivenciar situações emocionais e conflitos sentidos no dia a dia de toda criança.

Outro aspecto de grande relevância refere-se ao fato de que as brincadeiras possibilitam um salto qualitativo no desenvolvimento da psique infantil, pois através das brincadeiras as crianças têm a possibilidade de desenvolver as funções psicológicas superiores como atenção, memória, controle da conduta, entre outros aspectos.

As crianças refletem no jogo dramático toda a diversidade da realidade que as circunda: reproduzem cenas da vida familiar e do trabalho, refletem acontecimentos relevantes como os vôos espaciais etc. A realidade, ao ser representada nos jogos infantis, converte-se em argumento do jogo dramático. Quanto mais ampla for a realidade que as crianças conhecem, tanto mais amplos e variados serão os argumentos de seus jogos. Por isso, um pré-escolar mais novo tem um número de argumentos mais limitados do que outro mais velho. As crianças de 5 a 6 anos brincam de convidados, filhos e mães, mas também de construir uma ponte ou de lançar uma nave espacial (MUKHINA, 1996, p. 156/157).

Consideramos o jogo como sendo um processo dialético, caracterizado por uma ação tanto física quanto mental, que ocorre dentro dos limites de um determinado tempo e local, caracterizando-se por influenciar mudanças de comportamento similares às que ocorrem com o pêndulo de um relógio. Jogar permite ir da alegria à tristeza, do modelo à fantasia, da liberdade à regra, da imitação à criatividade. Pode ou não ser enriquecido com brinquedos, mas essa não é a única condição para brincar. É importante ressaltar que

A compreensão, a interpretação e a aceitação de papéis segundo o gênero pelas crianças e pré-adolescentes, e os estereótipos masculinos e femininos podem sofrer alteração com o tempo, o que deve ser levado em consideração na opção didático-pedagógica pelo jogo que aqui defendemos. (DE FARIA JUNIOR, 1996, p. 57-58).

Neste contexto histórico-cultural, apesar da predominância heteronormativa, notamos que há uma maior flexibilidade em relação às escolhas de brincadeiras e jogos de meninos e meninas, resultados também dos brinquedos, jogos pedagógicos e das práticas desportivas disponibilizadas no mercado. Nas brincadeiras e nos jogos, a criança desenvolve a criatividade e inúmeras habilidades comportamentais. As atividades mais livres - carrinhos, bonecas, casinha, bolas, blocos de montar, tabuleiros, peças de encaixe e outras – são as que mais estimulam a criança em diversos aspectos.

O ato de brincar é importante, terapêutico, prazeroso, e o prazer é ponto fundamental da essência do equilíbrio humano. Através do lúdico, as crianças experimentam várias situações, entre elas fazer comidinhas, limpar a casa. O brincar é o meio de expressão e crescimento da criança. No brincar, ocorre um processo de troca, partilha confronto e negociação, gerando desequilíbrio e equilíbrio e propiciando novas conquistas individuais e coletivas (apud BERTOLDO; RUSCHEL, p. 2005, 2000).

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Brincar é uma ferramenta muito poderosa no processo de aprendizagem dos pequenos, pois amplia a sua visão de mundo, promovendo a criticidade, questionando as regras impostas e as adaptando conforme surgem novos desafios. A criança brinca não só pelo prazer da diversão que o ato proporciona, mas para compreender o mundo a sua volta. As brincadeiras e os jogos infantis tradicionais são considerados como parte da cultura, sendo propagados de geração para geração, principalmente, pela tradição oral. Muitas dessas brincadeiras preservam sua estrutura inicial, outras se modificam, recebendo novos conteúdos.

Sabe-se apenas que os jogos infantis tradicionais são provenientes de práticas abandonadas por adultos, de fragmentos de romances, poesias, mitos e rituais religiosos, tradicionalidade e universalidade dos jogos assenta-se no fato de que povos distintos e antigos como os da Grécia e Orientes brincavam de amarelinha, de empinar papagaio, jogar pedrinhas (KISHIMOTO, 1993, p. 15).

