Quais os recursos cabíveis contra decisão que inadmite e nega seguimento a recurso especial extraordinário?

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

Um dos problemas mais enfrentados pelos nossos tribunais, em matéria de recurso, é a verificação de sua correta utilização e as consequências em caso de erro considerado grosseiro.

Neste ensaio, serão analisados, de acordo com a jurisprudência do STJ e STF, aspectos ligados à unirrecorribilidade e as variáveis relacionadas ao Juízo de Admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário, inclusive no que respeita ao cabimento de Reclamação (especialmente após o resultado do julgamento, pela Corte Especial do STJ, da Reclamação – RCL 36.476/SP).

Com efeito, é necessária parcimônia na interpretação do art. 1030, do CPC/15, com a redação proveniente da Lei 13.256/2016.

O ponto de partida para a análise do recurso cabível em face da negativa de seguimento ao RE ou REsp é enfrentar os motivos que geraram tal decisão. Em resumo, estas condutas podem ser adotadas (art. 1.030, do CPC) pelo tribunal local: a) negativa de seguimento: i. RE sem repercussão geral já declarada pelo STF ou quando a decisão local está em conformidade com o entendimento exarado pelo Pretório Excelso no regime da Repercussão Geral; ii. RE ou RESp interposto contra acórdão decidido em conformidade com o entendimento do Tribunal Superior advindo de julgamento de recurso repetitivo; b) remessa dos autos ao órgão julgador para o juízo de retratação, nos casos em que o acórdão local divergir do entendimento do Tribunal Superior advindo de recurso repetitivo ou Repercussão Geral; c) sobrestamento recursal, nos casos em que a controvérsia submetida a regime repetitivo ainda não foi apreciada pelo Tribunal Superior; d) seleção do recurso como representativo de controvérsia; e) realização do juízo de admissibilidade regular, com a remessa, em caso positivo, do feito ao STJ e/ou STF, desde que atendidos os pressupostos do art. 1030, V, a a c, do CPC.

Partindo destas múltiplas possibilidades, duas perguntas devem ser formuladas: qual o recurso cabível para impugnar a decisão que obstou a subida do RE ou o RESp? Em caso de manuseio da peça errada, é possível a aplicação da fungibilidade recursal, em atendimento à primazia de mérito e à cooperação? O CPC procurou resolver estes questionamentos, com o regramento contido no art. 1.030, §§1º e 2º, a saber: ARESp ou ARE é cabível apenas quando a decisão de inadmissibilidade for pautada no inciso V, deste mesmo artigo, ficando as demais hipóteses sendo impugnadas por AgInt (art. 1.021 c.c art. 1.030, §2º).

Contudo, é fato que em alguns casos a decisão é duvidosa, pois não apresenta expressa indicação, dentro das variáveis do art. 1.030, do CPC, de qual o dispositivo que gerou a negativa de seguimento. Aliás, ao aplicar os precedentes do STF ou STJ, muitas vezes os tribunais locais adentram no mérito recursal, ultrapassando os próprios limites da admissibilidade[1]. Nestes casos, seriam cabíveis EDs para a correta integralização do julgado? Particularmente entendo que sim, tendo em vista que o art. 1022, do CPC consagra a possibilidade de manejo dos aclaratórios contra qualquer decisão[2].

Contudo, o STJ tem afirmado que os EDs não são cabíveis contra as decisões de inadmissibilidade e que, se acaso manejados, não interrompem o prazo para o recurso correto. Vale citar passagem da decisão da Presidência do STJ no ARESP 980.304 (de 21.09.2016 – DJe de 30.09.2016):

“Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, a interposição de recurso manifestamente incabível não interrompe o prazo recursal. Na espécie, os embargos de declaração opostos em face da decisão que inadmitiu o recurso especial não são o recurso adequado ou cabível à espécie. Nesse sentido, os seguintes precedentes: AgRg nos EDcl no AREsp 157.670/RJ, 2.ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 19/10/2012; e AgRg no Ag 1335961/RS, 4.ª Turma, Rel. min. Marco Buzzi, DJe de 27/11/2012.

