A expressão popular na literartura nordestina

A literatura de cordel foi popularizada no Brasil por volta do século 18 e também ficou conhecida como poesia popular, porque contava histórias com os folclores regionais de maneira simples, possibilitando que a população mais simples entendesse. Seus autores ficaram conhecidos como poetas de bancada ou de gabinete. Aqui no Brasil, a literatura de cordel popularizou-se por meio dos repentistas (ou violeiros), que se assemelham muito aos trovadores medievais por contarem uma história musicada e rimada nas ruas das cidades, popularizando os poemas que depois viriam a ser os cordéis.

Origem

A literatura de cordel como conhecemos hoje teve sua origem ainda em Portugal com os trovadores medievais (poetas que cantavam poemas no século 12 e 13), os quais espalhavam histórias para a população, que, na época, era em grande parte analfabeta. Na Renascença, com os avanços tecnológicos que permitiram a impressão em papéis, possibilitou-se a grande distribuição de textos, que, até então, eram apenas cantados.

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Essas pequenas impressões de poemas rimados que eram apresentadas penduradas em cordas – ou cordéis, como é chamado em Portugal – chegaram ao Nordeste brasileiro junto com os colonizadores portugueses, dando origem à literatura de cordel como conhecemos hoje, famosa em Pernambuco, Ceará, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte.

Principais características

  • O texto é escrito com métrica fixa e rimas que fazem a musicalidade dos versos;

  • É de grande importância para o folclore, já que os cordéis tratam dos costumes locais, fortalecendo as identidades regionais;

  • A literatura de cordel é muito conhecida por suas xilogravuras (gravuras em madeira), que ilustram as páginas dos poemas.

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Videoaula: Literatura de Cordel

Principais autores

Conforme documentos, foi o primeiro brasileiro a escrever cordéis, produzindo 240 obras campeãs de vendas. Seus cordéis são muito populares no imaginário popular do Nordeste brasileiro, tendo Ariano Suassuna, grande dramaturgo nordestino, popularizado a todo Brasil as histórias de Leandro em sua peça ‘Auto da compadecida’, que contava com cordéis de Leandro: ‘O testamento do cachorro’ e ‘O cavalo que defecava dinheiro’.

Fazendo parte da primeira geração de autores que tinham sua própria editora especializada em cordéis, ficou popular por utilizar imagens de artistas de Hollywood.

João Martins de Athayde, após a morte de Leandro Gomes de Barros, comprou os direitos de publicar vários dos cordéis do autor. A verdadeira autoria de Leandro foi recentemente descoberta, mas nem por isso a figura de João Athayde é de menor importância.

A expressão popular na literartura nordestina

Banca que vende cordéis no Rio de Janeiro.**

Exemplo de cordel

Eu vi narrar um fato Que fiquei admirado Um sertanejo me disse Que nesse século passado Viu enterrar um cachorro Com honras de um potentado. Um inglês tinha um cachorro  De uma grande estimação. Morreu o dito cachorro  E o inglês disse então: Mim enterra esse cachorro Inda que gaste um milhão. Foi ao vigário e lhe disse: Morreu cachorra de mim E urubu no Brasil Não poderá dar-lhe fim... - Cachorro deixou dinheiro? Perguntou o vigário assim. - Mim quer enterrar cachorro! Disse o vigário: Oh! Inglês! Você pensa que isto aqui É o país de vocês? Disse o inglês: Oh! Cachorro! Gasta tudo esta vez. Ele antes de morrer Um testamento aprontou Só quatro contos de réis Para o vigário deixou. Antes do inglês findar  O vigário suspirou. - Coitado! Disse o vigário, De que morreu esse pobre? Que animal inteligente! Que sentimento tão nobre! Antes de partir do mundo

Fez-me presente do cobre.

Leve-o para o cemitério, Que vou o encomendar Isto é, traga o dinheiro Antes dele se enterrar, Estes sufrágios fiados

É factível não salvar.

E lá chegou o cachorro O dinheiro foi na frente, Teve momento o enterro, Missa de corpo presente, Ladainha e seu rancho

Melhor do que certa gente.