Percebe-se que para entender a procedência e definição dos jogos é necessário verificar as raízes do conjunto de tradições, conhecimentos e crenças populares que influenciaram o surgimento desses folguedos atrelados à história do país. A união que se deu entre os indígenas que aqui viviam, os portugueses e os africanos que imigraram para o Brasil, constitui o quadro de elementos para formar o conjunto de jogos que hoje dispomos, mas a cultura europeia foi a que teve maior influência.

Os jogos como um fenômeno antropológico e social refletem em cada sociedade os costumes e a história das diferenças culturais, bem como as influências do contexto no qual diferentes grupos de crianças brincam (Cf. Brotto, 1999). Além disso,

Transmitir brincadeiras as nossas crianças é uma forma de descobrir o novo no antigo. Resgatando brincadeiras do “tempo do vovô e da vovó” e um patrimônio lúdico-cultural, que pertence ao nosso folclore, podemos junto com as crianças criar e recriar novos espaços de expressão e comunicação, estimulando as interações sociais e o desenvolvimento integral das crianças. (FRIEDMANN, 1996, p.13)

Atividades como jogos de tabuleiros, petecas, bolas de gude, pula corda, elástico retomam a memória infantil e, consequentemente, cultural de um povo. Entretanto, percebe-se que tanto as brincadeiras como os jogos sofrem influências ao logo do tempo. Como a infância, o brincar também se insere no processo de mudanças históricas.

A prática das brincadeiras e jogos inicia-se no ambiente familiar, mas é nas instituições de ensino que as crianças têm a possibilidade de interagir com outras nas atividades de socialização e estimulação do desenvolvimento infantil. Na educação básica, há diretrizes que precisam ser conhecidas e respeitadas para que o ato de brincar seja significativo para os discentes, desde a educação infantil até o ensino médio.

3. Formação Continuada para Utilização de Brinquedos e Jogos na Educação Básica

As escolas públicas vivenciam uma luta constante para produzir um ensino de qualidade que possibilite a apropriação e sistematização do saber por parte dos alunos, é um compromisso assumido pelos educadores que veem na educação um espaço privilegiado de atuação, na perspectiva da transformação social. Já que “a escola tem, pois, o compromisso de reduzir a distância entre a ciência cada vez mais complexa e a cultura de base produzida no cotidiano, e a provida pela escolarização” (FREIRE, 2002, p. 9).

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A Lei nº 9.394/1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), trata-se de um documento oficial que define as diretrizes e bases da educação na República Federativa do Brasil, abrangendo os processos formativos, o trabalho das instituições de ensino e pesquisa, dentre outras instâncias. Nesse documento, a formação do profissional docente é contemplada, pois o docente/professor possui um papel de estimulador e mediador do processo de aprendizagem do educando, sendo um facilitador na aquisição dos saberes que permite ao aluno desenvolver suas habilidades e competências acadêmicas e, posteriormente, profissionais, conquistando sua autonomia.

A formação do professor necessita ser constante, em todos dos níveis de ensino, desde a inicial à continuada. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação a formação docente para atuar na educação básica se dá “[...] em nível superior, em curso de licenciatura plena” (LDB, 2017, p. 42) e o professor pode atuar em três etapas: a educação infantil (para crianças com até cinco anos), o ensino fundamental (para alunos de seis a 14 anos) e o ensino médio (para alunos de 15 a 17 anos), podendo formar-se em pedagogia ou em diferentes áreas disciplinares para exercer sua função docente (cf. LDB, 2017, p. 9).

No Brasil, os programas de formação docente envolvem diferentes áreas de conhecimento, pois a grande demanda de professores requer aperfeiçoamento constante, em virtude da abrangência da educação básica, por meio de formação continuada, como uma necessidade de acompanhar a evolução natural dos processos formativos, exigência dos planos de carreira do magistério e busca por melhoria salarial.

A LDB, no parágrafo primeiro, do artigo 62, esclarece que “a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério”. (LDB, 2017, p. 42). Essas instâncias precisam buscar meios adequados para profissionalizar o docente que está em seu território. Isso requer oferta, com as melhores condições possíveis, de formas de licenciar-se e se aperfeiçoar constantemente.

