Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam

Depois de 2/3 de quadrimestre, em que nos familiarizamos com conceitos básicos sobre a estrutura da matéria – conhecendo os principais termos que constituem uma visão quântica sobre o mundo (sub)atômico –, vamos iniciar o Bloco 4 da disciplina, dedicado às ligações e interações.

De nossa primeira aula até aqui, sempre analisamos a matéria e suas propriedades considerando que suas partículas componentes, os átomos, se comportavam como entidades individuais.

No entanto, átomos “livres”, que não se ligam a outros átomos, são a exceção, e não a regra da natureza. E mesmo os átomos livres – por exemplo, os gases nobres, que são monoatômicos – não estão impossibilitados de interagir com outros átomos.

Neste Bloco 4, que é o último bloco de conteúdos na disciplina, teremos quatro aulas, e nesta primeira vamos introduzir o tema das ligações químicas.

O princípio geral da ligação química

Observe a seguinte figura, que ilustra a situação mais simples possível para uma ligação química: a ligação de dois átomos de hidrogênio:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Forças de atração e de repulsão na formação da molécula de hidrogênio (H2).

Um átomo livre pode ser considerado como um sistema em que cargas positivas (do núcleo) atraem cargas negativas (elétrons). Quando dois átomos se aproximam, esse sistema fica mais complicado. Aparecem novas forças de atração (entre o núcleo do átomo A e o elétron do átomo B; e entre o núcleo do átomo B e o elétron do átomo A) e forças de repulsão (entre os dois núcleos e os dois elétrons).

Energeticamente, a situação pode ser representada da seguinte forma:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Leia a figura da direita para a esquerda.

A ligação química ocorre quando a combinação dessas forças de atração e de repulsão gera uma situação energética mais favorável. Isso quer dizer que, nesse caso, a energia do sistema será mínima, e o sistema será mais estável. Na figura acima, observe as situações de 1 a 4:

  1. Os átomos livres estão afastados, sem se ligarem. A energia potencial elétrica entre as cargas é próxima de zero.
  2. Os átomos começam a se aproximar. A tendência é de abaixamento da energia potencial do sistema. As forças de atração prevalecem sobre as de repulsão.
  3. A situação mais energeticamente favorável: energia potencial mínima no sistema. Os átomos estão ligados, formando uma molécula.
  4. As partículas estão próximas demais e, principalmente, ocorre a repulsão mútua entre os núcleos de carga positiva. As forças de repulsão prevalecem sobre as de atração.

Ainda, esse tipo de gráfico serve para compararmos a força de ligação entre diferentes espécies atômicas. Veja a figura abaixo:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Quanto maior a distância D entre o fundo do poço de energia potencial e o ponto em que essa energia é zero, mais forte a ligação, ou seja, trata-se de um sistema mais estável.

Assim, para diferentes combinações de átomos, há diferentes valores de energias de dissociação das ligações químicas. Abaixo, alguns desses valores para você conferir:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Energias de dissociação da ligação para diferentes moléculas diatômicas. Os valores estão em kJ/mol.

Eletronegatividade, polaridade e tipos de ligação

Você deve ter ouvido falar que as ligações químicas são, em geral, de três tipos: a metálica, a iônica e a covalente. Vamos deixar a metálica de lado, por enquanto. O que determina se uma ligação será iônica ou covalente, para duas espécies atômicas quaisquer?

Relembremos uma das propriedades periódicas, a eletronegatividade.

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Legendas: “em geral, a eletronegatividade aumenta percorrendo-se um período…” “…e diminui descendo em um grupo”. “Flúor é o elemento mais eletronegativo. Pergunta: por que o hidrogênio não está em sua posição tradicional?