No julgamento do AgInt neste ARESp 980.304 (DJ de 15.03.2017), a Corte ratificou que:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. LAPSO TEMPORAL QUE NÃO SOFRE INTERRUPÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO INTEMPESTIVO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS. ENUNCIADO 16 DO ENFAM. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Os Embargos de Declaração interpostos contra decisão de inadmissibilidade do Recurso Especial não interrompem o prazo para a interposição do Agravo, pois o único recurso cabível contra decisão que, na origem, não admite o Recurso Especial é o Agravo. 2. Não há que se falar na aplicação de honorários sucumbenciais recursais, uma vez que, de acordo com a orientação que vem se firmando nesta Corte, o art. 85 do CPC/2015 não autoriza a majoração dos honorários a cada recurso interposto no mesmo grau. Precedentes. 3. Agravo interno não provido”.

Também o STF tem precedentes contrários ao cabimento de EDs contra decisão local de inadmissibilidade de RE:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO ÓRGÃO JUDICIÁRIO DE ORIGEM QUE NÃO ADMITIU O RECURSO EXTRAORDINÁRIO – OPOSIÇÃO, EM FACE DESSE ATO DECISÓRIO, DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RECURSO INADMISSÍVEL – INAPTIDÃO PARA INTERROMPER OU PARA SUSPENDER A FLUÊNCIA DO PRAZO RECURSAL – CONSEQUENTE INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO POSTERIORMENTE INTERPOSTO – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO IMPROVIDO” (EMB .DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 685.079 – Rel. Min. Celso de Mello, J. em 28.08.2012, Dje de 10/10/2012).

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE NÃO ADMITE O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INCABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTEMPESTIVO. I- Não cabem embargos de declaração da decisão que não admite o recurso extraordinário. II- Recurso incabível não tem o efeito de suspender o prazo recursal. III- Agravo regimental improvido” (AgReg no AI 588.190- Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. em 3.04.2007 – DJ de 08.06.2007)[3]. 

Este posicionamento deve ser revisitado, consoante alguns registros isolados[4], por várias razões: a) o CPC é expresso ao consagrar o cabimento de EDs contra qualquer pronunciamento judicial; b) a negativa de seguimento de RE e RESp é conceituada como decisão e poderá conter uma omissão, obscuridade, contradição ou erro material; c) diante das múltiplas situações presentes do art. 1.030, do CPC, é comum que a decisão que nega seguimento ao recurso gere dúvidas quanto ao cabimento de AgInt ou ARE/ARESP. Neste caso, a boa-fé do embargante está mais do que demonstrada, inclusive pelo entendimento predominante no sentido de que não há fungibilidade entre estes agravos; d) caso o STJ ou STF, após o conhecimento e apreciação meritória dos EDs, pelo tribunal local, e posterior recebimento do ARESp ou ARE, venha a decretar a intempestividade do Agravo pelo erro na utilização dos aclaratórios, estará ferindo de morte a boa-fé, à primazia de mérito e a própria cooperação, tendo em vista que o recorrente já teve direito adquirido ao adiamento da formação da coisa julgada material.

Aliás, em julgamento ainda na vigência do CPC/73, o STJ reconheceu a justa expectativa, nos casos em que o tribunal local conhece dos embargos declaratórios:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE INADMITIU O RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INCABÍVEL. CONHECIMENTO PELA CORTE DE ORIGEM. JUSTA EXPECTATIVA DA PARTE DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (AgRg no AREsp 37144 / RS - Rel. Min. Teori Albino Zavascki – 1ª T – J. em 17/05/2012 – DJe de 24/05/2012)[5].

Aliás, penso que esse posicionamento quanto ao incabimento dos EDs é um dos maiores equívocos interpretativos que vem sendo mantido nestes primeiros quatro anos de vigência do CPC/15, que, inclusive, pode fulminar, além do direito ao recurso, o próprio manejo da ação rescisória (caso a decisão embargada tenha sido proferida há mais de dois anos da data do não conhecimento do Agravo). Eventual má-fé no manejo dos aclaratórios pode ser punível com a aplicação da multa, não se tratando, portanto, de erro grosseiro a sua oposição, em que pese o entendimento jurisprudencial exposto acima.