É importante ressaltar que as Diretrizes Curriculares da Educação Básica orientam que

É responsabilidade dos sistemas educativos responderem pela criação de condições para que crianças, adolescentes, jovens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições físicas, sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gênero, crenças, classes sociais, contexto sociocultural), tenham a oportunidade de receber a formação que corresponda à idade própria do percurso escolar, da Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e ao Médio (BRASIL, 2010, p. 35).

Diante disso, a formação docente necessita atender a essas perspectivas, mas, para isso, os conteúdos e formas de ensino e aprendizagem do professor precisam contemplar esses saberes que envolvem conhecimento sobre o desenvolvimento humano e diversidade sociocultural. A formação de docente, com ênfase em brincadeiras e jogos, é diversificada. Na educação infantil, ocorre com mais frequência com um processo de estimulação das dimensões do desenvolvimento infantil. No ensino fundamental, notamos que as disciplinas de educação física e matemática contemplam melhor essa temática. No ensino médio, em língua portuguesa e, particularmente, literaturas, há evidências de jogos de desenvolvimento da língua e alguns desafios matemáticos. Nas demais disciplinas o jogo mais comum é de palavras-cruzadas.

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Dentre as formações mais comuns realizadas em tempo menor que a inicial tem-se a formação continuada, realizada constantemente durante ou após a inicial, podendo ocorrer em serviço ou fora dele. Por meio da formação continuada, o docente adquire uma bagagem cultural, científica, contextual, psicopedagógica, o que lhe possibilitará assumir a tarefa educativa em toda a sua complexidade, estando aberto a aprender, a questionar, a inovar e a adequar suas atuações às necessidades dos alunos em cada época e contexto. (Cf. IMBERNÓN, 2002).

A formação continuada dos professores é uma necessidade para a qualidade do ensino e a melhoria da escola, havendo uma valorização do trabalho docente. É entendida como proposta intencional e planejada que visa mudança do educador por meio de um processo reflexivo, crítico e criativo que o motive a ser agente de sua realidade. É importante para que o professor se atualize constantemente e desenvolva as competências necessárias para atuar na profissão. Segundo Libâneo (2002, p. 88), “implica em buscar respostas aos desafios educacionais, por meio de um ensino de qualidade, baseado em princípios críticos, formação de professores crítico reflexivo, integrando teoria e prática”. Assim, a formação continuada é importante para que o professor se atualize e desenvolva as competências necessárias para atuar na profissão.

Como o próprio nome diz, a formação docente precisa acontecer continuamente e que não se restrinja a solucionar problemas advindos da formação inicial dos professores. Precisa ser disponibilizada de maneira permanente, e que os professores, por decisão própria, possam frequentar para aperfeiçoar sua formação e atuação. Ainda são muito confusas, para os professores, todas essas questões. Os problemas enfrentados pela estrutura escolar e as características intervenientes (culturais, sociais e legais) demarcam, ao longo de suas carreiras, a sua formação continuada, sua prática pedagógica e sua profissão. A ideia de competência parece, então, transbordar os limites dos saberes, ou seja, o professor deve possuir tanto conhecimentos quanto competências profissionais que não se reduzem somente ao domínio dos conteúdos ensinados. Para Perrenoud (2000, p. 15), competência designa a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar situações.

A competência está associada à qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver determinado assunto ou realizar determinada tarefa. Na prática, a competência diz respeito à aptidão, habilidade e capacidade de resolver problemas, neste caso, problemas que emanam do trabalho docente. Assim, abarca a compreensão da prática educativa e do lugar que ocupa a escola na totalidade social e, por outro, o conhecimento e o domínio de processos específicos que possibilitem aos docentes a competência no trabalho educativo.

A Base Nacional Comum Curricular apresenta seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento para as crianças: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Partindo dessa apreciação, o recorte desse estudo é sobre o brincar, porque além de ser um direito dentro do espaço institucional de ensino na educação infantil, também se constitui como uma prática social que deve ser proporcionada fora dele, ou seja, em outras esferas de convivência humana, pois,

Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais e é nesse ponto que iremos focar”. (BRASIL, 2017, p. 36)

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Desse modo, é pelo brincar que as crianças interagem, desenvolvem e aprendem sobre si mesmas e sobre o mundo que as cerca. As possibilidades e potencialidades do brincar promovem experiências significativas para a formação humana e estimulam a criatividade, além das dimensões do desenvolvimento: linguagem, motora, socioafetiva e cognitiva.