Essa propriedade periódica tem relações com a chamada polaridade de ligação. Mais precisamente, a diferença na eletronegatividade entre dois átomos é justamente uma medida da polaridade de ligação, e determinará o tipo de ligação química que se estabelece entre dois átomos:

  • As diferenças de eletronegatividade próximas a 0 resultam em ligações covalentes apolares (compartilhamento de elétrons igual ou quase igual). Exemplo: F2 (4,0 – 4,0 = 0,0);
  • as diferenças de eletronegatividade próximas a 2 resultam em ligações covalentes polares (compartilhamento de elétrons desigual). Exemplo: HF (4,0 – 2,1 = 1,9);
  • as diferenças de eletronegatividade próximas a 3 resultam em ligações iônicas (transferência de elétrons). Exemplo: LiF (4,0 – 1,0 = 3,0).

Da ligação covalente à ligação iônica

Aprendemos no ensino médio que as ligações covalentes são aquelas em que não há “doação” de elétrons, mas “compartilhamento”. Como vimos há pouco, trata-se das ligações marcadas por baixas diferenças de polaridade entre os átomos que constituem os agregados – que chamamos, nesse caso, de moléculas. 

Usaremos uma convenção para falar da polaridade de ligações, usando a letra grega δ (delta). A extremidade positiva uma ligação polar é representada por δ+. Já o pólo negativo, por δ-.

Você pode brincar com alguns exemplos usando esta animação aqui. Vou deixar alguns exemplos abaixo.

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Ligação covalente apolar entre dois átomos, que possuem eletronegatividades iguais. Trata-se, aqui, de uma molécula diatômica, formando uma substância simples. O caráter da ligação é muito mais covalente que iônico. A cargas positivas e negativas estão distribuídas de forma homogênea e simétrica na molécula. Exemplos: H2 e F2.
Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Ligação covalente polar entre dois átomos, em que um deles é muito menos eletronegativo que o outro. O caráter da ligação não chega a ser iônico, mas também não é totalmente covalente. As cargas negativas estão concentradas na região mais próxima do átomo B. Dizemos, assim, que há um momento de dipolo voltado para o átomo B. Exemplo: HF.

Se usarmos a mesma animação empregada nos exemplos anteriores, veremos o seguinte:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Há acentuada diferença de eletronegatividade entre os átomos. A ligação é predominantemente iônica, quer dizer, os elétrons estão praticamente concentrados na região do átomo B, de modo que podemos afirmar que o átomo A realizou a transferência de seus elétrons. Nesse caso, não falamos que há uma molécula.

Com relação aos tipos de átomos que possuem tendências a participar de ligações iônicas, vejamos sua distribuição pela tabela periódica:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
No lado esquerdo, estão os metais, com tendência a perder elétrons (pois são átomos pouco eletronegativos). Assim, tendem a assumir cargas positivas, tornando-se cátions. No lado direito, estão os ametais, com tendência a receber elétrons (pois são átomos muito eletronegativos). Tendem a assumir cargas negativas, tornando-se ânions. No diagrama acima, você confere alguns dos íons mais comuns de serem encontrados na natureza e no cotidiano do químico.

Com relação aos tamanhos relativos de cátions e ânions, basta raciocinar em termos do tamanho da eletrosfera e nos valores de carga nuclear efetiva (considerando-se, portanto, os efeitos de blindagem nuclear). Cátions tendem a ser menores que seus correspondentes átomos neutros, pois perderam elétrons; ânions, pelo mesmo raciocínio, tendem a ser maiores. Observe alguns comparativos abaixo:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Raios catiônicos em comparação com seus correspondentes átomos neutros.
Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Raios aniônicos em comparação com seus correspondentes átomos neutros.

A formação de ligações iônicas

O tema principal desta aula serão as ligações iônicas, então vamos falar delas.

Assista ao seguinte vídeo:

Tem uma versão mais bonita aqui, mas essencialmente é o mesmo processo:

O que está acontecendo nessas duas situações? Basicamente, estamos falando da seguinte transformação química:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam

Existe uma reação bastante violenta entre um pequeno pedaço de sódio metálico e o gás cloro. Forma-se, no processo, uma quantidade de cloreto de sódio (sal de cozinha) sólido.

Dizemos que essa reação exotérmica, quer dizer, libera energia na forma de calor. Mais ainda, é uma reação violentamente exotérmica. Inferimos que o NaCl é mais estável do que os elementos que o constituem. Por quê?