De outra banda, como mencionado acima, o CPC consagra que, dependendo da fundamentação apresentada na decisão que nega seguimento ao RE ou RESp, será cabível AgInt (art. 1030, I, a e b c/c §2º, do CPC) ou ARE/ AREsp (art. 1030, V, §1º c.c art. 1042, do CPC).  Portanto, como exceção à unirrecorribilidade, a parte deve interpor os dois agravos, sendo primeiramente apreciado o recurso local para, dependendo de seu resultado, a remessa dos autos ao STF ou STJ.

A Corte da Cidadania tem diversos precedentes sobre este tema[6]-[7]. Aliás, o Conselho da Justiça Federal (CJF) editou o Enunciado 77, tentando colocar uma última pá de cal na discussão:

“Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais”.

E não é só. Como já mencionado, o STJ[8] e STF têm precedentes contrários à fungibilidade entre os dois agravos, configurando erro grosseiro o manejo do recurso incabível e, como consequência, não correu a interrupção do prazo recursal, especialmente após o julgamento da Questão de Ordem no AI 760.358/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.2.2010[9]:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO INTERNO  INCABÍVEL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NÃO ADMITIU RECURSO ESPECIAL. NÃO SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto depois de escoado o prazo de 15 (quinze) dias úteis previsto nos arts. 219, caput, 994, VI, e 1.003, § 5º, do CPC/2015. 2. Nos termos do art. 1.042 do CPC/2015, contra decisão que não admite o recurso especial é cabível agravo nos próprios autos para o Superior Tribunal de Justiça, e não agravo interno, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em julgamento de recursos repetitivos, o que não ocorre na presente hipótese. 3. O agravo interno interposto na origem, contra decisão que não admitiu o recurso especial, é manifestamente incabível. 4. "O recurso manifestamente incabível, intempestivo ou inexistente não suspende nem interrompe o prazo para a interposição de recurso adequado" (AgRg no RE nos EDcl no REsp 1.534.058/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, DJe de 10/5/2017). 5. Agravo interno ao qual se nega provimento (AgInt no AREsp 1326751 / MG – Rel. Min. Raul Araújo – 4ª T – J. em 13/11/2018 – DJ de 06/12/2018).

“AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGOU SEGUIMENTO. SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. ART. 1.030, § 2º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. PRAZO RECURSAL NÃO INTERROMPIDO. CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO. 1. Conforme previsão do artigo 1.030, § 2º, do Estatuto Processual Civil, é cabível agravo interno/regimental contra a decisão que negar seguimento a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Excelso Pretório exarado no regime de repercussão geral. 2. A interposição de agravo em recurso extraordinário em face de decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, nos termos do artigo 1.030, inciso I, alínea "a", do Código de Processo Civil, evidencia a ocorrência de erro grosseiro, a impossibilitar a aplicação do princípio da fungibilidade recursal ao caso. 3. Tratando-se de recurso manifestamente incabível, que não suspende nem interrompe o prazo para a interposição de outro recurso, verifica-se a ocorrência do trânsito em julgado da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário. 4. Agravo em recurso extraordinário não conhecido” (ARE no RE no AgRg no AREsp 1128907 / RS – Rel. Min. João Otávio de Noronha – Corte Especial – J. em 07.11.2018, DJe de 20/11/2018).

No caso em comento, os Tribunais também têm aplicado o Enunciado n.º 322 da Súmula do STF, que possui a seguinte redação: “não terá seguimento pedido ou recurso dirigido ao Supremo Tribunal Federal, quando manifestamente incabível, ou apresentado fora do prazo, ou quando for evidente a incompetência do Tribunal”. Portanto, além de não admitir a fungibilidade, ocorre o trânsito em julgado precoce da decisão recorrida pelo agravo equivocado.

Logo, deve o intérprete deve ter muita cautela em relação ao juízo de admissibilidade no âmbito do RE e RESp. Há a necessidade de verificar a fundamentação legal para o correto manejo do Agravo do art. 1.021, do CPC ou do art. 1042, do CPC. De acordo com o entendimento dos Tribunais Superiores, os aclaratórios são incabíveis, bem como não é admitida a fungibilidade entre os agravos sendo, em caso de equívoco recursal, considerado erro grosseiro e, consequentemente, inexistindo interrupção do prazo.