Mandaram dar parte ao bispo Que o vigário tinha feito O enterro do cachorro, Que não era de direito O bispo aí falou muito Mostrou-se mal satisfeito. Mandou chamar o vigário Pronto o vigário chegou As ordens sua excelência... O bispo lhe perguntou: Então que cachorro foi, Que seu vigário enterrou? Foi um cachorro importante Animal de inteligência  Ele antes de morrer Deixou à vossa excelência  Dois contos de réis em ouro... Se errei, tenha paciência. Não foi erro, sr. Vigário, Você é um bom pastor Desculpe eu incomodá-lo A culpa é do portador, Um cachorro como este  Já vê que é merecedor. O meu informante disse-me Que o caso tinha se dado E eu julguei que isso fosse Um cachorro desgraçado. Ele lembrou-se de mim Não o faço desprezado. O vigário aí abriu Os dois contículos de réis. O bispo disse: é melhor Do que diversos fiéis. E disse: Provera Deus Que assim lá morresse uns dez. E se não fosse o dinheiro A questão ficava feia, Desenterrava o cachorro O vigário ia a cadeia. Mas como gimbre correu

Ficou qual letras na areia.

O testamento do cachorro, Leandro Gomes de Barros

Resumo

A literatura de cordel veio para o Brasil com os portugueses, criando no Nordeste brasileiro essa cultura do cordel, que ainda hoje é tradicional. Por ser uma literatura local, sua existência fortalece o folclore e o imaginário regional, além de incentivar a leitura. Hoje, a literatura de cordel é reconhecida como patrimônio cultural imaterial, tendo até mesmo uma Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Graças à impressão em grande quantidade, o cordel popularizou-se por imprimir em papel as histórias rimadas dos repentistas que improvisavam rimas nas ruas e, depois, continuou sendo muito popular por contar histórias de maneira simplificada para seus leitores.

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*Crédito da imagem: Luciano Joaquim / Shutterstock.com
** Crédito da imagem: Kleber Cordeiro / Shutterstock.com


Por Me. Fernando Marinho

Literatura de cordel é uma manifestação literária do interior do nordeste brasileiro. É um gênero literário feito em versos com métrica e rima e caracterizado pela oralidade e por uma linguagem informal.

Também chamada de literatura popular em verso, essa tradição se popularizou no final do século XIX, quando tais poesias passaram a ser impressas em folhetos e vendidas em feiras.

O nome “cordel” faz referência às cordas onde os folhetos ficavam expostos. Seu formato foi inspirado nos cordéis lusitanos, trazidos ao Brasil pelos colonizadores portugueses.

A expressão popular na literartura nordestina
A expressão popular na literartura nordestina
Os folhetos de cordel são expostos em cordas ou barbantes, presos por grampos.

Os folhetos de cordel medem cerca de 12 x 16 cm e como são folhas dobradas, têm número de páginas sempre múltiplos de quatro. Sua capa é feita em xilogravura e apresenta ilustrações que remetem ao conteúdo dos poemas.

As poesias de cordel retratavam a realidade do sertão nordestino e contavam histórias sobre os costumes locais, com forte utilização de humor e ironia. Além disso, serviam como fonte de informação para os moradores da região.

Origem da literatura de cordel

O formato dos folhetos têm origem nos cordéis portugueses, trazidos para o Brasil durante a colonização. Esses folhetos retratavam histórias de reis e rainhas e eram populares também em outros países europeus, como a Inglaterra, a França e a Espanha.

Eram publicações adaptadas de livros eruditos escritos para a elite e destinados ao povo. Impressos em folhas simples e em grande quantidade, eram vendidos a preços acessíveis.

Apesar do formato da literatura de cordel brasileira ter se inspirado nos folhetos lusitanos, em relação ao conteúdo, essa manifestação cultural ganha autonomia e originalidade com os poetas brasileiros.

Inicialmente, a poesia cordelista era marcada exclusivamente pela oralidade. As rimas feitas pelos poetas nordestinos eram faladas e cantadas, o que se justifica pelas altas taxas de analfabetismo na região.

Mas com o surgimento da imprensa e também com o crescimento da alfabetização, os folhetos passaram a ser impressos em papel. A passagem dos versos para a escrita, no entanto, nunca retirou da tradição o caráter da oralidade, que é característica essencial do cordel até os dias de hoje.