Em alguns espaços existentes na cidade de Goiânia há locais coletivos de integração de crianças; no entanto, são pouco utilizados, em virtude da falta de direcionamento das brincadeiras e jogos que colaboram no processo de socialização infantil. O brincar estimula a valorização de aspectos humanos, como o respeito mútuo, compreensão de regras e limites, desenvolvimento da criatividade e bom senso, assim como os jogos. Nesse sentido, delimitamos este estudo às brincadeiras e os jogos infantis tradicionais. Para Friedmann (2016, p. 55)

O jogo tradicional é memória, mas é também presente. E que [...] amarelinha, pião, papagaio, barra-manteiga, esconde-esconde e inúmeras outras brincadeiras estão hoje presentes na [atividade] lúdica, muitas vezes sob outra forma ou com outra denominação. Mas o conteúdo continua sendo o mesmo.

Nessa perspectiva, o jogo tradicional compõe um dos elementos do patrimônio lúdico da sociedade, torna-se forma de manifestação cultural, porque “através do jogo, a criança fornece informações e o jogo pode ser útil para estimular o desenvolvimento integral da criança e trabalhar conteúdos curriculares”. (FRIEDMANN, 1996, p.17).

Nessa formação continuada, a proposta de resgatar as brincadeiras e jogos infantis tradicionais para os docentes concederia a oportunidade de retomar, conhecer e/ou desenvolver atividades pedagógicas de forma lúdica, dentro de suas áreas de atuação, por meio de brincadeiras e jogos tradicionais infantis. Assim, promoveriam uma interação entre crianças e adultos, reconectando suas relações de convivências, além de estimular a afetividade entre eles ao resgatarem as brincadeiras e jogos infantis que são culturalmente tradicionais na região.

3.1 O Papel Docente

O docente é mediador do conhecimento nas instituições de ensino. É papel do professor encorajar, estimular, abrir perspectivas e caminhos para que o aluno desenvolva competências e habilidades. Para isso, é preciso que esse professor tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, interesses e motivações.

Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática”. (FREIRE, 1996, p. 43).

Deste modo, quando se olha a prática pedagógica de professores da rede pública de ensino, evidenciam-se dificuldades relacionadas a uma conjunção de fatores que vão dos condicionantes socioeconômicos e culturais mais abrangentes até as questões mais específicas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem, entre as quais podemos destacar as relações entre professores e alunos e entre esses e o conhecimento a ser ensinado. Saber organizar uma brincadeira ou um jogo também exige competência, requerem habilidades de negociação de conflitos, liderança, sugestão, equilíbrio emocional, motivação, visto que

A brincadeira é um elemento essencial na vida das crianças, pois é brincando que elas expressam sua imaginação e criatividade, possibilitando a recriação dos contextos por parte das crianças. Adultos e crianças como parceiros, brincam e aprendem através das mediações com o outro, que ensina e faz junto, numa construção de signos, significados, visões de mundo, apropriando-se e construindo ao mesmo tempo os diversos bens culturais, entre lembranças de adultos que brincaram quando crianças, entre novas brincadeiras relembradas, aprendidas e inventadas, demonstrando que elas são de todos aqueles que ousarem tornar-se crianças também. (STRENZEL, 2003, p. 34)

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Ao brincar com crianças o docente precisa percebê-la como criança, compreendendo suas ações e reações, respeitar suas ideias e princípios, porque a brincadeira ou jogo é algo muito importante e desafiador. É seu tudo e seu nada. É intenso e único o momento do brincar. Não é pela brincadeira em si, mas pelo momento, pelas pessoas envolvidas, pelo lugar, por ela mesma, por seus sonhos, desejos e vontades.