Na mesma pisada, há divergência interpretativa em relação à medida cabível, especialmente para evitar o trânsito em julgado da decisão e a eventual análise quanto ao manejo de ação rescisória (art. 966, V, do CPC) após o julgamento do AgInt que mantém a inadmissibilidade recursal fundada no art. 1.030, I, do CPC: novo RE ou RESp, ARE ou ARESp ao Tribunal Superior ou Reclamação[10], com o objetivo de suscitar a superação /distinção?

Sobre o tema, Darilê Marques da Matta escreve que:

“No caso de recurso especial que teve a inadmissibilidade confirmada pelo julgamento do agravo interno, caberá a interposição de novo recurso especial contra o acórdão desse agravo interno. O recorrente, por sua vez, deverá suscitar: a) a má interpretação do próprio artigo 1.030, do CPC/2015 (matéria infraconstitucional e, portanto, de competência do STJ a avaliação da sua extensão interpretativa, enquadrando-se como hipótese de cabimento pelo artigo 105, III, a, da CF); e, b) os motivos que indicam a possibilidade de superação do entendimento”[11].

E, em relação ao RE, conclui:

“O recurso extraordinário seria motivado com base na incumbência do STF, como intérprete último da Constituição Federal (artigo 102 da CF), de manifestar-se sobre a possibilidade de superação do entendimento firmado no âmbito de sua própria jurisdição acerca de questão constitucional. Configuraria violação ao artigo 102 da CF, negar ao STF a prerrogativa de analisar a questão, autorizando-se o cabimento do recuso em atenção à alínea a do inciso III do art. 102 da CF”[12].

Também a favor de novo RE e REsp, entendem Dierle Nunes e Marina Carvalho Freitas que:

“Torna-se imperativa a aceitação de cabimento de novo RE ou REsp contra a decisão de não provimento do agravo interno, na seara da percepção do ministro Teori Zavascki em 2011, sendo tal técnica eficaz em garantir o acesso aos tribunais superiores e, consequentemente, garantir aos jurisdicionados o direito de suscitar argumentos para a superação dos precedentes, impedindo-se seu pernicioso engessamento.

O novo recurso especial deverá ser embasado em negativa de vigência e contrariedade ao disposto no artigo 927, parágrafos 2º a 4º (que prevê a superação), a ser pré-questionada no agravo interno interposto de modo a se evitar o engessamento do Direito, e de novo recurso extraordinário embasado na norma de seu cabimento (artigo 102, III, a)”[13].

Já Nelson Nery Junior e Georges Abboud asseveram que:

“O cabimento do agravo no CPC 1042 contra a decisão colegiada do TRF ou TJ que, ao julgar o agravo interno, mantém a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal que negou seguimento ao RE/REsp (CPC 1030 I) ou julgou a questão do sobrestamento (CPC 1030 III), é conclusão que se extrai do sistema constitucional, para que se dê ao CPC 1030 §2º e CPC 1042 conformidade constitucional, que fixa a competência do STF e do STJ para julgar o RE e o REsp, respectivamente. Isto significa que a sistemática trazida pela reforma constante da L 13256/2016 só não será inconstitucional se se der aos dispositivos aqui mencionados interpretação conforme a Constituição”[14].

A questão a ser enfrentada é: se a parte pretende discutir a distinção, o erro na aplicação ou mesmo a superação do precedente utilizado pelo tribunal de origem, poderá fazer uso de qual instrumento processual, inclusive para evitar o trânsito em julgado da decisão? O STJ tem julgados no sentido de que, após o AgInt, nenhuma outra medida é cabível[15].

Contudo, existem precedentes que enfrentam o cabimento de reclamação[16]-[17], pelo que é razoável apresentar duas conclusões acerca deste ponto: a) o entendimento firmado no CPC/73 de que a distinção em relação à aplicação do precedente se resolve no âmbito do tribunal local não deve prevalecer; b) há dúvida objetiva em relação à medida processual cabível após o julgamento do AgInt, para evitar o trânsito em julgado do decisum: ARE/ ARESp; novo RE/REsp e/ou Reclamação.