O Na perdeu um elétron para se transformar em Na+ e o cloro ganhou o elétron para se transformar em Cl–. Observe: Na+ tem a configuração eletrônica do Ne e o Cl– tem a configuração do Ar (fica como exercício demonstrar). Como sabemos, os gases nobres são espécies muito estáveis, e a reação química de produção de NaCl foi capaz de reconfigurar os átomos Na e Cl em íons com uma estrutura eletrônica muito próxima desses gases do grupo 18 da tabela periódica. Assim, o produto final (NaCl) é muito mais estável que seus constituintes, ou seja, possui um conteúdo energético menor. Por isso é que, durante a transformação, libera-se uma quantidade grande de energia para o ambiente.

Ainda, consideremos o seguinte, em termos estruturais. O NaCl forma uma estrutura muito regular na qual cada íon Na+ é circundado por 6 íons Cl–. Similarmente, cada íon Cl– é circundado por seis íons Na+. Há um arranjo regular de Na+ e Cl– em três dimensões e os íons são empacotados o mais próximo possível. Compare essa descrição com as representações abaixo:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
NaCl em duas dimensões. Veja o revezamento regular entre íons positivos e negativos.
Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
NaCl em três dimensões. Os íons se “empacotam” em um arranjo tridimensional bastante regular. Macroscopicamente, haverá a formação de cristais – ou mais corretamente, de um retículo cristalino.
Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Aparência de cristais de NaCl.

O que você precisa guardar, sobre nossa conversa até o momento, é que a ligação iônica pode ser considerada como resultante da atração eletrostática entre íons de cargas opostas. Não se fala em moléculas, no caso de compostos assim formados, porque não há unidades individuais rigidamente demarcadas; o que há, conforme dissemos, é o empacotamento de íons em um arranjo tridimensional.

Assim, se dizemos que a fórmula H2O se refere a uma molécula de água (pois se trata de um composto molecular, formado por ligações covalentes), a fórmula de NaCl não se refere a uma molécula, mas a um retículo cristalino, indicando a proporção dos íons que compõem o composto (nesse caso, a proporção é 1:1, ou seja, cátion Na+ para cada ânion  Cl–). Assim, NaCl não é uma fórmula molecular, sendo chamada de fórmula unitária.

Propriedades de compostos iônicos

Para revisar o que aprendemos até aqui, e introduzirmos o assunto desta seção, assista ao vídeo abaixo. Habilite as legendas para o inglês.

O vídeo nos mostra, rapidamente, como acontece a formação de um retículo cristalino, e sua quebra. Aliás, essa é uma propriedade dos compostos iônicos: eles são quebradiços. A aplicação de uma força mecânica, no retículo, desfaz o arranjo tridimensional, como você observa na figura abaixo.

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Veja o porquê dos compostos iônicos serem quebradiços. (Fonte: http://sciencesolve.blogspot.com). 

Ainda, o vídeo (o anterior, não este último) fala que os compostos iônicos, quando dissolvidos em água, sofrem dissociação, e seus cátions e ânions interagem com os dipolos da molécula de água (uma molécula formada por ligações covalentes polares). Por conta desses íons livres na solução aquosa, ela é capaz de conduzir corrente elétrica.

Por fim, aquele vídeo mostra que, se derretermos um composto iônico (o que é possível aquecendo-o a altíssimas temperaturas) – obtendo, assim, um líquido iônico –, o composto, mesmo puro, é capaz de conduzir corrente elétrica, devido à mobilidade de seus íons.

A organização tridimensional de um composto iônico

Vimos que o NaCl se organiza de forma que cada íon Na+ é circundado por 6 íons Cl– . Será que está é a única forma de organização de um composto iônico?

Na verdade, não. É apenas uma entre várias. Veja abaixo algumas dessas organizações, que são apresentadas em diagramas com cubos e outras figuras geométricas e chamadas células unitárias.

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Duas formas de organização de compostos iônicos, ou células unitárias.