A adrenalina e o prazer pelas práticas da cultura lúdica levam ao êxtase da competição, pois os jogos e as brincadeiras exploram as questões interpessoais e socioemocionais. Desse modo, para trabalhar tais aspectos, o professor precisa adquirir esses saberes necessários, somente assim conseguirá lidar com as diversas situações que podem surgir durante as práticas lúdicas. Com isso, o docente tem papel fundamental como mediador desses conhecimentos. O trabalho docente exige qualidade para atuar no ensino institucionalizado, por isso a valorização profissional é importante. Por meio da formação continuada há propostas intencionais e planejadas que visam à mudança do profissional tornando-o competente, reflexivo, crítico e criativo, que o motivem a ser agente de sua realidade.

Ao longo do tempo, à medida que o paradigma da racionalidade técnica foi questionado, as bases de formação contínua também foram problematizadas dando lugar a novos constructos, hoje amplamente conhecidos e validados no campo teórico e em implementação progressiva na prática. (SAMIA, 2017, p. 53).

Anteriormente, tanto nas formações iniciais como nas continuadas, a ênfase era no estudo teórico dos conteúdos acadêmicos; todavia, observamos na formação continuada que a preocupação com a aplicabilidade de conteúdos e a prática pedagógica em si tem sido contemplada nos cursos de aperfeiçoamento profissional. Prêmios como Professores do Brasil evidenciam essa realidade de valorização das boas práticas pedagógicas na educação básica. Uma reflexão sobre a práxis e a tomada de consciência do nosso papel docente na sociedade, é que:

A formação não se constrói por acumulação, mas sim através de um trabalho de reflexão crítica sobre práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa a dar estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1992, p. 38).

Assim, fica a cargo do professor o trabalho de organizar as situações didáticas para o ensino dos conteúdos sugeridos no programa curricular, determinando o papel que ele próprio e os alunos têm no desenvolvimento dessas situações. Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem envolve, indissociavelmente, um tripé constituído de um conteúdo específico, um professor “de carne e osso” e um aluno igualmente concreto e real. Para Nóvoa (1992, p. 38), “a formação não se constrói por acumulação, mas sim através de um trabalho de reflexão crítica sobre práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante investir na pessoa a dar estatuto ao saber da experiência”.

No processo de ensino e aprendizagem, faz-se necessário, portanto, que o professor domine o conhecimento a ser ensinado, para poder organizar as atividades e avaliá-las. As instituições, reconhecendo a precariedade da formação do professor, têm investido na capacitação dos docentes, buscando sua atualização, e nesse cenário surgem as formações continuadas.

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O presente trabalho se propôs a realização de um minicurso na tentativa de resgatar as brincadeiras e dos jogos infantis tradicionais na educação básica, partindo do aspecto cultural. Observamos durante a formação que, por se tratar de um recorte tão específico, mesmo sendo essa temática vivenciada pelos professores da educação básica, as oportunidades de formação são restritas. Saber fazer ‘brincando ou jogando’ é uma competência que pode ser adquirida por meio de formação continuada, pela experiência executando práticas docentes e pelas relações entre o conhecimento que o sujeito detém, articulado à reflexão sobre a ação pedagógica. Para desenvolvê-las, o professor precisa se inserir em um processo de formação permanente, que implica também a busca de informação para construção de novos conhecimentos.

3.2 O Avanço das Tecnologias: o Desafio das Brincadeiras e dos Jogos Tradicionais

O avanço das tecnologias e das mídias tem provocado profundas mudanças nas relações humanas e essa mesma influência tem ocorrido na infância, nas formas de brincar e interagir socialmente. Vimos que a valorização das imagens veiculadas pela televisão, as novas tecnologias e os brinquedos eletrônicos têm gerado um impacto maior de estímulos impostos pela sociedade de consumo, modificando o repertório das brincadeiras infantis. Episódios de crianças brincando em atividades como pega-pega, esconde-esconde, adoleta, amarelinha, bolinha de gude, empinar pipa, roda pião são cada vez mais raros. Algumas crianças desconhecem esses nomes ou, talvez, os conheça por outros significados, mas quem nasceu antes da década de 1990 curtia bastante essas brincadeiras na velha infância. Era uma febre nas escolas e nas ruas dos bairros, passava-se uma manhã ou tarde inteira brincando com a turma e só acabava quando os pais chamavam para dentro de casa. Todavia, muitas crianças preferem jogos e brinquedos eletrônicos a praticar brincadeiras que desenvolvam mais a parte física.