Neste tema, entendo que a Reclamação é admissível como instrumento de controle da aplicação dos precedentes. De toda sorte, não pode ser considerado erro grosseiro o manejo de quaisquer destas medidas, tendo em vista a clara dúvida e a inexistência de uniformidade de entendimento. Portanto, atendendo à primazia de mérito e à cooperação, deve ser aproveitada a medida judicial adotada pela parte, em razão da clara dúvida interpretativa.

Contudo, neste tema, importante é destacar que a Reclamação 36.476 foi apreciada pela Corte Especial que, em 05.02.2020 (DJe 06.03.2020), por maioria, decidiu pelo seu incabimento.  

Pela leitura do Voto da Exma. Ministra Nancy Andrighi e dos demais Ministros (total de 78 fls), é fácil perceber que o assunto é polêmico com múltiplas interpretações. Vale destacar os itens 6 e 7 da Ementa:  

“6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a Lei 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição.

7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios”.Como se pode perceber, a Corte Especial do STJ indeferiu a petição inicial da RCL e extinguiu o processo sem resolução de mérito, por maioria e de acordo com o Voto da Exma. Ministra Relatora Nancy Andrighi. Contudo, este entendimento não está imune a crítica. As indagações a serem ainda enfrentadas pelos intérpretes e operadores do direito são: qual o instrumento cabível, após o AgInt interno, visando o controle da correta aplicação do precedente pelos demais Tribunais, especialmente antes da decisão transitar em julgado? Será necessário deixar transitar em julgado a decisão para o posterior ajuizamento de Acão Rescisória perante a Corte local, atendendo aos requisitos legais (art. 966, V e seus §§5º e 6º, do CPC)? Com estas indagações, encerro o texto da coluna desta semana, fazendo o convite à reflexão acerca das múltiplas variáveis decorrentes de um mesmo tema (negativa de seguimento de recursos especial e extraordinário). 

Notas e Referências

ABBOUD, George  NERY JR, Nelson. Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei 13.256/2016. Revista de processo n. 257. São Paulo : Revista dos Tribunais, julho/2016

DIDIER Jr, Fredie e CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual. 13ª edição. Vol 3. Salvador: Juspodivm, 2016.

FREITAS, Marina Carvalho e NUNES, Dierle. O STJ e a necessidade de meios para superação dos precedentes. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-nov-22/opiniao-stj-meios-superacao-precedentes#_ftn7 Acesso em 16.01.19 às 11:00h

MACÊDO, Lucas Buril de. A análise dos Recursos Excepcionais pelos Tribunais Intermediários – o pernicioso art. 1.030 do CPC e sua inadequação técnica como fruto de uma compreensão equivocada do sistema de precedentes vinculantes”. Revista de Processo n. 262, São Paulo : Revista dos Tribunais, dezembro/2016

MATTA, Darilê Marques da. A recorribilidade da decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário fundamentada no art. 1.030, I, do CPC/2015, diante da necessidade de superação do precedente. Revista de Processo n. 271, São Paulo : Revista dos Tribunais, setembro/2017.

[1] Vale citar as lições de Lucas Buril de Macêdo: “quando há precedente obrigatório, o mérito é analisado no próprio tribunal a quo, no sentido de que será ele que fará o juízo de identidade entre o precedente e o caso, “negando seguimento” ao recuso caso entenda que a ratio decidendi é aplicável. O juízo pretensamente de admissibilidade, portanto, nada mais é do que uma análise do mérito recursal, na medida em que o objeto do próprio recurso é a decisão fundada em precedente, ou seja, ele versa sobre a aplicação da sua ratio ou não ao caso”. A análise dos Recursos Excepcionais pelos Tribunais Intermediários – o pernicioso art. 1.030 do CPC e sua inadequação técnica como fruto de uma compreensão equivocada do sistema de precedentes vinculantes”. Revista de Processo n. 262, São Paulo : Revista dos Tribunais, dezembro/2016, p. 202.