O primeiro cordelista a imprimir seus versos foi Leandro Gomes de Barros (1865-1918), um dos maiores nomes desse estilo literário. Seu folheto foi impresso em 1907 e nas décadas seguintes várias editoras de cordel foram surgindo.

Outros grandes nomes de cordelistas nascidos no final do século XIX são João Martins Athayde (1880-1959) e Francisco das Chagas Batista (1882-1930).

Dentre os poetas nascidos já no século XX, destacam-se nomes como:

  • Antônio Carlos dos Santos
  • Arievaldo Viana Lima
  • Expedito Sebastião da Silva
  • José Costa Leite
  • Manoel Monteiro
  • Patativa do Assaré
  • Zé da Luz

O cordelistas, em geral, eram homens com pouca escolaridade e instrução. Muitos deles não chegaram nem a frequentar a escola e aprenderam a ler e escrever de maneira informal.

Os temas das poesias de cordel trazem elementos da realidade sertaneja, tratavam das questões sociais e políticas e também serviam como fonte de informação para o povo nordestino.

Observe no trecho do poema "A triste partida" de Patativa do Assaré, o relato da realidade nordestina e a informalidade do estilo de escrita:

Setembro passou, com oitubro e novembro

Já tamo em dezembro.

Meu Deus, o que é de nós?

Assim fala o pobre do seco Nordeste,

Com medo da peste,

Da fome feroz.

Os cordelistas também tinham como intuito divertir seus leitores e ouvintes, para isso se utilizavam do sarcasmo, da ironia e do humor.

A expressão popular na literartura nordestina
Os folhetos de cordel são vendidos a preços acessíveis.

Os folhetos de cordel são hoje uma rica fonte de informações sobre a história do povo nordestino e Brasileiro. No acervo da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) existem cerca de 7 mil folhetos, livros e materiais de pesquisa sobre o cordel.

Saiba mais sobre poesia e verso.

Textos de literatura de cordel

A seguir, veja um trecho de poesia cordelista de Zé da Luz e um poema na íntegra, de Leandro Gomes de Barros.

Trecho do poema de cordel “Brasil Caboclo”, de Zé da Luz.

O qui é Brasí Caboco?

É um Brasi diferente

do Brasí das capitá.

É um Brasi brasilêro,

sem mistura de instrangero,

um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste

liforme de gazimira,

camisa de peito duro,

com butuadura de ouro...

Brasi caboco só veste,

camisa grossa de lista,

carça de brim da “polista”

gibão e chapéu de coro!

No dia da eleição

O povo todo corria

Gritava a oposição:

Ave Maria!

Via-se grupos de gente

Vendendo votos na praça

E a urna dos governistas:

Cheia de graça.

Uns a outros perguntavam:

_ o senhor vota conosco?

Um chaleira respondeu:

Este, o Senhor é convosco.

Eu via duas panelas

Com miúdos de dez bois,

Cumprimentei-as dizendo:

Bendita sois!

Os eleitores, com medo

Das espadas dos alferes,

chegavam a se esconderem

Entre as mulheres...

Os candidatos andavam

Com um ameaço bruto,

Pois um voto para eles,

é bendito fruto

Um mesário do governo

Pegava a urna contente

E dizia: - “Eu me gloreio

Do vosso ventre!”

Os poemas falados e escritos em folhetos pelos cordelistas, têm como principais características:

  • Relato de temas populares;
  • Utilização de linguagem informal (coloquial);
  • Utilização de métricas e rimas;
  • Oralidade e musicalidade;
  • Utilização de humor, ironia e sarcasmo;
  • Retratam os costumes locais.

Repente e literatura de cordel

O repente e a literatura de cordel são expressões populares nordestinas que compartilham de algumas semelhanças, porém diferem na maneira como são elaborados.

Na literatura de cordel, as poesias são escritas em folhetos e costumam também ser faladas. São elaboradas pelos cordelistas individualmente, que trabalham em seu texto até que o mesmo esteja pronto para ser apresentado ao público.

O repente também são criações em verso, mas são apresentadas essencialmente de maneira oral elaboradas de forma improvisada pelos repentistas. Os versos de repente costumam ser falados e cantados ao som de um violão.

A expressão popular na literartura nordestina
Os repentistas costumam fazer seus improvisos acompanhados de um instrumento musical.

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