Observa-se que, cada vez mais, o contato das crianças com jogos, brincadeiras e brinquedos tradicionais vem perdendo espaço para equipamentos de alta tecnologia, tais como: videogames, computadores, tabletes, televisores e brinquedos eletrônicos. E ela usa o jogo para manifestar sua vontade de ser mais velha. É brincando de casinha (imaginando ser uma esposa), brincando de filhinha (imaginando ser mãe), enfim, que suas vontades são consolidadas. O excesso de tecnologia está tirando das crianças a capacidade de interagir, movimentar-se, criar, propor soluções, imaginar, negociar, conviver e até brigar. Os desentendimentos naturais entre as crianças, durante as brincadeiras, são um aprendizado dos limites, das regras, da vontade do outro e muito mais. Quem briga e vira as costas para o grupo, fica privado da brincadeira. Kishimoto explica que.

[...] os jogos na educação, ou seja, brinquedos e brincadeiras como formas privilegiadas de desenvolvimento e apropriação, conhecimento pela criança e, portanto, instrumentos indispensáveis da prática pedagógica e componente relevante de propostas curriculares (KISHIMOTO, 1999, p.11).

As transformações tecnológicas na sociedade têm afetado de modo particular a criança e seu modo de brincar. Isso porque mudou também a concepção de infância, noção historicamente construída, e que, consequentemente, vem transformando-se. Com isso, ao longo dos séculos, a criança vem assumindo diferentes papéis, de acordo com a época e a sociedade em que está inserida. Podemos observar que as brincadeiras dependem de geração para geração, o que interessava às crianças antigamente já não é o que interessa às de hoje, pois com as novas tecnologias os brinquedos e brincadeiras mudaram.

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Dentre os grandes desafios das brincadeiras e dos jogos tradicionais frente aos avanços da tecnologia podemos citar:

a) materiais para a confecção de brinquedos e jogos infantis tradicionais;

b)ter locais para aquisição de brinquedos e jogos infantis tradicionais;

c)espaços públicos para utilização de brinquedos e jogos infantis tradicionais possam ser disponibilizados;

d)os brinquedos e jogos infantis tradicionais precisam ter preços acessíveis;

e)formação docente para utilização de brinquedos e jogos infantis tradicionais.

f)No entanto, o grande gargalo está nas famílias se interessarem pelos brinquedos e jogos infantis tradicionais, além de ter tempo disponível para interagir com as crianças, seja em espaços públicos ou privados.

No geral, a formação docente para utilização de brinquedos e jogos na educação básica depende também do interesse do professor de adquirir ou aperfeiçoar esse saber. O docente precisa ser brincante ou gostar de práticas lúdicas, caso contrário, nem com formação disponível ele disponibiliza as práticas das brincadeiras e jogos em sala de aula. Na segunda fase do ensino fundamental e no ensino médio da educação básica percebe-se que, na medida em que a criança vai crescendo e mudando de nível educacional, o brincar vai ocupando menos espaços na sala de aula, porém:

as contribuições das atividades lúdicas no desenvolvimento integral indicam que elas contribuem poderosamente no desenvolvimento global da criança e que todas as dimensões estão intrinsecamente vinculadas: a inteligência, a afetividade, a motricidade e a sociabilidade são inseparáveis, sendo a afetividade a que constitui a energia necessária para a progressão psíquica, moral, intelectual e motriz da criança. (NEGRINE, 1994. p. 7)

Quando o lúdico é aplicado dentro e fora de sala de aula compreende-se que todas as contribuições da infância resultam num adulto com melhores condições de conviver em sociedade, pois o lúdico colabora para o desenvolvimento global do indivíduo, além tornar o ensino mais prazeroso e significativo.