[2] Como bem apontam Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: “a partir do CPC-2015, portanto, perde o sentido qualquer discussão sobre o cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória, decisão de relator ou decisão de Presidente ou Vice-Presidente do tribunal, que havia ao tempo do CPC-1973. Agora, qualquer decisão é embargável”. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 13ª edição,  Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p, 259.

[3] No mesmo sentido, ver: AI 521.217, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 11.11.2005; AI 528.553-AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1.7.2005; AI 515.208-AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1.04.2005 e, mais recentemente, o AgRg no ARE 813.750 – Rel. Min. Cármen Lúcia – J. em 28.10.2016).

[4] Mesmo na vigência do CPC/73, o STJ já tinha alguns posicionamentos contrários à sua jurisprudência dominante, como nos EDs em AgRg em Resp. 275,615 – Rel. Min,  Ari Pargendler – J. 13.03.14 – DJ de 24.3.14: “PROCESSO CIVIL. DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL. PRAZO RECURSAL INTERROMPIDO PELA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Salvo melhor juízo, todas as decisões judiciais podem ser objeto de embargos de declaração, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sem  explicitar a respectiva motivação, tem se orientado no sentido de que os embargos de declaração opostos contra a decisão que, no tribunal a quo, nega seguimento a recurso especial não interrompem o prazo para  a interposição do agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil”.

[5] Nos termos do voto do Relator, ao enfrentar a jurisprudência dominante da Corte quanto ao incabimento de Eds contra decisão que não admite RESp: “o caso concreto apresenta a peculiaridade de que o Tribunal de origem conheceu dos embargos para, a seguir, rejeitá-los (fls. 392/393). Assim, dada a existência de justa expectativa da parte de que os embargos de declaração opostos haviam interrompido o prazo para a interposição do agravo em recurso especial, esta não pode ser penalizada com a declaração da intempestividade de seu recurso”.

[6] Inclusive na vigência do CPC/73, como a QO no Ag 1154599 / SP (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha  - Corte Especial – J. em 16/02/2011 – DJe 12/05/2011). RSTJ vol. 223 p. 57; Rcl 9404 / RJ (Rel. Min. Herman Benjamin – 1a Seção – J. em  14/08/2013 – DJe 11/09/2013).

[7] "AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS E JUROS REMUNERATÓRIOS. INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL COM BASE NO ART. 543-C, § 7º, I, DO CPC. DESCABIMENTO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. PRESSUPOSTO NÃO EVIDENCIADO. POSSIBILIDADE. INSCRIÇÃO DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. 1. É incabível agravo interposto contra decisão que nega seguimento a recurso especial fundado no art. 543-C, § 7º, I, do CPC, quando o acórdão recorrido tiver decidido no mesmo sentido daquele proferido pelo STJ em recurso representativo de controvérsia. (...) 4. Agravo regimental desprovido" (STJ, AgRg no AREsp 500.011/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe de 03/11/2015). Vale também a leitura do AgInt no AREsp 1020811 / MS – Rel. Min.  Maria Isabel Gallotti – 4ª T – J. em 16/05/2017 – DJe 22/05/2017

[8] Vale citar o item II, da Ementa do AgReg na SS 416: “A APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL, QUE PRESSUPÕE A EXISTENCIA DE DUVIDA OBJETIVA QUANTO AO RECURSO CABIVEL, AFIGURA-SE INVIAVEL ANTE A PREVISÃO EXPRESSA DO RECURSO ADEQUADO” (AgRg na SS 416 / BA – Rel. Min. AMÉRICO LUZ – Corte Especial – J. em 17/04/1996 – DJ de 27/05/1996 p. 17796 -  LEXSTJ vol. 86 p. 250).