Não vamos enfatizar nada disso neste curso, ok? É mais pra vocês conhecerem essas formas de organização. Na verdade, elas são mais estudadas por uma disciplina chamada Cristalografia, tendo importância também em estudos sobre Química Inorgânica/Química de Coordenação. Ou seja, deixemos essas encrencas mais pra frente, e apenas contemplemos a beleza dos  sólidos cristalinos:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Diversos minerais estudados pela Cristalografia.

Caso você queira aprender um pouco mais a respeito, veja a aula abaixo, da professora Euliane Jesus. Ela explica a construção dos modelos de células unitárias a partir de jujubas, fala sério! Muito bom: 

É possível descrever a organização dos íons em um composto também a partir de um parâmetro energético, a chamada energia reticular. Ela é calculada a partir da seguinte fórmula, a equação de Born-Landé, que envolve vários parâmetros que não vamos estudar detalhadamente neste curso:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Na equação, você vê no numerador a constante de Madelung (cujos valores, para alguns tipos de células unitárias, estão dispostos na tabela), a constante de Avogadro e o produto das cargas elétricas dos íons envolvidos. No denominador, aparece o valor de permissividade no vácuo e a distância média r entre os íons que compõem o retículo. Tudo isso é multiplicado por um fator que envolve o número n. No entanto, não se trata do número quântico principal, mas de outra grandeza, chamada expoente de Born.

A Universidade de Sydney criou uma plataforma em que você calcula os valores de energia reticular alterando parâmetros como os íons do composto iônico. Acesse aqui.

Abaixo, confira alguns valores de energias reticulares, ou energias de rede, para diversos compostos iônicos:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Energias de rede para alguns compostos iônicos.

Os valores de energia de rede representam o quão estáveis são os compostos iônicos, em comparação com os íons tomados separadamente. No entanto, não é possível determinar a energia reticular de forma direta. Para isso, emprega-se o chamado Ciclo de Born-Haber, que somará as energias envolvidas em processos que são intermediários entre a reação de interesse (a produção do composto iônico a partir de seus íons). Talvez fique mais claro se você analisar a figura abaixo, que representa os processos e energias envolvidas no ciclo de Born-Haber para o cloreto de sódio:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Ciclo de Born-Haber para o NaCl. Veja que o valor de -411,15 kJ já foi apresentado neste post: trata-se da entalpia de formação do cloreto de sódio a partir de gás cloro e sódio metálico, como vimos nos primeiros vídeos. Conhecendo esse valor, e os valores de energia (ou entalpias) de processos intermediários, fica possível determinar a energia do processo de nosso interesse, a formação de NaCl a partir de seus íons constituintes no estado gasoso.

Não vai adiantar muito eu comentar ou descrever detalhadamente os ciclos de Born-Haber para diversos compostos. A tarefa de estudar detidamente isso ficará por sua conta, e você terá oportunidades de praticar isso na lista de exercícios.

Um último aspecto que você precisa conhecer é bem simples. Trata-se da questão dos íons compostos. Às vezes, um conjunto amplo de partículas se comporta, em um retículo cristalino, como se fosse uma entidade iônica única. Veja, na tabela abaixo, alguns dos íons compostos mais importantes com os quais você se deparará neste e em outros cursos:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
Lista de alguns cátions e ânions compostos.

Observe a figura abaixo, extraída do nosso livro didático, o Atkins:

Considerando as duas situações seguintes, que podem ocorrer quando dois átomos se aproximam
A figura destaca que os ânions fosfatos, embora contenham cinco átomos, possuem uma estrutura aproximadamente esférica. Com a carga negativa de -3 unidades, eles podem se arranjar em uma estrutura tridimensional com cátions cálcio. O fosfato de cálcio, o composto assim formado, é um constituinte de nossos ossos. Ao fundo, uma micrografia de um osso humano, mostrando seu caráter “mineral”.

Já tem uma Lista 5, no drive da disciplina, com vários exercícios que você pode tentar ir resolvendo desde já. Também estou disponibilizando, de forma mais ágil, referências complementares no nosso drive, que você acessa consultando a pasta “Textos”. Caso este post não seja esclarecedor para resolver as listas – estou prevendo dificuldades no Ciclo de Born-Haber –, procure analisar esses textos complementares. E boa sorte!