Considerações Finais

Neste relatório, elaborado a partir do projeto de intervenção O Resgate cultural de brincadeiras e jogos infantis tradicionais na formação de professores da educação básica, foi possível perceber que os jogos e brincadeiras tradicionais estão presentes na rotina escolar das crianças. No entanto, os professores precisam compreender que esses vão além da simples diversão, porque possibilitam agregar valor no processo de ensino e de aprendizagem dos discentes, pois exploram diversas habilidades e contribuem para o enriquecimento e o desenvolvimento intelectual das crianças. O resgate das brincadeiras tradicionais é uma forma de valorizar a cultura lúdica da criança, promovendo um desenvolvimento de novos conhecimentos e a aproximação com as brincadeiras que fizeram parte das gerações passadas. Além disso, as crianças, por meio dos jogos e brincadeiras, passam a dominar seus movimentos corporais e a conhecer seus limites.

A proposta de intervenção torna-se importante fonte de formações continuadas, onde os docentes terão a oportunidade de conhecer e desenvolver atividades pedagógicas de forma lúdica, promovendo uma interação entre crianças e adultos, reconectando suas relações de convivências, além de estimular a afetividade entre crianças e cuidadores, por meio do resgate cultural histórico das brincadeiras e jogos infantis que são culturalmente tradicionais na região. Além disso, ao vivenciar a prática dos jogos e brincadeiras tradicionais permite-se uma interação como os membros da comunidade escolar e são valorizados aspectos importantes para convivência humana, como responsabilidade e respeito.

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Entendemos que os jogos e brincadeiras tradicionais exercem um papel fundamental no ensino e aprendizagem e desenvolvimento das crianças. O resgate dos jogos e brincadeiras tradicionais nos leva à reflexão sobre a importância das atividades lúdicas na vida das crianças, e nos direciona no sentido de compreendermos que também os jogos e brincadeiras tradicionais, junto com as novas tecnologias que apresentam às crianças, podem contribuir muito em seu desenvolvimento e na compreensão do mundo.

Conclui-se que o minicurso, como experiência de formação continuada, contribuiu para a atuação profissional dos professores, mas precisa ser disponibilizado de maneira permanente para que haja mais orientação e troca de experiências docentes. Além disso, os professores poderão, por decisão própria, investigar que elementos próprios da inserção sociocultural surgem no ato de brincar e que aspectos socioculturais são evocados, por meio das brincadeiras e dos jogos infantis tradicionais; compreendendo como o brincar estimula as dimensões do desenvolvimento da criança.

Enfim, como agentes culturais, acadêmicos da especialização Interdisciplinar em Direitos Culturais, Patrimônio e Cidadania da Universidade Federal de Goiás, constatamos que é possível oportunizar aos professores experiências de práticas pedagógicas importantes para o desenvolvimento da criança e relevantes para interação com os adultos, a fim de que acessem a importância do patrimônio social e histórico-cultural.

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Quais são os jogos e brincadeiras garantidos na cultura tradicional brasileira?

Peteca, amarelinha, pião, bola de gude, elástico. Se você reconheceu algumas dessas brincadeiras (ou até mesmo todas), parabéns! Provavelmente, teve uma infância para lá de boa, marcada pela tradição do folclore brasileiro.

Quais são os jogos e brincadeiras da cultura?

15 Jogos populares que ensinam e as crianças adoram.
Morto-vivo. Não importa o número de participantes. ... .
Telefone sem fio. De preferência em fila, uma ao lado da outra, as crianças transmitem uma mensagem no ouvido da criança que está mais próxima. ... .
Estátua. ... .
Detetive. ... .
Dança das cadeiras. ... .
Quente ou frio. ... .
Bobinho. ... .
Escravos de Jó.

Quais os 5 tipos de brincadeiras mais conhecidas?

Aqui, você encontra uma lista de algumas das brincadeiras infantis mais conhecidas e que são superdivertidas!.
1 – Pular corda. O único objeto para se divertir aqui é a corda! ... .
2 – Amarelinha. A amarelinha é uma brincadeira clássica. ... .
3 – Pião. ... .
4 – Queimada. ... .
5 – Batata quente. ... .
6 – Pega-pega. ... .
7 – Bolinha de gude. ... .
8 – Passar anel..

Qual é a brincadeira típica do Brasil?

A amarelinha é uma brincadeira típica do Brasil e para brincá-la é comum desenhar com um giz no chão um diagrama numerado de 1 a 10.