[9] No STJ, ver também: ARE nos Edc no AgRg no RE no AgREe no ARESp 1091032; AgRg no RE nos EDcl no AgRg nos EAREsp 253828; AgInt no RE nos EDcl no EREsp 1190189, dentre outros)

[10] Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha admitem o cabimento de reclamação, como se observa na seguinte passagem: “esse agravo interno cumprirá o papel de servir como veículo do direito à distinção: o recorrente poderá demonstrar que seu caso é distinto, a justificar a não aplicação dos precedentes obrigatórios referidos no inciso I do art. 1.030, do CPC. Não provido o agravo interno, ao recorrente caberá reclamação para o STF ou STJ, nos termos do inciso II, do §5º do art. 988 do CPC: o agravo interno terá exaurido as instâncias ordinárias de impugnação da decisão e, com isso, terá sido preenchido o pressuposto da reclamação para o STF ou STJ previsto nesse inciso”. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 13ª edição, JusPodivm, 2016, p. 317.

[11] A recorribilidade da decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário fundamentada no art. 1.030, I, do CPC/2015, diante da necessidade de superação do precedente. Revista de Processo n. 271, São Paulo : Revista dos Tribunais, setembro/2017, p. 292.

[12] A recorribilidade da decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário fundamentada no art. 1.030, I, do CPC/2015, diante da necessidade de superação do precedente. Revista de Processo n. 271, São Paulo : Revista dos Tribunais, setembro/2017, p. 293.

[13] O STJ e a necessidade de meios para superação dos precedentes. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-nov-22/opiniao-stj-meios-superacao-precedentes#_ftn7 Acesso em 16.01.19 às 11:00h

[14] Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei 13.256/2016. Revista de processo n. 257. São Paulo : Revista dos Tribunais, julho/2016, p. 233.

[15] Dentre outras, ver: AgRg no AREsp 617.182/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T, DJe de 12/02/2015); AgRg no AREsp - 652.000/PB, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª T, DJe de 17/06/2015; STJ, AgRg no AREsp 535.840/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª T, DJe de 16/09/2014 e, já na vigência do CPC/15: AREsp 1170332  (Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 07/11/2017).

[16] , No STF: Rcl 4.374/PE, Rcl 25.078 AgR/SP, RCL 26928 / SE  e 32532/PE.

[17] Vale citar passagem da decisão do Min. Luiz Roberto Barroso (J. 23.11.18): “7- No entanto, o Código de Processo Civil de 2015, na linha das suas demais inovações relativas à evolução legislativa do sistema de precedentes, previu a possibilidade de ajuizamento da reclamação para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinários repetitivos. Todavia, para tanto, deveriam ser “esgotadas as instâncias ordinárias” (art. 988, § 5º, II, do CPC/2015).8. Tem prevalecido a interpretação no sentido de que o esgotamento das instâncias ordinárias exige o correto percurso de todo o iter processual, ultimado na interposição de agravo interno contra a decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário, nos termos do art. 1.030, I e § 2º, do CPC/2015. Ou seja: é imprescindível que a parte tenha interposto todos os recursos cabíveis, até a última via processual que lhe é aberta. Nesse sentido, veja-se: Rcl 24.686-ED-AgR, rel. Min. TeoriZavascki. 9. No presente caso, esse requisito foi cumprido, porquanto ajuizada a reclamação de acórdão de Órgão Especial que apreciou decisão que negara trâmite a recurso extraordinário, conforme art. 1.030, I, a, do CPC/15”.

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Qual recurso cabível contra decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário?

AGRAVO INTERNO Se o presidente ou vice do TJ/TRF negar seguimento ao Recurso extraordinário ou Recurso Especial, analisando o MÉRITO da matéria (inciso I, alíneas a, b, do art. 1.030 do CPC), caberá AGRAVO INTERNO (1021), a ser julgado pelo colegiado do próprio tribunal TJ/TRF.

O que acontece quando o recurso extraordinário não é admitido?

Indica que um Recurso Extraordinário, isto é, que levaria o processo até o Supremo Tribunal Federal, não foi aceito.

Qual o recurso cabível contra a decisão que não admitir os recursos especial e extraordinário?

Em ambos os casos, o § 2º do art. 1.030 afirma que o recurso cabível contra a decisão será o agravo interno.

Qual recurso cabível contra decisão que não conhece agravo em recurso especial?

O agravo em recurso especial, ou agravo interno, é o recurso cabível contra a decisão que nega seguimento ao recurso especial.